A Cidade Sinistra

A Cidade Sinistra
Scott Kaelen


a
TAPEÇARIA FRATURADA

A CIDADE SINISTRA

Scott Kaelen

2019

A Cidade Sinistra © 2018 Scott Kaelen
A Tapeçaria Fraturada © 2015, 2018 Scott Kaelen
Traduzido por Ju Pinheiro
Publicado por TekTime
Todos os direitos reservados
O direito de Scott Kaelen de ser identificado como o autor desta obra foi assegurado por ele de acordo com a Lei de Direitos Autorais, Desenhos e Patentes de 1988.

A série A Tapeçaria Fraturada, à qual pertence o romance A Cidade Sinistra, é uma obra de ficção. Todos os personagens, eventos e lugares são fictícios. Qualquer semelhança com uma pessoa real, eventos ou lugares é mera coincidência.

Para Electa

Biografia do Autor

Scott Kaelen escreve nos gêneros de fantasia épica, ficção científica, horror e poesia. Seu romance de estreia é A Cidade Sinistra e seu projeto atual é o segundo romance da série A Tapeçaria Fraturada. Os interesses de Scott incluem etimologia, psicologia, Terra pré-histórica, o Universo, RPGs eletrônicos, ler e assistir ficção científica, fantasia e horror. Seus programas favoritos de ficção científica são Stargate, Farscape, Jornada nas Estrelas e Red Dwarf.
Blog/Website: authorscottkaelen.wordpress.com
Página de Autor da Amazon US: amazon.com/author/scottkaelen
Página de Autor da Amazon Global: author.to/scottkaelen
Goodreads: goodreads.com/scottkaelen
Perfil do Facebook: facebook.com/scottkaelen
Página de Autor no Facebook: facebook.com/scottkaelenofficial
Página da Série no Facebook: facebook.com/thefracturedtapestry
Twitter: twitter.com/scottkaelen

Obras Publicadas

A Tapeçaria Fraturada
Night of the Taking (2015)
A Cidade Sinistra (2019)

Títulos dos Capítulos

O Contrato Chiddari
Nas The Terras Mortas
Meu, Tudo Meu
Pedras dos Tempos Passados
Complicações Contratuais
Duas Extremidades da Estrada
Paciência e Orações
Observadores Na Fronteira do Mundo
Nada Sem Medo
Intrusos
Permanência em Dulèth
Sob Uma Lua Pálida
Demelza
Carne Para a Fera
Uma Chama Efêmera
Despertar Rude
De Volta Às Entranhas
Outro Galho da Árvore
Fardo da Decisão
Forasteiro No Íntimo
Antes da Tempestade
Meretrizes e Soberanos
Toca De Segredos Horríveis
Ammenfar
Uma Grande Mãe
Uma Sombra Que Admite Sua Forma
Compulsão Profana
Enfrentando O Corvo
Entre Duas Eternidades
Sorte Podre
Última Ceia
Do Pôr do Sol Ao Nascer do Sol
O Dom do Adeus
Pegadas Na Areia
Intercâmbio
Desvinculado
Fogo E Maré
Dee E O Rei Orc
Encontro Em Caer Valekha
A Tolice De Um Homem
A Simetria Da Distância
Citação

O país de Himaera aprendeu muito desde os Dias dos Reis, principalmente o preço da ganância e da ambição. Desafiar os deuses é convidar sua ira. A ira de Morta’Valsana foi exercida sobre o Rei Mallak Ammenfar de Lachyla, amaldiçoando o monarca abrangente e seus súditos leais.
Para sempre depois disso, o nome de Mallak foi sinônimo de avareza e excesso e a cidade de Lachyla tornou-se conhecida como a Cidade Sinistra. Era uma cicatriz na terra de Himaera, um remanescente eterno da ira da deusa e um lugar a ser evitado a todo custo…
Do Um Códex Das Eras, Vol. IV

“A morte cura todas as doenças transmitidas por coisas mortas.”
Provérbio Sosarran

Uma Nota Para o leitor

Obrigado por escolher A Cidade Sinistra. Espero que você aprecie lê-la tanto quanto eu apreciei escrevê-la. Se você gostou, por favor, considere deixar um comentário na Amazon, Goodreads ou em outro lugar. O melhor presente de um leitor para um autor não é apenas comprar e ler um livro (provavelmente nós nem saberemos que você fez isso), é o compartilhamento público da sua experiência de leitura. Com isso em mente, se sua experiência com A Cidade Sinistra for boa, por favor, reserve alguns minutos para deixar que todos saibam sobre isso. Essa é a força motriz que impulsiona os autores e dá a eles a determinação para publicar seu próximo livro.
Você pode deixar um comentário ao visitar a página da Amazon de A Cidade Sinistra – http://mybook.to/theblightedcity (http://mybook.to/theblightedcity). Obrigado novamente.

Scott Kaelen

Ano 693 da Quarta Era, Estação de Vur
Segundo Dia da Terceira Semana de Banaeloch
Capítulo Um
o contrato Chiddari

A batalha está quase terminada. O pensamento encheu Maros com uma sensação vergonhosa de triunfo enquanto olhava para seu desafio final. Do outro lado da clareira, as janelas fechadas da cabana devolviam seu olhar com um desinteresse prodigioso.
“Apenas mais noventa metros. Vá em frente com isso,” ele se repreendeu. Ele afundou as muletas na terra e um choque de dor subiu pela sua perna. Cerrando os dentes, ele cambaleou para a clareira. Lentamente, a distância até a cabana diminuiu, com Maros resmungando e xingando por todo o caminho.
“Deveria ter enviado um corredor,” ele murmurou. Um ano atrás, eu poderia ter feito isso em um quarto do tempo e ainda estaria pronto para uma luta no fim. Agora? Ele deu uma risada irônica. Gotejando como um porco espetado.
Com um passo largo, ele alcançou seu alvo e sufocou um rugido de júbilo. Seu rosto era uma máscara de suor, gotas pingando na terra encharcada pelo sol para serem consumidas sob o sol do meio-dia. Acalmando-se à porta, ele lançou um olhar de soslaio para a extremidade mais distante da aldeia em formato de meia-lua onde uma mulher de meia idade estava ocupada estendendo a roupa de cama e olhando para ele por cima dos lençóis. Ele desviou o olhar para duas jovens no centro da clareira. Sentindo o escrutínio de Maros, elas pararam com seu jogo de saltar argolas e o encararam com um horror indisfarçado. Ele lançou a elas um sorriso amplo e elas saíram correndo para a floresta nos arredores.
Ele balançou a cabeça. As pessoas na aldeia de Balen raramente deixavam seu pequeno microcosmo exótico e não estavam acostumadas a ver nada fora do comum. A mulher, sem dúvida, o considerava como uma aberração da natureza ou, pior, uma criatura amaldiçoada pelos deuses para sentirem pena. A perna problemática não melhorava a situação. Se elas já tivessem ouvido o nome Maros, a Montanha, não o reconheceriam como o jotunn-humano exausto à porta da cabana como o homem destes contos sussurrados. Sua reputação pertencia ao passado. Nos dias de hoje, ele era pouco mais do que um enorme coçador de saco.
Ele enxugou um antebraço na testa e bateu os dedos na porta. Os sons abafados de pés se arrastando flutuaram de dentro e a porta se abriu para revelar uma mulher abatida e idosa. Seus olhos úmidos se ergueram para olhar para ele, uma máscara de austeridade espalhada sobre suas rugas. Ela olhou para ele de alto a baixo, franzindo o cenho para suas muletas e seu colete encharcado de suor.
“Presumo que a comoção que ouvi aqui fora foi você?” ela disse. “Alguém presumiria que um boi estava sendo abatido. O que em Verragos você estava fazendo?”
“Eu…” Reprimindo um suspiro, Maros acenou com um gesto fraco para a trilha da floresta atrás dele. Muito bem. Mostre à velhinha frágil como você estava atravessando uma área plana e aberta. Com certeza, isso vai impressioná-la.
“Hmph, não importa. Devo dizer, não vi um de vocês em décadas.”
Ele franziu o cenho. “Um de mim o quê? Um homem? Um aleijado?”
“Um mestiço.” Seus olhos remelentos semicerraram em fendas. “Bem, o que você quer? Não tenho o dia inteiro.”
“Eu, ah…” Ele pigarreou. “Um prazer conhecê-la. O nome é Maros, Oficial dos Freeblades de Alder’s Folly. Posso estar falando com Cela, ah…” Vasculhando o bolso do seu colete, ele retirou uma folha suada de papel e trouxe até o rosto. “Cela Chiddari?”
“Você poderia. Oficial, você diz? Mas não acostumado a memorizar títulos de família, não é? Hum. Bem, já que eles me enviaram o homem no topo, imagino que eu deveria me sentir honrada.”
O homem no topo enviou a si mesmo, sua velha maluca. Maros forçou um sorriso simpático. “Tenho certeza que o prazer é todo meu.”
“Então permita-me agradecer por responder à minha convocação. Como você pode ver, não estou em condições de estar perambulando até Folly.”
Convocação? Seu sorriso vacilou. “Não costumo fazer atendimentos domiciliares pessoalmente, mas quando li seu bilhete entregue pelo mensageiro, estava preparado para fazer uma exceção.”
“Não duvido disso.” Cela espiou ao redor da porta para seu vizinho no outro lado do semicírculo. “É melhor você entrar, meu jovem,” ela murmurou, arrastando os pés para dentro da cabana. “Nossa discussão não é para ouvidos indiscretos.”
Maros inclinou-se mais baixo sobre suas muletas e espremeu-se através do batente. Ele fechou a porta com o calcanhar e semicerrou os olhos já que a sala estava mergulhada na escuridão. Algumas lascas finas da luz do dia cortavam através das persianas fechadas e o fedor mofado de idade penetrou em suas narinas. Ele engoliu uma tosse e observou a velha abaixar sua ossatura esquelética em uma poltrona ao lado da lareira vazia. Enquanto ela se remexia para sentar-se ereta, ele a imaginou caindo no tapete em uma pilha de ossos empoeirados.
“Sente-se, freeblade.” Ela acenou com a mão ao redor da sala. “Onde for melhor para você.”
Maros examinou os grupos escuros de móveis por um poleiro robusto e adequado e mancou até um banco no lado oposto da lareira. Ele se abaixou, reprimindo um suspiro enquanto as dores na sua perna recuavam.
“Ouvi dizer que você está mantendo a taverna de Alderby sobrevivendo no lugar dele,” Cela disse coloquialmente.
“Sim.”
“Administrando uma guilda e uma taverna. Uma carga de trabalho considerável.”
“Nada que eu não possa lidar. A verdade é que foi uma bênção quando o velho Alderby faleceu logo após meu… acidente.” Maros apoiou a mão no joelho. “Triste, no entanto. O lugar nunca esteve sem um ou outro Alderby no comando.”
“Assim eu concluí. Bem, chega de conversa fiada.” Os olhos de Cela estavam brilhando nas sombras. Um sorriso forçado cortou suas feições encarquilhadas. “Aos negócios.”
“Aos negócios, de fato. A recompensa que você ofereceu é o suficiente para erguer até mesmo as sobrancelhas do Banco Brancosi, um pouco. Sem ofensa, senhora, mas estou olhando para esta cabana e pensando que não vejo o equivalente a quinhentas moedas em propriedade aqui.”
“Ouso dizer que você estaria certo se eu estivesse oferecendo a minha casa. Você vai receber moedas, freeblade, fique tranquilo. Minhas economias não vão me beneficiar agora a não ser que você adquira aquilo que pertence às mãos de Chiddari.”
“Sim,” Maros disse com cuidado. “Como é que você detém um título de família quando eles caíram em desuso séculos atrás?”
Cela soltou uma gargalhada aguda e apontou um dedo para ele. “Perguntas, perguntas, mestiço. Vamos nos ater ao assunto em questão?”
“Muito justo. Além do valor da recompensa, seu bilhete foi vago na melhor das hipóteses...”
“Por um bom motivo. Você aprecia a sensibilidade da informação, tenho certeza.”
“Então, por favor, me diga o que você precisa da guilda e verei se podemos atender.”
“A herança da minha família se perdeu para nós por muitas gerações.” Cela olhava para ele atentamente. “Perdida e, ainda assim, sei sua localização precisa. Reside em um cemitério que remonta a uma época em que os mortos ainda eram enterrados inteiros.”
“Estes lugares estão todos submersos sob o deserto. Não há quase nenhum vestígio dos antigos reinos.”
O sorriso tenso de Cela retornou. “Exceto, isto é, por um lugar.”
“Agora escute aqui. Se você está insinuando o que eu acredito que você está insinuando, então você está me pedindo para enviar freeblades para o território da Caveira.”
“Não estou pedindo. Estou lhe oferecendo um contrato por uma recompensa considerável. Se não quiser o trabalho, posso procurar por mercenários menos respeitáveis…” Ela remexeu-se na cadeira e olhou para ele de soslaio.
Provavelmente esta é a incumbência de um tolo, ele pensou. Mas por uma recompensa deste tamanho… “Deveria avisá-la que a guilda lida com problemas reais, não com lendas. Há somente um cemitério que não foi expurgado. Se é sobre ele que estamos falando, então vamos parar com a troca de palavras. Onde exatamente está este legado?”
Cela suspirou. “Em uma cripta dentro dos Jardins dos Mortos, em Lachyla, a Cidade Sinistra.”
A última pretensão de formalidade desapareceu de Maros enquanto ele soltava uma risada sincera. “Eu sabia! Deixe-me ver se entendi direito. Você quer que meus rapazes e moças atravessem uma vasta região que está desprovida de deuses e homens há séculos. Você espera que eles arrisquem suas vidas vasculhando o cemitério de uma cidade amaldiçoada à procura de alguma bugiganga que seus ancestrais deixaram para trás para enferrujar em uma cripta?” Ele bufou. “Senhora, ou você perdeu o juízo ou …”
Cela olhava para ele em um silêncio pétreo.
Ou você está falando sério. Ele balançou a cabeça e lançou um sorriso divertido para as tábuas do assoalho. “Tudo bem, com o que exatamente este legado se parece?”
“É uma pedra preciosa.”
“Você terá de me dar mais do que isso. Seja quem for que aceitar o trabalho precisa saber o que está procurando.”
“Eu nunca vi, não é? Tudo que sei é que está marcado com runas funerárias e é maior do que as suas pedras preciosas comuns. Eles irão encontrá-la no túmulo do meu ancestral mais antigo.”
“E quem poderia ser?”
“Não faço ideia,” Cela disse secamente. “Você conhece a sua linhagem, mestiço?”
“Tudo bem,” Maros suspirou. “Uma pedra de descrição desconhecida, em um túmulo de nome desconhecido. Você percebe quão grande aquele cemitério é conhecido por ser? Eles poderiam vascular o lugar por dias e mesmo assim não encontrar sua pedra. Você terá de me dar algo melhor ou não tem acordo.”
“Oh, eu irei.” Cela alcançou a mesa ao seu lado e pegou um quadrado dobrado de pergaminho. “É apenas uma cópia grosseira, mas é bastante precisa.”
“O que é isso?”
“Um mapa dos Jardins dos Mortos.”
Maros reprimiu uma risada. “Onde em Verragos você teria conseguido isso?”
“Mais perguntas irrelevantes, freeblade. Você tem toda a informação que posso dar. Tome sua decisão.”
Ele olhou para ela calmamente e considerou as ramificações. O que aconteceu em Lachyla foi o catalisador para os mortos serem queimados hoje em dia. A cidade, e seu cemitério, estavam mais mergulhados em mitos e superstições do que qualquer outro lugar em Himaera. Mas quem realmente sabe o que há lá nas lonjuras das Terras Mortas? Talvez a lenda seja verdade, talvez não. De qualquer maneira, garantir tal recompensa seria uma grande dádiva para alguém. Além disso, meu ganho modesto não seria nada mal. Sem mencionar a reputação que colocaria a guilda de volta no mapa. “Tudo bem,” ele disse. “Vamos acabar com isso. Mostre o dari.”
Cela enfiou a mão no decote da sua blusa e retirou uma corrente fina. Ela girou o pingente retangular na ponta várias vezes, em seguida passou-lhe a metade inferior; seu interior havia sido transformado em uma chave. Ela apontou para um cepo de pau-ferro no canto da sala, sobre o qual uma arca reforçada estava bem fixada. “Abra,” ela disse.
Maros levantou-se do banco. Ele destrancou a arca e soltou um assobio para as moedas de prata organizadamente empilhadas.
“Quinhentas no total, como prometido e nenhuma moeda de cobre entre elas.” A velha soltou um estertor. “Temo que possa haver muito pouco tempo a perder, então me diga agora ... você vai aceitar?”
Maros lambeu os lábios e olhou de soslaio para ela. “Lachyla, você disse. Bem. Imagino que seja somente uma lenda…”
Cela Chiddari sorriu. A luz turva aprofundou as cavidades em seu rosto e, por um momento, ela se assemelhou ao próprio símbolo da caveira. “Este é o espírito, freeblade,” ela disse baixinho. “Tal bravata. Parabéns, o trabalho é seu. Agora, encontre minha herança.”

Jalis levantou os olhos das cartas em sua mão com um suspiro distraído. As paredes de pedra da sala comunal zumbiam com a tagarelice e a algazarra dos clientes da taverna. Uma atendente passou apressada, carregando pratos vazios para a cozinha. Atrás do bar, Jecaiah estava ocupado em substituir um barril vazio, preparando-se para a explosão noturna de clientes.
Ela voltou sua atenção para as cartas. A carta alta era o Arkhus, mas era inútil ao lado das outras. O melhor que ela poderia conseguir era um flush menor do naipe Artisan. Ela olhou para seus dois companheiros. Dagra estava esperando pacientemente, limpando com um lenço sujo a espuma da cerveja da sua barba desgrenhada. Do outro lado da mesa, Oriken coçava preguiçosamente a bochecha com uma barba de vários dias, os olhos vidrados enquanto olhava para ela por baixo da aba do seu chapéu.
“Orik,” ela disse, chamando sua atenção. “Meu rosto está aqui em cima.”
“Huh? Oh.” Ele pigarreou. “Bem, vamos lá, então. É a sua vez. Você somente está atrasando Dag de vencer e você sabe como ele ama contar suas moedas de cobre.”
“Merda em você,” Dagra disse.
Jalis olhou para a ampulheta sobre a mesa e viu o resto dos grãos escoarem.
“O tempo acabou,” Oriken disse.
Ela jogou suas cartas na mesa. “Eu passo.”
“Por quê?” Dagra franziu o cenho para as cartas espalhadas. “Você tinha uma mão aí.”
“Não estou sentindo isso,” ela disse. “Ganhando ou perdendo, você precisa saber quando parar.”
Oriken reuniu as cartas na pilha. “Que tal uma rodada de Cinco Estações?”
“Agora não, Orik.”
“Ok, tudo bem.” Ele suspirou e olhou para as portas do saloon na entrada da sala comunal. “Posso sair lá fora para fumar um tobah.”
Jalis inclinou a cabeça e olhou para ele. “Você deveria estar tentando parar.”
“Hmph. Sim. O que deveríamos fazer, então?”
Ela deu de ombros. “Talvez devêssemos pegar um contrato.”
Dagra bufou. “Você viu o quadro de avisos da guilda? Os trabalhos quase não são adequados para um novato! Os decentes são pegos imediatamente e não há um desses há semanas. Acredite em mim, se um bom contrato surgisse, eu seria o primeiro a pegá-lo e dar o fora desta taverna.”
Jalis assentiu. “Posso pensar em uma centena de coisas que preferia estar fazendo neste momento. Já é muito ruim ter de viver aqui, mas pelo menos é melhor do que a casa da guilda.” Ela olhou para a frente da sala comunal. Uma cunha de luz do sol se infiltrava por cima das portas. O céu azul estava muito convidativo. “Não deveríamos estar desperdiçando nossos dias esperando que um bom trabalho apareça. Deveríamos estar lá fora.”
Oriken bufou. “Não posso argumentar contra isso, mas se formos perambular por aí lá fora, perdemos nossa oportunidade de pegar um contrato decente.”
Ela levou sua caneca aos lábios e tomou um gole de água. “Não me entenda mal,” ela disse. “Amo estar com vocês dois, mas somos freeblades – espadachins de aluguel – com ênfase nas espadas.”
“O problema é que,” Oriken disse, “somos bons demais no que fazemos.”
Dagra assentiu em concordância. “Entre nós e o resto das filiais, praticamente livramos Caerheath de todos os bandidos. Agora os problemas na cidade raramente são mais do que disputas insignificantes.”
Jalis suspirou. “Isso deveria ser uma coisa boa. Estamos mantendo a paz, mas não estamos fazendo nenhum favor para nós mesmos. Desde quando a guilda se tornou a principal legisladora em Himaera?”
“Principal?” O cenho de Dagra franziu. “Tente a única. Isto não é Vorinsia. Não temos um Arkhus sofisticado administrando a terra nem um militar nem mesmo um maldito xerife. Nada desde os Dias dos Reis. Freeblades são tudo que esta terra tem.”
“Vivo aqui há muito tempo,” Jalis disse, “mas ainda não consigo me acostumar com a falta de uma figura militar ou um governante. É um milagre como Himaera não foi consumida pelo Arkh séculos atrás.”
Dagra deu de ombros. “Eles tentaram nos invadir durante a Insurreição, mas mesmo uma Himaera enfraquecida conseguiu sangrar seus narizes e mandá-los embora com algumas lições aprendidas. O Arkh ficou mole desde esta época. Nada conquistável restou.” Ele deu a Jalis um olhar pesaroso. “Sem ofensa, garota.”
“Não estou ofendida.”
Oriken recostou-se na parede. “De qualquer maneira,” ele disse, “eu não me preocuparia. Alguma coisa boa vai cair no quadro de empregos em breve. Sempre cai.” Ele deu um sorriso animado para Jalis.
“Sempre o otimista irritante.” Dagra projetou a barba na direção da alcova do quadro de avisos da guilda no final do bar. “Você viu as recompensas para estas ofertas de emprego? A melhor é por oito moedas de cobre. É um insulto.”
“Talvez seja hora de tirarmos umas férias,” Oriken disse.
“Esta não é uma má ideia,” Jalis disse. “Já faz um tempo que não visito minha cidade natal.”
“Não é realmente o que eu tinha em mente.”
“Vou mijar,” Dagra anunciou, levantando-se.
Oriken observou-o se afastar. “Precisamos sair da cidade por um tempo. Talvez Middlemire precise de algumas mãos extras. Ou Baía Brancosi. Deveríamos pedir para Maros dar uma olhada para nós.”
Uma sombra atravessou a luz do sol nas tábuas do assoalho. Jalis olhou para o outro lado para ver a figura corpulenta de Maros claudicando pelas portas do bar. Ele notou seu olhar e mancou para se juntar a eles.
“O andarilho retorna,” Oriken disse. “Não consigo mantê-lo na sua própria taverna hoje em dia.”
Maros deu uma gargalhada cansada e reuniu suas muletas em uma mão. “Balen é o mais longe que eu já fui desde que assumi este lugar. Lembre-me de nunca voltar.”
Jalis inclinou a cabeça para encontrar seu olhar. “Você esteve em Balen? A tarde toda?”
“Dificilmente! A maior parte disso fui eu sofrendo para chegar lá e voltar.”
“Por que você não pediu para Ravlin levá-lo em sua carroça? Ele não teria se importado.”
“Eu tentei. O mercador está em Brancosi, reabastecendo seu estoque.”
“O que é tão importante em Balen que você não poderia enviar um novato?” Oriken perguntou.
“Em qualquer outro dia, absolutamente quase nada.” Maros olhou para Jalis. “Ouça, tenho um pequeno negócio para cuidar. Vou botar o papo em dia com você em breve.”
Jalis observou-o mancar até o quadro de avisos da guilda. Após um momento, ele saiu mancando do recesso e seguiu pelo corredor adjacente até seu escritório particular. “Ele está aprontando alguma coisa,” ela disse para si mesma.
Em uma mesa perto da parede oposta da sala comunal, vários freeblades estavam envolvidos em um jogo de cinco marias. Alari, uma blade veterana com mais alguns anos na guilda do que Jalis, olhou para o quadro de avisos da guilda e murmurou para seu companheiro mais próximo.
“Volto em um minuto.” Jalis levantou-se da sua cadeira e atravessou rapidamente até a alcova. Ela examinou o conteúdo do quadro de avisos da guilda até que localizou um novo pedaço de papel e o soltou da cortiça. Ao ver a oferta da recompensa, seus olhos arregalaram.
“Garota, você é tão rápida quanto lasca de pedra sobre pederneira,” Alari disse atrás dela.
Surrupiando o bilhete, Jalis virou-se para sua colega. “Você não estava muito atrás de mim.”
O sorriso de Alari repuxou a cicatriz pálida ao lado da sua boca. “O que o chefe colocou aí desta vez? Outra que não vale o papel em que está escrito?”
Jalis deu de ombros. “Parece um pouco melhor do que o habitual. Por que você não pega algumas das ofertas menores? Elas vão servir para o novato que você está cuidando. Todos nós tivemos de começar em algum lugar.”
A testa de Alari franziu em pensamento. “Você não está errada. Muito provavelmente Kirran poderia fazê-las sozinho. Vou dizer a ele para escolher uma.” Ela deu a Jalis uma piscadela amigável. “Você e os rapazes vão ganhar um pouco de casca-grossa, amor.”
Enquanto Alari voltava para sua mesa, outro freeblade passou por ela até o quadro de avisos da guilda. Jalis olhou para o homem friamente enquanto ele diminuía a distância.
“O que você tem?” Fenn disse enquanto entrava na alcova, posicionando-se atrás de Jalis para impedi-la de sair.
“Afaste-se, Fenn.”
“Vamos dar uma olhada.” Ele tentou agarrar o papel, mas Jalis puxou a mão para trás das costas.
“Primeiro a chegar, primeiro a ser servido,” ela disse. “Você conhece as regras. Você quer um trabalho, há muita coisa no quadro que vai te satisfazer.”
Os olhos redondos de Fenn olhavam zangados para ela. “Pelo menos, eu posso fazer meu trabalho sozinho. Todos nós sabemos que você e seus dois guarda-costas recebem tratamento preferencial por aqui.” Ele agarrou o ombro de Jalis.
Ela enfiou a mão entre suas pernas e apertou. “Aqueles são meus companheiros e meus amigos. Quer saber, que tal você tirar a mão de mim e eu vou fazer o mesmo. Então você volta para seu assento como um bom menino.”
O lábio de Fenn curvou em um rosnado silencioso. Jalis aumentou a pressão e, com relutância, ele afastou a mão. “Você tem um problema.”
“Se eu tenho algum problema, você não está entre eles.” Ela agarrou com mais força. “Só para que estejamos entendidos. Estamos entendidos, Fenn?”
“Tire a porra da mão de mim!”
“Oh, eu irei. Mas primeiro quero dar um aviso justo de que na próxima vez que você me tocar, não será minha mão, mas minha adaga na sua virilha. Por favor, me teste e irei fazer um favor ao mundo.” Com uma torção final, ela soltou a mão.
Quando Fenn cambaleou para trás, ele deu um soco no rosto de Jalis. Ela se abaixou e deu um soco nas suas costelas, em seguida arremessou um uppercut que quebrou seu nariz e o enviou adernando da alcova e esparramando-se no chão. Um aplauso disperso fluiu gradualmente dos clientes da taverna, interrompido quando Maros saiu mancando do corredor.
“Que diabos está acontecendo na minha taverna?” ele explodiu.
Fenn se levantou, sangue escorrendo do seu nariz. “Você quer manter uma correia nesta cadela. Todo mundo sabe que ela é sua favorita.” Ele lançou um olhar para a camisa transparente de Jalis. “Não é difícil ver por quê.”
“É mesmo?” Maros se aproximou mancando para intimidá-lo. “Você deveria demonstrar um pouco de respeito a um mestre espadachim – não, muito respeito – especialmente depois que ela te colocou no chão. Saia da linha mais uma vez, Fenn e a filial de Grenmoor pode recebê-lo de volta. Consiga uma guilda para si mesmo. Agora. Você teve sua cota para o dia.”
O rosto de Fenn brilhava com raiva, mas ele não disse nada. Após um momento, ele virou-se e caminhou até as portas.
“Oh, e Fenn,” Maros o chamou, “se algum dia você falar comigo assim de novo, você não sairá caminhando daqui. Você sairá voando.”
“O que eu perdi?” Dagra perguntou ao lado de Jalis.
Ela balançou a cabeça. “Nada.”
Maros mancou ao redor para olhar para ela. “Presumo que você foi a primeira no novo trabalho que eu afixei?”
“Fui. Seu tempo em Balen não foi desperdiçado.”
“Não tenho certeza se quero que você pegue este, Jalis.”
“Por quê? Seria uma tola se não fizesse isso.”
Maros grunhiu. “Só me prometa que você não vai fazer isso sozinha.” Ele acenou com a cabeça para Dagra. “Se os rapazes não concordarem, o trabalho vai voltar para o quadro. Eu preferiria que Fenn ficasse com este e bons ventos o levem.”
Jalis franziu o cenho. “O que está te deixando preocupado, velho amigo? Se houver outro grupo de bandidos assumindo o controle de algum lugar...”
“Não bandidos.” Maros olhou rapidamente ao redor da sala e disse em uma voz baixa, “Fale com Dagra e Oriken. Veja o que eles dizem. Se todos vocês concordarem, então é seu. Mas não vou ficar feliz sobre isso. Você e eu passamos muitos anos juntos, garota. Não subestime o que este trabalho exige.”
Ela estudou seu rosto. “Nunca ouvi você falando assim.”
“Nunca tivemos um contrato como este.”
Quando Jalis voltou para seu assento com Dagra a reboque, Oriken ergueu uma sobrancelha. “Bem, este foi o maior entretenimento que eu tive a semana toda. Você perdeu, Dag. Jalis abriu um cu novo no idiota local.”
“Não fiz isso.” Jalis ignorou o olhar inquisitivo de Dagra. Ela cruzou os braços sobre a mesa e acenou para seus amigos se aproximarem. “Consegui um contrato para nós e vocês não vão acreditar na recompensa.”
“Não tenho certeza se quero ouvir,” Dagra disse, “não depois da reação de Maros. Mas continue.”
A tagarelice da sala comunal tinha retornado, mas mesmo assim ela olhou ao redor para garantir que ninguém estivesse ouvindo. “Quinhentos dari de prata.”
Oriken deu um assobio baixo. “Estrelas do céu. Você está brincando.”
“Não estou.”
Os olhos de Dagra estavam sombreados com ceticismo. “Quais são os detalhes?”
“Não sei. Não tive exatamente tempo para verificar.”
“Você não teve tempo? Jalis, você não sai às cegas aceitando trabalhos. Você é mais esperta do que eu e Orik.”
“Eu sei! Mas quinhentas moedas de prata. Que trabalho você não aceitaria por isso?”
“Posso pensar em alguns que eu não faria,” Oriken disse com um sorriso malicioso. “Dagra, contudo, provavelmente não muitos.”
Dagra ignorou a zombaria. “Vamos lá, então,” ele disse para Jalis. “Vamos dar uma olhada.”
Ela desamassou o bilhete e abriu sobre a mesa, franzindo o cenho em confusão enquanto examinava os detalhes. “Er, onde fica Lachyla? O que é a Cidade Sinistra?”
“Oh, deuses sofredores.” Dagra passou a mão pelo rosto.
“O quê?”
Oriken riu. “Maros colocou isso no quadro? Ele está brincando conosco. Ele tem de estar.”
Jalis balançou a cabeça. “Ele não faria isso. Espere, isso não é um conto folclórico Himaeriano? A Cidade Sinistra foi uma das histórias do Tecelão de Histórias há alguns anos, não?”
“Mantenha a voz baixa,” Dagra disse. “Olhe, se isso é apenas uma caça ao dragão ou de verdade, esqueça. Não vamos até lá. Está marcada com a caveira por um bom motivo.”
Oriken zombou. “Vamos lá. Só porque você foi criado acreditando em toda história sob o sol não há nenhum motivo para pensar que isso será qualquer coisa além de um longo passeio no campo.”
“Você não pode acreditar nisso,” Dagra disse. “Desde quando você já entrou nas Terras Mortas? Nunca, é quando. Passeio no campo? Mais como uma caminhada para a forca.”
“Não sei muito sobre suas lendas,” Jalis disse, “mas só os dez por cento pela não-recuperação nos manteria bem por alguns meses. Se cumprimos o objetivo, será uma conquista mais lucrativa do que Maros e eu já conseguimos nos nossos anos dourados. Isto é grande. Se deixamos passar, Alari, Fenn, Henwyn ou qualquer um dos outros irão pegá-lo.”
“Não precisa me convencer,” Oriken disse. “Estou dentro.”
“Você está dentro para tudo.” Dagra olhou com cara feia para ele. “Sempre correndo para todos os buracos escuros que você encontra. Mesmo quando éramos meninos. Você nunca irá aprender?”
Oriken deu de ombros. “Você é o supersticioso. Mostre-me prova de que Lachyla é qualquer coisa exceto uma história assustadora contada pelos Tecelões de Histórias. Dê-me alguma evidência que não deveríamos pegar o trabalho.”
“Você sabe que não posso. Mas não deveríamos irritar a Díade ao vagar pelo domínio de uma deusa morta. Toda a região é solo profano.”
“A Díade são seus deuses,” Oriken disse. “Não meus. E nem de Jalis. Pelo amor das estrelas, Dag, somos freeblades.”
“Mesmo se encontrarmos o lugar, as chances de localizar… O que era?” Dagra olhou para o bilhete. “Uma cripta? Oh, não. De maneira nenhuma. Não vou entrar em uma cripta.” Ele olhou para Jalis. “Você sabe que eles costumavam enterrar seus mortos sem queimá-los? É bárbaro, eu te digo. Sacrilégio.”
Oriken deu a ele um sorriso divertido. “Sacrilégio? Você está falando sobre uma época antes que a Díade viesse para Himaera. Como você pode acusar os ancestrais de sacrilégio quando eles existiam antes dos seus deuses?”
Dagra empalideceu. “Você está indo longe demais, Oriken.”
“Aconteceu em toda parte,” Jalis disse, “não apenas aqui em Himaera. Foi a mesma coisa no Arkh.”
Dagra esvaziou o resto da sua cerveja. “Jecaiah!” Ele sinalizou para o garçom para outra bebida, depois olhou enfaticamente para Jalis. “Na melhor das hipóteses, vamos desperdiçar mais ou menos um mês vagando pelo deserto antes de voltar para casa de mãos vazias.”
Com um suspiro interior, ela decidiu tentar outra tática. “Você percebe que se concluirmos este contrato, provavelmente Maros vai apresentar vocês dois para seus testes de mestre espadachim.”
“Imagine isso, Dag. Freeblades de terceiro nível depois de apenas cinco anos.” Oriken ergueu uma sobrancelha. “Vamos ser o assunto da guilda.”
“Hmph.” Dagra empurrou sua cadeira para trás e marchou até o bar.
“Ele vai concordar,” Oriken disse.
Dagra olhou por cima do ombro. “Eu ouvi isso. Ainda estou esperando para ser convencido.”
“Você não parece tão convencido quanto estava,” Jalis disse quando ele voltou para seu assento. “Olhe, se você não quer vir junto, isso só vai significar mais para Oriken e eu. Seria uma pena não tê-lo conosco, mas se esta é a sua escolha…”
“Não tente isto comigo, garota. Você ouviu Maros. Ele disse que somos todos nós ou nenhum.”
“Ele disse. Mas infelizmente isso não depende dele. Vi os detalhes. Se ele tentasse me parar, ele estaria fazendo isso como um amigo, não como o Oficial.”
“Pense em todo o bem que isso traria,” Oriken pressionou. “Você e eu conseguindo nossos títulos de mestres espadachins. O reconhecimento que isso traria para nós e a filial, sem mencionar para toda a guilda. Não é apenas sobre dinheiro. Estrelas, nem sem o que eu faria com a minha parte. Imagine, Dag. Quando circular o boato que desafiamos a doença, conquistamos uma lenda e retornamos vitoriosos…”
“Não pretendo correr o risco de irritar os deuses, não por qualquer quantia de dari.”
“Estrelas!” Oriken suspirou em exasperação. “Tudo que temos de fazer é entrar em uma cripta e encontrar alguma bugiganga enferrujada. Você não pode relaxar apenas desta vez? Você poderia até esperar no lado de fora enquanto eu e Jalis fazemos todas as coisas corajosas.”
Dagra olhou com cara feia para a oferta de contrato em um silêncio inflexível.
“Ok,” Jalis disse. “Duvido que a Díade ficaria feliz se você permitisse que Oriken e eu caminhássemos para o nosso destino sem você, mas se esta é a sua escolha, então irei respeitá-la.”
Dagra olhou para ela. “Isso foi um golpe baixo.”
Ela deu de ombros e se levantou. “Vou aceitar o contrato e Maros irá permitir. Dentro ou fora, isso depende de você.”
Ele suspirou. “Não estou feliz sobre isso. Realmente não estou feliz.”
Jalis sorriu. “Você está dentro então?”
Dagra curvou os ombros em derrota. “Eu me odiaria se algo acontecesse com vocês dois. Que escolha eu tenho?” Seus lábios pressionaram juntos e ele lançou um olhar semicerrado para Oriken. “Aye, você terá minha espada ao seu lado. Como sempre.”

Capítulo Dois
Nas Terras Mortas

Jalis estava deitada de bruços, apoiada nos cotovelos, junto à margem do rio enquanto Dagra e Oriken enchiam novamente os odres de água. Um mapa da região estava aberto diante dela. Enquanto estudava-o, ela balançava a cabeça. “Nenhum dos assentamentos que vimos nos últimos três dias estão marcados aqui, apenas a antiga fortaleza circular pela qual passamos um tempo atrás.”
“Não estou surpreso,” Oriken disse ao lado do rio. “Nem os chamaria de assentamentos, apenas aglomerados de cabanas velhas e decrépitas. Os olhares que recebemos quando passamos, você pensaria que éramos bandidos ou algo pior.”
“Eles são um povo simples por aqui,” Dagra disse enquanto deixava a margem do rio e sentava perto de Jalis. “Vivendo na periferia das Terras Mortas, eles têm o direito de suspeitar de estranhos quando provavelmente eles nunca veem nenhum. E as armas que estamos carregando não são plausíveis de estimular amizade.” Ele tocou o velho gládio no quadril. “Para eles que não sabem a diferença entre um freeblade – ou até mesmo um mercenário comum – e um bandido, um parece a mesma coisa que o outro.”
Oriken se aproximou para juntar-se a eles e arremessou para Jalis seu odre de água. “Ainda não precisamos saber onde estamos,” ele disse a ela. “No que diz respeito as histórias desta área, alcançaremos a cidade desde que sigamos a estrada.” Ele tirou o chapéu e deitou na grama, cruzando as mãos atrás da cabeça.
“Não há quase nada da estrada,” Dagra murmurou com uma olhada de relance para os restos cobertos de vegetação da Estrada do Reino a uma curta distância. “Imagine em que estado vamos encontrá-la amanhã ou no dia seguinte.”
“Estrada ou não,” Oriken disse, olhando para o céu da tarde, “de acordo com os Tecelões de Histórias, não podemos errar se formos para o sul e para o oeste. Vamos chegar lá. E então, provavelmente, vamos virar e voltar de mãos vazias. É quase tentador acampar por algumas semanas, depois voltar pelos dez por cento.”
Jalis ergueu os olhos do mapa. “E correr o risco de perder os outros noventa por cento? Você tem tão pouca fé em nós para encontrar a joia?”
Oriken deu de ombros. “Não tenho fé em nada. Honrarei o contrato, você sabe disso. Mas pelo que Maros disse sobre Cela, parece-me que os corvos beberam o que restava do seu cérebro. Usar um título de família! Quem faz isso agora?” Pegando o olhar de Jalis, ele disse, “Ok, talvez você faça e alguns outros que vieram para cá do continente, mas nossa cliente é Himaeriana.” Ele deu um suspiro de escárnio. “Alegar que ela é descendente de Lachyla. Ha!”
Jalis arqueou uma sobrancelha. “Quem vai dizer que não é?”
Oriken resmungou e fechou os olhos.
“Houve supostamente alguns sobreviventes da praga,” Dagra comentou.
“Se Cela é louca ou nós somos,” Jalis disse, “vamos atravessar a Colina Scapa e encontrar esta suposta Cidade Sinistra e dar o nosso melhor ao procurar a herança.” Ela olhou para Dagra. “Algo está te preocupando?”
Ele deu a ela um olhar semicerrado e esperou um momento antes de responder. “Aye, algo está me preocupando. Em primeiro lugar” — ele inclinou-se para frente e colocou um dedo no mapa onde o símbolo da Caveira cercava o centro da Colina Scapa — “isso me incomoda muito. Há um bom motivo por que ninguém vem aqui.”
“Sim, é porque todo o Himaera se tornou afável aos deuses,” Oriken disse lentamente. “Nós nos livramos do governo dos deuses, mas era apenas um lado da moeda.”
“Em segundo lugar,” Dagra continuou, lançando a ele um olhar contundente, “presumindo por um momento que toda esta região é o trecho mais inofensivo do deserto que já vimos, o que acontece se realmente encontramos Lachyla?”
Jalis guardou o mapa na sua mochila. “O que você quer dizer?”
“Dag está preocupado sobre o cemitério,” Oriken disse.
“Com certeza estou! Não é certo, deixar as pessoas para apodrecer assim. E espera-se que nós entremos em algum buraco no chão cheio de todos os tipos de cadáveres antigos e não santificados? Quero dizer, quem em seu juízo perfeito...”
“Vou te dizer quem.” Jalis sentou-se e olhou direto em seus olhos. “Três freeblades que mal conseguem juntar moedas suficientes de trabalhos escassos para pagar pelo nosso sustento. Dinheiro está curto e definitivamente não estaríamos em nosso juízo perfeito se tivéssemos rejeitado este. Temos sorte que Maros nos avisou sobre isso. Ele não precisava fazer isso.”
“Nossos quartos na taverna são cortesia de Maros,” Oriken comentou. “E a comida cortesia da própria guilda.”
“Meu ponto permanece. Trabalho tem sido desanimador ultimamente.” Jalis levantou-se agilmente. “Não vamos chegar a lugar nenhum sentados aqui discutindo sobre isso. Ainda faltam algumas horas antes do anoitecer, então vamos continuar.”
Dagra resmungou e levantou-se, pegou sua mochila e pendurou no ombro. Enquanto ele seguia para a estrada, Jalis caminhava ao seu lado e lançou um olhar para trás para ver Oriken se apoiar nos cotovelos.
“Justo quando eu estava ficando confortável,” ele disse.
Ela piscou e virou-se para Dagra. “Cinco anos e ele não mudou nem um pouco.”
Dagra bufou. “Cinco? Tente vinte e cinco. O homem é tão preguiçoso quanto o menino era, mas se eu tivesse de descer ao próprio Inferno, não escolheria ninguém além de Orik ao meu lado. E você, é claro.”
Jalis sorriu. “O mesmo para mim, meu amigo.” E então um pensamento indesejável veio a ela. Descer no Inferno. Espero que seja quem for que estiver ouvindo não estejamos indo fazer exatamente isso.

À medida que a noite se intensificava, eles avistaram uma coleção de quatro cabanas de pedra e madeira, uma dispersão de celeiros e um conjunto de latrinas afastadas da estrada, aninhadas na beirada de um grande bosque de árvores. As construções estavam intactas, mas cobertas com musgo, os telhados enfeitados com grama e plantas floridas. Sinais de desuso permeavam a área. Se o lugar ainda era a casa de alguém, eles não tinham cuidado dela há anos.
“Parece que teremos abrigo hoje à noite,” Oriken disse.
Jalis estava em dúvida. “Se as casas estão tão descuidadas dentro quanto no lado de fora, poderíamos estar dormindo sob as estrelas de novo.”
Dagra resmungou. “Logo descobriremos.” Ele acelerou seu ritmo, as pernas curtas caminhando para a mais próxima das pequenas cabanas. Com uma batida forte na porta, ele gritou, “Olá?”
Quando Oriken alcançou Dagra, ele riu e bateu uma mão no ombro do seu amigo. “Dag, se alguém estiver vivo ali, eles devem estar bem abastecidos com provisões. Esta porta não foi aberta em anos.” Ele apontou para os dentes-de-leão crescendo em touceiras densas nas bordas da porta e a hera intacta que seguia seu caminho ao longo da moldura e através da porta da frente. Ele pegou a maçaneta e empurrou; ela rangeu para dentro um centímetro e um fedor de mofo flutuou para fora. Dagra franziu o nariz em desgosto.
“Apenas precisa arejar,” Oriken disse. “Vai ficar tudo bem.” Ele bateu o ombro na porta. As videiras se romperam e a porta arranhou as tábuas do assoalho, suas dobradiças gemendo até tocar a parede adjacente. Um interior sombreado os cumprimentou, permeado por um fedor úmido e pungente que fez Oriken dar um passo para trás. “Ou talvez não,” ele acrescentou com um encolher de ombros.
Do lado direito da área de estar, escassa e empoeirada, uma porta aberta conduzia para uma segunda sala. Oriken atravessou a sala e deu uma espiada dentro. “Hm.”
Jalis parou no centro da primeira sala. “O que você vê?”
Oriken semicerrou os olhos para a escuridão. Uma expressão desconcertada surgiu em seu rosto. “Oh.”
“Que diabos isso significa?” Dagra rosnou enquanto ficava atrás de Jalis. “O que há aí?”
“Teias de aranha.” Oriken virou-se para um conjunto de persianas atrás dele e abriu a persiana da esquerda, permitindo que a luz da noite banhasse o quarto.
A maior parte do que Oriken podia ver estava bloqueado da visão de Jalis, mas seu olhar semicerrado para a sala antes de sair e balançar a cabeça disse a ela que eles não dormiriam ali hoje à noite.
“Deveríamos tentar outra casa,” Oriken sugeriu com um olhar severo para Dagra.
“Não seja tão covarde.” Dagra passou por ele.
“Ah, Dag, eu não iria...”
Quando Dagra entrou na sala e olhou para o lado, uma expressão de horror espalhou-se pelo seu rosto e ele recuou contra o batente da porta. “Deuses acima e abaixo!” Ele se afastou cambaleando e intrometeu-se entre Oriken e Jalis para desaparecer através da porta da frente. “Maldito!” ele gritou. “Você poderia ter me avisado!”
“Eu tentei”
“Avisado de quê?” Jalis perguntou.
Oriken deu de ombros. “Como eu disse, há teias por toda parte. Não poderia dizer até abrir a persiana. As malditas coisas estão em todos os lugares do cadáver, cobrindo-o como uma mortalha.”
“Oriken! Você sabe como Dagra fica sobre este tipo de coisa!”
“Esqueça-o! E eu? Há uma aranha enorme e gorda rastejando sobre o rosto do sujeito.” Com um estremecimento, ele se afastou. “Odeio aranhas!”
“E eu odeio surpresas!” Dagra gritou do lado de fora.
Sorrindo para si mesma, Jalis olhou para a sala adjacente. O sorriso vacilou quando ela viu uma folha de pergaminho no braço da cadeira onde o cadáver estava caído. Ela atravessou a sala e afastou os fios grudentos, pegou o papel e soprou a poeira dele. Após ler o bilhete desbotado, ela colocou-o ao lado do cadáver e olhou para suas feições enrugadas com um toque de simpatia.
“Vamos deixá-lo em paz,” ela disse baixinho. “Lamento incomodá-lo.” Ela deixou a construção e olhou para seus companheiros enquanto eles estavam discutindo. “Sabe,” ela refletiu, “às vezes parece que sou uma babá em um orfanato em vez de um mestre espadachim na Guilda Freeblades.” Enquanto os homens murmuravam seus protestos, ela apontou o polegar na direção da porta aberta. “O sujeito ali ficou para trás quando o último dos seus vizinhos fez as malas e foi embora. Ele se recusou a juntar-se a eles. Em vez disso, permaneceu aqui sozinho e morreu com o que ele considerava ser dignidade. É tão triste que alguém se importaria mais sobre uma pequena área de terra do que uma chance melhor de sobrevivência em outro lugar.”
Os homens olharam para ela inexpressivamente antes de retomarem sua discussão. Com um suspiro, Jalis passou por eles. “Vou dar uma olhada na próxima casa. Aranhas ou cadáveres, os meninos fiquem bem atrás de mim. Mamãe vai protegê-los.”
“Você é um grande idiota,” ela ouviu Dagra dizer a Oriken enquanto caminhava para a casa mais distante.
“Tentei avisá-lo,” veio a resposta de Oriken. “Mas você tinha de entrar ali todo valente. Achou que era apenas aranhas, não foi? Achou que me faria parecer um banana. Anãozinho idiota.”
“Anão? Posso derrubá-lo qualquer dia da semana, seu bastardo desengonçado.”
“Sim? Bem, que tal agora?”
“Crianças!” Jalis gritou quando alcançou a próxima casa. “Comecem a se comportar agora ou eu juro que vou colocar ambos sobre meu joelho.” Ela olhou para suas expressões chocadas, em seguida se virou para a porta da cabana e bateu o calcanhar abaixo da maçaneta. As dobradiças racharam quando a porta voou para dentro. Com as mãos perto das adagas, ela entrou na escuridão e esperou que seus olhos se ajustassem. Os contornos cinzentos da mobília escassa pontilhavam o único cômodo: havia uma lareira na parede oposta, um grande catre em um lado e uma despensa no outro. Uma verificação rápida confirmou que não havia coisas mortas ao redor – exceto pelo esqueleto de um rato na lareira – e pouquíssimas teias de aranha.
Dagra e Oriken entraram timidamente.
Ela lançou a eles um olhar monótono. “A área está limpa. Vocês estão seguros.”

Alguns minutos depois, com Oriken ocupado construindo uma fogueira na lareira, Jalis sentou-se em uma cadeira bamba e olhou para Dagra. O homem barbado estava no meio da sala, olhando para o chão coberto de sujeira. Estava claro para ela que ele ainda estava agitado.
Ele olhou para o outro lado e encontrou seu olhar. “Nada te incomoda?” ele perguntou. “Até mesmo as mulheres e os homens mais durões têm uma fraqueza, mas nós te conhecemos há cinco anos e ainda não vi a sua.”
“Há uma coisa que eu tenho medo,” ela admitiu. “Perder.”
“Perder o quê?”
Ela olhou calmamente para ele. “Pessoas que eu me importo.”
Ele bufou, mas sua barba abriu em um sorriso forçado, mas afetuoso. “Bem, provavelmente você não vai perder nenhum de nós tão cedo. Você não deveria, a não ser que uma grande aranha monstruosa desça pela chaminé e devore Orik.”
“Ou,” Oriken disse enquanto estalava uma lasca de pedra em uma pederneira, “talvez aquele cara morto na casa acolá se levantará no meio da noite e virá arranhar a porta atrás de Dag.”
Dagra virou-se para ele. “Você tinha de dizer isso, não é?”
“Estou falando sério,” Jalis disse. “Estamos indo para o desconhecido e não gosto de não saber. Quase perdemos Maros ano passado. A equipe invencível de quatro tornou-se três e temos sorte que ele sobreviveu.”
“Aye.” Dagra assentiu. “Isso nós temos.”
“É uma profissão perigosa.” Jalis levantou-se, soltou seu saco de dormir da mochila e enrolou-o no catre. “Verdade, onze anos na guilda e conheço somente um punhado de blades que morreu durante os contratos. A maioria destes eram artífices ou inferior.” Jogando um cobertor no saco de dormir, ela virou-se para erguer uma sobrancelha enfaticamente para os dois homens. “Estatisticamente, as chances de morrer como um freeblade são menores quanto mais alto você subir de patente; vocês dois deverão estar prontos para seus títulos de mestre espadachim nos próximos um ou dois anos, mas ainda não estão lá, portanto não fiquem convencidos. E, pelo amor das estrelas, tentem controlar suas reações. Dag, em um cenário diferente, você poderia ter entrado em pânico e fugido às cegas de uma coisa morta direto para as mandíbulas de uma criatura viva. Como você explicaria isso para a Díade na vida após a morte?”
Dagra estufou as bochechas e soprou. “Reconheço seu ponto.”
“E Oriken, há algumas aranhas em Himaera que podem machucá-lo. Você deverá ver algumas delas em Sardaya. Grandes corpos inchados com listras vermelhas e brancas. Uma mordida de uma destas e você ficará inchado como um cadáver maduro.” Oriken e Dagra gemeram em uníssono e na penumbra da noite tardia, Jalis imaginou que viu as expressões de ambos ficarem pálidas. “Veem quão fácil é?”
“Fácil e desnecessário.” Oriken olhou com cara feia para as ferramentas na sua mão e voltou a bater a pederneira no graveto.
“Sem mencionar os Dançarinos de Pedra que infestam as Planícies de Ghalendi,” Jalis continuou com um aceno de cabeça para Oriken. “Os adultos têm metade da sua altura. Eles poderiam estourar qualquer aranha com um toque das suas pernas semelhantes a espadas. Se você não estivesse protegido com uma armadura e brandindo algo pesado para esmagá-los, um destes aracnídeos acabaria com você muito rápido.”
Oriken virou de costas para ela. “Você está inventando isso.”
“Você vai acender este fogo ou não?”
Com um resmungo, ele bateu a pederneira mais rápido contra o aço. “Madeira danificada não é a mais seca. Então, você viu uma destas coisas, não foi?”
“Não, mas conheço pessoas que viram. Pode haver um pouco de embelezamento, mas não duvide que os Dançarinos de Pedra existem. Meu ponto é que seu medo não é natural; as pequenas aranhas aqui não podem machucá-lo.”
“Não é isso que me incomoda. É a maneira como elas... Pronto!” Uma pequena chama pegou no graveto. Oriken soprou suavemente e o fogo começou a se espalhar, soltando um brilho âmbar no tom cinzento da sala. “O que me incomoda sobre as aranhas é como elas parecem e se movem. Criaturas repugnantes.” Ele abraçou a si mesmo e esfregou os braços. “Podemos mudar de assunto?”
“Cale-se!” Dagra levantou uma mão pedindo silêncio.
“O quê?” Oriken disse após um momento. “Não ouço nada além de madeira crepitando.”
“Lá estava de novo.” Dagra mantinha a voz baixa. “Enquanto vocês estavam conversando.”
Jalis pegou o cinturão da espada na mesa ao seu lado. “Eu ouvi.” Tinha sido leve, mas o chamado da matilha foi inconfundível. “Cravantes. Dag, feche a porta. Orik, me ajude a empurrar aquele armário atrás dela.” Ela afivelou o cinturão ao redor dos quadris e aproximou-se da grande peça de mobília. Enquanto Oriken se posicionava ao lado dela, Dagra fechava a porta da cabana e fechava as persianas rapidamente. Jalis e Oriken se agacharam atrás do armário e apoiaram os ombros nele. Eles empurraram, mas o armário mal se moveu. Apoiando os pés com firmeza, Jalis colocou todo seu peso na tarefa e sentiu Oriken fazendo o mesmo. O armário arranhava e gemia pelas tábuas empoeiradas, seu conteúdo chocalhando com cada empurrão. Em pouco tempo, eles o colocaram com firmeza atrás da porta.
“Precisamos colocar algo atrás das persianas!” Dagra olhou para o conteúdo da sala.
Jalis balançou a cabeça. “Não há nada.”
Oriken torceu a aba do seu chapéu. “Cravantes normalmente deixam os seres humanos em paz, mas aqui, além dos últimos assentamentos…”
“Este é o domínio deles,” Dagra disse sombriamente. O chamado das criaturas estava se aproximando rapidamente enquanto ele sacava seu gládio. “Eles saíram dos bosques.”
“Eles nos ouviram e agora têm nosso cheiro.” Jalis enfiou a mão em uma mochila pela sua minibesta. “Se ficarmos em silêncio, eles poderiam se afastar após um tempo.”
Com as persianas impossibilitadas de serem barricadas, elas eram o ponto de defesa mais fraco da cabana. Jalis carregou e encaixou no arco da besta, em seguida ficou pronta atrás dos homens enquanto eles se posicionavam atrás das persianas. Eles esperaram em silêncio, ouvindo enquanto os cravantes saltavam pela clareira, seus chamados guturais lembravam apenas vagamente os macacos nativos do extremo sul do Arkh. Jalis conseguia imaginá-los lá fora, suas mandíbulas salientes com amontoados caóticos de presas e aquele segundo conjunto menor de olhos, como esferas de obsidiana nas laterais das suas cabeças. O semblante de um cravante era hediondo, mas apesar da sua aparência, Oriken estava certo ao dizer que o grupo de primatas caçadores tendia a ficar longe dos humanos, mantendo-se invisíveis e praticamente despercebidos nas profundezas das matas. Mas aqui, na borda da Colina Scapa, era possível que eles raramente tivessem colocado os olhos em humanos, com o último assentamento povoado ficando a meio dia de caminhada para o norte.
Algo se espatifou no lado de fora e Jalis visualizou as criaturas entrando correndo na primeira casa, seguindo o cheiro dela e dos homens, mas encontrando somente o cadáver há muito tempo morto. A pancada abafada de pés e punhos no chão se aproximou da cabana e, apesar de tudo, Jalis se encolheu quando punhos se chocaram contra a porta, com a madeira se estilhaçando enquanto era sacudida contra o armário. Os cravantes rugiram, sentindo a proximidade dos freeblades.
O armário deslocou-se um centímetro. Além do batente, a criatura atacando grunhiu em frustração e bateu com mais força contra a porta. Uma dobradiça saltou da sua fixação e uma fenda estreita apareceu. Através dela Jalis viu uma massa de cabelos pretos em um corpo atarracado. O cravante era da altura de Dagra, ligeiramente mais baixo do que Jalis. Um olho preto e arredondado espiou o interior e o cravante rugiu.
Jalis disparou a flecha. Sua mira foi no alvo. O projétil disparou através da fenda e entrou direto na boca da criatura que guinchou de dor e cambaleou para longe. Outra assumiu seu lugar enquanto Jalis recarregava a besta.
Um olhar de Oriken disse a ela para esperar enquanto ele atravessava a sala e empurrava seu sabre entre a porta e a moldura, enviando uma série de golpes rápidos no corpo do cravante. A criatura rugiu e bateu um punho de pelos grisalhos contra a moldura da porta. Seus dedos grossos e com garras abriram e alcançaram através da fenda. Oriken abaixou o sabre, cortando profundamente os dedos da criatura e arrancando um deles. O cravante enfurecido retirou a mão e soltou um rugido furioso. Oriken pulou para trás e Jalis soltou o ferrolho. O primata grunhiu e caiu para trás. Na clareira, do lado de fora, flashes escuros de movimento disseram a ela que o resto do bando estava convergindo para a cabana.
Punhos socaram as persianas. Poeira se agitou das fendas entre as tábuas. Dagra deu um passo para trás e ergueu seu gládio quando as persianas caíram para dentro. A forma escura de um cravante preencheu a fenda, seu peito musculoso ondulando enquanto levantava os braços e rugia.
Jalis agarrou outra flecha e deslizou na besta, observando a criatura erguer o braço forte para atacar Dagra. Encaixando a besta apressadamente, ela apertou o gatilho e a flecha perfurou um dos quatro olhos do cravante. Dagra desviou-se para o lado e cortou o braço que se aproximava. O cravante agarrou o rosto, arrancando a flecha do olho.
Havia pouco que Jalis pudesse fazer além de continuar carregando a besta, mas havia somente algumas flechas. Nem havia espaço suficiente nas persianas para os homens manterem sua posição sem correr o risco de se machucarem. Eles precisavam de uma nova tática.
“Fogo!” Jalis gritou. “Há uma tocha antiga na parede.”
Oriken saltou para a tarefa. Ele puxou a tocha para baixo e empurrou a extremidade na lareira agora crepitante. As chamas pegaram e ele correu para o lado de Dagra enquanto o cravante machucado se aproximava para o ataque. Com sua atenção em Dagra, Oriken enfiou a tocha ardente em seu rosto. A criatura soltou um grito estridente e jogou-se no chão em uma tentativa de apagar as chamas. Enquanto se levantava de novo, Jalis atirou uma flecha em seu rosto. O cravante uivou e cambaleou para longe, dando vários passos largos pela clareira, depois caiu no chão. Os uivos e os movimentos da criatura cessaram, permitindo que as chamas se espalhassem.
Os cravantes restantes recuaram com medo na escuridão da noite, seus olhos pretos brilhando à luz do fogo. Um se atreveu a se aproximar e Oriken balançou a tocha quando a criatura se aproximou. As chamas lamberam seu braço e o cravante empurrou a tocha para longe, derrubando a parte de cima e enviando a bola de breu voando para a sala para rolar para debaixo do catre cheio de feno.
Enquanto o fedor de cabelo chamuscado e carne assando flutuava através da abertura, Dagra apunhalou seu gládio no ombro da criatura. Ela cambaleou para trás sobre seu companheiro caído; as chamas que consumiram o primeiro pegaram o segundo e, com um grito agonizante, a criatura ficou em pé e saltou na direção do resto do grupo, fazendo com que eles se dispersassem de novo na direção das árvores. O cravante em chamas andava a passos largos ao redor da lateral da casa e os gritos do grupo se dissipavam à medida que eles desapareciam no bosque.
O catre estava em chamas, fumaça se avolumando na sala. Oriken salvou sua mochila e roupa de cama a tempo e estava ocupado guardando seus pertences.
“Através das persianas,” Dagra gritou, olhando com cara feia de Jalis para Oriken. “Agora!”
Eles agarraram seus pertences e Jalis atravessou as persianas atrás de Dagra. Não havia sinal do grupo de caçadores, a não ser por aquele no chão que já não se movia mais, pequenas poças de chamas pontilhando suas costas queimadas. Oriken se içou através das persianas abertas, ofegando de dor enquanto pendurava seu sabre de volta na bainha.
“Você está sangrando,” Jalis disse.
Ele olhou por um instante para a camisa rasgada sobre seu antebraço. Agarrando a manga, ele rasgou-a a partir do ombro e passou o pano ao redor da ferida. “Posso lidar com isso depois. Distância primeiro.”
Enquanto os três corriam em direção à Estrada do Reino, Jalis pensou sombriamente, Um passeio no campo, de fato. Acima deles, o céu estava pintado em faixas de estrelas, enquanto atrás deles, ficando cada vez mais distante à medida que eles fugiam pela charneca aberta, o inferno da cabana rugia para a noite.

Capítulo Três
Meu, Todo Meu

“Isso mesmo,” Wayland disse enquanto se agachava ao lado de Demelza. “Mantenha sua respiração estável. Acompanhe o coelho com a flecha. Segure, puxe e mire. Quando tiver certeza, solte.”
De uma curta distância, ao lado do Guardião e da garota, Eriqwyn cruzou os braços e observou Demelza e o coelho. Ela vai errar, ela pensou irritada. Seu corpo está tenso e seu foco não está completamente na tarefa. Reprimindo um suspiro, ela balançou a cabeça. Sou a Primeira Guardiã, não deveria estar perdendo tempo com ela; fazer com que aquela cabeça dura dela compreenda requer muita paciência.
A quarenta e cinco metros de distância, o coelho meio escuro saiu detrás de um arbusto para a clareira. Ele parou, franziu o nariz e virou-se para olhar diretamente para Demelza e Wayland. A garota soltou a flecha que brilhou no sol da manhã e bateu na grama a vários metros do seu alvo. O coelho se pôs em movimento rapidamente. A careta petulante de Demelza acompanhou-o enquanto ele disparava pela charneca. Pegando seu arco do chão, Eriqwyn começou a ir na direção do par.
Os olhos de Wayland arregalaram e ele ficou em pé. “Ha! Você olharia para aquilo? Você errou com a flecha, mas em vez disso parece que você assustou o pobre animal até a morte!”
Eriqwyn virou-se. O coelho havia aberto uma boa distância em segundos, mas agora estava imóvel, a barriga branca aninhada entre a grama curta. Ela se aproximou da criatura caída e cutucou-a com a bota. Ajoelhando-se, ela colocou uma mão em seu peito. Seu coração tinha parado e seu olho castanho a encarava sem ver. Wayland estava certo; parecia que a criatura morreu de medo.
Ela pegou a criatura pela cauda e caminhou até Demelza. “A caça é sua,” ela disse à garota, entregando-lhe o coelho. “Contudo, não será registrado na sua contagem. Você precisa melhorar seu foco. Onde estava sua atenção? Na caça ou em algum outro lugar? Pareceu-me que metade da sua mente não estava na tarefa.” Ela olhou para Wayland. “Demelza precisa de mais treino com alvos parados até que ela possa aprender a dar sua atenção total.”
Wayland deu um breve encolher de ombros e um aceno de cabeça. “Como você diz.”
“Bem, garota?” Eriqwyn inclinou a cabeça para Demelza. “Você não vai recuperar a flecha que Wayland foi generoso o suficiente para deixar você usar?”
Os olhos de Demelza pareciam tão tristes quanto os do coelho em vida e quase tão vazios quanto estavam na morte enquanto ela assentia. Entregando o arco comprido para Wayland, ela saiu correndo para recuperar a flecha.
Enquanto Eriqwyn suspirava, Wayland disse baixinho, “Ah, Qwynie. Você é muito dura com a garota. É verdade que ela não é o peixe-lua mais brilhante no espelho d’água, mas ela não é sem habilidade.”
“Uma habilidade que está abaixo da Primeira Guardiã de Minnow’s Beck para perder tempo em encontrar.”
“E quanto a mim? Linisa e eu estamos somente em segundo lugar em relação a você como protetores da aldeia. Está abaixo de uma Guardiã ajudar uma jovem a se tornar uma caçadora? É claro que não. É assim que o ciclo continua e a aldeia permanece forte.”
Eriqwyn sugou o ar através dos dentes. “Não há necessidade de me dar um sermão, velho amigo. Sei tudo isso. Mas esta garota…” Ela olhou com cara feia para Demelza que retornava. “Amaldiçoada no dia em que nasceu. Há algo sobre ela que eu não gosto nem confio. E com que frequência coelhos simplesmente caem mortos de medo?”
“Acontece.”
“Mas duas vezes em duas semanas? Com a mesma garota?” Ela virou-se e olhou atentamente para Wayland, mas suavizou quando encontrou seu olhar tranquilo. “Continue com seu treinamento, mas, por favor, seja econômico com seus relatórios de progresso. Não tenho nenhum desejo em saber quão mal ela está indo nem para quantas criaturas ela conseguiu fazer cara feia até a morte.”
Wayland sorriu e virou-se para a garota quando ela parou na frente deles, a flecha na mão. “O que você aprendeu até agora hoje?” ele perguntou a ela.
Os olhos arregalados de Demelza olharam de Wayland para Eriqwyn e de volta novamente. Sua boca trabalhou silenciosamente antes de responder. “Aprendi…”
Eriqwyn franziu o cenho. “Sim, garota?”
“Aprendi que…”
Oh, pelo amor da deusa, Eriqwyn pensou.
“Considere a pergunta,” Wayland disse, sua voz cheia de paciência.
Demelza olhou para o coelho na mão de Wayland e após um longo instante, ela balançou a cabeça e disse, “Aprendi que o coelho não é tão esperto quanto a Melza.” Eriqwyn reprimiu um suspiro e girou nos calcanhares. Enquanto se afastava, ela ouviu Demelza acrescentar, “Contudo, ainda está morto.”

“Um pântano,” Oriken resmungou enquanto puxava a bota do pântano com um barulho molhado. Ele olhou para a vista à frente, para a planície aberta, as árvores tortas e escassas, os tufos de bambus e feno salgado que pontilhavam toda a paisagem. “É exatamente o que precisávamos.”
Nuvens haviam se reunido e o ar estava se tornando nublado com a chuva fina. O pântano estava intransitável a não ser que eles quisessem correr o risco de atravessá-lo, o que, para a mente de Oriken, não iria acontecer. Nosso sexto dia na estrada e não estamos nem na metade do caminho para o nosso destino, ele pensou, franzindo o cenho para a bota coberta de lama. Mesmo assim, primeiro obstáculo até agora, se você não incluir aqueles malditos primatas. Sob a atadura em seu antebraço, o arranhão da garra do cravante estava começando a coçar.
“Vamos ter de fazer um desvio,” Jalis disse, abaixando-se para os remanescentes cobertos de vegetação da antiga estrada e tirando seus sapatos. “Você disse sul e oeste, certo?”
“Uhuh.” Oriken esfregou um dedo no queixo barbudo para evitar coçar o braço cicatrizando. “A costa é muito mais perto do oeste do que do leste. A partir daqui, calculo trinta e dois quilômetros, mais ou menos.”
Dagra bufou. “E que bem isso nos faz?”
Oriken deu de ombros, agarrou a copa do seu chapéu e tirou-o. “Se formos para o leste poderíamos acabar acrescentando dias ou uma semana inteira a nossa viagem. Além disso, prefiro atravessar a costa rochosa ou praias do que atravessar um pântano.”
“Então é o oeste,” Jalis disse, tirando suas botas da mochila e calçando-as. “Não faz sentido adivinhar a distância que o pântano cobre. Vamos seguir sua borda o mais próximo que pudermos.” Ela estendeu uma mão para Oriken e ele ajudou-a a ficar em pé.
“E se isso levar diretamente para o oceano?” Dagra perguntou. “Nada de útil é o que fará por nós.”
Oriken passou uma mão pelo cabelo e recolocou seu chapéu, girando de leve a aba. “Neste caso, voltamos e vamos para o leste. Por que você tem de presumir o negativo, Dag? Nenhum de nós está feliz com isso. Você precisa relaxar um pouco.”
Dagra murmurou baixinho e encarou a charneca cheia de pântano.
“O que foi que você disse?”
“Nada. Esqueça.” O rosto de Dagra era uma máscara taciturna enquanto ele saía enfurecido para o oeste ao lado do pântano.
Enquanto seguiam atrás, Oriken olhou para Jalis. “Ele está muito tenso. Se houvesse algum maldito santuário para a Díade por aqui, nós o teríamos de bom humor em pouco tempo.”
Jalis concordou. “Estou começando a ver o quanto pedimos a ele para se juntar a nós. Não apreciei sua preocupação na taverna.”
“Ele vai mudar de ideia. Sua fé é mais forte do que qualquer um que eu conheço, para meu aborrecimento ao longo da vida. Fará com que ele sobreviva.”
“Espero que você esteja certo,” Jalis disse, “embora me pareça que você está colocando fé na fé de Dagra.”
Oriken deu uma risada baixinha. “Você me pegou aí.”

A tarde se prolongou. A chuva continuava leve, mas implacável. Jalis e Dagra usavam suas capas curtas com os capuzes puxados para cima e Oriken tinha vestido sua capa de couro de nargute. Ele estava quente, mas seco. Dagra juntou-se a eles e caminhou para o outro lado de Jalis enquanto os três caminhavam ao longo da beirada do pântano. A conversa era escassa e Oriken se viu imaginando o que havia realmente à frente deles. Eles estavam apenas alguns dias além da civilização, mas apesar da paisagem familiar de Himaera, a Colina Scapa tinha uma atmosfera própria. A vastidão da região fazia com que ele se sentisse não confinado, mas também desconfortável como se a própria região estivesse ciente da presença deles e os considerasse intrusos. O que, claro, era bobagem.
Talvez o humor de Dag esteja me contagiando, ele pensou, em seguida balançou a cabeça. Nenhum deles era estranho a viajar e ver somente deserto de um dia para o outro, mas saber que eles se dirigiam cada vez mais profundo em uma região vasta e despovoada – uma região evitada pelos vivos e abandonada ao passado – ele não conseguia afastar a apreensão que estava começando a se infiltrar. Havia realmente uma cidade no outro lado das Terras Mortas? Se sim, então certamente era uma casca de lugar, desmoronando ao chão e consumido pela vegetação.
Enquanto ele se arrastava, a chuva aumentou e começou a tamborilar na aba do seu chapéu. Com Jalis e Dagra caminhando ao seu lado em seus próprios pensamentos silenciosos, Oriken analisou a lenda de Lachyla. A cidade estava envolta em uma história vaga e estórias embelezadas, mas há quatro anos Oriken ouviu a melhor contada por um Tecelão de Histórias que passava por Alder’s Folly. O homem tinha parado para passar a noite no Mascate Solitário na época quando Oriken e Dagra eram novatos na guilda e novos moradores em Alder’s Folly, vivendo na casa da guilda com Maros, Jalis e o resto dos freeblades enquanto o Mascate ainda era de propriedade de Alderby.
Na virada da meia-noite, a sala comunal da taverna estava carregada com os cheiros de madeira queimada, cerveja e trabalho árduo. Os freeblades estavam reunidos em suas mesas perto da única porta de entrada. Maros sempre tinha de se abaixar e se espremer através daquela porta, mesmo antes que o ataque do lyakyn tivesse aleijado sua perna, Oriken se lembrou com uma pitada de pena pelo seu mentor mestiço e amigo. O balbucio da conversa silenciou-se na sala comunal quando um estranho entrou e olhou ao redor. O homem de meia idade era tão alto quanto Oriken. Ele caminhou até o bar, sacudiu para o lado a cauda do seu sobretudo azul e bege e saltou habilmente para se empoleirar no balcão de serviço.
O enigmático Tecelão de Histórias sorriu com sua barba bem aparada e grisalha. Seu olhar percorreu os rostos extasiados dos clientes silenciosos. Seus olhos eram vitais. Seu queixo se projetava apenas ligeiramente em uma confiança silenciosa. Enquanto a lareira crepitava, ele alisou as dobras do seu sobretudo e começou a tecer sua história…

No auge dos Dias dos Reis, Lachyla era uma cidade fortaleza vibrante e movimentada, com mais poder e influência do que qualquer outra em Himaera. Seu povo celebrava a morte com cerimônias elaboradas nos luxuosos jardins funerários. As muralhas imponentes do cemitério eram a primeira linha de defesa da cidade, como foi demonstrado décadas antes quando um exército invasor havia violado os portões – ou assim eles acreditavam – só para se verem cercados por todos os lados por arqueiros. Os dias de guerra estavam em declínio, mas a mortalidade fugaz dos homens pode transformar o grande jogo dos reinos em uma única geração, à medida que um novo soberano se ergue enquanto o sangue dos velhos leigos se espalha sobre o tabuleiro. A idade de ouro dos monarcas estava destinada a um fim calamitoso graças, em grande parte, as ações de um homem.
O último rei de Lachyla foi Mallak Ammenfar. Desafiando os soberanos tirânicos da época, Mallak era um governante imparcial e justo e rapidamente teve sucesso em formar alianças com seus vizinhos do norte. Nos primeiros dias do seu reinado, uma paz desconfortável prevaleceu em Himaera, mas à medida que seu mandato avançava, sua diplomacia dava lugar a uma paranoia crescente. Com a intenção de tornar Lachyla uma cidade-estado autossuficiente, ele começou a fechar as rotas de comércio com os reinos mais setentrionais e restringiu a viagem dos seus cidadãos. Mallak negligenciou os assentamentos mais distantes do Reino de Lachylan e concentrou-se somente na cidade extensa e fortificada.
Após a morte da sua mãe, ele tornou-se recluso e passava a maior parte do seu tempo no santuário inferior do castelo. Ninguém sabia o que ele fazia ali, nem mesmo a rainha.
Sem o comércio de metais, pedras preciosas e outros recursos valiosos de Lachyla, os reinos do norte caíram em declínio e as tensões cresceram por toda a terra.
Finalmente, mercadores esperançosos e enviados de seus vizinhos aliados tentando visitar Lachyla voltaram para casa com relatos que os portões da cidade estavam fechados e desguarnecidos. Além destes portões, eles disseram, os jardins funerários de Lachyla e o grande Caminho dos Defuntos – outrora um balbucio constante de atividade silenciosa – estendiam-se vazios até a cidade propriamente dita, sem um pranteador nem um caseiro à vista. A entrada estava barrada para todos os forasteiros, até mesmo àqueles súditos de Lachylan dos assentamentos e fortalezas remotas. O povo da cidade, nenhum estava autorizado a sair.
Os reis de Himaera deixaram Lachyla a sua própria sorte, decidindo contra a guerra enquanto atendiam aos conselhos dos seus embaixadores que retornavam. Uma falta de naturalidade estabeleceu-se na cidade. Até mesmo as aves alteraram seu curso para evitar voar além das muralhas, talvez percebendo o erro no cemitério – os arbustos e grama secos, o solo perturbado das sepulturas…
As atividades secretas do rei sob o castelo não eram testemunhadas por nenhum mortal, mas a antiga divindade de Himaera, Valsana, não tinha tais restrições. A deusa da vida e morte reinava separada e suprema acima de todos os deuses do Vinculado e Desvinculado, muito antes dos dias iluminados da Díade.
Valsana via as ações do rei como um desejo por governar além da sua posição e ela o considerou culpado por alcançar a divindade. Sua vingança caiu sobre os ombros não somente de Mallak, mas de todos que moravam dentro das muralhas da cidade.
Ela convocou os habitantes dos jardins funerários dos seus lugares de descanso. Os ancestrais invadiram a cidade e destruíram seus descendentes, que estavam muito aterrorizados para revidar. Logo, cada homem, mulher e criança dentro da cidade se juntaram as suas fileiras medonhas.
Quando o rei viu sua cidade cair no caos, ele ordenou ao último dos seus guardiões para barrar por dentro as portas do castelo. Naquela primeira noite, os gemidos dos mortos cercavam o castelo, o coração de uma criada idosa cedeu ao horror. Ela passou silenciosamente para a morte e levantou-se da mesma maneira silenciosa. Um por um, cada um dos criados do rei sucumbiu ao inevitável, seguido por sua família e finalmente seus guardiões até que permaneceu somente Mallak. Para os vivos, o castelo era seu santuário final. Para os mortos inquietos, era uma sepultura eterna.
Mallak trancou-se na sala do trono e sentou-se no assento adornado com joias, ouvindo seus súditos e familiares mortos enquanto eles arranhavam as portas. Após um tempo, eles foram embora e ele foi deixado sozinho. Havia uma mesa com um banquete modesto na sala do trono, mas a comida estava estragada e o vinho transformou-se em vinagre e o rei conheceu o desespero ao perceber as profundezas da maldição da deusa.
Dias se passaram e, sem comida comestível nem água para sustentá-lo, Mallak ficou fraco. Ele começou a comer a fruta podre e beber o vinho estragado, mas seu estômago não aguentou nenhum dos dois e ele vomitou.
O tempo perdeu significado na sala do trono sem janelas, marcado apenas pelo sono agitado no chão frio de pedra. Sedento e morrendo de fome, Mallak difamava o nome da deusa pelo que ela havia causado a ele.
Cedendo cada vez mais ao delírio, o rei compreendeu o erro dos seus modos. Tudo que ele queria era proteger sua cidade e seu povo do veneno dos outros reinos, mas esta proteção sufocou todos. Os Reinos Himaeranianos não estavam repletos de inimigos de Lachyla. As criaturas vagando pelas ruas e pelos corredores do castelo não eram os verdadeiros monstros. O verdadeiro monstro, ele sabia, havia se trancado na sala do trono.
“Valsana tenha misericórdia,” Mallak sussurrou, sua voz pouco mais do que um coaxar seco. Mas nenhuma misericórdia veio. Ele meditava no trono, drenado até mesmo do desespero. Enquanto os murmúrios dos mortos o atormentavam, Rei Mallak Ammenfar partiu desta vida para a próxima.
A deusa concedeu aquilo que o rei tanto desejava. Seu presente para ele foi o domínio completo de Lachyla, nem mesmo a finalidade da morte poderia usurpá-lo – porque o único governante verdadeiro da eternidade… é a própria morte.

“Precisamos de abrigo,” Jalis disse por baixo do capuz, trazendo Oriken de volta ao presente. “As nuvens estão escurecendo e a chuva está piorando.”
“Se meus olhos não me enganam,” Dagra disse, “este abrigo pode estar no horizonte.” Ele apontou para a paisagem nublada.
Oriken podia ver apenas as formas de várias estruturas pequenas no meio do manto de chuva. “Bem, vou ser amaldiçoado.”
“Aye,” Dagra bufou. “Provavelmente.”
Enquanto eles aceleravam o ritmo, Jalis disse, “Pelo menos, sem bosques por perto, não haverá cravantes desta vez.”
Dagra grunhiu sua concordância. “Mas não vamos ser complacentes. Não há como dizer que outras surpresas as Terras Mortas poderiam ter reservado para nós.”
O estômago de Oriken roncou. Um teto e um descanso por um tempo seriam agradáveis neste momento, mas iria preferir um coelho assado. Não tinha visto um almoço em potencial o dia inteiro. Quando eles se aproximaram dos prédios, suas esperanças se dissolveram. As três cabanas de madeira estavam em estados avançados de desmoronamento e várias estruturas menores eram pouco mais do que pilhas de madeira apodrecida. Telhados tinham caído parcialmente, as portas estavam faltando ou estavam semiafundadas no chão e os interiores estavam cobertos de vegetação e água.
Oriken desembainhou seu sabre e caminhou até a cabana mais distante, deixando Dagra e Jalis para inspecionar os prédios mais próximos. Uma breve busca confirmou que realmente não era nenhum abrigo nem havia algo que valesse a pena salvar dos restos da mobília devorada pelos vermes. Ele deu um passo para o lado desmoronado da cabana, serpenteando entre os escombros cobertos de musgo. Atrás do prédio, várias árvores baixas e espinhosas se aninhavam ao abrigo de um outeiro; atrás delas, as tábuas deformadas de uma abertura feito pelo homem estavam apoiadas obliquamente no lado da colina.
“Há uma mina aqui atrás!” ele gritou por cima do ombro.
Jalis apareceu um instante depois. “Tenha cuidado.”
Oriken correu para a entrada da mina e deu uma olhada no interior. Com um encolher de ombros, ele atravessou a soleira. O primeiro conjunto de vigas de sustentação estava visível a uma curta distância; além disso, o resto do túnel se estendia na escuridão. Ele deu mais alguns passos e parou para passar os dedos na terra. Satisfeito que estava seca, ele jogou a mochila no chão e colocou o cinturão do sabre sobre ela, depois sentou-se apoiado na parede do túnel.
Jalis correu para a entrada e empurrou o capuz para trás com um suspiro. Um instante depois Dagra entrou atrás dela, sacudindo a água da sua capa. Na charneca, o vento soprava e a chuva caía com um novo fervor.
Uma vez livre do seu equipamento, Jalis sentou-se com as pernas cruzadas ao lado de Oriken. “Assim que aliviar, vamos sair de novo.”
“Onde quer que haja uma mina, normalmente há um assentamento nas proximidades,” Oriken disse.
Dagra emitiu um grunhido evasivo. “Qualquer assentamento estará em condições tão ruins quanto aquelas cabanas de trabalhadores lá fora. As casas da periferia não estavam vazias por mais do que algumas décadas, mas esta mina foi abandonada há, pelo menos, uma centena de anos.”
“Ele está certo,” Jalis disse. “Não faz sentindo em ficar animado. Além disso, o bosque por aqui é muito mais esparso; se permanecer assim, não vamos esbarrar com mais nenhum cravante.”
“Aye, bem,” Dagra murmurou enquanto passava. “Sem mais surpresas. Isto está bem para mim.” Ele largou seu equipamento contra a parede e agachou-se ao lado dele, colocando seu gládio sobre o colo.
Oriken olhou além de Jalis para admirar os prédios quebrados. Ele se perguntava como eram os mineiros naquela época e se eles eram parecidos com seu pai. Estufando as bochechas, ele olhou na direção oposta da escuridão intensa do túnel. “Ei, espere,” ele murmurou. “Aquilo é… Dag, cuidado!”
Um vulto correu direto para Dagra. Ele estava em pé em um piscar de olhos para encontrar o agressor de cabeça erguida, balançando sua espada no vulto escuro. Com um grunhido, o agressor passou as mãos ao redor do pescoço de Dagra e ele empurrou o gládio de lâmina larga através da barriga do agressor, empurrando-o mais alto no peito. As mãos ao redor do pescoço de Dagra afrouxaram e seu agressor caiu em cima dele. Ele arrancou a espada do corpo e o agressor caiu ao chão. Tudo tinha acontecido em segundos, mas Oriken e Jalis tinham suas armas sacadas e prontas para atacar a partir do túnel. O momento se prolongou, mas nada veio. Oriken olhou para Dagra, cujos olhos estavam fixos no corpo aos seus pés.
Oriken olhou para baixo. “Merda,” ele disse enquanto olhava para a pele suja, coberta de machucados, o cabelo comprido e emaranhado e a barba desgrenhada de um homem nu.
Dagra gemeu, caminhou até a entrada e ficou olhando para a chuva.
“Um eremita?” Jalis ponderou. “Ou há mais no interior da mina?”
“Um idiota, de qualquer maneira,” Oriken disse. “O que ele estava pensando?”
“Invadimos sua casa.” Dagra mantinha suas costas para eles. “Ele estava somente se protegendo.”
Jalis balançou a cabeça. “Não representávamos nenhuma ameaça para ele,” ela disse a Dagra.
“Deveríamos queimá-lo.”
Oriken jogou as mãos para cima. “Ótima ideia. Vou sair e pegar um pouco de madeira seca para uma fogueira. Há tantas árvores por aqui e realmente não está chovendo pesado.”
“Ok, tudo bem!” Dagra virou-se para encará-los. “Vamos pelo menos arrastá-lo mais para dentro, se vamos ficar por um tempo.”
“Isso eu posso fazer,” Oriken disse, tentando sem sucesso evitar a dureza na sua voz.
Dagra olhou para ele e após um momento deu um breve aceno de cabeça.
Oriken agarrou os pulsos do eremita e arrastou o corpo para o túnel, mantendo seus sentidos em alerta para mais perigo. A escuridão era completa, mas ele conhecia bem as entradas de minas. Quinze metros adiante, o túnel se dobrava e ele largou o cadáver no canto. Por um minuto inteiro, ele ficou parado e olhou para a escuridão enquanto pensamentos sem forma empurravam o limite das suas emoções.
“Orik!” A voz de Jalis soou no túnel. “Você está bem?”
“É claro,” ele disse. Ele deu à escuridão um olhar sombrio, em seguida virou-se para se juntar aos seus amigos.
“Você não precisava ir tão longe,” Dagra disse quando Oriken se aproximou da entrada.
“Não fui longe. Estava apenas pensando.”
“Você realmente escolhe seus lugares para introspecção,” Jalis disse. “Em uma mina abandonada, no escuro, perto de um cadáver.”
“Um pouco de respeito, por favor, garota,” Dagra disse. “Aquela era uma pessoa viva há poucos minutos.”
“Ele nos atacou,” Jalis disse, “não o contrário. Você se defendeu. Você não tem nada para se sentir mal sobre isso.”
“Não precisava matá-lo.”
“Não, mas você não tinha como saber quão perigoso ele era nem que ele era um homem até que fosse tarde demais. Não se critique por causa disso. Ainda temos um longo caminho a percorrer e precisamos nos manter tão afiados quanto nossas espadas.”
Dagra resmungou um reconhecimento sem palavras. “Gostaria que esta maldita chuva diminuísse para que pudéssemos seguir em frente.”
Jalis sorriu. “Este é o espírito.”
Oriken deixou-se cair para sentar-se encostado na parede.
Jalis sentou-se de pernas cruzadas ao lado dele. “Algo aconteceu?”
“Não.”
Ela estudou seu rosto. “Lembre-se que é comigo com quem você está falando. Consigo ver sua alma.”
Ele bufou. “Não tenho uma destas.”
Dagra veio se juntar a eles. “Você não precisa seguir a Díade para ter uma alma,” ele disse. “Todo mundo tem uma. Até mesmo você.”
“Sim, certo.” Oriken voltou seus olhos para a escuridão.
“Sim, certo,” Dagra insistiu.
“Não acredito em nenhum dos seus deuses, Dag. Você sabe disso. Nem na Díade. Nem no Vinculado. Nenhum deles.”
“Bem, talvez eles acreditem em você.”
“Pelo amor de Deus!” Oriken levantou-se e olhou com cara feia para seu amigo. “Você não pode deixar isso em paz, só para variar?”
Jalis levantou-se e ficou entre eles. “Não sei como vocês conseguiram permanecer amigos por todos estes anos,” ela disse, passando um olhar severo de um para o outro.
Dagra acenou uma mão com desdém. “Nem eu.”
“Eu sei,” Oriken disse. “Eu devo...” Ele reprimiu o resto das palavras e pressionou os lábios com firmeza.
Dagra virou a cabeça lentamente. Seus olhos se levantaram para prender Oriken com um olhar sinistro. “Não pare aí,” ele disse com calma. “Você ainda acredita que me deve? O que eu fiz por você, eu fiz tarde demais. Eu tive uma chance mais cedo e não aproveitei. Você não me deve nada.”
Idiota! Oriken repreendeu a si mesmo. Você não podia manter a boca fechada. “Dag, olhe, sinto muito. Não pretendia...”
“Você não pretendia,” Dagra sorriu com desdém. “Você não pensou. Este é o seu problema, Oriken. Você nunca pensa.” Com um suspiro, ele sentou-se de novo.
Oriken olhou para ele, mas Dagra não disse mais nada e manteve os olhos na parede oposta, os dedos sobre o pingente ao redor do seu pescoço. Quando Oriken virou-se para Jalis, ela estava olhando para ele serenamente. Contendo o desejo de acender um rolo de tobah, ele balançou a cabeça e vagou para a escuridão. As coisas não tinham sido tão ruins entre ele e Dagra por muito tempo. O lugar estava afetando ambos.

Capítulo Quatro
Pedras Dos Tempos Passados

“O que vocês, meninas, vão fazer hoje?”
Eriqwyn abafou um suspiro e colocou o resto do seu caldo na boca para evitar dar uma resposta irreverente para sua mãe.
No outro lado da mesa, sua irmã trocou um olhar com Eriqwyn. “Espero que seja um dia como qualquer outro,” Adri disse. “Estamos felizes em ter você se juntando a nós para o café da manhã, Mãe. Você dormiu bem?”
A mãe delas deu a Adri o mais breve dos acenos de cabeça, em seguida seus olhos ficaram vidrados e ela olhou para sua comida.
“De volta ao seu próprio mundo,” Eriqwyn murmurou.
Adri pigarreou. Como os jovens caçadores estão se saindo com o treinamento?”
“A maioria está demonstrando ser promissor, mas eles ainda têm um longo caminho a percorrer e não serão caçadores até que eu os aceite como tal.”
Adri lançou um olhar inexpressivo para ela. “Isso, irmã, é um entendimento que não plana acima de mim como líder desta comunidade.”
Eriqwyn inclinou a cabeça em deferência. “É claro. Mas me diga uma coisa, Adri. Como Primeira Guardiã, aceitar os aprendizes é minha responsabilidade, mas por que, na charneca verde da deusa, você insistiu em apresentar Demelza?”
“Ah, sim. Demelza.” Adri deu um sorriso tenso. “Sua antipatia pela garota é bastante evidente e sei que do contrário você não a teria aceitado. Admito que há algo sobre ela que também me preocupa, mas ela é inofensiva e acredito que ela tem potencial.”
“Você e Wayland veem algo nela que eu não,” Eriqwyn disse. “Seu progresso é lento e sua atenção é quase inexistente.”
Adri colocou a colher na tigela vazia. “Isso não significa que ela não possa aprender. Ela mora sozinha, Eri. Ela provou ser autossuficiente desde que a velha Ina morreu. Eu a vi retornar para a vila com coelhos, faisões, cestas de caranguejos. Uma vez eu a vi arrastando um nargute adulto até seu barracão.”
“Bem, não sei como ela conseguiu pegá-los sem redes ou armadilhas ou uma flecha bem direcionada. Do que ela parece ser capaz não combina com suas habilidades observadas. Não acredito que ela tenha o que é preciso.” Eriqwyn deu de ombro. “Não importa. Wayland está responsável pela garota. Se alguém pode transformá-la em uma caçadora, é ele. Ele gosta de Demelza e sua paciência é ímpar.”
“Wayland é um Guardião forte. Assim como Linisa.” Adri levantou-se da sua cadeira e esticou o braço sobre a mesa para pegar a tigela de Eriqwyn. “Vocês três podem ser a equipe mais capaz de Guardiões que esta vila já conheceu. Minnow’s Beck está realmente bem protegida.”
“É bom você dizer isso, irmã.” Mas protegida contra o quê? Quando Adri deixou a sala, Eriqwyn se levantou do seu assento e olhou para a mãe delas. “Vou sair para colher flores agora, Mamãe,” ela disse, odiando-se um pouco por saber que suas palavras foram ditas com menos gentileza e mais com zombaria.
Sua mãe olhou para cima e encontrou seu olhar. Apesar do passar dos anos trancada dentro das suas lembranças, só por um momento seus olhos mostraram o fantasma da mulher que ela tinha sido outrora. “Tudo bem, querida,” ela disse, com um leve sorriso. “Divirta-se.”
Diversão. Eriqwyn ponderou a palavra enquanto saía da sala. Como se vida ainda fosse sobre pular corda e colher flores. Eu cresci, Mãe. Assim como Adri. Mal nos lembramos mais do que é diversão.

Um murmúrio de vozes flutuou das portas abertas enquanto Eriqwyn caminhava pela Fileira dos Santuários Caídos, seu arco sem corda na mão. Calor e o cheiro de aço enchiam o ar quando ela passou pela frente aberta do ferreiro. Tan, o mais novo dos dois ferreiros, desviou o olhar do seu trabalho e levantou uma mão em saudação. Sem interromper o passo, Eriqwyn reconheceu o gesto com um breve aceno de cabeça e continuou seguindo pela rua.
Quando alcançou a extremidade sul da vila, uma figura saiu de trás da última casa. Eriqwyn cerrou os dentes quando reconheceu Shade. O cabelo escuro e brilhante da mulher caía sobre seus ombros e o material transparente da saia comprida e faixas que cruzavam sobre seus seios se agarravam a sua figura na brisa quente.
Shade parou ao lado de uma viga de madeira e levantou a mão para acariciar a madeira lisa. “Olá, Eri,” ela ronronou. Seus olhos castanhos brilhavam ao sol da manhã.
Eriqwyn fez um movimento para passar por ela, mas parou quando Shade tocou seu ombro. “O que você quer?” Eriqwyn disse bruscamente.
Shade sorriu. “Tanta hostilidade. Você sabe que eu gosto disso em uma mulher. Faz um tempo que eu não te vejo, Eri. Você tem se escondido de mim?”
“Não preciso me esconder de você,” Eriqwyn disse acidamente. “E não me chame de Eri. Você e eu não somos próximas.”
“É uma grande pena.” A voz de Shade exalava sensualidade tanto quanto sua aparência. “Então como você quer que eu te chame? Primeira Guardiã?”
“Isso seria aceitável.”
“Tantas formalidades,” Shade repreendeu. “Pensei que estávamos muito além disso. Com os lugares que você e eu estivemos, eu diria que estamos mais … intimamente ligadas do que a maioria em Minnow’s Beck.” Seus olhos percorreram o corpo de Eriqwyn.
Eriqwyn olhou ao logo da rua para garantir que não houvesse bisbilhoteiros. “Não há nenhuma intimidade entre você e eu,” ela disse enfaticamente. “Se algum dia houve, foi há muito tempo. Eu te conheço pelo que você é, Shade. Você é uma pedra preciosa... bonita, mas fria.”
Shade aproximou-se mais um passo, parecendo deslizar pela curta distância entre elas. Seus dedos percorreram o ombro nu de Eriqwyn até o braço. “Eu pareço fria?” Ela se aproximou ainda mais. “Ou eu pareço quente? Você se lembra daquele calor, Eri? Em algum momento, você deveria vir me visitar, eu lembraria a você quão agradável eu sou aos olhos e ao toque.”
Com um suspiro de frustração, Eriqwyn franziu o cenho e afastou a mão de Shade do seu braço. “Você vai se dirigir a mim com o respeito da minha posição.”
“Oh,” Shade ronronou com um sorriso irresistível, “mas eu respeito sua posição.” A ponta da sua língua serpenteou entre os dentes. “Cada uma delas.”
Eriqwyn abriu caminho e se afastou.
“Te vejo em breve!” Shade gritou atrás dela.

Dagra agarrou seu pingente Avato e sussurrou uma oração para a Díade e seus profetas enquanto se arrastava pela grama baixa, ainda úmida do aguaceiro do dia anterior. Para o oeste, uma cadeia de colinas varria ao longo do horizonte, a mais leve visão do oceano pairando sobre seus picos. Para o leste, bambus e capim se projetavam do pântano carregado de neblina como campanários de templos minúsculos, enquanto globos fantasmagóricos de fogo-de-fada flutuavam serenamente acima da mortalha branca.
Eles haviam seguido o pântano durante o resto do dia anterior e quando o pântano finalmente deu lugar a terras mais firmes ao sul, Jalis mandou parar para a noite e eles dormiram sob as estrelas. Desde o amanhecer eles mantiveram um ritmo constante, esperando que o vasto pântano finalmente acabasse para que eles pudessem se dirigir para o interior e voltar para a Estrada do Reino. À medida que a primeira hora da manhã se estendia para a segunda e terceira, Dagra sentia cada vez mais como se uma presença esmagadora preenchesse a charneca.
Não era o espaço aberto que o enervava nem o potencial de qualquer perigo físico; ele era um freeblade, afinal de contas e se as coisas ficassem muito difíceis, eles sempre poderiam voltar. O que o perturbava era a atmosfera ímpia que começou quando eles entraram nas Terras Mortas e que somente tinha piorado desde então. Ele mal podia sentir a presença da Díade tão no coração da Colina Scapa. Sua única esperança era que Aveia ainda ouvisse suas orações e que sua contraparte Svey’Drommelach também ouvisse do Reino dos Espíritos; era desconcertante e – Dagra admitiu de má vontade – irônico que suas esperanças quase superassem suas orações neste lugar onde a Díade nunca reinou, este lugar que era o domínio de uma deusa primitiva e há muito desmoralizada.
“Antes da Insurreição,” Dagra disse, mais para si mesmo do que para os outros, “eles não queimavam seus mortos. Apenas os enterravam e os deixavam no chão para supurar e apodrecer.” Ele estremeceu. “Prática ímpia.”
“Era a mesma coisa no Arkh antes do surgimento da Díade,” Jalis disse. “Alguns lugares enterram seus mortos sem cremação ... nas áreas remotas onde eles ainda veneram o Vinculado e o Desvinculado em vez da Díade.”
“De qualquer maneira nunca me importei muito,” Oriken comentou. “O que importa o que acontece com você quando você morre?”
“Os mortos deveriam ser queimados e suas cinzas espalhadas ao vento,” Dagra insistiu. “Deixar os ossos para afundarem na lama, mas deixar o espírito voar livre.” Balbuciando uma adição silenciosa à sua oração, ele soltou seu pendente e olhou além de Jalis para as terras altas ao oeste. Naquele momento, o canto superior de uma estrutura de pedra quadrada tornou-se visível entre as colinas distantes.
Jalis também havia percebido isso. Ela parou e tirou sua mochila. “Aquilo é um castelo?”
“Duvido,” Oriken disse. “Muito pequeno.”
“É maior do que aquela fortaleza circular nos arredores.” Dagra franziu o cenho para o bloco cinza feio que era tão alto quanto largo. “Sem janelas no andar inferior. Quem iria querer viver em um lugar assim?”
“Não creio que foi construído para conforto,” Oriken disse. “Muito provavelmente é um forte antigo.”
“Hm.” Jalis tinha o mapa na sua mão e cutucou um dedo sobre ele. “Está aqui. Caer Valekha.” Ela olhou ao redor do mapa. “Isso significa que estamos um aquém do meio do caminho até Lachyla.”
“Quase além do ponto sem retorno,” Dagra murmurou. “Quando o destino está mais próximo, a rota sensata é para frente.”
Oriken arqueou uma sobrancelha. “Ouço um surto de entusiasmo?”
Dagra bufou. “Mais como determinação.”
“Esperem.” Jalis olhou para a fortaleza enquanto guardava o mapa e pendurava a mochila sobre o ombro. “Creio que vi movimento.”
“Você viu,” Dagra disse enquanto caminhava a passos largos ao longo do pântano. “É o rastro de poeira atrás de mim enquanto eu me apresso para deixar este lugar.”
“Dag está certo,” Oriken disse enquanto eles corriam para alcançá-lo. “Não há como dizer o que há lá, mas não é nosso objetivo e não estou curioso o suficiente depois dos cravantes e do eremita.”
Jalis assentiu. “Concordo.”
Após colocar uma distância entre eles e a fortaleza, Dagra lançou um olhar cauteloso por cima do ombro para o prédio. Caer Valekha. Por que os lugares precisavam ter nomes tão sombrios naquela época? Enquanto seguiam em frente, a fortaleza encolhia atrás das colinas, além do qual uma faixa brilhante coroava o horizonte – o sol da manhã cintilando da costa. “Faz muito tempo desde a última vez que eu vi o Oceano Echilan,” ele disse melancolicamente.
“Sim.” Oriken suspirou, depois deu uma gargalhada. “Lembra quando fomos até o Monte Sentinela?”
Dagra assentiu. “Escalando suas colinas para ver até onde poderíamos atravessar a água.”
“Não poderíamos escalar mais alto.”
“E havia de tudo lá fora, menos ondas espumantes.”
Oriken riu. “Verdade. Foi um final muito decepcionante para uma aventura divertida. Seus avós ficaram doentes de preocupação.”
“Eles não me deixaram sair da sua vista por semanas. Sim, eu me lembro.”
“Cavalheiros, odeio interromper a nostalgia, mas parece que estamos ficando sem terra seca novamente.”
Dagra olhou para frente e viu que ela estava certa. Sua determinação vacilou. Embora a neblina do pântano estivesse limpando, os sinais reveladores de um terreno infestado de pântanos espalhavam-se não somente à esquerda deles, mas agora também à frente deles, bloqueando o caminho. A meio quilômetro de distância, uma faixa verde escura de coníferas marcava o retorno de terra firme. “Se continuarmos em direção ao oeste, os pântanos poderiam diminuir mais perto da costa.”
“Este é o espírito.” Oriken bateu uma mão no ombro de Dagra. “Vamos encontrar uma maneira de atravessar. Sempre encontramos. Certo?”
“Aye,” Dagra resmungou. “Sempre encontramos.”
A pausa deles chegou muito antes de alcançar a costa. Quinhentos metros ao longo da margem do pântano, uma travessia grosseira de troncos de árvores parcialmente submersos havia sido arremessada no pântano em fileiras de três.
“Bem, aí está.” Oriken sorriu. “Isso foi útil da parte de alguém.”
“Graças aos deuses,” Dagra disse. “Mas não vou ficar para conhecer seja quem for que construiu isso.” Ele colocou um pé no primeiro tronco meio submerso, testando seu peso sobre ele. “Parece firme o suficiente.” Ele pisou na madeira, encontrou seu equilíbrio e atravessou para o próximo tronco.
Jalis saltou de leve na madeira. “Esta passarela parece ter décadas, talvez um século e provavelmente foi colocada em cima dos remanescentes de uma travessia anterior. Seja quem for que construiu isso deve estar morto há muito tempo.”
“Uma centena de anos ou dia, os deuses veem o futuro e colocam as peças no lugar,” Dagra disse. “Eles enviam coisas para nos testar, mas eles também enviam coisas para nos ajudar.”
“Ei, Dag,” Oriken chamou atrás dele. “Não me importa se são deuses ou pastores de cabra. Qualquer coisa que te levar para o outro lado.”
Dagra balançou a cabeça. “Os deuses têm estado usando você para me testar durante anos, Orik. Zombe o quanto você quiser, meu amigo. Um dia destes irei convencê-lo que estou certo.” Sorrindo para si mesmo, ele acrescentou, Mesmo que demore até a vida após a morte.

Eriqwyn perambulava ao longo do litoral suavemente elevado a vários metros da costa rochosa. O movimento silencioso da maré era o único som além dos gritos distantes das gaivotas atrás dela. À frente, não havia nenhum pássaro à medida que a grama verde amarelava e rareava na terra sem vida. A inclinação constante da costa subia até um penhasco que se projetava para o oceano e contornava o promontório distante de terra. Com apenas um arbusto ou uma árvore de aparência doentia à vista, a terra árida se inclinava na direção de uma muralha ameaçadora e irregular que se estendia até a charneca. Outra muralha encimava o afloramento meridional e além das suas ameias, os cumes nebulosos das torres e pináculos desapareciam no céu azul.
Seu arco estava encordoado, mas Eriqwyn não esperava ter de usá-lo. Quanto mais perto ela caminhava na direção do perímetro do Lugar Proibido, as chances de ver vida selvagem de qualquer tipo se tornavam cada vez mais improváveis; como no caso das gramíneas, as criaturas fugiam da muralha alta e antiga. Aqui, existia somente um motivo pelo qual ela poderia precisar de uma arma e ela rezava para a deusa que tal evento nunca viesse à luz.
Não havia necessidade de ir até a muralha, ela podia ver detalhes suficientes à distância para ter certeza que nada espreitava perto da sua base nem entre as ameias acima. Virando para o interior, ela pegou um caminho paralelo a longa muralha, seguindo uma rota percorrida pelos Guardiões ou caçadores da aldeia todos os dias por gerações. Mais ao leste, as linhas angulares dos prédios mais ao sul de Minnow’s Beck espiavam por trás da base coberta de árvores da Escarpa do Dragão Sonhador, o esconderijo natural da aldeia do norte e do oeste. Aumentando seu ritmo, ela manteve os olhos alertas e lançava olhares contínuos por todos os lados, especialmente na direção da barreira implacável do Lugar Proibido.
Meia hora depois, Eriqwyn alcançou o canto nordeste da muralha e a vasta charneca se abriu diante dela em faixas de verde e dourado, o sol alto fluindo sobre a paisagem ondulante. Olhando ao longo da muralha setentrional, ela rastreou sua extensão até que se afunilou no horizonte. Não era a sua vez de verificar a entrada hoje; este trabalho recaiu sobre Linisa, que estaria levando um caçador-em-treinamento para olhar através das barras de ferro da entrada do Lugar Proibido pela primeira vez, exatamente como um dos Guardiões anteriores tinha feito com Eriqwyn quando ela era uma menina e exatamente como Wayland em breve estaria fazendo com Demelza.
Satisfeita que a costa estava limpa, ela virou para o terceiro e último trecho do seu circuito, seguindo a trilha que levava de volta à aldeia. Após alguns minutos, ela viu uma figura solitária à frente.
Demelza, ela pensou. Sozinha novamente. Para dar uma espiada através das barras, não é?
Assim que avistou a garota, Demelza saiu correndo da trilha e desapareceu na linha das árvores. Franzindo o cenho, os instintos de caçadora de Eriqwyn entraram em ação e ela entrou no bosque, pisando de leve na vegetação rasteira entre as árvores. Pegando um vislumbre de movimento quando Demelza moveu-se rapidamente pela base da Escarpa do Dragão Sonhador, Eriqwyn abaixou-se para uma posição semi-agachada e começou a perseguição. Na crista plana da colina havia a clareira natural do Olho de Dragão. Eriqwyn se escondeu entre as árvores e arbustos e observou a garota entrar na clareira. Demelza atravessou para um bloco de pedra coberto de hera no centro da clareira – a pedra de oferenda que deu nome à clareira, sua única serva a hera já que ninguém tinha venerado os deuses primitivos desde muito antes de Valsana mudar o mundo.
Eriqwyn esperou enquanto um minuto se estendia no seguinte e Demelza permanecia escondida atrás do altar. No outro lado da clareira, a vegetação rasteira farfalhou. Os sentidos de Eriqwyn aguçaram. Seus olhos encontraram rapidamente a área de alvoroço. Entre os arbustos, um par de grandes olhos amarelos brilhava à luz do sol perto do chão. A criatura enfiou a cabeça na lareira e Eriqwyn imediatamente pegou uma flecha. Sarbek, ela pensou, encaixando a haste da flecha enquanto a criatura parecida com um lobo rastejava da vegetação rasteira, a crista de ossos semelhante a uma espada arqueando sobre suas costas, pálida contra o pelo escuro.
Lobos eram incomuns tão perto de Minnow’s Beck, mas Sarbeks eram muito mais raros. Tais criaturas tendiam a permanecer no bosque montanhoso ao nordeste, mas caso um se deparasse com um humano sozinho e desarmado…
A atenção do sarbek estava no altar de pedra, atrás do qual Demelza ainda estava se escondendo. A criatura deu vários passos tímidos para frente, em seguida se agachou, pronta para saltar.
Eriqwyn puxou e soltou a flecha e perfurou o flanco do sarbek. Com um gemido estridente, a criatura caiu e Demelza saiu do seu esconderijo em um instante e correu para o seu lado. Agachando-se, ela colocou uma mão em seu flanco e com a outra acariciou gentilmente a cabeça do sarbek. Eriqwyn saiu das árvores e a menina olhou para ela, seus olhos brilhando com umidade.
Por que em nome de Valsana ela está chorando?
“Por que você tinha de fazer isso?” Demelza soluçou.
Eriqwyn foi pega de surpresa. Esta não era a reação que ela esperava da menina. “Você não deveria estar aqui sozinha.”
Demelza piscou e as lágrimas escorreram pelo seu rosto. Ela voltou sua atenção para o sarbek e após um instante, a criatura piscou e fechou os olhos, deu um último suspiro, em seguida morreu. Ainda ajoelhada, ela virou-se para Eriqwyn. “O que ela fez para você?” ela gritou.
“Eu…” Eriqwyn hesitou, em seguida se conteve. “Você estava em perigo, menina! Nitidamente você não pode se defender. Você deveria estar me agradecendo, sua criança ingrata! Se eu não estivesse aqui, no momento você estaria sendo destroçada até a morte nas mandíbulas daquela criatura.”
Demelza abaixou a cabeça, as lágrimas derramando no pelo do sarbek morto. “Eu não estava em perigo. Ela era minha amiga. Você não consegue ver isso?” Ela se levantou e se aproximou de Eriqwyn. “Não tenho amigos na aldeia, não é?” ela disse acusadoramente. “Não há ninguém lá que gosta de mim.”
Eriqwyn respirou fundo. “Isso não é verdade, Demelza.”
“Sim, é verdade. E você sabe disso, porque você é uma daqueles que não gosta de mim. Eu vejo isso, sabe? Não sou burra.”
Não havia mais nada para Eriqwyn dizer. Era verdade, ela realmente não gostava da menina, não que ela pudesse dizer exatamente o porquê. E isso era a verdade para muitos dos aldeões. Mas este era um lado diferente de Demelza que ela não tinha testemunhado antes. A morte da sarbek animou a menina mais do que Eriqwyn já tinha visto.
“Você não pode fazer amizade com os predadores da natureza,” ela disse. Mas, de alguma maneira, apesar dos seus anos de treinamento, a declaração pareceu fraca. A sarbek estava realmente prestes a atacar? Eriqwyn já não tinha mais tanta certeza.
“Talvez você não possa,” Demelza soluçou. “Só mato para comer, não porque eu acredito que tudo quer me matar ou porque eu goste disso.”
Eriqwyn reprimiu um suspiro. “Eu não gosto...”
Demelza lançou um olhar venenoso para ela, em seguida saiu correndo para o bosque.
Apoiando seu arco no altar de pedra, Eriqwyn soltou um longo suspiro. Ela virou-se para a sarbek, agarrou a flecha que se projetava do seu flanco e a soltou. Pegando um trapo de uma algibeira em sua cintura, ela limpou a ponta da flecha e a recolocou na aljava, em seguida parou para olhar para a criatura morta. Não importa o motivo, a sarbek estava morta e, nos bosques da Colina Scapa, nada de útil deveria ser desperdiçado. Com um encolher de ombros, ela desembainhou o punhal de caça, ajoelhou-se e começou a trabalhar.

Capítulo Cinco
Complicações contratuais

Maros fez uma careta de dor enquanto se inclinava sobre o barril de hidromel Saltcoast Tan, transferindo seu peso para a perna boa enquanto dava um descanso para a arruinada. Ele agarrou a beirada de ferro do barril de cerveja, tensionou seus músculos e levantou. Com uma pegada tão forte quanto o metal nas suas mãos, ele trouxe o barril até seu peito e travou os cotovelos, segurando-o firme. Transferindo um pouco do peso para sua perna ruim, ele deu um passo para frente. Agonia disparou pela lateral da perna e ele proferiu uma maldição enquanto uma brisa soprava através do quintal da taverna, esfriando o brilho de suor na sua testa.
“Maldita perna,” ele resmungou. Houve uma época, eu poderia ter carregado este barril pelo caminho sem esforço. Agora estou me esforçando e suando como um porco fodido, sem mencionar ter de usar esta maldita carroça.
Ele sentiu um desejo repentino de chutar a roda da carroça de barris, mas se conteve; seria tolice perder a paciência enquanto levantava vinte galões da sua cerveja mais popular. Outro passo precário para frente o levou até a traseira da carroça. Ele abaixou seu fardo nas tábuas ao lado de um barril menor de Carradosi Pale e um tonel ainda menor de Redanchor Vorinsiano.
Esfregando a barriga arredondada, ele suspirou e balançou a cabeça. “É Maros, a Montanha mais do que nunca nos dias de hoje,” ele murmurou. “Amaldiçoe aquela criatura idiota conseguindo seus malditos dentes pontiagudos no meu joelho.” Ele mancou até a frente da carroça e parou para massagear o lado da perna latejando.
Se eu pudesse matar aquele lyakyn novamente, eu faria isso aqui e agora; esmagaria seus dentes e arrancaria suas mandíbulas da cara. E seria tão gratificante quanto a primeira vez. Ele suspirou e balançou a cabeça. Sim, mas nenhuma quantidade de devaneios me fará caminhar da maneira certa novamente.
Suspendendo o cabeçalho comprido da carroça, ele mancou e resmungou pelo pátio escuro até a porta dos fundos da taverna. Uma vez lá, ele começou a tarefa de arrastar os barris da carroça para o Mascate Solitário.

A taverna estava quieta. Além de um punhado de freeblades em uma das suas mesas regulares no canto da frente, apenas alguns moradores da cidade estavam espalhados por toda a sala comunal. Maros tinha permitido que o jovem garçom, Jecaiah, saísse cedo e fosse para casa, para sua esposa e ele também tinha mandado para casa algumas das atendentes. Com os barris fechados protegidos debaixo do bar ao lado daqueles atualmente em uso, Maros colocou o tonel de Redanchor em cima do balcão dos fundos, pronto para amanhã ou para o dia seguinte, para os clientes com gostos mais caros.
Ele pegou sua banqueta do bar, saiu mancando de trás do balcão até os freeblades e sentou-se com as costas contra a parede.
“O que eles estavam pensando?” Alari estava dizendo. “Os dez por cento divididos entre os três” — ela acenou com a cabeça para indicar Maros — “e as fatias do chefe e da sede; é bom, mas não vai levá-los longe.”
Ao lado de Alari, o novato sob sua responsabilidade bufou. “Em vez disso, eles poderiam ter conseguido um punhado de trabalhos servis, no mês ou mais, em que estarão ausentes, como você me disse para fazer.”
Maros franziu o cenho para o jovem. “Kirran, esta é a atitude certa para um novato, mas não se você quer permanecer um pelo resto dos seus dias como freeblade.”
“Uh, sinto muito, chefe.”
“Não se desculpe. Estes trabalhos servis precisam ser feitos por alguém e agora esta pessoa é você.”
Kirran pressionou os lábios juntos e não disse mais nada.
Na frente dele, Henwyn deu uma risada sincera. “O chefe te pegou aí, rapaz.” Ele tomou um gole do seu vinho. “Mas sério, chefe, você acredita que este contrato valerá a pena?”
Maros grunhiu. “Seu palpite é tão bom quanto o meu, Hen. A verdade é que tenho pensado sobre a intenção da mulher Chiddari. Este é um dinheiro sério que ela entregou, mas algo não está parecendo certo para mim. Você já conheceu alguém que se importa tanto com uma bugiganga que nunca viu? Na idade dela?”
Henwyn deu de ombros e olhou para Alari. “Eu, eu teria aceitado o contrato só pelos dez por cento. Ainda é uma quantia considerável. Verdade seja dita, estou um pouco chateado por não estar aqui quando você postou no quadro. Eu o teria arrebatado. Um mês sozinho no deserto? Sim, eu faria isso.”
“Sozinho?” A garota ao lado de Henwyn fixou-o com um olhar desanimado. “O que aconteceu sobre você me ensinar o trabalho?”
“Bah.” Henwyn sorriu através da sua barba curta. “Não me interprete mal, garota, mas você ainda não diferencia alhos de bugalhos lá fora. Você ainda não está pronta para ser uma com a terra por este período de tempo.”
A garota olhou para ele friamente. “Conheço o deserto,” ela disse, em seguida virou a cara.
Alari pigarreou. “Você tem fé na lenda?” ela perguntou. “Quero dizer, só espero que nossos amigos estejam completamente preparados, só isso.”
“Não sei,” Maros admitiu, deslocando seu peso na banqueta. “Sei que alguns discordam, mas acredito que histórias são tudo que elas são. Se eu fosse capaz, estaria lá fora com eles em vez de confinado no Folly. Nunca estive inclinado a me aventurar nas Terras Mortas e não estou muito curioso sobre a Cidade Sinistra, mas...” Uma tosse catarrenta foi emitida da mesa ao lado deles. Maros olhou para Jerrick, um cliente do Mascate, sentado sozinho como de costume e balbuciando na sua caneca. “Esta tosse está piorando, meu velho,” Maros disse. “Você deveria conseguir uma infusão para isso.”
“Heh.” Jerrick olhou para cima, seus olhos remelentos disparando para Maros. “Não ajuda quando ouço sobre o que vocês, jovens, estão falando.”
“Isso é assunto dos freeblades,” Maros repreendeu. “Não é para você estar ouvindo.”
“Aye, bem, quando um homem ouve o que ele ouve, ele tem de falar, não é? Eu tive um amigo nos blades uma vez, sabe? Difícil de entender que um coroa velho como eu pudesse ter tido amigos, não é? Bem, eu tinha. Todos mortos agora e Eli foi o primeiro a ir. Ele era um bom homem.” Jerrick suspirou e franziu o cenho pensando. “Deixe-me ver agora… Deve ter se passado cinquenta anos quando Eli e eu estávamos sentados nesta taverna e ele disse que estava saindo em uma missão. Aye, eles chamavam de missão naquela época.”
Maros olhou para Alari e deu um discreto encolher de ombros.
Jerrick tossiu, depois gargalhou na mão antes de limpá-la na calça e erguer uma sobrancelha grossa e branca. “Disse que se ausentaria por um tempo, que estava indo para o sul para encontrar uma pedra para uma garota. Você sabe, a busca absurda habitual que vocês, freeblades, fazem. Pergunto a ele para onde e ele diz para a Cidade Sinistra, de todos os lugares. Bem, ele foi. Nunca mais voltou. Consenso era que ele se perdeu, atacado por monstros ou algo assim, caiu em um pântano, algo assim. Eu, eu não tenho tanta certeza. Lias era velhaco.”
Alari moveu sua banqueta e esperou enquanto Jerrick pigarreava ruidosamente na mão retorcida. Quando ele terminou, ela se aproximou e disse, “Quem era a garota?”
“Amaldiçoado se eu sei.”
Maros balançou a cabeça. “Isso é novidade para mim.”
“Nenhum motivo para você ter ouvido,” Henwyn comentou. “Um contrato entre milhares, de meio século atrás?”
“Verifique os registros,” Alari sugeriu.
“Não encontrará nada lá,” Maros disse. “Os arquivos aqui remontam a somente dez anos atrás. A sede em Brancosi tem todos os registros dos contratos mais antigos e dos membros.”
Jerrick balbuciou outra crise de tosse, em seguida pegou um cachimbo de madeira e uma algibeira do que Maros sabia ser de tobah com nepente do seu casaco. Apesar das juntas retorcidas, ele enfiou habilmente as folhas úmidas no cachimbo, em seguida tomou um gole de cerveja. “Viva pela espada, morra pela espada, vocês jovens dizem, não é? Aye, bem, reconheço que estas são minhas espadas.” Ele brandiu seu cachimbo e caneca, tomou o resto da sua cerveja, em seguida se levantou da sua cadeira. “Foi muito bom conversar com vocês, rapazes.” Ele acenou com a cabeça para Alari. “E você, moça.”
“Ei, Jerrick,” Maros chamou.
Uma expressão intrigada atravessou o rosto do velho. “Ah, sobre o que estávamos falando?”
Maros sorriu com tristeza. “Vida e morte, eu acredito.”
“Ah, sim.” O velho deu um sorriso cheio de dentes. “Dois tópicos sobre os quais eu sei o suficiente. Bem, então.” Ele levantou uma mão com manchas hepáticas como se inclinando um chapéu, em seguida atravessou lentamente a sala comunal e saiu para a noite.
Quando as portas da taverna se fecharam, Maros ficou sentado pensativo. A revelação de Jerrick o incomodou. Isso o incomodou muito.
Henwyn estava olhando para ele. “Quando o mensageiro chegar, mande-o de volta com um pedido pelos arquivos de cinquenta anos atrás.”
“O mensageiro não retornará por uma quinzena,” Maros disse. “Depois, ele terá rodadas para terminar antes de voltar para a Baía. E provavelmente serão mais algumas semanas até que ele retorne novamente. Isso é tempo demais.”
“Tempo demais para que, chefe?” a garota ao lado de Henwyn perguntou.
Maros franziu o cenho para ela. “Sinto muito, moça, esqueci seu nome.”
“Leaf,” ela disse.
“Hm. Bem, então, Leaf. O que você acharia de um pequeno contrato de mensageiro? Mostrar a Henwyn do que você é capaz.”
Os olhos de Leaf arregalaram. “Um trabalho meu? É claro.”
“Certo, então. Encontre-me aqui ao meio-dia amanhã. Terei o formulário de solicitação redigido então.”
“Para onde vou?”
“Sede da guilda em Baía Brancosi.”
Leaf ficou de queixo caído. “Nunca estive na capital antes.”
“Bem, agora é a sua chance. Mas não demore, porque quero aqueles documentos o mais rápido possível.”
“Qual é a pressa?” Kirran perguntou, mantendo o tom de voz cuidadoso.
Maros olhou para o novato. “A pressa, menino, é que eu tenderia a concordar com Jerrick, que seu amigo não morreu simplesmente na estrada. Se um freeblade é enviado em missão” — ele balançou a cabeça ao se pegar usando a palavra antiquada de Jerrick — “então a probabilidade é que ele ou ela seja um veterano – um oficial, pelo menos, se não um mestre espadachim.”
“O que você está dizendo?” Henwyn perguntou.
“O que estou dizendo, Hen, é que eu creio que este Eli encontrou a Cidade Sinistra. Mais precisamente, acredito que Jalis e os rapazes também irão encontrá-la e serei amaldiçoado se vou permitir que eles encontrem o mesmo destino.”

Os últimos clientes da noite desapareceram pela porta da taverna na escuridão, deixando Maros sozinho enquanto duas atendentes esfregavam as tábuas e limpavam as mesas. A algazarra de panelas e frigideiras flutuava da cozinha onde Luthan, o cozinheiro, estava ocupado realizando suas próprias tarefas de fim de turno.
Após alguns minutos, Maros ouviu um farfalhar e olhou para a passarela atrás do bar. Luthan tinha saído da cozinha e estava indo na direção de Maros. Seu avental esbranquiçado e bandana estavam tão imaculados como sempre quando ele entrou na área pública, mesmo se o lugar estivesse sem clientes. Mais do que apenas um cozinheiro, a famosa refeição whitesand de Luthan lhe dera uma espécie de nome nestas partes e ele tinha uma imagem a manter, algo que ele conseguia com um decoro tranquilo, no entanto, confiante.
“Você gostaria de comer alguma coisa?” O cozinheiro disse. “Estou preparando algo para mim antes de ir para casa. Por que você não se junta a mim? Chefe?”
“Hm?” Maros pegou o olhar de Luthan e estufou as bochechas. “Não, não para mim. É tarde demais.”
O cozinheiro sem barba nenhuma puxou uma banqueta e apoiou-se nela. Seus olhos azuis estudaram o rosto de Maros. “Algo está preocupando você.” Não era uma pergunta; com Luthan, nunca era.
“Estou preocupado sobre Jalis e os rapazes. Estava começando a pensar que eu os enviei para caçar dragões, mas agora reconheço que pode ser pior.”
“Isso é sempre uma chance para um freeblade,” Luthan disse.
“Verdade.” Maros cerrou o punho e esfregou os nós dos dedos com a outra mão. “Mas algo está começando a parecer inesperado sobre isso.”
Na parte mais distante da sala comunal, as portas da taverna se abriram. Um homem entrou, parando na porta para alisar seu sobretudo e remover seu boné xadrez. Ele olhou para através da distância enquanto se dirigia propositalmente para o bar.
Luthan pigarreou e desceu da banqueta para voltar rapidamente para a cozinha.
“Estamos fechados durante a noite,” Maros disse ao recém-chegado. “A não ser que seja um quarto que você esteja procurando?”
O homem suspirou quando alcançou o bar e colocou seu boné no balcão de carvalho. “Não estou aqui como um cliente, bom mestre taverneiro.”
Maros o avaliou. O rosto flácido do estranho não tinha barba, seu traje amarrotado, mas bem cortado e com certeza ele não era o tipo que gostava de sujar as mãos. Maros imaginou que ele estivesse na casa dos quarenta e tantos. “Não posso dizer que já o vi por estas bandas, amigo. Você está aqui para oferecer um contrato?”
“Não é bem assim.” O homem parecia cansado. “Estou aqui sobre um contrato, mas que infelizmente já foi acordado.”
“Compreendo.” Um fiozinho de irritação surgiu aos poucos enquanto Maros desejava que o homem fosse direto ao ponto. “Então, por favor, diga o que você quer.”
“Deixei a aldeia de Balen há cinco horas,” o homem disse, enfiando a mão na sua capa e retirando um rolo de pergaminho amarrado que ele colocou em cima do balcão polido ao lado do seu boné. “Estou cansado demais para formalidades prolongadas e posso simplesmente aceitar aquela oferta de um quarto. Tem sido um dia longo e decididamente incomum.”
“Onze moedas de cobre por um quarto,” Maros resmungou. “Quinze, se você quiser um café da manhã quente na parte da manhã.”
O homem pressionou os lábios juntos e sustentou o olhar de Maros. “Bom mestre taverneiro, prefiro pensar que depois de ler e digerir completamente o conteúdo deste documento” — ele tocou o rolo de pergaminho diante dele —“você pode considerar me oferecer o uso de um quarto como um gesto de boa vontade.”
Maros cerrou os dentes, olhou para o pergaminho, depois fixou uma careta no recém-chegado, sua paciência diminuindo. Para dar o devido ao homem, ele não parecia ciente da reputação de Maros nem parecia nem um pouco intimidado pelo seu tamanho meio-jotunn; Maros poderia ter estendido o braço sobre o bar e esmagado o rosto do homem em um punho peludo se quisesse. Mesmo encurvado na baqueta alta, ele ainda se elevava acima do homem por mais de trinta centímetros.
“Aceitarei o café da manhã como uma cortesia também,” o homem acrescentou.
A careta de Maros aprofundou um pouco mais enquanto ele se levantava da banqueta, plantava as mãos grandes no balcão e ficava em pé ameaçadoramente. “E por que,” ele resmungou, “eu ofereceria a você todas estas generosidades, amigo?”
O estranho respirou fundo antes de responder. “Parece que, no meu cansaço, negligenciei me apresentar. Meu nome,” ele disse, parecendo completamente imperturbável enquanto levantava os olhos para encontrar os de Maros, “é Randallen Chiddari.”
“Ah.” Maros olhou para ele. “Então estou feliz que você esteja aqui. Alguns anos atrás – muitos anos atrás – parece que um dos nossos blades foi contratado para se dirigir ao mesmo território que três dos meus estão agora, executando o contrato da sua mãe. Aquele homem nunca retornou e é forte a minha suspeita de que ele foi contratado pela sua mãe ou talvez, um dos seus pais. Preciso falar com ela.”
Randallen bufou. “Nunca conheci os pais dela. A mãe dela está morta há cinquenta anos, enterrada no terreno da família em Eihazwood. Quanto a minha querida mãe, temo que ela não possa responder a nenhuma das suas perguntas.”
“Oh?” Maros franziu os lábios. “E por que seria isso?”
“Porque, bom mestre taverneiro, nas primeiras horas desta manhã ela perdeu todo o interesse em seu pequeno acordo. Ela está, para ser honesto, morta.”

Capítulo Seis
Duas Extremidades da Estrada

Maros deixou seus aposentos acima da sala comunal da taverna e desceu a escada, segurando o robusto corrimão enquanto mancava pelos degraus, um de cada vez.
Por que diabos eu ainda tenho a ala privada no andar de cima? Ele fez uma anotação mental para trocar a ala dos freeblades, que incluía os seus próprios aposentos e aqueles dos seus três amigos ausentes, com uma das alas de hóspedes do andar debaixo.
A meia dúzia de passos do final, ele parou e abafou um bocejo atrás da mão enquanto estudava a área pública. Somente três clientes estavam na sala comunal a esta hora da manhã. Todos eram hóspedes de pernoite, tomando um café da manhã solitário em mesas separadas.
A bota de Maros arranhava a pedra enquanto ele arrastava a perna arruinada pelos degraus restantes. Seus olhos se fixaram em um hóspede em particular, que desviou o olhar do seu café da manhã e acenou com a cabeça em uma saudação sombria. Randallen Chiddari segurava um dos famosos whitesands de Luthan sobre um prato, um fio de molho escorrendo de uma fatia grossa de carne que se projetava entre as fatias crocantes de pão. Maros sussurrou um xingamento cansado enquanto se aproximava.
A porta da cozinha se abriu quando ele passou e foi cumprimentado com um sorriso desdentado da atendente que surgia. “Dia, Diela,” ele disse, retribuindo o sorriso.
“Dia, chefe. Café?”
Ele assentiu.
“Irei trazê-lo imediatamente.”
Maros alcançou a mesa de Randallen e olhou para seu hóspede. “Mestre Chiddari, posso sentar?”
Randallen abandonou seu whitesand no prato e olhou para cima. “Por favor, faça isso,” ele disse categoricamente.
Maros podia sentir o mal humor do homem. Deuses, ele pensou, como eu odeio a diplomacia que acompanha ser o Oficial da Guilda. “Meus agradecimentos,” ele disse. Ele se abaixou em uma baqueta no lado oposto, reprimindo um estremecimento enquanto deslocava o pé para uma posição mais confortável. Deveria colocar um assento do tamanho de Maros em cada mesa para evitar momentos como este. Contorcendo-se no assento baixo, ele pigarreou. “Mestre Chiddari...”
Randallen revirou os olhos. “Não tenho paciência para esta bobagem. Sou um aldeão. Em Balen, todos me chamam de Ral, até mesmo aqueles com quem tenho uma antipatia mútua. Pediria a você para fazer o mesmo.”
Então, ele quer falar de maneira simples esta manhã. Posso viver com isso. “Muito bem, Ral.” Maros apontou para a comida parcialmente consumida no prato do homem. “O que você achou do seu café da manhã?”
Randallen lançou um olhar inexpressivo para ele. “Você teve tempo de considerar nosso problema?”
“Não fiz mais nada a noite toda,” Maros disse. “Incluindo dormir.”
“Com isso eu posso me identificar.”
Maros enfiou a mão no bolso do seu colete e produziu um pergaminho, desdobrou-o e colocou-o sobre a mesa. “O contrato entre sua mãe e a Guilda dos Freeblades é pela descoberta e recuperação de uma joia funerária que pertence à família Chiddari.”
“Sim, sim. E há quinhentos dari de prata da minha mãe em seus cofres.”
Maros assentiu. “Reservados para os freeblades que assumiram o contrato.”
“O que nos leva ao problema.” Randallen reprimiu um suspiro quando Diela chegou à mesa.
“Aqui está, chefe.” Diela colocou uma caneca fumegante de café na frente de Maros. Ele tomou um gole da bebida quente e suspirou satisfeito, assentindo em agradecimento.
Quando a atendente foi cuidar das suas tarefas, Randallen ergueu uma sobrancelha. “O problema?”
“Como eu expliquei para você ontem à noite, um contrato não expira no caso da morte do cliente.” Maros fez uma pausa para tomar outro gole de café. “Realmente lamento ouvir sobre sua mãe. Ela parecia uma...”
“Já estive nesta taverna por tempo demais,” Randallen disse bruscamente. “Portanto, por favor, me poupe dos clichês e vamos concluir este negócio. Você tem em sua posse uma quantia de dinheiro que, por acaso, é a grande maioria das economias de vida da minha mãe. Você compreende o que isso significa?”
“Estou começando.”
“Significa que eu, como o filho e único herdeiro da minha querida Mãe, de repente me encontro sem nenhuma herança. Isso é completamente inaceitável. Tenho uma esposa e duas filhas. Cuidei da minha mãe o quanto pude. Quando eu morrer, minha esposa e minhas filhas receberão qualquer coisa que eu conseguir acumular na minha vida, enquanto que eu, subsequentemente, mereço as economias da minha mãe.”
Maros franziu os lábios, considerando o ponto. “Seguindo os termos dos contratos e políticas da guilda,” ele disse com cuidado, “pagamentos só podem ser devolvidos se um contrato não é cumprido. Neste caso, um total de noventa por cento seria devolvido ao beneficiário.”
“Oh.”
“De fato. Mas devo avisá-lo e temo que esta parte você pode não gostar…” Maros pegou o contrato da mesa e levou ao rosto, semicerrando os olhos para a sua própria escrita até que encontrou a seção que queria. Virando o papel, ele o colocou na frente de Randallen e tocou um dedo no parágrafo relevante. “Vê aqui? Você notará que sua mãe não nomeou nenhum beneficiário. Tecnicamente, isso significa que não sou obrigado a aceitá-lo como tal. Contudo...”
“O quê? Você sequer a encorajou a dar um nome?”
Maros deu um sorriso insensível. “Se um cliente deseja nomear um beneficiário, pode fazê-lo, mas não é uma parte essencial do acordo. Se sua mãe tivesse você em mente, ela teve todas as chances de mencioná-lo.”
“Ora, a ingrata…” As bochechas de Randallen brilhavam de raiva enquanto ele encarava o pergaminho.
“É um dilema,” Maros disse. “Com isso eu concordo. Conversamos sobre seu problema, mas você deve perceber que a moeda tem dois lados.” Ele inclinou-se para frente e abaixou a voz. “Tenho três pessoas boas arriscando suas vidas ao se aventurar em um lugar que ninguém esteve em séculos, um dos poucos em toda Himaera a carregar o símbolo da Caveira. Meus freeblades – minha família – viajaram para a Cidade Sinistra para encontrar a herança da sua mãe. Os perigos em potencial, tenho certeza que você concordará, são inimagináveis.” Ele cutucou um dedo no pergaminho. “Este contrato é um seguro contra meus freeblades perdendo suas vidas durante seu empreendimento. Você perdeu sua mãe. Isso é lamentável. Mas se meus freeblades não retornam das Terras Mortas...”
“Isso não é problema meu! Ninguém os obrigou a aceitar o contrato.”
“Mestre Chiddari.” Maros se levantou e pairou sobre a mesa. “Você tem a tendência de me interromper. Se você não tivesse feito isso, já teria me ouvido dizer que estou considerando aceitá-lo como beneficiário em vez da sua mãe. Por favor, note que eu disse considerando. Se você aceita ou não, depende de você. Da maneira que eu vejo isso, você tem uma opção. Se meu pessoal retornar com a herança – o que eles farão se ela existir ou morrerão tentando – eu o aconselharia a aceitá-la graciosamente deles. Se eles não retornarem...”
“Isso é inaceitável!” O rosto de Randallen tremeu com a raiva reprimida. “Exijo que você...”
Os nós dos dedos de Maros estalaram quando ele cerrou os punhos e apoiou-os na mesa. A madeira rangendo sob seu peso foi o único som na sala comunal. “Você não exige nada da Guilda dos Freeblades, homenzinho. Mais uma faísca de atitude repulsiva de você e não somente esquecerei sobre acrescentá-lo ao contrato, também irei arremessá-lo através das portas da taverna. Não me teste mais.”
Maros respirou fundo para se recompor, satisfeito em ver Randallen engolir o nó em sua garganta. A mensagem parecia ter sido levada adiante.
“Pense sobre isso,” Maros disse, abaixando a voz mais uma vez. “A joia será sua. Não posso dizer se vale mais ou menos do que as economias da sua mãe, mas apostaria que provavelmente chega perto. Se você quer tanto o dinheiro, faça um favor a si mesmo e venda a maldita coisa. Tenho certeza que você encontraria um comprador em Baía Brancosi. Eu poderia até mesmo colocá-lo em contato com alguns em potencial, por uma pequena taxa, é claro.”
Apesar da raiva diminuída de Randallen, a derrota estava em seus olhos quando ele os abaixou para a mesa. “Receio que vender a joia estará fora de questão.”
“Por quê?”
“Porque...” — Randallen respirou fundo — “Minha mãe foi enfática que a joia estivesse com ela quando ela morresse. Este era seu único objetivo ao querer a maldita coisa em primeiro lugar. Esperava que, com seu falecimento…”
“Então você está tentando recuperar o dinheiro porque acredita que o contrato está anulado, é isso?”
“Talvez.” O rosto de Randallen era uma máscara inflexível.
“Bem” — Maros deu de ombros — “Lamento dizer que este não é o caso. Sua mãe pode ter perdido este barco em particular, mas o contrato permanece. A joia será sua para fazer o que quiser.”
Randallen balançou a cabeça. “Não. Ela não queria simplesmente estar de posse da joia antes de morrer.”
“Você está dizendo que ela queria ser queimada com ela?” Maros deu uma risada. “Se você está disposto a jogar algo deste valor na pira funerária, então isso é problema seu.”
“Oh, é pior do que isso. Muito pior. Veja, meu querido, minha mãe quer a maldita joia jogada no chão. Para quê? Para ser desenterrada em uma centena de anos por algum garimpeiro afortunado? Ela não se beneficiará disso e eu certamente não irei!” Randallen respirou fundo. “É maldito desperdício sem sentido.”
Maros deu de ombros. “Não é um pedido insensato. As pessoas têm seus bens enterrados com suas cinzas o tempo todo.”
Randallen sugou o ar através dos dentes. “Eu disse alguma coisa sobre cremação?”
Maros franziu o cenho. “Bem, eu… Oh.”
“Sim.” Randallen sorriu friamente e enfiou a mão no sobretudo. Ele retirou o rolo de pergaminho da noite anterior e brandiu-o para Maros. “Está tudo aqui. Os últimos desejos de Mãe. Ela não vai ser cremada, ela vai ser enterrada.”

Renfrey balançou na banqueta em sua mesa habitual ao longo da parede lateral da sala comunal do Mascate Solitário. Ainda não era meio-dia e ele já tinha perdido a conta de quantas canecas de Redanchor havia consumido. Em seus dias de folga do moinho, ele bebia cedo para evitar as multidões. No momento em que os clientes noturnos chegassem, ele estaria em casa e dormindo para se recuperar até duas horas antes do amanhecer. Depois sairia para o trabalho, transportando e amarrando sacos de grãos, levantando os sacos nas carroças dos fazendeiros, liberando as engrenagens que giravam o moinho de torrões de farinha e sujeira e limpando a merda da represa e do lago. Pelos deuses, era um trabalho miserável, mas pagava pela cerveja.
Renfrey gostava da sua privacidade. Um homem poderia se sentar sozinho e gracejar à distância, se quisesse. Não que houvesse qualquer gracejo acontecendo entre a dúzia, mais ou menos, de clientes no Mascate. O mercador pretensioso e imbecil no canto tinha um par de guarda-costas corpulentos fazendo-lhe companhia. Os dois lenhadores comendo tranquilamente uma refeição no lado mais distante da sala comunal realmente não pareciam divertidos. E depois havia os freeblades.
Não mijaria neles se eles precisassem de um banho. Ele franziu o cenho para sua caneca de Redanchor, depois tomou um gole da cerveja forte e colocou a caneca de volta na mesa com um baque. Líquido formou um arco na borda antes de espirrar de volta para dentro. “Aye,” Renfrey disse com a fala arrastada, “chegar onde pertencemos, apodrecemos…”
Seu olhar percorreu a sala, os freeblades que estavam absortos em uma conversa discreta, o enorme garçom desajeitado e finalmente pousando na atendente limpando a mesa no centro da sala. Pernas bonitas naquela. Cremosas. Macias. Tetas bonitas também. Coisinhas atrevidas, elas eram, pressionadas para cima pela sua roupa, pequenas, mas ainda conseguiam derramar sobre o vestido. Mas o rosto não era grande coisa para olhar. Renfrey olhou lascivamente para a suavidade ao redor da cintura da garota.
A criada levantou o olhar do seu trabalho e pegou-o olhando para ela. Ele sorriu e ela sorriu de volta.
Oh, aye, eu entraria no cio com aquela como um porco, ele pensou, observando seu traseiro balançar enquanto ela se afastava. Ele lambeu os lábios e lambeu um espaço entre os dentes.
A conversa da mesa dos freeblades flutuou e Renfrey murmurou uma maldição. Freeblades poderiam apodrecer no Inferno no que lhe dizia respeito, até o último dos presunçosos arrogantes ladrões de mulheres. Eles eram um flagelo na cidade. Se houvesse outra taverna em Alder’s Folly, ele estaria bebendo lá em vez de no Mascate. Ele tomou um gole da cerveja e ouviu suas palavras.
“…aquela quantia de dari…”
“…não teria aceito, sozinho…”
“Maros diz…”
“E se há verdade nisso?”
“Malditos freeblades,” Renfrey disse com a fala arrastada. “Bons para porra nenhuma.”
Um deles, um sujeito barbado um pouco mais jovem do que Renfrey, olhou para trás rapidamente, mas continuou a conversar com seus companheiros.
“Aye, continue,” Renfrey disse, sua voz se elevando. “Falando nada além de besteiras é o que ocês estão fazendo!” Isso chamou a atenção deles.
“Peço desculpas, Ren,” aquele com a barba disse. “Estamos te ofendendo de alguma maneira?”
Renfrey não sabia o nome do bastardo. Mas não gostou que o idiota soubesse o dele. “Me ofendendo?” Ele bateu a caneca na mesa, cambaleou na banqueta e se firmou. “Aye, eu diria que estão.”
“Como estamos fazendo isso, Mestre Renfrey?” a jovem ao lado do rosto barbudo disse.
Mestre? Maldito Mestre agora, eu sou? Não tinha visto aquela putinha madura por aqui antes. “Bem, agora, garota, imagino que poderíamos começar com ocê não me chamando de Mestre.” Ele olhou para o barbudo ao lado dela. “Ou Ren, no que diz respeito a isso. Que tal isso?”
Enquanto os freeblades trocavam olhares, uma voz retumbante ecoou atrás do bar. “Você mantenha sua voz baixa agora, Renfrey. Você conhece as regras.”
Ele voltou sua atenção para o bruto feio que pairava como um carvalho atrás do balcão de serviço. “Não é da sua conta, garçom. Deixe que eu e este grupo discutamos sobre isso, por que não?”
“Ah.” O mestiço cruzou os braços. “Então seria garçom agora, não é? Me rebaixou, não é?”
“Você o quê?” Renfrey franziu o cenho enquanto o sorriso do idiota dividia amplamente seu rosto cheio de cicatrizes. Maros, ele pensou. Aye, este é o seu nome. Nunca me importei muito desde que ele continuasse servindo a cerveja.
“Vou te dizer o quê,” Maros disse e Renfrey percebeu que o balbucio de conversa na sala tinha silenciado, “Vou permitir que você me chame de mestre taverneiro, apenas uma vez. Que tal isso, grandão?”
Renfrey caiu na gargalhada, cuspe voando da sua boca. “Que tal eu continuar chamando ôce de garçom? Que tal isso, garçom? Ouvi dizer que outrora eles chamavam ôce de A Montanha. Não parece tão poderoso agora, não é? Acho que ôce caiu, é o que eu imagino.”
Maros semicerrou os olhos. Lenta e deliberadamente, ele se levantou completamente. “Sim, a Montanha caiu,” ele disse em uma voz controlada, “mas ainda não terminou de cair.”
Renfrey zombou. “Ouvi dizer que foi uma criatura que derrubou ôce, como o boi que estuprou sua mãe.” Ele estendeu a mão para a caneca, mas as juntas dos dedos pegaram a borda. O receptáculo de bronze inclinou, derramando seu conteúdo em uma poça espumosa na mesa. Ele observava enquanto a caneca rolava da beirada e caía no chão.
BOOM. Arranhar. BOOM. Arranhar…
Ele olhou para cima para encontrar a fonte da comoção. O garçom levantou a portinhola no final do balcão de serviço, mancou para a sala comunal e foi direto para Renfrey.
“Merda.”
“Você sabe o que acontece com pequenos manés moles e fracos que ficam no caminho de uma Montanha caída?” Arranhar. BOOM. Maros elevava-se acima de Renfrey. “Eles quebram.”
Duas mãos enormes o levantaram no ar. Ele enterrou os dedos nos antebraços semelhantes a troncos de árvores. Sua cabeça flutuou e o monstro debaixo dele se confundiu em dois. “Maldito ogro!” ele gritou. “Socorro!” O conteúdo do seu estômago ameaçou evacuar quando ele foi balançado em uma direção, depois na outra.
“Você está fora!” o ogro retumbou em seu ouvido.
Ele estava voando. Ele estava realmente voando. Luz brilhante explodiu em sua visão e ele percebeu vagamente que estava olhando para o sol.
“Doce Aveia sagrada!” ele gritou. Então ele bateu na terra, engoliu uma espuma de cerveja e caiu inconsciente.

Frustração brotava em Maros com cada minuto que passava. Os clientes restantes do Mascate tinham sido removidos e ele tinha puxado o trinco sobre as portas da taverna para impedir qualquer intrusão adicional. As únicas pessoas na sala comunal eram Henwyn e Leaf, que tinham sofrido os abusos de Renfrey, sentados com Luthan em uma das suas raras pausas da cozinha
Ele agarrou sua banqueta e atravessou mancando para se juntar a eles. “Termine esta frase,” ele disse a Leaf. “Quando um freeblade tem um palpite…”
Com um sorriso, Leaf olhou para os quatro homens. “Normalmente ele está certo.”
Henwyn riu. Para Maros, ele disse, “Você está falando sobre Jalis e os outros novamente.”
Maros assentiu.
“Olhe,” Henwyn disse, “Não tenho vagas abertas e ficarei sem Leaf enquanto ela estiver em Baía Brancosi. Se isso te deixar à vontade, posso ir encontrá-los. Vai te custar uma pequena parcela, é claro.”
Luthan apoiou os cotovelos na mesa. “Se você contratasse uma carroça, você os alcançaria em poucos dias.”
Maros refletiu sobre isso. Eu os coloquei nisso ao aceitar o contrato em primeiro lugar. Se tiver de trazê-los de volta nos ombros de alguém, será nos meus. Consegui ir a Balen e voltar, posso muito bem me aventurar nas Terras Mortas.” Ele pegou Henwyn trocando olhares com Luthan, enquanto Leaf virava-se casualmente para encarar o outro lado da sala. “Oh, eu sei o que vocês três estão pensando. Vocês estão pensando que não há uma chance no Inferno que eu pudesse alcançá-los.”
“Se você me permite ser franco,” Luthan disse, “Creio que será bom para você, ah, esticar suas pernas, por assim dizer. Prefiro isso do que observar você ficar sentado aqui e se estressar sobre nossos amigos até que você coloque um homem no chão.”
“O que isso quer dizer?”
“Vamos lá, chefe. Você sabe que poderia ter lidado com Renfrey com um pouco mais de decoro. O homem pode ser uma maré de diarreia verbal e um desperdício de cerveja boa, mas ele é um cliente regular e seus bolsos são fundos.”
“Hmph. Já estava mais do que na hora disso acontecer com aquele idiota.”
“Talvez sim, mas a probabilidade permanece ... você não descansará até saber que Jalis e os outros estão seguros e uma taverna não é o lugar para ficar de cabeça quente. Estou dizendo isso como um amigo. Quando você me pediu para me juntar a você como seu cozinheiro, vim até aqui desde Aster porque eu tinha fé em você como um mestre taverneiro, embora você não tivesse experiência anterior na tarefa. De qualquer maneira, eu tenho fé em você agora.”
Maros grunhiu. “Aprecio o voto de confiança.”
Henwyn levantou a mão. “Pelo menos deixe-me acompanhá-lo. Prefiro estar na estrada do que ficar aqui esperando que um trabalho apareça.”
“Ha! Hen, você é o mais antigo de todos nós. Ficaria feliz se você me acompanhasse. Além disso, reconheço que preciso de um arqueiro se eu tiver uma possibilidade remota de colocar carne no fogo. Mas o melhor que eu posso lhe oferecer é um décimo dos dez por cento da taxa de não recuperação.”
Henwyn deu de ombros. “Isso é mais do que uma oferta justa. Mas se fosse Fenn em vez de Jalis, eu insistiria em muito mais.”
Maros sorriu com força. “Se fosse Fenn, não estaríamos tendo esta discussão.”
“Se isso está resolvido,” Luthan disse, “então não quero você se preocupando com a taverna enquanto estiver ausente. Cuidarei dela em seu lugar – sim, inclusive além das minhas tarefas na cozinha.”
Henwyn bebeu o resto do seu vinho e se levantou. “Vou indagar na cidade sobre uma carroça. Se nenhum daqueles que tiverem uma estiverem dispostos a ajudar, escolherei aquela que eu menos gostar e farei isso acontecer. Leaf, aqui está seu formulário de solicitação para a sede. Ela vai partir em breve. Certo, garota?”
Leaf levantou-se para ficar ao lado dele. “Minha bolsa já está pronta. Apenas preciso pegá-la na casa da guilda.”
“Boa sorte,” Maros disse a ela. “E não demore.”
Leaf sorriu. “Nunca faço isso.” Com uma piscadela para Henwyn, ela atravessou a sala e deslizou pelas portas da taverna.
“Ela tem mais potencial do que a maioria dos novatos,” Maros disse. “E um ótimo professor em você, Henwyn. Não poderia pedir por um grupo melhor. Isso inclui você, Luthan.”
“Ei, agora.” O cozinheiro empurrou a cadeira para trás e endireitou seu avental. “Não vá ficando afável comigo, não quando tenho panelas para limpar.”

Jalis agachou-se, apontou e pressionou o gatilho da besta. Um instante depois, o balukha distante soltou um guincho de dor e deu alguns passos hesitantes para o lado, depois caiu.
Ela deu um sorriso satisfeito para os homens. “Consegui!”
“Bom tiro, moça,” Dagra disse.
Jalis sorriu. “Vivo para seus elogios, Barbudo.” Ela se levantou e fingiu uma reverência, completamente ciente de que o gesto estava fora de lugar com suas armas e traje surrado de viagem.
Enquanto ela corria para reivindicar o pássaro incapaz de voar, Oriken gritou para ela, “Isso nos abastecerá hoje à noite. Uma mudança de coelhos magrelos e bagas do pântano. Poderíamos muito bem fazer uma pausa aqui. O que você diz?”
O estômago de Jalis roncou em concordância. “Faça isso,” ela disse por cima do ombro enquanto alcançava o balukha moribundo. “Fiz a matança; vocês, homens, podem discutir sobre quem constrói a fogueira e quem prepara a carcaça.” Ela pegou a Silverspire da bainha na sua coxa e deslizou a lâmina fina no coração da criatura. Erguendo-a pelas pernas, ela voltou até os homens e largou-a no chão.
Caminhando até um monte de grama, ela sentou-se apoiada nele e colocou a Silverspire na grama ao seu lado. Ela vasculhou dentro da sua mochila procurando por um trapo e uma tira de couro, observando enquanto Oriken desembainhava sua faca de caça e ajoelhava-se diante da carcaça e Dagra se afastava para recolher lenha da margem de um matagal nas proximidades. Ainda havia muitas horas antes do anoitecer, mas agora era um bom momento para comer como outro qualquer.
Com um suspiro frustrado, ela gritou para os homens, “Não consigo encontrar minha tira. Algum de vocês a pegou emprestado?”
“A tira é sua.” Oriken fez uma pausa em seu trabalho para acariciar o sabre em seu quadril. “Você sabe que nunca lustro com esta coisa velha e esburacada.”
“A pedra de amolar está na mochila de Oriken,” Dagra disse enquanto se inclinava para recolher a madeira.
“Eu a pegaria para você,” Oriken disse, “mas estou até os pulsos em entranhas neste momento.”
“Esqueça. Vai aparecer.” Embolando o trapo, Jalis limpou a adaga e olhou distraidamente ao longo da Estrada do Reino a qual eles haviam se juntado novamente após atravessar o pântano. Os pântanos estavam bem atrás deles agora, mas pequenas áreas de pântano ainda pontuavam a paisagem inóspita. Por que alguém escolheria viver aqui era um mistério, a não ser que outrora a área tivesse sido um habitat mais gentil para fazendas e pastagens. Era óbvio que o pântano colossal nem sempre cobriu a estrada e Jalis se perguntava se alguém o criou, talvez escavando a terra a partir da costa, uma tentativa deliberada para dissuadir viajantes de continuarem para o sul. Neste caso, era um impedimento impressionante.
Ela terminou de limpar a Silverspire e embainhou a lâmina, em seguida descansou a cabeça na grama. Ela cochilou rapidamente, agitando-se algum tempo depois com o crepitar do fogo e o aroma da carne assando.
“Ah, a princesa acorda,” Oriken disse com uma piscadela enquanto Jalis se esticava no monte. “Bem na hora. Dag quase terminou com o pássaro.”
O fogo queimou até as brasas enquanto eles engoliam a carne branca e quente do balukha. Com os estômagos cheios, eles guardaram seus equipamentos novamente e retomaram sua viagem, seguindo o resto da estrada. As horas se alongaram, a esfera dourada de Banael percorrendo o céu azul.
Enquanto caminhavam, Jalis levantou o peso da mochila nas suas costas, depois beliscou sua blusa e afastou o material da sua pele pegajosa. “Deveria estar acostumada com este calor,” ela murmurou. “Estive em Himaera por muito tempo. Passei mais de vinte anos no Arkh, a maior parte deles em Sardaya. Comparado a isso, a temperatura aqui não é nada.”
“Bah.” À frente dela, Oriken trocou um olhar com Dagra e sorriu por cima do ombro. “Não há tal coisa como passar tempo demais em Himaera.”
Jalis zombou. “Isso vindo de um homem que nunca pôs os pés fora da sua terra natal? Perdoe-me se eu não aceitar sua palavra sobre isso.”
“Ei, todos nós pegamos a balsa para a Ilha de Carrados, lembra?”
“Como poderíamos esquecer?” Dagra disse. “Você vomitou no ajudante de convés.”
“Isso não foi culpa minha! Ninguém me avisou. Você não vai me colocar em um barco novamente, isso com certeza.”
Jalis balançou a cabeça. “Carrados não conta. Ainda é parte de Himaera. Mas boa tentativa, Garoto do Chapéu.”
Oriken agarrou a copa do seu chapéu e levantou-o para enxugar a testa. “A verdade é que apreciei nosso período com os monges naquela ilha. Se não fosse pelo oceano, não me importaria em deixar Himaera um dia para um pouco de recreação. Jalis faz Sardaya parecer meio sexy.”
“Sexy?” Jalis caiu na gargalhada. “Não iria tão longe. O cenário é lindo. Os homens e mulheres são atraentes, na maior parte. A cultura é rica. Mas também há a presença constante de marginais e tropas de Casacos das Cinzas passando de cidade em cidade coletando impostos. Além disso, embora a vida selvagem seja muito mais variada em Arkh, também são os monstros. E então há o... Ei!” Ela tropeçou em Dagra quando ele parou de repente. “Dag, cuidado! Não me diga que você já precisa de outra pausa?”
Dagra tocou seu ombro e apontou para frente. Com uma voz sombria, ele disse, “Creio que alcançamos nosso destino.”
Eles haviam superado uma pequena elevação na terra e diante deles um vale raso se abria a vista em todas as direções, sua borda subindo à distância. À direita, a quietude quase indiscernível do oceano flutuava na brisa quente do leste e à frente deles…
Oriken assobiou. “Agora aquilo é uma muralha.”
Uma linha escura dividia a charneca acima do vale, estendendo-se quase da costa ocidental para desaparecer atrás das colinas ondulantes no extremo leste. Os topos esbranquiçados pelo sol nas ameias, como dentes tortos projetando-se da mandíbula de um gigante impossível, lembravam Jalis de Cherak, o antigo deus de pedra. “Ok,” ela disse, a voz baixa em espanto, “Eu admito; aquela muralha é mais longa e mais feia do que qualquer uma na minha terra natal. Vocês, rapazes, me venceram neste quesito.”
Dagra apertou o pingente. “Esqueça a muralha,” ele disse com a voz rouca. “Olhe mais para trás. É a cidade.” Ele desviou um rosto pálido da vista para olhar para o caminho que eles tinham vindo.
Jalis protegeu os olhos do sol. Seu olhar flutuou além da muralha até a distância extrema, percorrendo a vista nebulosa. “Oh,” ela suspirou.
Acima e muito além das muralhas pontudas, os contrafortes sombrios do último vestígio da civilização dos Dias dos Reis se esparramavam, quase invisíveis, no horizonte nebuloso.
“A legendária cidade de Lachyla. Impressionante.” Oriken desviou os olhos da vista para olhar para Jalis. “Meio que coloca as coisas em perspectiva, não é?”
“O que você quer dizer?” Ela manteve os olhos nas torres e pináculos, os telhados arredondados que marcavam a paisagem como bolhas inchadas. A cidade de Lachyla era impressionante, mas saber que o lugar estava morto e vazio há séculos enviou um arrepio através dela.
“O que eu quero dizer,” Oriken disse, “é que nosso contrato para uma pequena bugiganga empalidece em comparação com …” Ele estendeu o braço para apontar para a cidade distante. “Com aquilo.”
Dagra virou-se para encará-los. “Estava convencido de que o lugar devia ser um mito,” ele disse. “Apenas uma fábula para os velhos assustarem as crianças.”
“E para os Tecelões de História assustarem todo mundo,” Oriken disse.
“Bem, funcionou. A lenda de Lachyla me assustava todas as vezes que Vovó a contava quando éramos crianças.” Dagra respirou fundo.
“Você está bem?” Oriken perguntou.
Jalis pegou o olhar de Dagra. “Ei,” ela disse baixinho.
“Eu sei. Irei mantê-lo sob controle.” Ele pigarreou. Sua expressão solidificou-se em uma máscara decidida. Ele olhou de Jalis para Oriken e deu um sorriso tenso. “Bem? Nós vamos recuperar aquela maldita herança ou não? Sim? Vamos então!”
Dagra se afastou ao longo da Estrada do Reino. Oriken compartilhou um olhar sério com Jalis antes de segui-lo. Ele sempre escondia suas emoções sob um comportamento casual superficial, mas Jalis sabia que Oriken estava lutando contra algo dentro de si quase tanto quanto Dagra e não era apenas que eles ficariam cara a cara com uma história de fantasmas. Das pequenas informações que ela colheu durante a viagem, a lenda de Lachyla era tão fantástica que nem Oriken nem Dagra poderiam ter certeza se o lugar realmente existia. A coisa sobre as pessoas era que elas tendiam a carecer de imaginação para conjurar uma lenda do nada. Toda lenda tinha uma fonte, não importa quão pequena ou, neste caso, quão grande. A extensa cidade diante dela não era nenhuma surpresa, mas o tempo tinha uma maneira de exagerar os detalhes mais sutis da história.
Jalis olhou novamente para o norte e, por um momento, uma corrente de solidão tomou conta dela. Estar tão longe da civilização e na presença de tal antiguidade, despertou um desejo inesperado de revisitar seu próprio passado. Mas este desejo foi atenuado pela atmosfera melancólica que emanava de Lachyla. Com um suspiro, ela seguiu seus amigos em direção à Cidade Sinistra.

A terra dura das estradas e caminhos já estava começando a secar depois da chuva recente, com o globo quente de Banael a meio caminho da sua viagem de descida. Maros estava no lado de fora do Mascate Solitário, as mãos sobre a cerca de madeira. Ele matutava enquanto olhava para a cena familiar de casas e lojas de pedra e madeira, todas posicionadas a esmo, sem nenhum pensamento em simetria. Assim era a maneira dos bandos e colonos.
Ele olhava entre os prédios para as colinas e bosques. Seus pensamentos se voltaram para Jalis, Oriken e Dagra, seus companheiros antes que ele fosse obrigado a pendurar suas espadas. A certeza de Maros que algo não estava certo tinha crescido consideravelmente após ouvir a história de Jerrick. E então havia a complicação adicional de Cela Chiddari batendo as botas…
“Chefe.”
“Gah!” Maros se virou para ver Henwyn parado ao lado dele. “Pelas bolas ardentes de Banael, homem! Você está tentando me enviar mais cedo para a vida após a morte?”
O freeblade veterano reprimiu um sorriso, mas inclinou a cabeça, desculpando-se. “Boas notícias,” ele disse. “Leaf está a caminho da sede e eu consegui uma carroça e condutor para nós. Não posso dizer como duas mulas nos levarão a qualquer lugar rápido, mas prefiro isso do que carregá-lo nas minhas costas se você ficar cansado. Sem ofensa, chefe, mas provavelmente você é um pouco pesado demais até mesmo para minha força lendária.”
“Ha!” Maros bateu uma mão no ombro de Henwyn, derrubando o homem um centímetro quando os joelhos de Henwyn cederam. “Pouquíssimas palavras mais verdadeiras já foram ditas, Hen. Quem você contratou?”
“O dono do moinho. Wymar.”
Maros resmungou.
“Aye, eu sei. Tentei outros antes dele, mas ninguém queria correr o risco de ficar encalhado além da periferia de Scapa somente com as aldeias remotas por ali. Wymar foi o primeiro a não se opôr excessivamente. Com ganância como motivador, sem dúvida.”
“Como o povo por aqui esquece facilmente sobre o bom serviço os freeblades que fazem para eles só de existirem nesta cidade. Quando se trata de retribuir o favor um pouco...”
“Isso não é tudo, chefe.”
Maros emitiu um rosnado baixo. “O que mais?”
“Wymar está um pouco irritado que sua carga de trabalho foi diluída entre o resto da sua equipe pelo que, provavelmente, será algumas boas semanas.”
“Sobre o que em Verragos ele está falando?”
“Renfrey,” Henwyn disse, a título de explicação.
“Bah, aquela pequena cobra? Mal toquei nele. Qual é o problema?”
“Bem, parece que ele chegou em casa muito bem depois que eu derramei aquele balde de água suja sobre sua cabeça para acordá-lo. Mas quando se recuperou da cerveja, descobriu que o dedo estava quebrado.”
“O dedo?”
“Então, ele vai ficar fora do trabalho por um tempo.”
“Aye e Wymar está se aproveitando completamente disso. Vejo como vai ser. Qual é o dano?”
“Ele quer dez moedas de prata pela perda do trabalho.”
“Dez! Aquela merda bêbada do Renfrey não pode estar ganhando mais do que uma moeda de prata por semana!”
Henwyn deu de ombros. “Verdade, mas o dono do moinho alega que a redistribuição do trabalho está gerando custos adicionais, além de cobrir os danos pela perda de mão-de-obra qualificada, reduzindo os níveis de produção, por assim dizer.”
“Mão-de-obra qualificada. Vou lhe dar mão-de-obra qualificada. Tudo bem, dez moedas de prata para o ladrão bastardo. E a carroça?”
“Aye, bem, o próprio Wymar vai nos conduzir, além disso ele está falando sobre comida para as mulas, desgaste das rodas da carroça...”
“Pelo pau peludo de Cherak!” Maros agarrou a cerca. Os músculos em seu braço avolumaram-se enquanto ele apertava a madeira.
“Calma, chefe,” Henwyn avisou quando a cerca começou a lascar.
“Certo. Certo. Vai para o final, Hen. Vou ficar calmo.”
“Cinquenta moedas de prata.”
A madeira foi arrancada da cerca. Maros a jogou para o lado. Um sorriso sem graça atravessou seu rosto. “Violência me deixa mais calmo.” Ele ergueu as sobrancelhas para ênfase.
“Aye,” Henwyn suspirou. “Estou feliz que você tinha algo diferente de mim ao alcance de quebrar.”
“Cinquenta moedas de prata representam dez por cento deste trabalho. Isso é muito para ir para Wymar se não encontramos a joia ou é metade da minha parte se encontrarmos. Deuses, homem, teria sido mais barato comprar um par de mulas para você conduzir e uma carroça para mim viajar.”
“Tentei isso também.” Henwyn deu de ombros. “Você sabe como há poucas mulas na cidade. Ninguém estava disposto a vender. Inverta a situação e não posso dizer que eu os culpo. Nem posso culpar Wymar por querer ficar de olho em seus animais em vez de confiá-los em nossas mãos.”
Maros suspirou. “Ah, bem, qualquer coisa para os amigos, certo? Vá dizer àquele ladrão dono do moinho que pelo preço que ele está pedindo, vamos partir antes do pôr do sol hoje à noite. Ele tem quatro horas para juntar suas coisas e estamos na estrada. Não cheguei tão longe na vida por não confiar nas minhas entranhas e minhas entranhas estão dizendo que Jalis e os rapazes estão em perigo.”

Capítulo Sete
Paciência e Orações

O sol do início da noite se aproximava cada vez mais do horizonte distante enquanto Dagra e seus amigos desciam para o vale. Os pináculos e torres fantasmas da cidade distante afundavam de vista, seguidos pela própria muralha e sua ponte levadiça. Levaria mais uma hora para alcançar a muralha, mas a noite estaria em cima deles logo depois. Dagra olhou para o leste, semicerrando os olhos enquanto observava uma árvore gawek solitária aninhada na base da terra em ascensão. Seus troncos gêmeos estavam enroscados um no outro, os galhos altos lançando uma longa sombra para o lado do vale.
“Não vamos entrar naquele lugar negligenciado pelos deuses até de manhã,” ele disse. Ao ver a expressão de Oriken, ele acrescentou, “Não, isso não está em disputa. Não vou colocar o pé lá a não ser que tenhamos muitas horas de luz do dia à nossa frente. É ruim o suficiente que temos de entrar em uma cripta, mas não vou passar uma eternidade tentando encontrá-la dentro de um cemitério enorme e escuro quando não há necessidade.”
Oriken deu de ombros. “Está deserto, Dag. Não vejo o problema.”
“Dagra está certo,” Jalis disse. “Não sabemos o que há lá. Poderia haver um ninho de lyakyn até onde sabemos. Ou cravantes que se adaptaram a viver nas ruínas e não entre as árvores. Ou poderia haver armadilhas antigas espalhadas que não veríamos no escuro.”
“Isso,” Dagra disse com a voz rouca, “e os espíritos de todos os mortos pagãos que, provavelmente, estão assombrando o lugar. Esqueça. Exijo montarmos acampamento até amanhã. Chegamos até aqui; qual é a pressa?”
“Vamos escalar o vale e encontrar um lugar para acampar,” Jalis disse.
“Podemos muito bem nos abrigar debaixo daquela árvore.” Dagra acenou com a cabeça na direção da árvore gawek. “É um lugar tão bom quanto qualquer outro nesta região amaldiçoada.”
Oriken balançou a cabeça. “Estamos quase lá e você está perdendo a coragem.”
Dagra lançou um olhar semicerrado para ele.
“É uma exigência sensata,” Jalis disse, alterando a rota para árvore. Quando Dagra a seguiu, ela olhou para Oriken. “Vamos lá, vamos encerrar o dia e enfrentá-lo com energia renovada pela manhã.”
“Tudo bem, tudo bem.” Oriken torceu a aba do seu chapéu e se arrastou atrás deles. Quando se aproximaram da árvore gawek, ele disse, “Pelo menos me deixe fazer um reconhecimento da entrada antes do anoitecer. Prometo que não vou entrar sozinho.”
“Não. Nenhum de nós vai sair sozinho. Não desta vez. Além disso, a entrada está gradeada. Vamos ter de usar o gancho para escalar.” Ao ver a expressão decepcionada de Oriken, Jalis lançou um olhar severo para ele. “Há um ditado em Vorinsia: Ansiedade acabou com o Edel.”
“Não faço ideia o que isso significa.”
“É uma frase cunhada pelo Primeiro Descendente na época em que Vorinsia conquistou as terras ao sul do Arkh, primeiro Sardaya, depois Khalevali. Os nobres – ou Edel no idioma Vorinsiano – de Khalevali e minha terra natal estavam muito seguros dos pontos fortes dos seus países e organizaram uma revolta contra o controle avassalador das forças Vorinsianas. A alta nobreza foi esmagada, mas os Arkhus pediram indulgência, permitindo que os membros sobreviventes das suas famílias deixassem suas propriedades e fortunas com vida.” Alcançando a sombra dos galhos de longo alcance da árvore gawek, ela acrescentou, “Nenhum heroismo, Oriken.”
Ele deu de ombros. “Você é o chefe, chefe.”
“Menos disso.”
“Como você diz, chefe.
Jalis mostrou-lhe o dedo do meio. “Malan-gamir!”
Oriken sorriu. “Ficaria feliz em acomodá-la com isso, siosa, mas isso pode esperar até estarmos instalados para passar a noite?”
Jalis estendeu a mão e bateu o chapéu para fora da sua cabeça.
“Ei!”
Enquanto ele se inclinava para recuperá-lo, ela lançou um olhar de advertência para ele. “A vara divina, querido Orik, aponta para o tesouro e para a armadilha igualmente. Tenha cuidado para onde você aponta a sua. Agora, pegue uma tigela e veja se consegue encontrar para nós algumas frutas frescas.”
“Vou usar meu chapéu.” Pelo seu tom, ficou claro que ela magoou seus sentimentos.
“Não vamos comer desta coisa velha e surrada,” Dagra disse. “Bagas do pântano já tem um gosto ruim o suficiente sem acrescentar seu suor estagnado e cabelo na mistura.”
Oriken deu de ombros e pegou uma tigela da sua mochila.
“Me passe a besta, moça,” Dagra disse. “Vou com ele.”
Oriken olhou para ele enquanto amarrava sua mochila de novo. “Isso é um pouco excessivo.”
Dagra riu enquanto pegava a besta de Jalis. “Não se preocupe, não atiraria em você só por desobedecer a nossa chefe.”
“Não comece,” Jalis advertiu.
Dagra inclinou a cabeça e deu uma piscadela discreta para ela antes de se virar para seguir Oriken. Embora ele tenha se juntado a frivolidade, isso não fez nada para acalmar sua agitação interna.

Dagra apoiou-se nos troncos entrelaçados da árvore gawek e olhou para a paisagem noturna coberta com uma poeira prateada. Nuvens finas nublavam o orbe em ascensão de Haleth para um brilho pálido em um céu cheio de estrelas. Além das pedras da estrada, bolsões de pântano estavam sinalizados por pontos minúsculos de fogo-de-fada que brilhavam sobre a charneca. Tudo estava quieto, exceto pelo piar e cricilar suave dos gafanhotos do brejo, o coaxar distante de um sapo e os roncos suaves de Oriken.
Dagra apoiou os cotovelos nos joelhos e, pelo que pareceu a milésima vez desde que entrara nas Terras Mortas, ele determinou que seus pensamentos alcançassem os deuses. Abençoada Aveia e Svey’Drommelach. Profeta Avato. Sábio Ederron. Ouçam seu devoto em seu momento de necessidade. Protejam-no sob suas asas enquanto ele caminha em direção à escuridão e permitam que sua bondade divina extinga o mal entre as sombras. Dêem a ele a força para ir onde vocês não estão e de lá retornar ao seu domínio. Se for da sua vontade, guiem-no para casa para que ele ainda possa servi-los ou, se for da sua vontade, guiem sua alma para Kambesh para renascer.
Quando Dagra terminou sua oração, Oriken bufou em seu sono e bateu nos lábios. Dagra olhou na direção dele e congelou, seu coração saltando na garganta. Uma figura bípede pálida e atarracada estava debruçada sobre Oriken, a cabeça sem feições pressionada no cobertor sobre seu torso, a massa indefinida de braços sem mãos tocando a lã. Dagra olhava fixamente, paralisado pela esquisitice sem feições
Sacudindo-se do transe, ele sussurrou o nome de Oriken. Embora a criatura não demonstrasse nenhuma agressão óbvia, ele não queria impulsioná-la em ação ao gritar. Uma regra básica da vida selvagem era nunca subestimar uma fauna ou flora desconhecida. Oriken murmurou e começou a roncar baixinho.
Dagra pegou seu gládio e agachou-se. Ele se arrastou para frente, mas a criatura estava determinada a acariciar o rosto no cobertor. Aproximando-se o suficiente, ele arremessou a espada. A lâmina afundou profundamente na criatura, mas ela quase não estremeceu. Ele retirou a lâmina e olhou boquiaberto para a falta de sangue na sua pele branca, seu queixo caiu ainda mais enquanto observava a ferida se cicatrizar.
“Certo, seu bastardinho,” ele murmurou e lançou um golpe lateral em sua cabeça. O gládio afundou na carne macia com pouca resistência, mas quando a lâmina passou, o tecido se uniu imediatamente. A criatura ergueu a cabeça e ficou em pé. Afastou-se do cobertor, virou a cabeça sem rosto para Dagra, em seguida arrastou-se vagarosamente para longe.
“Orik! Acorde!” Dagra ficou em pé, os olhos na criatura enquanto ela desaparecia na noite.
Jalis agitou-se e sentou-se ereta. Uma adaga apareceu na sua mão enquanto ela examinava a escuridão.
Dagra agarrou os ombros de Oriken e sacudiu-o bruscamente. “Acorde, maldito!”
“Ugh…” Preguiçosamente, Oriken esfregou o rosto e abriu os olhos. “Alguém colocou mandrágora no meu chá?”
“Você não bebeu nenhum chá,” Jalis murmurou, retornando a adaga ao seu bolso.
Oriken levantou a cabeça do colchonete e olhou ao redor. “O que foi, Dag?” ele disse meio grogue. “Alguma coisa lá fora?”
“Sim! Não. Não sei. Havia uma…” Mas a criatura estranha desapareceu.
Jalis deu a ele um olhar esmorecido. “Você cochilou e teve um sonho?”
“Não! Eu juro que havia alguma coisa…”
“Ei!” Oriken empurrou-se para uma posição sentada e olhou para seu cobertor. “O que é esta coisa branca em cima de mim? Dag? Não estou brincando, é melhor você não ter...”
“Havia uma criatura!” Dagra protestou enquanto Oriken empurrava os cobertores. “Era uma… Ah, não sei!” Ele ofegou em exasperação.
“Nojento.” Oriken pinçou sua camisa. “Atravessou.”
“Deixe-me ver.” Jalis inclinou-se e levantou a camisa dele para expor seu torso. Três pingos da substância pegajosa emaranhavam-se no pelo em seu abdômen, com círculos vermelhos aparecendo através do limo.
“Que…” Oriken agarrou o cobertor e limpou o pus. “Parece anestesiado.”
Os olhos de Dagra foram atraídos para o cobertor. As partes da lã onde a cabeça e os braços da criatura tocaram estavam começando a desintegrar.
Jalis também havia percebido isso. Rapidamente ela pegou um odre e uma algibeira da sua mochila e derramou a água sobre a cintura de Oriken. Com a ponta do cobertor, ela limpou o máximo possível do resíduo pegajoso das feridas. Da algibeira, ela tirou uma folha úmida e colocou em cima da maior das três feridas. “Nepente é o melhor tratamento que temos agora. Com sorte, a criatura não era venenosa.”
Oriken assentiu com gratidão e olhou para Dagra. “Com o que isso se parecia?”
Dagra deu de ombros. Ele descreveu a criatura estranha da melhor maneira possível, mas nem Oriken nem Jalis faziam ideia do que poderia ter sido
“Vamos ter de ser extra vigilantes.” Enquanto Jalis pegava mais duas folhas da algibeira, ela disse para Dagra, “Bom trabalho por descobrir a tempo. Não há como dizer que dano isso poderia ter causado a Oriken enquanto ele dormia. Estou imaginando que seja o que for que isso secretava, contém um anestésico.”
Oriken empalideceu quando Jalis pressionou as folhas de nepente nas suas feridas. “Eu te devo uma, Dag. Olhe, sinto muito por gritar.”
Dagra grunhiu. “Esqueça. Volte a dormir. Farei uma vigília mais longa e te acordarei em duas horas. De qualquer maneira quero fazer uma caminhada rápida. Se avisto aquela coisa sem você no caminho, irei cortá-la em pedaços.”
“Obrigado,” Oriken disse. “Mas duvido que voltarei a dormir agora.”
“Então não faça isso,” Jalis disse. “Apenas descanse. Se você se sentir estranho, diga a Dag ou me acorde.” Ela olhou para seu braço. “Como está o ferimento do cravante?”
Oriken abriu e fechou o punho. “Muito melhor.” Ele vasculhou o fundo da sua mochila e tirou a jaqueta de couro de nargute, revestida de lã e vestiu. Quando ele prendeu a fileira de presilhas na frente da jaqueta, ele olhou de Dagra para Jalis. “Ei, não vou correr nenhum risco.” Ele deitou e colocou o chapéu em cima da cintura.
Jalis voltou para seu cobertor e em questão de um minuto voltou a dormir. Oriken entrelaçou as mãos atrás da cabeça e deu um breve aceno de cabeça para Dagra. Embainhando seu gládio e verificando a besta carregada, Dagra saiu para começar a patrulha.
Cadáveres, cravantes, loucos e estranhas manchas brancas, ele pensou. E, quando a manhã chegar, muito provavelmente os espíritos dos antigos mortos. Ele enviou outra oração rápida para os deuses e seus profetas para que amanhã não fosse outro teste. Agora era um jogo de espera para ver se – e como – eles responderiam.


Capítulo Oito
Observadores Na Fronteira do Mundo

Oriken mastigava sem entusiasmo um pedaço duro de carne seca enquanto passava um dedo pelos ferimentos doloridos em sua barriga. O nepente tinha feito seu trabalho; a pele estava em carne viva, mas cicatrizando aos primórdios de crostas e o entorpecimento tinha desaparecido quando sua vigília acabou. Ele pegou um dos três ovos de codorna cozidos da caneca ao lado do fogo e abriu-o. Ele olhou taciturnamente para o ovo minúsculo. Eles eram tudo que ele conseguiu encontrar na noite anterior apesar de seguir o chamado da codorna esquiva. Junto com o resto das suas rações salgadas, um ovo minúsculo para cada um e uma tigela de bagas do pântano era todo o café da manhã deles. Ele colocou o ovo na boca e engoliu-o em segundos.
“Estou dizendo,” ele disse, “se encontrarmos algum cravante na cidade, vou comer um.”
Dagra franziu o rosto.
“Ei, não há como dizer quando vamos ter outra refeição decente. Estou apenas pensando para frente.”
“Não faria isso se fosse você,” Jalis disse.
“O que, pensar para frente?”
Ela lançou um olhar fulminante para ele. “Carne de cravante é mais dura do que couro a não ser que você a deixe ferver por um dia inteiro.”
Dagra limpou as mãos na calça e se levantou. “Não nos diga que isso é algo que você aprendeu em primeira mão.”
“Na verdade, é.” Por um momento, a expressão de Jalis tornou-se distante. “É uma iguaria rara em Sardaya, ou pelo menos era quando eu era criança. Os cravantes alados poderiam ser uma irritação se eles desciam das montanhas. Com frequência meu pai participava de uma caçada mensal e às vezes ele traria para casa um pedaço de carne de cravante para as criadas cozinharem.” Ela olhou para Oriken. “Mas não vamos encontrar nenhum na cidade porque não vamos até lá. Não há necessidade. Durante meu turno, eu verifiquei o mapa que Cela deu a Maros. O Jardim dos Mortos fica diretamente dentro dos portões, portanto não precisamos entrar em Lachyla.”
“Hm.” Oriken pegou o cinto da sua espada do chão e levantou-se. “É uma verdadeira pena. Estava ansioso para dar um passeio por lá.”
Dagra suspirou. “É claro que você estava.”
“Vamos discutir sobre isso mais tarde.” Jalis se levantou e pressionou as mãos juntas. “Primeiro, meninos, acredito que temos uma joia para encontrar.”

A muralha do perímetro se elevava acima, tão solida quanto as eras, exceto pelos merlões arruinados ocasionais e pedaços quebrados de laje decorativa no chão abaixo. Oriken se sentiu pequeno e insignificante em comparação com as pedras antigas e implacáveis.
“Se houvesse arqueiros naquelas ameias,” ele disse, “não haveria como entrar, nem mesmo um exército, que dirá um trio de freeblades.”
“Ainda bem que temos o gancho para escalar,” Jalis disse.
“E ainda bem que temos o lugar para nós,” Oriken respondeu. “Eh, Dag?”
“Vai esperando,” Dagra disse baixinho.
Oriken olhou ao longo da parede para os restos apodrecidos de uma corda que pendia da muralha com ameias. “Algo aqui parece fora de lugar para algum de vocês?”
Jalis franziu o cenho para a corda puída.
“Está ali há muito tempo,” Dagra disse.
Oriken assentiu. “Mas eu não creio que seja tão antiga quanto a praga. E se isso é um fato, isso significa que não somos os primeiros a nos aventurarmos aqui desde que a caveira foi estampada nos mapas.”
Ele voltou sua atenção para a ponte levadiça abaixada, seus espetos mordendo a terra entre as lajes arruinadas. As barras de ferro enferrujadas eram tão grossas quanto seu pulso. Ele se aproximou para espiar entre elas e ficou olhando boquiaberto para a visão além.
“A palavra morto parece um pouco superficial agora,” ele murmurou.
Jalis estava ao seu lado. “Uau,” ela sussurrou, depois deu um passo para trás. “Bem, Orik. Você se importa de fazer as honras?”
Com um sorriso, ele tirou a mochila do ombro. Ele enfiou a mão na mochila e produziu um longo rolo de corda fina amarrado em uma extremidade a um gancho pesado para escalar.
“Afastem-se.” Ele enrolou a corda ao redor do braço e aproximou-se da parede. Pisando na extremidade solta da corda, ele avaliou as ameias e começou a balançar o gancho. Ele o soltou e o gancho subiu, bateu de leve na beirada da parede e continuou antes de arquear para baixo e enganchar na passarela acima. Ele puxou a corda para garantir que o gancho estava firmemente preso, em seguida, colocou a mochila de volta nos ombros.
“As senhoras primeiro?” ele disse a Jalis.
“Ora, obrigada, sios. Tão gentil da sua parte oferecer.” Ela pegou a corda, saltou agilmente nela, depois subiu pela parede.
Oriken observou sua subida até que ela engatinhou sobre o topo. Ele virou-se para Dagra. “Depois de você.”
Dagra não respondeu. Seu rosto estava impassível enquanto encarava a parede. Ele pegou seu pingente Avato e pressionou nos lábios antes de agarrar a corda. Ele começou a se içar, as pontas das botas encontrando apoio nos sulcos entre as pedras. Oriken podia ouvi-lo resmungando com o esforço quando Dagra se içou para as ameias.
A parede tinha o menor dos declives à medida que afunilava em direção ao topo, mas dificilmente isso tornava a subida mais fácil. Com os membros compridos de Oriken e o peso da mochila nas suas costas, os músculos dos seus ombros estavam implorando por misericórdia no momento em que ele alcançou o topo. Suor escorria pelo seu rosto quando ele se içou através das ameias. Sem parar para descansar, ele puxou a corda e começou a enrolá-la.
Dagra agachou-se ao lado dele, uma expressão preocupada em seu rosto.
“Ei,” Oriken disse, “vamos fazer o trabalho. Somos freeblades. Isso é o que nós fazemos.”
Com a corda e o gancho guardados na mochila, Oriken se levantou e deu sua primeira olhada nítida para os Jardins dos Mortos e a cidade de Lachyla muito além e ele compreendeu a preocupação de Dagra. Ele esfregou uma mão sobre a barba enquanto olhava para as inúmeras fileiras de lápides dentro da vasta extensão do cemitério. Vasos de barro rachados estavam em pé ou perto das suas lápides. Estátuas de pedra parcialmente colapsadas pontilhavam a vista sombria, os braços e cabeças de algumas reunidas nas bases dos seus plintos. Mais raras eram as estátuas de bronze maiores, como sentinelas ao lado das entradas decoradas das criptas. Cascas de árvores sem folhas que deveriam estar em plena floração nesta época do ano lançavam sombras como se estendessem dedos pelo chão. A mancha dos séculos cobria tudo.
“Sem palavras?” Jalis perguntou.
“Pela primeira vez,” ele admitiu.
A subida e descida do terreno repleto de túmulos conduziam até as muralhas muito distantes encerando os mortos em um retângulo alto de pedra. As ameias distantes eram minúsculas a partir daqui, mas o Caminho dos Defuntos, largo e central, dividindo o cemitério estendia-se até uma segunda ponte levadiça no centro da parede distante.
O Portão dos Defuntos. Oriken lembrou da sua menção nas histórias.
Tão sombrio quanto os Jardins dos Mortos, a cidade além era algo completamente diferente. Muralhas excessivamente fortificadas cercavam a paisagem urbana. Os prédios mais próximos estavam escondidos da vista por trás da muralha do perímetro do cemitério, mas à medida que o chão subia suavemente além da ponte levadiça, uma passagem principal serpenteava entre fileiras de estruturas abobadadas, inclinadas e com ameias em direção a uma fortaleza sombria. A maior parte do castelo dominava a paisagem da urbana, agachado em cima de uma colina baixa como uma sentinela colossal e implacável, pronta para entrar em ação ao primeiro sinal de invasores.
“E aqui estamos nós,” Oriken murmurou. “Olá, Castelo Lachyla.”
“Não é uma das vistas mais acolhedoras, não é?” Jalis disse.
“Difícil acreditar que não esteja entre os principais pontos de recriação de Himaera.” Oriken olhou para Dagra. “E você pensou que Caer Valekha foi ruim.”
“Foi.” O rosto de Dagra era uma máscara estoica.
A base da colina sobre a qual o castelo se aninhava estava pontilhada com uma miríade de prédios, menores do que o castelo, mas ainda formidáveis, reunidos como adoradores bem-nascidos ao redor de um santuário. À medida que o fluxo de prédios se espalhava para mais longe do centro da cidade, eles se tornavam mais baixos e com uma aparência menos majestosa. Os pináculos e telhados abobadados poderiam outrora parecer bonito em uma cidade que fervilhava de vida, mas agora eram fantasmas da grandeza esquecida; marcas da praga, inchando da própria terra. Oriken tinha de admitir, Lachyla poderia ser o lugar mais sombrio que ele já tinha visto.
Do seu ponto de vista, camadas enevoadas do oceano tingido de dourado a leste e oeste mostravam que Lachyla ficava em uma península afunilada. Ele podia imaginar penhascos escarpados caindo além das muralhas defensivas nas profundezas espumosas do Oceano Echilan inexplorado.
A fronteira do mundo, ele pensou, mais uma vez se lembrando de como ele e Dagra haviam se agarrado aos lados íngremes do Monte Sentinela e olhado para o mesmo oceano.
Ele virou-se com o ranger de passos para ver Jalis e Dagra seguindo pelas ameias em direção a uma torre de guincho. Reunindo seu equipamento, ele correu para alcançá-los. O telhado de carvalho inclinado da torre havia empenado com a idade e a erosão, mas na maior estava parte intacto. Embaixo havia um mecanismo de guincho com uma manivela comprida de ferro em um lado. A extremidade da corrente enrolada desaparecia através de uma abertura no chão de pedra acima do lado da ponte levadiça.
“Não parece muito enferrujado,” Jalis observou. “Vamos tentar sair, nos poupar de escalar novamente e ter de deixar o grampo para trás se ele ficar preso.
Oriken agarrou a manivela com ambas as mãos, ficou tenso e ofegou. A manivela deslocou-se, girando a corrente ao redor do carretel com um chink-chink-chink monótono enquanto a corrente arranhava contra si mesma e um gemido rangente da ponte levadiça enquanto protestava ao ser acordada do seu longo sono.
“Creio que vamos conseguir abri-la,” ele disse, espanando as mãos na calça.
Da torre de guincho, um conjunto de degraus de pedra conduzia para o cemitério. Oriken seguiu Jalis até o terreno árido, com Dagra arrastando os calcanhares atrás deles. Eles atravessaram o Caminho dos Defuntos arruinado e pararam diante da ponte levadiça. Oriken lançou um olhar de soslaio através das barras de ferro para a charneca além e, por um momento, sentiu como se ele fosse um prisioneiro, preso dentro das palavras do Tecelão de Histórias, transportado para uma época que talvez devesse ter ficado presa dentro das palavras das histórias antigas. Empurrando a sensação para o lado, ele observou Jalis enquanto ela produzia um pergaminho amarelado do bolso da perneira e começava a estudá-lo.
“Olhe aqui,” ela disse. Os homens se aproximaram. Ela tocou o mapa com uma unha e traçou uma linha para o norte, até um ponto a três quartos do caminho. “Deve ser bastante simples. Seguimos o caminho principal até este ponto.” Ela arrastou o dedo para a direita e bateu no X marcado pela cliente deles. “Depois um breve passeio para o lado e estamos lá.”
“Se não tivéssemos este mapa,” Dagra disse, uma expressão inflexível em seu rosto, “teríamos de investigar todo o cemitério.”
“Você pode agradecer Cela por isso quando voltarmos.” Jalis fez um gesto à frente. “Por enquanto, nosso prêmio chama.”
Oriken apertou seu ombro gentilmente, depois partiu ao longo do caminho central. Jalis e Dagra alinharam-se de cada lado. À medida que eles caminhavam, uma percepção se apoderou lentamente dele e ele abriu seus sentidos para os arredores.
Estou certo, ele pensou. Uma semente de preocupação aninhou-se na boca do seu estômago. Não somente estavam as árvores mortas e escurecidas, elas estavam cobertas com pústulas fúngicas. Também não havia nenhum arbusto à vista além da salsola quebradiça ocasional.
Não consigo ouvir nenhuma criatura se movendo por aí. Deveríamos ser capazes de ouvi-las mesmo que não possamos vê-las. Seja o que for que este lugar foi outrora, deveria ter sido há muito tempo reivindicado pelos animais e gramíneas. Nenhum gafanhoto, nenhuma mosca, nenhum pássaro. Árvores mortas e nenhuma gramínea qualquer. Que porra é essa?
“Não há nenhum sinal de vida em todo o lugar amaldiçoado, Dagra disse. “Exceto nós três.”
Oriken franziu o cenho. “Sim, eu estava prestes a....”
“Há um cheiro no ar,” Jalis disse, seu olhar passando pelas fileiras de lápides inclinadas.
Oriken também podia sentir o cheiro agora. Não era apenas o cheiro mofado de anos longos e desolados nem somente o cheiro salgado do oceano próximo; era outra coisa, algo quase imperceptível, mas estava lá. Ele fungou e semicerrou os olhos.
Doce, como um perfume que permanece muito depois que a garota que o usava deixou a sala.
“Isso parece errado,” Dagra disse. “Nada está vivo aqui. Apenas mofo cobrindo tudo e até isso está tudo seco.”
“Você conhece a lenda,” Oriken disse. “Talvez haja uma semente de verdade sobre a Cidade Sinistra no final das contas.”
Dagra bufou. “Um nome adequado para um lugar, se já houve um.”
Oriken deu uma gargalhada. “Sim e estes supostos Jardins dos Mortos, eles são um…” Ele esfregou um polegar na barba e olhou para Jalis. “Qual é aquela palavra que você usa? None-secateur? Sim, é isso. Todo este lugar não poderia estar mais morto. Eles acertaram. Mas Jardins? Nome idiota para um lugar que não tem nenhuma folha de grama.”
Jalis deu um olhar confuso para ele. “É ótimo que mais uma vez você tenha prestado atenção à minha língua materna, mas creio que você está procurando por non sequitur. Secateurs são tesouras de poda. Contudo, de certo modo, você está certo. Definitivamente este Jardins não precisam de seus arbustos podados.”
“Bem, praga ou não, isso foi há muito tempo.” Oriken olhou para os telhados da vasta cidade. “Agora que estamos tão perto, ainda é um pouco tentador dar uma olhada por aí.”
Dagra bufou. “Até você pode sentir o erro aqui, Orik. Não tente o destino mais do que já fizemos. Não sou nenhum covarde e você sabe disso, mas eu me lembro do medo que sentia quando criança em relação a este lugar e não preciso entrar na cidade para que este medo volte nitidamente. Estar cercado por estas criptas, lápides e estátuas pagãs já é o suficiente.”
“Estou apenas dizendo, só isso. Ei, Dag, você não precisa segurar este pingente com tanta força. Você não precisa da Díade quando você nos tem.” Oriken piscou para Jalis. Os lábios dela se contraíram em um sorriso rápido.
“Aceitarei a Díade e vocês dois,” Dagra disse. “Solidez em números.”
“Sim... Uau.” Oriken parou quando seus olhos pousaram em algo que se projetava da terra a poucos metros do Caminho dos Defuntos. Ele se aproximou e inclinou-se para dar uma olhada mais de perto. Uma coleção de ossos pequenos estava semi-encapsulada na terra, inconfundivelmente uma mão humana. “Imagino que eles não os enterravam muito profundo por aqui.”
“O que é isso?” A voz de Dagra tinha uma borda dura.
“Lembra daquela casa em que esbarramos com aqueles cravantes?”
“Sim.”
“Bem, quando eu disser, vamos apenas continuar caminhando, faça um favor a si mesmo e ouça desta vez. Você já está no limite, não precisamos que você entre em um ataque de pânico completo.”
Dagra fez uma careta e virou-se. “Anotado.”
Eles seguiram pelo Caminho dos Defuntos até que a muralha dividindo o cemitério da cidade apareceu ao longe, sua ponte levadiça abaixada como o portão na entrada. Oriken olhou por cima do ombro para as torres e ameias da muralha da charneca, quase invisíveis por trás das entradas elevadas das criptas, estátuas exuberantes e árvores esqueléticas.
“Devemos estar nos aproximando da cripta Chiddari,” ele disse.
Jalis dobrou o mapa e colocou no bolso. “Há muitas criptas por aqui. Sugiro nos dividir e verificá-las separadamente.”
Dagra balançou a cabeça com veemência. “Esqueça. De maneira nenhuma vou entrar sozinho em um daqueles lugares.”
Jalis reprimiu um suspiro. “Não estava falando para entramos nelas, Dagra. Estou dizendo que deveríamos verificar os nomes acima das entradas e nas estátuas daquelas que as tiverem.”
“Oh.” Dagra pigarreou. “Tudo bem. Ótimo.”
Oriken observou seu amigo barbudo. A verdade era que a fanfarrice de Dagra tinha diminuído cada vez mais, quanto mais eles entravam na Colina Scapa e agora, aqui no cemitério, tinha praticamente desaparecido. Isso é inaceitável. Realmente inaceitável. Ele estalou os dedos na frente do rosto de Dagra e fixou-o com um olhar severo. “Ei. Vamos lá. Sai dessa. Entendo que você esteja tendo problema com os deuses neste momento, mas faça um favor para os seus amigos e tente guardá-los. Vamos verificar aquelas placas de identificação como Jalis disse.”
“Vai se foder,” Dagra murmurou. Ele ergueu os olhos para encontrar o olhar de Oriken e deu um aceno brusco de cabeça, em seguida girou nos calcanhares e foi para a cripta mais próxima.
Oriken compartilhou um olhar com Jalis antes de se afastar para verificar a dúzia, mais ou menos, de entradas de criptas na área imediata. Ao alcançar a primeira, ele esticou-se para inspecionar os entalhes na pedra acima da entrada. Uma rachadura corria verticalmente através da pedra, bem através do centro do nome Hauverydh. A estátua que acompanhava a cripta estava no chão perto da entrada, seu rosto de pedra esburacado e gasto, as mãos pressionadas no peito; seja o que for que estivesse segurando havia deteriorado ou caído há muito tempo.
Oriken passou entre as lápides enquanto caminhava para a segunda cripta. Algumas das lápides haviam caído, algumas estavam submersas ou apoiadas em ângulos, enquanto outras permaneciam completamente em pé. As gravações em várias continham o nome Chiddari ou o que parecia ser uma variação disso.
“Chegando perto por aqui!” ele gritou.
Ao alcançar a cripta, ele parou diante da sua estátua e verificou o nome desbotado no plinto. Cunaxa Tjiddarei. As feições desgastadas pelo tempo eram aquelas de uma mulher orgulhosa, apertando o que parecia ser um pequeno martelo e um cinzel ao seio. A estátua de bronze estava em pé de lado, inclinada para frente como se prestes a fazer uma reverência, congratulando Oriken por descobrir seu lugar de descanso.
“Sim,” ele disse. “É isso!”
“Bom trabalho,” Jalis disse atrás dele, fazendo com que ele quase pulasse para fora da sua pele.
“Estrelas e malditas luas, Jalis!” Oriken sibilou. “Não faça isso!”
Ela sorriu. “Sinto muito.”
Quando Dagra se aproximou, Jalis pegou a lamparina a óleo e a tinderbox – uma caixa contendo pederneira, pavio e aço para fazer fogo – e começou a trabalhar acendendo faíscas em uma amostra de tecido carbonizado. Quando o material pegou fogo, ela tocou um bastão de enxofre na chama e usou para acender a lamparina.
Quando a lamparina estava acesa, Dagra disse, “Dê isso aqui.” Sua expressão estava extenuada, mas ele parecia mais determinado.
Jalis olhou para ele. “Você tem certeza?”
“Não. Mas vou fazer isso mesmo assim.” Ele pegou a lamparina e liderou o caminho até a entrada escura da cripta Chiddari.

Capítulo Nove
Nada Sem Medo

“Vamos terminar este negócio.” Dagra ergueu a lamparina e espiou a escada. As chamas lançavam um brilho tremeluzente nas paredes rústicas e degraus de pedra. Além do alcance da luz, o buraco da cripta mortuária abria-se em um convite sinistro.
Preparando seus nervos, ele pressionou seu pingente Avato nos lábios e entrou na escuridão, dando um passo lento e deliberado. Um passo, dois … Suas botas esmagavam suavemente a terra sobre a pedra gasta. A respiração silenciosa e ruído dos passos dos seus amigos o seguiram para as profundezas.
“Não se preocupe, Jalis,” Oriken disse. “Se algo passar por Dag, eu a manterei segura.”
Jalis riu. “Você é um oficial corajoso dizendo isso a um mestre espadachim quando ela está atrás de você em um espaço apertado.”
“Como é o ditado? Mantenha sua espada afiada, mas sua sagacidade mais afiada.” A diversão era rica na voz de Oriken, mas Dagra sabia que ele estava disfarçando sua própria ansiedade.
Quando ele alcançou a próxima curva na escada, Dagra congelou. “Deuses sofredores.” A lamparina iluminou as paredes de ângulo reto, fazendo com que sombras dançassem pela pedra. Com a mão livre, ele agarrou o cabo do seu gládio.
“O que é isso?” Oriken disse.
“Nada. Eu apenas… Está tudo bem.”
“Você deveria tirar a lenda da sua cabeça,” Jalis disse.
“Não é isso que me incomoda.” Não, ele pensou. É a escuridão. Isso e o peso esmagador da terra acima. E o fato que estamos descendo para um lugar que é mais desprovido dos deuses do que toda as Terras Mortas.
Ele espiou ansiosamente ao redor do canto para a escuridão. Até onde ele poderia dizer, a escada estava vazia.
“Estou agindo como uma menininha imaginando fantasmas,” ele murmurou, obrigando-se a continuar a descida. Mas se algum lugar tem fantasmas, é esta cripta pagã.
Além da próxima curva, os degraus tocavam o chão plano que se estendia em um corredor estreito e de teto baixo. Vigas de madeira percorriam a extensão das paredes entre quadrados de pedra lavrada. Grupos de teias de aranha empoeiradas pendiam dos cantos das vigas. A escuridão úmida e penetrante juntamente com o odor de mofo que flutuava da garganta escura do corredor enviou um arrepio pela coluna de Dagra.
“Amaldiçoe a Díade,” Oriken disse quando foi obrigado a se inclinar no espaço apertado.
Dagra franziu o cenho. “Por favor, não amaldiçoe enquanto eu estiver rezando.”
Oriken inclinou mais a cabeça, mergulhando suas feições na sombra, exceto pelo seu sorriso.
“Sério, tenho ouvido de você a mesma coisa ridícula desde que éramos crianças e o debate nunca vale a pena. Agora, em particular, não é o momento de me fazer defender as forças atrás, abaixo e acima de Verragos que eu sei que são reais, o que você nega mais e ....”
“Tudo que eu disse foi ‘amaldiçoe a Díade.’”
“Bah.” Dagra olhou para cima. “Espero que você não esteja muito ocupado amaldiçoando para ficar de olho nas teias de aranha.”
Oriken parou, em seguida gemeu. “Estrelas. Tinha de haver aranhas aqui em baixo, não? Poderia ter feito uma aposta sobre isso.”
Dagra avançou, com Oriken seguindo de perto. Em pouco tempo, um arco apareceu, um portal para quaisquer horrores pagãos que jaziam além. Com todos seus sentidos fixos no arco preto, ele quase pulou para fora da sua pele e quase deixou a lamparina cair quando o grito de Oriken ecoou através do corredor. O coração de Dagra batia forte quando ele se virou para Oriken saltitando e agitando os braços descontroladamente, batendo a aba do chapéu e se arrastando para trás até uma Jalis perplexa.
Ela o agarrou pela cintura, sem dúvida para impedir que ele batesse nela em vez de segurar firme o idiota desastrado. Apesar da sua estrutura pequena, com facilidade ela fez o amigo magricela deles parar de repente.
Os movimentos de Oriken haviam levantado uma camada de poeira e uma névoa fina pairava em todo o corredor, diminuindo muito mais a visibilidade. Seu cabelo suado e desgrenhado quando ele tirou o chapéu, Oriken olhou horrorizado para as teias de aranha que se agarravam a aba e a copa chanfrada. Com um sobressalto, ele começou a afastá-las.
Jalis colocou as mãos nos quadris, inclinou a cabeça e fixou-o com um olhar desapontado.
Notando seu escrutínio, Oriken deu de ombros com arrependimento e recolocou o chapéu na cabeça. “Elas fazem minha pele arrepiar!”
Dagra suspirou. “Nós sabemos!”
Jalis não conseguiu evitar o sorriso quando disse, “Você deixou escapar algumas.” Ela levantou a mão e puxou um fio de teia de aranha da sua barba, em seguida, limpou-a na parede. “Pronto. Acabou.” Ela franziu os lábios, depois acrescentou, “Você tentará ser um freeblade corajoso agora?”
“Eu disse que deveríamos ter trazido algumas tochas em vez daquela lamparina idiota,” Oriken murmurou. “Poderíamos ter acendido todo o maldito teto enquanto seguíamos.”
Dagra balançou a cabeça e virou-se para encarar o arco preto. Ele avançou lentamente, agitação pesando em cada passo. Seu foco estava mais uma vez em seus próprios medos.
Não estou com pressa para descobrir o que há além, ele pensou. Ninguém esteve em uma cripta funerária em séculos. Não é natural! Mas chegamos até aqui e imagino que estaremos levando uma boa história para casa, se mais nada. Recomponha-se. Estamos quase lá.
Ele alcançou o arco e preparou-se. “É tudo, ou nada,” ele resmungou. Respirando fundo, ele atravessou o portal para a escuridão de um corredor de teto alto, consideravelmente mais largo do que o corredor apertado. Tudo estava em silêncio e parado. Muito quieto. Muito parado. Ele espiou a escuridão por um longo momento. Os cabelos se arrepiaram em seu couro cabeludo enquanto ele dava um passo para o lado para os outros entrarem.
Oriken se abaixou sob o arco com um sorriso e esticou-se em toda sua altura. “Ah, isso é muito melhor!”
“Fico feliz que você pense assim,” Dagra disse, “mas você acha que poderia expressar seu prazer com um pouco menos de barulho?”
“Ah, vamos lá, Dag. Aquele incidente na caverna foi há muitos anos.”
“Sim, foi! Sete, para ser preciso. E não preciso de você me lembrando sobre isso mais uma vez, muito obrigado.”
Oriken zombou. “Não se preocupe com tetos desabados e entradas bloqueadas, você continua gritando e acordará os mortos.”
Dagra estremeceu, cerrou os dentes e lançou um olhar muito zangado para Oriken.
“Tudo bem, crianças,” Jalis disse asperamente. “Guardem os jogos até voltarmos para a charneca. Vocês podem brincar por todo o caminho para casa, se quiserem, mas vamos apenas fingir um pouco de decoro enquanto estamos aqui, como freeblades profissionais.” Ela olhou para Dagra. “Lidere.”
Ele estabeleceu um passo cauteloso para o corredor. A lamparina gotejava à medida que ele a balançava de lado para o outro para espiar os recessos dentro das paredes em intervalos regulares. Sombras tremulavam por toda parte como espectros se encolhendo do alcance da luz. Pedaços diversos de pedras preciosas atraíam a luz da lamparina para dentro das alcovas e nos pódios ao longo do centro da passagem; ele reconheceu obsidiana, pedra estrelada, lápis-lazúli, olho de gato, nuvens de raios e vários outros pedregulhos bonitos, mas não tão preciosos. Uma pedra do sol rajada de carmesim chamou sua atenção no fundo de uma das alcovas. Ele se aventurou para dentro para olhar de perto. A gema estava posicionada na altura da cintura no centro da laje de granito que alcançava dos joelhos até o peito de Dagra, duas vezes mais larga do que era alta, com os lados calçados firmemente nos cantos dos pilares. Ele segurou a pedra do sol para soltá-la, mas estava firmemente embutida no granito.
Palavras e datas circulavam a gema. Dagra se aproximou mais, mas as letras esculpidas estavam em Himaeriano Antigo e quase ilegíveis. Com um aceno de cabeça, ele retornou para o caminho.
Quando ele passava por um pódio central, a luz da lamparina caiu sobre marcas de arranhão na poeira vários passos à frente. Ele aproximou-se e agachou-se para espiar as marcas no chão cheio de poeira. Oriken e Jalis se agacharam em cada lado. “Parece que não somos os primeiros aqui,” ele disse.
“Provavelmente apenas ratos,” Oriken disse, recebendo uma sobrancelha erguida de Jalis. “Ratos realmente grandes?” Dagra lançou um olhar fulminante para ele. “Tudo bem!” Ele deu de ombros. “Um nargute então. Provavelmente tem uma toca aqui embaixo em algum lugar.”
“Não ratos.” Havia uma nota de preocupação na voz de Jalis. “E não um nargute, Orik, mas obrigada pelas sugestões. Seja o que for, precisa ter duas pernas. Talvez um cravante. Mas creio que todos concordamos que é improvável já que o cemitério está fechado.”
“Menos provável do que um nargute?”
Jalis fechou os olhos. “Esqueça seu nargute. Irei pegar um para você mais tarde, se você quiser. Você pode amarrar uma corda ao redor do seu pescoço e mantê-lo como um animal de estimação para a viagem de volta para casa.” Franzindo os lábios, ela acrescentou, “Provavelmente vale a pena mencionar que estas pegadas estão longe de serem frescas.”
“Quantos anos você acredita?” Oriken perguntou.
“Considerando que esta cripta provavelmente não foi limpa desde a sua Grande Insurreição… Quando foi isso? Os primeiros quatrocentos?”
“Perto o suficiente,” Dagra disse, mantendo um olho na escuridão ao redor deles.
Jalis levantou-se e Dagra e Oriken seguiram seu exemplo. “Neste caso,” ela disse, “estamos olhando para dois ou três séculos de poeira aqui.”
“Huh,” Oriken disse. “A poeira não teria coberto as pegadas após tanto tempo?”
“Não necessariamente. A camada nesta cripta não é particularmente grossa como você encontraria em uma casa não limpa após tantos anos. As pegadas poderiam ter décadas.” Os cantos dos seus lábios curvaram em um sorriso triste. “Dagra, certamente comece a rezar que aquela suposta joia funerária ainda esteja aqui. Orik, você pode desejar para as estrelas e as luas, se isso lhe agradar. Da minha parte, depois da nossa longa viagem até esta extremidade do fim do mundo, estou ansiosa para garantir uma recompensa para nós. Mas se alguém nos derrotou…”
“Não vamos tirar conclusões precipitadas,” Dagra disse. E eu estava começando a me acostumar com a ideia de que, talvez, nós encontrássemos a joia no final das contas.
As moedas de prata do contrato iriam garantir refeições quentes e canecas cheias por um ano inteiro, para todos os três. Até mesmo a parte de Maros como Oficial da Guilda lhe renderia um bom lucro. Era um trabalho que nenhum deles poderia se dar ao luxo de deixar passar.
Eles retomaram o avanço mais profundo no corredor. Mais uma vez Dagra assumiu a liderança com a lamparina, seguindo as trilhas de poeiras desbotadas, verificando as alcovas à medida que eles passavam. Ele fazia uma busca rápida por sinais da joia funerária, mas elas não continham nada além de lajes semelhantes de granito e pedras preciosas de pouco valor.
“Sabe,” Oriken disse, dando uma coçada preguiçosa na barba, “Notei uma coisa sobre esta cripta mortuária. Desde aquele corredor lá atrás, mal vi sinal de teia de aranha. A não ser que o teto lá em cima esteja cheio delas; felizmente mal podemos vê-lo para descobrir.”
Dagra olhou para Jalis. “O homem tem um ponto.”
“É quase como se…” O rosto de Oriken fixou-se com uma concentração interna.
Dagra deslocou seu peso. “Sim?”
Oriken levantou as mãos em derrota. “Não sei o que é, quase como se. De qualquer maneira, alguma coisa.”
“Obrigada por este discernimento,” Jalis disse. “Quem precisa de um oráculo quando temos um Oriken?”
“Esqueça isso.” Ele puxou a aba do chapéu uma fração, ficando em silêncio enquanto eles continuavam a entrar na cripta.
Para Dagra, a escuridão opressiva tornava-se cada vez mais asfixiante quanto mais eles avançavam. Ele passou a parte de trás da manga pelo suor que brilhava em sua testa e deu um puxão no colarinho já afrouxado. O teto era quase invisível aqui; apenas algumas linhas cinzas e manchas que sugeriam pedras de corte grosseiro e vigas mestras bem acima, mas o espaço aberto esmagava-o mais do que o corredor apertado. A última coisa que ele queria era ficar preso no lado errado de um desmoronamento de rochas, sem nenhum lugar para fugir enquanto os fantasmas dos falecidos há muito tempo se infiltravam das paredes, suas luzes fantasmagóricas se aproximando cada vez mais…
“Lugar profano,” ele resmungou, reprimindo um tremor.
Mesmo assim, ele estava feliz por ser ele segurando a lamparina. Ele imaginou Jalis se posicionando na retaguarda e em silêncio, admirou sua coragem. Confiando nele para ser seus olhos, isso era algo estranho, com certeza.
Você tem mais coragem do que eu, moça. Irei lhe conceder isso.
Seus olhos estavam nas lajotas cobertas de poeira quando algo se moveu no limite da sua visão. Ele congelou, um suspiro alojando-se na sua garganta. O alcance da luz da lamparina caiu em um punhado de formas sombrias se contraindo que se arrastavam para o caminho a partir de uma alcova à esquerda. Ele se atrapalhou com sua espada, os dedos esquecendo seus anos de treinamento, mas o gládio estava meio fora da sua bainha antes que ele reconhecesse as formas pelo que elas realmente eram e ele soltou um suspiro ruidoso de alívio.
Deuses, eu não precisava disso. Era somente escombros, uma placa quebrada de granito caída do seu nicho, nem agachada nem à espreita. Apenas um truque de luz e sombras. E imaginação, ele acrescentou em reprovação. As formas não estavam se movendo nem um pouco.
Ao se aproximar dos escombros, ele notou com preocupação que as marcas de arranhões que eles haviam seguido levavam diretamente para a pedra esmagada e se reuniam em um aglomerado. Ele olhou para Jalis. Ela assentiu em aquiescência à pergunta não formulada. Apoiado pela sua coragem silenciosa, Dagra entrou na alcova, os fragmentos estilhaçados de granito esmagando sob suas botas. Seus olhos examinaram a pequena área, atraídos para o nicho no fundo, de onde a placa havia caído. Na sua ausência havia uma parede grossa de teias de aranha. Aranhas poderiam ter se esgueirado mais profundamente, mas era impossível de dizer; os fios densamente agrupados pareciam absorver o brilho da lamparina, sugando-o, sem revelar segredos.
Sua atenção foi atraída para o canto superior direito da cavidade oblonga. Uma área escura de fungos de aparência frágil se agarrava à pedra, exatamente como a coisa que cobria as árvores no cemitério. Um aglomerado de cistos pálidos com veias finas e carmesins aninhadas em cima da mancha mofada Dagra se aproximou mais para inspecionar os crescimentos curiosos. Levantando um dedo para o cisto maior, ele tocou-o gentilmente. Com um pop suave, a membrana seca explodiu em uma nuvem de poeira. Ele recuou quando um cheiro pungente encheu suas narinas, mas a nuvem já tinha quase desaparecido. Ele espirrou e levantou-se rapidamente. Recuando, ele fez uma careta para a parede de teias de aranha, os crescimentos fúngicos, os escombros espalhados e a poeira agitada.
Isso não é maneira de passar a vida depois da morte, ele pensou, nauseado com a perspectiva de ser deixado em um buraco para apodrecer em vez de ser queimado até os ossos. Eles eram selvagens durante os Dias dos Reis, eles realmente eram. Corpos deveriam ser queimados, tinham de ser queimados para libertar os espíritos para sua jornada para Kambesh.
Espíritos …
Um odor leve e de movo flutuou da cavidade cheia de teias de aranha. Ele estremeceu e reuniu-se com seus companheiros.
“Algo interessante?” Oriken perguntou.
Dagra lançou um olhar significativo para ele. “Nada sobre o que você queira saber.”
“Aranhas.” Oriken fez uma careta. “Se for aranhas, apenas diga aranhas. Prefiro saber do que não.”
“Não vi nenhuma aranha.”
Oriken parecia reservado. “Muito justo.”
“Mas…”
“Mas o quê?”
“Você sabe por que não há nenhuma teia de aranha aqui?”
Oriken semicerrou os olhos em antecipação as próximas palavras de Dagra.
“Creio que eu as encontrei.” Dagra empurrou um polegar por cima do ombro. “Elas estão todas reunidas naquele buraco. Assim parece, de qualquer maneira.” Oriken gemeu e Dagra deu de ombros inocentemente. “Ei, você perguntou.”
“Sim, mas há informação e há informação demais. Você não conseguiu resistir a acrescentar o mas, não é?” Oriken empurrou um dedo para ele. “Minha vez na próxima vez.”
Dagra forçou um sorriso tenso. O gracejo ajudou um pouco a combater seu atual estado de espírito.
Um pedregulho de pedra de sangue chamou sua atenção nos escombros espalhados. Ele se inclinou, pegou-o e esfregou-o na calça. Um ovalado verde escuro suave, coberto de manchas escarlates brilhantes.
Sem valor, mas uma peça bonita. Não é mais parte de um túmulo, Dagra argumentou, justificando a moralidade de pegá-lo. Talvez eu pudesse conseguir com que o ferreiro o colocasse no cabo do velho gládio. Algo para lembrar a viagem, ele pensou amargamente, enfiando a pedra de sangue no bolso da calça.
“Estas bugigangas são quase inúteis,” ele disse baixinho, “mas que tipo de ladrões comuns deixariam tantas para trás? Algum de vocês viu sinais de manipulação além desta placa?”
Oriken franziu o cenho. “Agora que você mencionou isso, não. Mas se alguém esteve aqui embaixo, eles poderiam estar atrás da mesma coisa que nós. Poderiam até ter sido freeblades. Nunca se sabe.”
Jalis balançou a cabeça. “Só que ninguém atravessou as Terras Mortas em séculos.”
“Supostamente,” Dagra disse.
Oriken deu de ombros. “Talvez nossa cliente contratou mais alguém antes de nós e este túmulo é onde eles encontraram a joia.”
Jalis chutou um pedaço de entulho. “A placa abrigava uma pedra preciosa do mesmo tamanho que as outras por aqui.” Ela lançou um olhar rápido e astuto para Dagra. “Nenhuma que vimos até agora é grande o suficiente para ser a joia que estamos procurando.”
Oriken assentiu de soslaio para a alcova. “Talvez estivesse enterrada com o corpo em vez de estar fixada ao granito.”
Jalis parecia em dúvida. “Estas pessoas se empenharam para cobrir este lugar com pedras preciosas. Qual seria o objetivo de selar a joia onde ninguém pode vê-la?”
Dagra balançou a cabeça e disse a Oriken. “Mesmo se a joia estivesse ali, você não deu uma olhada naquela teia de aranha. Está intacta. E grossa. Seja quem for que removeu a placa não se deu ao trabalho de ir mais longe. Ou, se fizeram isso, tudo aconteceu há muito tempo, como Jalis disse.”
Os olhos de Oriken eram profundezas de sombra sob a aba do seu chapéu enquanto ele arriscava um olhar para o recesso. “Dificilmente posso culpá-los por não entrar ali. Aquela teia de aranha seria algo que colocaria tudo a perder para mim também. Apenas tente me fazer arrastar para um buraco cheio de teias de aranha. Não vai acontecer. Nem mesmo por um saco cheio de dari de ouro.” Ele enfiou um polegar atrás do cinturão da espada. “Nem por todo dari em Himaera. Sem chance.”
“Deuses!” Dagra empalideceu. “Espero que a joia não esteja guardada na parte de trás de um destes buracos, com algum pobre imbecil cujo cadáver foi deixado para apodrecer e cuja alma está presa no limbo e nós temos de entrar e vasculhar…”
Jalis estalou os dedos no rosto de Dagra. “Cai na real. Continue com esta bobagem e irei ajudá-lo a agilizar uma cura para sua fobia.”
“Huh?” Dagra franziu o cenho em confusão, em seguida acompanhou o olhar dela para o buraco cheio de teias de aranhas. Ele olhou de soslaio para ela e ela assentiu enquanto ele se afastava mais do recesso. “Você não faria isso.”
Ela segurou um dedo nos lábios. “Então cale-se, Dag. Vocês dois.” Olhando de Dagra para Oriken, ela baixou o olhar para as marcas de arrastar na poeira. “Odeio mencionar, mas estou percebendo mais alguma coisa sobre estas pegadas.”
Dagra suspirou, “Há uma chance de que isso possa ser uma boa notícia para variar?”
Jalis lançou o esperado olhar sarcástico para ele.
“Vá em frente então, desembucha.”
“Você estava em alguma coisa quando disse que não vimos sinais de pilhagem. Isso me fez pensar. Se alguém esteve aqui, deveria haver pelo menos dois conjuntos de pegadas. Um conduzindo para dentro, um saindo de volta. Mas além das nossas, eu só vi um conjunto de pegadas.”
Oriken parecia cético. “Você acredita que seja quem for que esteve aqui embaixo não saiu? Que eles… o que, morreram aqui? Oh! Você quer dizer que deve haver outra saída!”
“Este foi o meu primeiro palpite. Mas se houvesse outra entrada para este lugar, não está indicado no mapa. Mas isso está além do ponto. Veja.” Ela apontou ao longo do lado mais distante dos escombros e Dagra balançou a lamparina para iluminar a área. “As trilhas param aqui,” Jalis disse sombriamente.
Era verdade, Dagra viu. A poeira além permanecia intacta. Ele esfregou um polegar na barba enquanto uma sugestão sombria começava a se instalar em sua mente. Ele olhou para Jalis com um olhar cauteloso e um aceno de cabeça. “Não diga isso.”
“Isso não era alguém descendo até aqui,” ela disse. “Foi alguém indo embora.”
“Você tinha de dizer isso, não é?”
Oriken cruzou os braços. “Isso apenas fica cada vez melhor.”
Jalis apenas deu de ombros desconsolada.
“Pelo amor dos deuses,” Dagra rosnou. “Nós estaremos nos assustando tolamente antes de sequer encontrarmos a maldita joia. Vamos apenas continuar procurando.” Ele pressionou os lábios juntos e olhou para seus companheiros enquanto sacava o gládio da sua bainha.
Oriken inclinou a cabeça e desembainhou seu sabre.
Jalis verificou as adagas em sua coxa e quadril, mas ela as deixou em suas bainhas. “Concordo,” ela disse. “Mas saber o que podemos estar enfrentando somente pode nos dar uma vantagem.”
Dagra grunhiu. “Você não vai dizer isso quando a vantagem for eu cagando na minha calça.”
Eles continuaram mais fundo na câmera funerária, fazendo uma verificação superficial em cada alcova que passavam até que eles finalmente chegaram ao final da cripta. Diante deles, um retângulo alto de granito foi colocado no centro da parede, estendendo-se do chão até mais alto do que a copa do chapéu de Oriken. Uma linha de pedestais na altura da cintura percorria ambos os lados ao longo da parede; em cada um descansava uma coleção de pedras preciosas empoeiradas.
Seu queixo caiu quando ele viu a característica central. Situado dentro do granito ao nível dos olhos de Dagra havia uma joia de corte primoroso, duas vezes o tamanho do seu pulso. Pela Díade, a velha Cela não estava nos enganando. E ela também não estava exagerando.
Uma faixa de prata envolvendo a circunferência da joia, mantendo-a bem presa dentro do seu estojo de pedra. Rosas e verdes suaves volteavam pela superfície multifacetada da joia; reflexos da lâmpada a óleo cintilando.
“Doce Khariali,” ele sussurrou, invocando o nome da deusa primitiva das pedras preciosas e metais.
“Doce Khariali, de fato,” Oriken repetiu. “Lá está o nosso bebê!”
“É linda,” Jalis sussurrou.
Dagra colocou a lamparina no pedestal mais próximo, empurrando para o lado as pedras preciosas que ele continha, em seguida recuou. Poderia ter sido sua imaginação ou poderia ter sido a maneira como a luz brilhava das miríadas das faces da joia, mas parecia emanar um calor que não era físico, mas uma calma que tocava não a pele, mas a alma. Pode ter sido usada como uma pedra funerária, mas não pertencia a esta cripta mais do que o próprio Dagra pertencia aqui. Ele ficaria feliz em levá-la com ele.
“Estava esperando algo como um diamante,” Jalis disse com reverência. Ela deu um passo à frente para traçar a ponta do dedo pela superfície angular. “Mas isso não é um mero diamante ou eu sou uma mocreia.”
Ela tem direito a isso, Dagra pensou. A joia fez os poucos diamantes pequenos que tinha visto parecerem tão simples quanto vidro.
Em letras pesadas e ornamentadas acima da joia, as palavras Lajdie Cunaxa Tjiddarei foram esculpidas juntamente com as datas 152 e 225. Símbolos antigos estavam misturados com um texto Himaeriano Antigo e Sosarran Médio ao redor da joia em círculos concêntricos. Dagra imaginou que as palavras poderiam ser uma prece ou provavelmente uma declamação das realizações da senhora.
“Ela morreu há muito tempo antes da praga,” Oriken comentou.
“Provavelmente a primeira da sua linhagem,” Jalis disse. “Ou a primeira a alcançar a proeminência, de qualquer maneira. Sua posição no ponto mais distante da cripta sugere que ela foi a primeira a ser enterrada aqui.”
“Como os construtores sabiam quantos Chiddaris haveriam?” Oriken perguntou. “Todos os nichos parecem ter túmulos neles. Esta é uma suposição muito boa.”
“Acredito que somente os indivíduos importantes tinham uma vaga na cripta mortuária da família. Provavelmente o resto era enterrado na superfície. Além disso, se examinarmos os primeiros nichos, imagino que vamos descobrir que eles não foram usados como tal, mas apenas reservados.”
Dagra resmungou. “É uma pena que a velha Cunaxa aqui não foi a última a ser enterrada. Poderia ter nos poupado de caminhar pela extensão deste corredor amaldiçoado.”
“Imagino que se ela estivesse mais próxima da entrada,” Oriken disse, “então não seria ela procurando pela joia da família, não é?”
Dagra lançou um olhar frio para ele antes de voltar sua atenção para o prêmio deles. Ele apontou para um grupo de símbolos esculpidos no texto ao redor da joia. “Aqui estão algumas daquelas runas sobre as quais você fica empolgada, Jalis. Como aquelas na minha espada.” Ele segurou a lâmina larga do gládio na luz, indicando as inscrições escuras que percorriam sua extensão. “Attic algo-ou-outro, certo?”
“Antik rukhir.” O sotaque Sardayan de Jalis emprestou às palavras antigas um diferencial místico, enfatizando o k no final de antik com um ruído agudo da língua e rolando o r no final de rukhir. Ela se aproximou mais para inspecionar as runas. “A linguagem da Era Umbral nunca para de me surpreender. Tantas variações regionais que parecem ter evoluído completamente separadas umas das outras e, no entanto, mantiveram elementos comuns reconhecíveis. Estamos falando sobre milhares de anos atrás, antes que os primeiros escaleres atravessassem o Canal Ardente e, no entanto, antik rukhir era tão prevalente em Himaera quanto no continente Sosarran. E é anterior a todas as tribos antigas.”
Oriken deu de ombros. “Quem se importa? Eu disse isso quando você viu as runas pela primeira vez na espada de Dagra. Claro, é uma arma interessante, mas por que ficar toda empolgada sobre uma linguagem morta?”
“Não sei qual é o maior tesouro,” Jalis suspirou, com um sorriso irônico. “A joia ou sua compreensão incomum.”
“Tudo que estou dizendo é que temos a joia e vale muito mais do que Cela Chiddari está nos dando. Até eu consigo ver isso.”
“Todos nós concordamos que encontramos uma pequena fortuna,” Dagra disse, “mas quem tem o dinheiro para nos pagar o que realmente vale? Certamente ninguém que eu conheço. Quinhentas moedas de prata não devem ser ridicularizadas.”
Jalis assentiu em concordância e olhou para Oriken. “Além disso, estamos comprometidos pelo código. Até Orik não ignoraria as regras da guilda.”
Oriken deu um leve giro em seu chapéu. “Claro que não. Nem pense nisso. Mas estas regras cobrem como remover uma joia valiosa que está incrustrada em um pedaço sólido de granito? Eu preferiria entregar a coisa em uma única peça, se possível.” Dagra deu de ombros e olhou para Jalis, que balançou a cabeça. “Quero dizer,” Oriken continuou, “não é como se tivéssemos um martelo e um cinzel, é?”
Jalis murmurou uma maldição. “Em retrospecto, algo de um descuido.”
“Então como vamos tirá-la?”
“Nós usamos nossas espadas.” Dagra apontou para as armas na cintura de Jalis. “As suas seriam melhores para a tarefa, garota.”
Jalis riu. “Você está fazendo uma piada, sim? Não arruinaria minhas espadas, não importa seu valor.” Ela deu um tapinha na adaga longa de lâmina preta em seu quadril e a adaga fina de prata em sua coxa. “Dusklight e Silverspire são mais do que apenas armas ou ferramentas. Elas são obras de arte e insubstituíveis.”
Dagra suspirou e embainhou seu gládio. “Tudo bem. Deixe isso comigo.” Ele fez um gesto para Oriken se virar. Oriken o fez e Dagra desamarrou a algibeira lateral da sua mochila e vasculhou o interior, tirando a faca de caça de lâmina curta.
“Esta não é nenhuma faca sofisticada com um nome,” Dagra disse a Jalis, arqueando uma sobrancelha. “Um bom e velho pedaço sólido de aço que Orik tinha desde que éramos crianças.”
“Na verdade, eu dei um nome para ela,” Oriken disse, um brilho em seus olhos. “Chamei-a de Akantu em homenagem ao patrono das criaturas inferiores.”
“Não,” Dagra disse. “Você não fez isso. E você não deveria zombar dos deuses, muito menos nesta cripta.”
Oriken zombou. “Patronos não são deuses. Eles são homens e mulheres, não são diferentes de… bem, não são diferentes de mim e Jalis.” Ele deu um grande sorriso a Dagra.
“Vá se foder,” Dagra sugeriu.
Ele colocou a ponta curvada da lâmina na fresta entre o granito e a prata e começou a alavancá-la para frente e para trás, trabalhando com cuidado ao redor da circunferência da joia.
“Não escorregue,” Oriken disse.
“Duvido que sua faca possa danificar a joia,” Jalis disse. “É por isso que não vou manchar minhas lâminas nela. Parece mais forte do que um diamante.”
O coração de Dagra acelerou quando a faca de caça escorregou sobre a faixa de prata. Sua ponta afiada oscilou pela joia, emitindo um grito estridente.
“Pelas pedras de Cherak, Dag!” Oriken disse. “Você está tentando perder nossa recompensa?”
Dagra estufou as bochechas e soprou enquanto seu nervosismo começava a acalmar. Ele pensou que havia arruinado o prêmio deles, mas não havia o menor risco em nenhuma das superfícies angulares da joia.
Jalis suspirou. “Obrigada por testar minha suposição, Dagra,” ela disse categoricamente. “Creio que podemos considerar o ponto comprovado.”
Havia um leve tremor na mão de Dagra quando ele inseriu a ponta da faca de volta na ranhura. Ele girou a lâmina e o arranhar do aço na pedra sussurrou pelo corredor escuro.
“Você acredita que é mágica?” ele perguntou.
Oriken deu uma gargalhada. “Não seja ridículo.”
“Talvez tenha encantamentos entremeados nela. Lembra daquela garota em onde foi?” Dagra franziu o cenho enquanto mencionava a lembrança nebulosa. “Aquela que Maros resgatou?”
“Dificilmente diria que ele veio em seu socorro,” Oriken disse. “Ela foi perseguida por abelhas após perturbar um ninho.”
“Dag tem um ponto,” Jalis disse. “Aquela garota usou magia para fazer um carvalho voltar a ser uma muda.”
“Assim nos disseram.”
Dagra arrepiou. “Bem, eles a levaram para o Arkh depois disso, portanto deve haver uma verdade nisso.” A joia estava começando a se soltar.
Oriken zombou. “Se eu visse com meus próprios olhos, eu acreditaria. Não considero tudo que ouço como verdade.”
“Eu sei.” Dagra suspirou.
“Ela era uma fada-de-nascença, Orik,” Jalis disse baixinho. Dagra podia sentir seu hálito quente em seu pescoço enquanto o observava trabalhar. “Diga o que quiser sobre algumas outras coisas, mas posso lhe assegurar que fadas-de-nascença realmente existem.”
Oriken não respondeu e a conversa cessou. Enquanto Dagra trabalhava, sua imaginação também. Em sua mente, ele viu novamente a cova do enterro exposto cheio de teias de aranha. Em algum lugar atrás da parede sedosa jazia um parente retorcido e murcho da sua cliente. E por trás da placa em que ele agora trabalhava, jaziam os ossos da ancestral mais antiga de Cela, Cunaxa.
Um esqueleto agora, ele garantiu para si mesmo. Apenas ossos. Nada a temer. Ele alavancou a lâmina para frente e para trás e com uma torção final a joia funerária deslizou da pedra…
As órbitas dos olhos preenchidas com teias de aranha olhavam para ele. Em mudo horror, ele encarou de volta. O abrigo da joia agora emoldurava as feições afundadas de Lady Cunaxa Chiddari, cobertas com fios de seda e espiando através da fresta. A pele se esticava sobre o crânio como couro fervido, com tufos de cabelo fundidos na carne mumificada. A testa e as maçãs do rosto estavam enfeitadas com crescimentos escabrosos e o ricto terrível e sem lábios sorria para ele como se deleitado por ter companhia após longos séculos de solidão. Seus dentes enegrecidos se deslocaram e quebraram. Horrorizado, Dagra observava enquanto as teias se rasgavam e a boca se esticava mais e a mandíbula escorregou atrás da placa e caiu no chão com um ruído surdo.
“Gah!” Dagra saltou para trás, proferindo os nomes da Díade na esperança de que eles o tirassem do corredor pagão e o levassem de volta para a charneca. Bile subiu em sua garganta enquanto ele desviava o olhar do crânio encarquilhado.
“É apenas um cadáver, Dag,” Jalis disse baixinho.
“Ele se moveu!”
“Você perturbou sua posição, só isso.”
Saliva nadava em sua boca. Ele a engoliu. “Sim. Apenas um cadáver. É claro. Um cadáver, é claro!” Ele emitiu uma risadinha breve, mas maníaca. Captando os olhares divertidos dos seus amigos, ele pigarreou e se recompôs.
A joia estava nas mãos de Oriken. Ele a segurou no alto e olhou para ela, sem sentir medo do cadáver medonho que os observava. Jalis pegou a lamparina do pódio e a segurou perto do ombro de Oriken. A luz brilhou da superfície multifacetada da joia. Sua frente era circular, a faixa de prata apertada ao redor da circunferência, aparentemente forjada no lugar. De lado, a joia era mais plana, mas avolumava-se no centro ao redor de um núcleo sombreado que se quebrou em prismas na luz da lamparina. O ponto escuro fez Dagra se lembrar de ovos de gema preta do balukha do anoitecer ou um borrão de tinta dentro de uma escultura sólida de vidro. Ele estava começando a corrigir sua avalição sobre o valor estético da joia.
Oriken passou a mão pela parte de trás da joia. Seu rosto franziu em desgosto. “Vamos ter de dar uma esfregada nela mais tarde. Tem um pouco do rosto dela preso na joia.”
O estômago de Dagra revirou-se e seus joelhos cederam. Ele agarrou-se ao pódio ao lado dele em busca de apoio.
Jalis abriu sua mochila e passou um cobertor para Oriken. Ela segurou a mochila aberta enquanto ele embrulhava a joia e a enfiava dentro da mochila. Ela puxou o cordão firme e deu um nó, prendeu as alças da mochila e a pendurou no ombro.
“É melhor que seja sua roupa de cama e não a minha,” Dagra disse a ela. Quando soltou o pódio, seu olhar pousou na cabeça sem olhos, nariz e agora sem mandíbula de Cunaxa. Enquanto ele encarava zangado a matrona Chiddari, a cabeça deslocou-se novamente.
“Doce mãe dos profetas! Não me diga que aquilo não aconteceu!” A cabeça estava inclinada de viés, como uma criança atenta e curiosa para saber do que se tratava a comoção.
“Você pode soltar meu braço agora, Dag,” Jalis disse.
Ele murmurou um pedido de desculpas e cambaleou para a parede, apoiou-se nas pedras e vomitou. Quando acabou, ele passou a manga na barba e virou-se para ver Jalis e Oriken olhando para ele sombriamente, seus rostos inundados pelo brilho da lamparina.
Dagra forçou uma risada. “Não sei de onde isso veio.” Ele recusou o lenço oferecido por Jalis. “Não. Estou bem, sério. Apenas um…” Ele podia sentir o cadáver olhando para ele, mas manteve sua atenção firmemente em Jalis. “Temos o que viemos procurar. Vamos dar o fora daqui. Não faz sentido demorar, certo?”
Jalis assentiu e virou-se para ir embora, mas Oriken colocou uma mão em seu ombro. “Por que não nos mimamos com alguns extras na saída?” Ele apontou para as pedras preciosas em cima dos pedestais e nos recessos onde as pedras preciosas piscavam das sombras. Enquanto Jalis considerava suas palavras, ele pressionou o ponto. “Deveríamos, pelo menos, levar as que estão nestes pedestais para nossa cliente já que elas obviamente vêm como um pacote com a joia. Certo? Se ela não as quiser…” Ele deu de ombros.
Jalis não pareceu convencida.
“Caminhe e fale,” Dagra disse. Ele pegou a lamparina de Jalis e seguiu pelo corredor, seus amigos acompanhando para seguir a única fonte de luz.
“O contrato não menciona nada além a joia,” Jalis disse. “Se levamos mais, nossas ações poderiam ser consideradas um sacrilégio.”
Dagra cuspiu um palavrão. “Este lugar inteiro é irreverente.”
Oriken zombou. “Como pode estar bem roubar o maior tesouro, mas errado levar os menores?”
“Ei,” Jalis disse, “Não faço as regras.”
Oriken suspirou. “Não é como se Dag não tivesse embolsado uma pedra.”
“Oh, sua criança!” Dagra virou-se. “Sério? É uma ninharia sem valor! Um pedregulho bonito de um túmulo saqueado!”
Jalis resmungou baixinho. “É isso o que você pensa, Dag ou é o que você espera?”
“Não comece com isso novamente. Agora não. Vamos apenas voltar para casa, voltar para a riqueza e um banho quente.”
“Você não conseguirá nenhum argumento de mim aí,” ela disse. “Orik, os túmulos nesta cripta pertencem aos ancestrais da nossa cliente. Se perturbamos qualquer um deles ao remover suas pedras preciosas – a maioria das quais parece ser relativamente inútil de qualquer maneira, como Dagra diz – estaremos efetivamente roubando da própria Cela, independentemente das nossas intenções, por mais ostensivas que elas possam ser.” Ela olhou para Oriken intensamente. “Dagra encontrou sua pedra preciosa no entulho quebrado; ele pode mantê-la, mas deixamos o resto.”
“Você é o chefe,” Oriken disse com um suspiro. “Mas e a cidade?”
Jalis sugou o ar através dos dentes e olhou para ele de soslaio. “Vamos conversar sobre isso depois que deixarmos o cemitério. Já desperdiçamos mais de metade do dia.”
Oriken olhou para ela por um momento, mas não disse mais nada e a conversa caiu em silêncio enquanto eles refaziam seus passos através do longo corredor.
Dagra não poderia ter se importado menos sobre a pedra de sangue que ele pegou. Seus pensamentos estavam na joia funerária, determinado a trazer-lhes uma herança inesperada lucrativa de fato. Mas, ainda mais, seus pensamentos estavam na matrona da cripta, seu olhar sem olhos atento a partida deles do seu lugar de descanso.
Logo, a cova de sepultamento profanada tornou-se visível novamente. As marcas de arranhões, agora cobertas pelas pegadas de Dagra e seus companheiros, conduziam da laje quebrada até a escada…
Para distrair sua imaginação errante, Dagra disse, “Mas Orik tem um ponto. É uma ética questionável que podemos profanar um túmulo se é parte do nosso contrato, mas, caso contrário, é desaprovado.” Ele deu uma gargalhada abrupta e procurou no bolso a pedra de sangue. “Quer saber? Nem quero este pedaço de lixo. Pensei que poderia ficar bem no gládio, mas com o dinheiro que vamos ganhar eu poderia comprar uma das tetas brilhantes de Khariali se eu quiser.”
“Melhor as tetas de Khariali do que as pedras de Cherak,” Oriken gracejou.
Com um movimento do pulso, Dagra deslizou a pedra de sangue nas sombras e ouviu seu ruído ecoar pelo corredor.
“Dag.” Ao seu lado, os olhos de Jalis lançaram um sorriso. “Não disse que as outras criptas no cemitério não eram alvos viáveis, apenas a cripta de Chiddari. Todo este lugar já foi arruinado por uma deusa e abandonado por séculos. Alguns poucos mortais não podem consagrá-lo muito mais do que já foi feito.”
Dagra retribuiu o sorriso com um fraco. “Verdade. Mas não tenho certeza se estou interessado. Não é como se tivéssemos trazido uma mula conosco; qualquer coisa que encontrássemos, teríamos de arrastar por toda Colina Scapa e parte de Caerheath. Obrigado, moça, mas não. Apenas quero dar o fora deste maldito lugar morto e empoeirado e respirar um pouco de ar fresco, arruinado ou não.”
Oriken resmungou baixinho enquanto se arrastava atrás dele, mas se em concordância ou não, Dagra não poderia dizer e não se importava muito. Ele forçou seus pensamentos para a viagem de volta para casa e para passar o resto do ano em Alder’s Folly sem contratos longos e árduos, sem lugares subterrâneos escuros e sombrios e sem mais cadáveres.
Deuses, ele pensou. Por favor, sem mais cadáveres.

Capítulo Dez
Intrusos

Dagra soprou o sulco da lamparina para extinguir a chama, depois entregou para Jalis. Com um suspiro de alívio, ele saiu da cripta Chiddari para a vista melancólica do cemitério. A esfera vermelha de Banael estava dispersa através de uma cobertura de nuvens, sua parte inferior mergulhando mais perto do horizonte do que Dagra estava confortável. Ele lançou um olhar semicerrado para a estátua de Cunaxa.
Bem, senhora, ele pensou. Poderia dizer que outrora você foi uma grande beldade, só que acabei de ver sua mandíbula cair.
Riachos leves de névoa estavam escorrendo através das rachaduras do solo árido. Cachos de coisas lambiam e acariciavam as bases mofadas das lápides e rastejavam nos caminhos arruinados. Mesmo enquanto ele observava, a névoa estava se espalhando.
“Por quanto tempo ficamos lá?” Oriken perguntou, seus olhos na sombra suave sob seu chapéu enquanto olhava para o sol baixo.
“Horas,” Jalis disse.
“Não pareceu tanto tempo.”
“Talvez não para você,” Dagra disse.
Oriken voltou sua atenção para a cidade, estufou as bochechas e soltou um assobio baixo. “Deve haver um monte de tesouro lá. Só o castelo deve conter uma fortuna. Poderíamos nos abrigar em um dos prédios durante a noite. O lugar esteve abandonado por séculos; duvido que alguns dos proprietários se importaria.”
“Vamos lá, Orik,” Jalis disse. “Você é um homem ou catador? Não se esqueça que temos uma longa viagem de volta até o bolsão cheio de pântano mais próximo de civilização, além de mais alguns dias de viagem até voltarmos para Alder’s Folly. Não gosto de arrastar tesouros através de centenas de quilômetros e mais de campos infestados de pântanos, monstros e muito provavelmente mais do que não encontramos em nosso caminho até aqui.”
“Não estou falando sobre encher nossos bolsos e mochilas, apenas um punhado de lembranças. Não machucaria.”
Por um momento, Dagra se viu considerando o assunto. Ele quis dizer o que disse a Jalis sobre não estar interessado em saquear pedras preciosas de segunda categoria, mas quando olhava para a expansão da cidade era difícil não imaginar uma riqueza maior do que meros pedaços de pedras bonitas. Moedas provavelmente entulhavam o lugar. E joias com diamantes preciosos e safiras, esmeraldas e rubis. Ou armas, como seu próprio gládio antigo; as espadas curtas, de lâmina larga, raramente eram forjadas desde o fim da Grande Insurreição e Lachyla seria o melhor lugar para encontrar outro.
Gostaria de um segundo gládio, ele pensou, mas não tanto assim. Por mais angustiante que tem sido, não foi tão ruim quanto eu imaginei. Talvez amanhã, durante a luz do dia…
Ele balançou a cabeça para purgar a tentação e franziu o cenho para a névoa que se formava. “Deveríamos começar a nos mover antes que esta coisa se torne um problema.”
“Mas, ouça...”
Jalis lançou a Oriken um olhar de cautela. “Eu disse que discutiríamos isso mais tarde e nós iremos. Por enquanto, Dagra está certo. De volta à ponte levadiça.” Pegando o olhar de Oriken para o distante Portão dos Defuntos que separava o cemitério da cidade, ela apontou um dedo para o norte, para a charneca. “Aquela ponte levadiça.”
Eles desceram o caminho estreito que ligava a cripta Chiddari ao Caminho dos Defuntos central. Enquanto caminhavam, Oriken mantinha um monólogo sobre os tipos de tesouro que eles poderiam descobrir no castelo. Ele estava no meio do fluxo quando Jalis parou abruptamente e levantou uma mão para sinalizar uma parada.
“O que é?” Oriken perguntou.
“Diga-me uma coisa,” ela disse. “Quão confiante devemos estar que a cidade está deserta? Podemos presumir que todos os cidadãos de Lachylan morreram durante a praga?”
“Huh? É claro. Mesmos aqueles que escaparam estão mortos há muito tempo. Por que você pergunta?”
Jalis olhou por cima do ombro de Dagra para o cemitério nebuloso. “Então, você está dizendo que nós, três freeblades destemidos, somos as únicas pessoas aqui?”
Dagra franziu o cenho. “Conheço este tom e nunca é um bom sinal. Se você tem algo a dizer, apenas diga. Se não...”
O olhar distante de Jalis tornou-se pétreo. “Estava apenas me perguntando por que de repente parece ser a hora do luto em Gardine dessa Mortas.”
“Não faço ideia do que você...” Silenciado pela expressão de Jalis, Dagra acompanhou seu dedo que apontava. Oh, deuses, ele pensou. Não…
Figuras de aparência frágil estavam surgindo da névoa e moviam-se com indiferença entre os túmulos. Mais estavam se materializando na distância entre a névoa do solo, difícil de discernir das árvores enegrecidas e das lápides mais ornamentadas. Uma estava mais perto do que as outras – Dagra já havia olhado diretamente para ela e confundido com uma árvore baixa e retorcida. Balançava na brisa, seus membros esqueléticos estendidos diante dela como galhos e ramos que se esticavam.
“Por favor, me diga,” Oriken sussurrou enquanto olhava para as figuras cambaleantes, “que alguém solicitou uma visita guiada ao cemitério e esqueceu de mencionar.”
Aço assobiou quando Jalis sacou suas adagas. “Temo que não.”
“O que são elas?” Oriken perguntou.
Enquanto Dagra olhava para as formas parecidas com assombrações, a observação de Jalis na cripta Chiddari voltou para ele, que as pegadas somente se dirigiam em uma direção. Ele tinha presumido que outra pessoa esteve na cripta, mas se…
“Nós vamos,” ele disse. “Agora.”
Ele começou a correr ao longo do centro do Caminho dos Defuntos, com Jalis e Oriken seguindo logo atrás. A névoa estava rapidamente engrossando em uma neblina crescente e pesada, as nuvens acima se agrupando em mimetismo, escurecendo o começo da noite em um crepúsculo falso. Mais figuras estavam se aproximando das bordas mais distantes do cemitério, dirigindo-se lentamente, mas sem dúvida, para o Caminhos dos Defuntos.
Mais à frente do caminho, uma mão ressequida agarrou a borda de trás de uma cripta e uma figura grotesca apareceu à vista. O que restava da sua roupa havia se tornado um com seu corpo afligido pela praga, a carne escurecida pela idade agitando-se ao longo do tecido. O rosto afundado virou-se para Dagra. Seus lábios murchos e gengivas enegrecidas com lascas quebradas de dentes estavam abertos em um grito silencioso.
Ele desacelerou quando a criatura deu passos hesitantes na direção dele. Os raios de Banael atravessaram as nuvens por apenas um momento, caindo sobre o rosto apodrecido e aprofundando suas cavidades sombreadas. O cadáver levantou uma mão para proteger o rosto. Ele cambaleou na luz do sol, mas continuou seu avanço lento.
“Querida, doce Aveia,” Dagra suspirou. “Está morto. Eles estão todos mortos. Deuses misericordiosos, Cunaxa Chiddari realmente se moveu! Eu sabia! Ela se moveu e nós apenas ficamos ali conversando!”
Quando Oriken se aproximou, ele agarrou o braço de Dagra e apertou com grosseria. “Sai disso, Dag! Não encare boquiaberto. E use sua energia para correr em vez de ficar balbuciando.” Ele continuou correndo, suas pernas compridas levando-o rapidamente ao longo do amplo Caminho dos Defuntos.
A perspectiva de ficar para trás foi o suficiente para tirar Dagra do seu pânico crescente e incitá-lo a seguir em frente. Ele desviou os olhos do cadáver com olhar malicioso e bombeou suas pernas curtas mais rápido. Jalis alcançou e acompanhou o ritmo ao seu lado.
“Os mortos de Lachyla,” ele ofegou entre as respirações, “devem permanecer em Lachyla.”
“Os mortos em todos os lugares devem permanecer mortos,” Jalis disse. “Mas se você está certo, descobriremos em breve.”
Em todas as direções, o lugar estava se enchendo com as criaturas. Um gemido gutural começou da mais próxima; um sussurro úmido e crepitante como líquido espesso derramando sobre folhas crocantes. O barulho se intensificava à medida que mais mortos emprestavam suas vozes ao coro medonho. Em instantes, o cemitério soava com o murmúrio sibilantes dos seus habitantes.
A corrida saltitante de Oriken o levou rapidamente ao longo do caminho caindo aos pedaços, diretamente em direção a uma multidão de cadáveres. Quando ele saltou sobre uma lajota levantada, seu chapéu voou da cabeça. Ele o pegou no ar, caiu no chão correndo e fixou-o com firmeza novamente no lugar em que pertencia sem a menor pausa.
Apesar do horror nas imediações, Dagra deu uma gargalhada com Oriken se importando sobre seu chapéu enquanto o próprio Inferno irrompia ao redor deles.
Quando Oriken alcançou a horda, ele varreu seu sabre em um golpe alto e amplo para trás na linha de frente dos cadáveres, a lâmina curva mordendo seus rostos e pescoços. Desequilibrados pela força do golpe, eles cambalearam para trás e alguns caíram. Uma cabeça desperdiçada caiu de um pescoço fino como pergaminho e bateu nas pedras. Oriken bateu o guarda-mão do sabre no rosto do cadáver mais próximo, em seguida bateu a bota no peito de outro. Em instantes, o caminho estava limpo para Dagra e Jalis passarem. A palma de Dagra suava enquanto ele apertava o punho de couro do gládio. Ele trocou um olhar sombrio com Jalis e eles seguiram em frente.
O caminho e o solo estéril em ambos os lados se perderam sob o manto crescente da neblina, obrigando Dagra a desacelerar seu ritmo enquanto tropeçava sobre escombros soltos e pedras submersas. A neblina havia consumido as lápides mais baixas e as partes superiores das entradas das criptas que se projetavam como os arcos de navios que afundavam, suas estátuas de pedra ou metal servindo como figuras de proa sombrias. Os horrores esqueléticos e abominações apodrecidas se agitavam entre tudo isso como passageiros que se afogavam.
Oriken era um borrão de movimento na neblina que engrossava à medida que mais criaturas vagavam na direção do Caminho dos Defuntos. Ele picava e retalhava, socava e chutava em seu caminho até eles. Ele gritou por cima do ombro, mas as palavras ficaram perdidas para Dagra em meio ao clamor dos mortos. Esquivando-se da mão de um cadáver, Oriken o golpeou com um soco de viés de esquerda, quase derrubando-o, mas o cadáver deu um passo hesitante na direção de Dagra e parou. Curvou-se, suas feições arruinadas pareciam farejar o ar, sentindo-o.
Então Dagra estava em cima dele, varrendo o gládio em um brutal arco para cima. A lâmina cantou através da neblina e mordeu profundamente o antebraço levantado do cadáver, estilhaçando o osso. O apêndice quase cortado balançava inutilmente, os dedos se contorcendo em nos cachos de neblina quando a criatura teve a intenção de segui-lo, mas Dagra seguiu em frente, seu terror silenciado pela adrenalina furiosa. A visibilidade tinha praticamente desaparecido agora. A neblina o obrigou a desacelerar para pouco mais que uma corrida leve enquanto ele navegava os obstáculos escondidos das pedras de calçamento irregulares e outros detritos. Seus olhos disparavam de um lado para o outro enquanto ele tropeçava através da escuridão. Os mortos continuavam se movendo desajeitadamente, gemendo seu lamento profano.
“Lá!” Oriken gritou de algum lugar à frente. “O portão!”
Graças aos deuses! Dagra pensou. Quase lá.
Um cadáver apareceu diante dele. Ele soltou um grito, mas engoliu seu medo e bateu um ombro nele. O cadáver agitou-se para trás, mas endireitou-se. Permaneceu firme, bloqueando seu caminho.
O peito de Dagra ofegava enquanto ele olhava em repulsa. O outrora elegante vestido e forma vagamente feminina marcava o cadáver como uma mulher. Seus olhos eram uma bagunça de crostas de sangue sobre bochechas encovadas. Pústulas inchadas cobriam a cavidade da mandíbula perdida. Um cisto surgiu quando gorgolejou através do buraco da garganta. Dagra vomitou e o cadáver se pôs em movimento.
Ele arremeteu e empurrou o gládio em seu peito. Enquanto puxava a lâmina, a cabeça deu uma guinada para frente e explodiu, borrifando-o com seu ichor fétido. Ele jogou os braços para cima para proteger o rosto e cambaleou para trás.
Oh, deuses abençoados, tenho sua cabeça em cima de mim. Aveia, como eu merecia isso?
O cadáver sem corpo foi arremessado na névoa, substituído pelo perfil inconfundível de Oriken.
“Ha! Direto através do rosto!” Oriken sorriu e levantou o punho do seu sabre até o ombro em uma saudação fingida, a lâmina gotejando com sangue. Com uma piscadela para Dagra, ele apertou a aba do chapéu com um dedo e polegar manchados com sujeira.
Muito horrorizado para falar, Dagra assentiu com gratidão.
Outro cadáver surgiu da neblina atrás de Oriken. Dagra começou a emitir uma advertência, mas Oriken já havia captado a expressão em seu rosto; ele girou e atacou. O sabre cortou profundamente em sua garganta. Ele bateu a bota entre suas coxas com um triturar doentio. O cadáver colapsou, engolido pela neblina.



Конец ознакомительного фрагмента.
Текст предоставлен ООО «ЛитРес».
Прочитайте эту книгу целиком, купив полную легальную версию (https://www.litres.ru/pages/biblio_book/?art=57159621) на ЛитРес.
Безопасно оплатить книгу можно банковской картой Visa, MasterCard, Maestro, со счета мобильного телефона, с платежного терминала, в салоне МТС или Связной, через PayPal, WebMoney, Яндекс.Деньги, QIWI Кошелек, бонусными картами или другим удобным Вам способом.
A Cidade Sinistra Scott Kaelen
A Cidade Sinistra

Scott Kaelen

Тип: электронная книга

Жанр: Фэнтези про драконов

Язык: на португальском языке

Издательство: TEKTIME S.R.L.S. UNIPERSONALE

Дата публикации: 16.04.2024

Отзывы: Пока нет Добавить отзыв

О книге: A Cidade Sinistra, электронная книга автора Scott Kaelen на португальском языке, в жанре фэнтези про драконов

  • Добавить отзыв