Chuva De Sangue

Chuva De Sangue
Amy Blankenship


Chuva de Sangue
Saga Caminho do Sangue Livro 13

Amy Blankenship, RK Melton
Traduzido por Christi Yaghi

Direitos Autorais © 2017 Amy Blankenship
Edição em inglês publicada por Amy Blankenship
Segunda edição publicada por Tektime
Todos os direitos reservados

Capítulo 1
Ren rematerializou-se na sala da frente da Poção Mágica… no mesmo lugar de onde tinha desaparecido e olhado fixamente para o topo da cabeça de Lacey. Ela estava sentada no chão, de costas para ele, abraçando e embalando Vincent como se fosse uma droga de bebê, e com a cabeça colada aos seus seios, ainda por cima! Os músculos em torno dos olhos de Ren se contraíram de exasperação.
Lacey sacudiu a cabeça para o alto e franziu a testa quando as luzes negras da sala começaram a bruxulear, deixando-a preocupada caso a tempestade acabasse com a energia por ali, como acabou no “Museu dos Amaldiçoados”. Encolheu-se e segurou Vincent firmemente, quando uma trovoada ensurdecedora bateu com força pela atmosfera, no mesmo instante em que ela avistou o clarão do relâmpago.
Vincent deixou escapar um sorrisinho ao perceber a sombra em forma de homem que o relâmpago abruptamente projetou no chão, logo ao lado deles. Só para infernizar, aconchegou seu rosto mais fundo no peito macio de Lacey, murmurando depois: — Acho que seu namorado voltou, mor.
Lacey sentiu os cabelinhos da nuca se arrepiarem e dançarem. Todas as suas percepções extrassensoriais, recentemente adquiridas, estavam lhe dizendo que Ren estava tão próximo dela, que se ela se inclinasse para trás, mesmo que só um pouco, sentiria as pernas dele. Mentalmente, pôs a culpa na curiosidade mórbida e levantou a cabeça a fim de olhar para o alto. Mas é claro; Ren estava debruçado sobre ela e os encarava ambos abaixo.
Esse não era nem de perto o mesmo olhar doce que lhe havia dirigido quando saiu há apenas uns minutos e Lacey imaginou em silêncio o que teria acontecido para azedar seu humor no retorno ao museu. Antes que pudesse perguntar o que havia de errado com ele, ela sentiu o chão estremecer, e olhou em volta da sala quando tudo começou a chacoalhar; tinha certeza de que era um terremoto.
Ren cerrou os dentes quando ouviu os cristais e outros itens frágeis da sala começarem a balançar e cair das prateleiras. Sem paciência de ver a loja destruída de novo, ficou de pé retesado, e rosnando estrondosamente, concentrou-se em estabilizar a loja até o tremor passar.
Vincent forçou-se a sentar quando o movimento dentro da loja cessou de súbito, mas o poste de luz logo no exterior da vitrine continuou a balançar para frente e para trás, projetando uma sombra movediça na sala.
— Que diabos é isso? — Vincent indagou baixinho quando uma nuvem de pó e entulho se moveu do outro lado da janela, quase ocultando a visão da rua.
Ren nem precisava adivinhar… Ele sabia. Podia sentir os demônios escapando da destruição. Logo que a onda de choque passou, respondeu: — Creio que a cidade está agora com um museu tomado por demônios a menos, visto que o prédio já não está mais de pé.
Seus olhos seguiram Vincent, que agora caminhava em direção à janela e para longe de Lacey… homem sensato.
Vincent apoiou-se no parapeito da janela, ainda fraco, enquanto observava a nuvem de poeira grossa passar girando pelo prédio em ondas espessas. Ele contraiu o rosto ao ver corpos se deslocando dentro da poeira e descobriu que na verdade eram demônios fugindo do local, camuflando-se na sujeira.
Ren não pôde evitar um rápido recuo quando um demônio sem pele se aproximou a pouca distância da janela dianteira. Podia enxergar vestígios do que sobrou da sua pele, na verdade pendendo em farrapos dos músculos encharcados de sangue. O demônio virou a cabeça para encará-lo e sua boca se alargou num grito mudo e grotesco, antes de sumir de volta à nuvem de poeira.
— Diga-me de novo que este lugar é protegido contra demônios — Vincent queixou-se, pressentindo que havia mais deles soltos ali na rua do que no museu.
Lacey rapidamente inclinou-se para trás após ver a imagem demoníaca na janela, e acabou encostada às pernas de Ren. Naquele instante ela não ligou, aceitando de bom grado a força reconfortante nas suas costas.
— Eles não podem entrar sem serem convidados — ela repetiu num sussurro apavorado, então gritou de medo quando uma mão sangrenta surgiu de dentro da poeira, como num filme de terror, e pressionou contra o vidro, deixando um longo traço purpúreo por onde passava.
— Maldito inferno — Vincent murmurou enquanto se virava lentamente e se agachava rente à parede, logo abaixo do parapeito da janela.
Ele preferiria lidar com os poderosos a qualquer hora… pelo menos não eram tão horrendos. Cenas como essa sempre embrulhavam seu estômago. Ele não precisava espiar de novo para saber que ainda estavam lá fora… podia perceber pela cara assustada no rosto de Lacey enquanto ela olhava pela janela, logo acima da cabeça dele.
— Fecha os olhos, mor. Não precisa dessa lembrança voltando para te assombrar. Eles terão partido assim que a poeira assentar — ele a persuadiu com uma voz suave.
Os músculos do maxilar de Ren se contraíram, enquanto ele continuava a fitar o homem no outro lado da sala.
— Ela poderia dispensar muitas lembranças — disse ele numa voz ameaçadora, alheio ao fato de que seus olhos brilhavam a ponto de se parecerem com canetas-lanternas prateadas, reluzindo por trás dos óculos escuros. Ele tentou dominar a raiva, mas com tanta perversidade cruzando seu caminho, isso requeria um esforço enorme. Os níveis superiores de poder à deriva, dentro e fora do seu alcance, estavam tentando forçá-lo para além do limite, deixando-o um pouco perturbado.
Vincent olhou entediado para Ren; porém, quando reparou no brilho argênteo nos olhos do outro, sentiu seu próprio temperamento se alterar. Aqueles olhos eram uma recordação cruel dos Fallen que o condenaram a essa vida.
— E algumas lembranças nunca devem ser partilhadas — Vincent replicou com uma enxurrada de sarcasmo. — Mas então, ela não partilhou com você de livre escolha… sim? O que o faz pensar que é melhor do que eu?
Vendo sombras mais escuras passarem como raios pela janela, Lacey decidiu seguir o conselho de Vincent e fechou os olhos. No segundo em que ficou cercada pela escuridão, seus outros sentidos entraram em hiperatividade. Ela podia sentir os demônios enquanto se aproximavam da loja e quanto mais se concentrava neles, cada vez mais intensas as sensações se tornavam.
Ela podia pressentir tantas emoções ao redor… sobretudo raiva e medo, mas mesmos estas, distorcidas por más intenções. Era como se estivesse tocando mentalmente em coisas que estavam fora de alcance e ela não negaria… era assustador e ao mesmo tempo viciante.
Uma sensação tentadora chamou sua atenção; concentrou-se nela e acabou respirando profundamente quando de repente sentiu-se cálida e extasiada de paixão, o que destoava dos acontecimentos lá fora. Ela piscou quando sentiu o que seria bem perto de um orgasmo fulminante atravessá-la e tremeu visivelmente.
Ouvindo o suspiro, Ren abaixou-se e segurou o pulso dela, erguendo-a diante de si.
— Onde dói? — perguntou, esquecendo-se por completo do homem a quem havia lançado um olhar mortal, momentos antes.
O rosto de Lacey se incandesceu, não sabendo como responder à pergunta ardilosa. Sentindo o corpo rijo de Ren colado às suas costas e o hálito quente na orelha, os olhos dela ficaram bem abertos. Caramba, como isso a excitava.
Ela comprimiu junto as duas coxas e concentrou-se na única pessoa à vista… Vincent. Horrorizada, notou que ele parecia saber exatamente o que havia de errado com ela. Ela queria desaparecer da face da terra quando o olhar dele desceu pelo seu corpo até o ápice das coxas, inquietando-a. Claro que ele sabia… tinham namorado várias vezes.
Vincent ergueu uma das sobrancelhas quando seus olhares se cruzaram. Ele conhecia essa expressão ardente… na verdade, ele era a sua causa, mas nesse momento era tão inapropriada que ficou preocupado. Deixando de lado os horrores lá fora, retesou-se e não quis que ela caísse nas mãos de um demônio enquanto estivesse sob a influência da luxúria.
Percebendo a maneira com que Vincent olhava para Lacey, Ren aproveitou que a segurava e a girou para si, o encarando, em lugar do outro homem. Mirando os olhos excessivamente brilhantes e o rosto febril de Lacey, Ren rosnou quando sentiu o cheiro da intensa volúpia dela. Não eram os demônios que faziam o coração dela disparar.
A imagem da face de Vincent pressionada contra seus seios quando inicialmente Ren fora teletransportado de volta à loja pairou em sua mente, fazendo-o rosnar de novo e olhar para ela em severa advertência.
— Acho melhor você soltá-la, cara — Vincent exigiu. Ele não gostava do jeito com que Ren olhava para ela… ou o rosnado animalesco, por assim dizer. Começou a encurtar a distância entre eles, mas hesitou o passo quando ouviu a voz ofegante de Lacey:
— Quando fechei meus olhos naquele momento, não podia mais ver os demônios…, mas podia senti-los à medida que passavam. Quase podia sentir o gosto da sua crueldade e das suas auras perversas. E sem ter a intenção, me afastei disso e me conectei com o que Gypsy e Nick estavam… fazendo no abrigo nuclear, logo abaixo de nós.
Ren tentou se concentrar entre a névoa avermelhada de perversidade que implacavelmente rasgava dentro da sua cabeça, e gradativamente entendeu o que havia provocado a paixão em Lacey…, mas o fato de Lacey chamar Vincent em silêncio em vez dele não seria permitido… nunca mais. Devagar, ele ergueu o olhar por cima da cabeça dela para cravá-lo no homem que estava prestes a matar.
Quando os dedos de Ren a apertaram de repente, a ponto de doer, Lacey desvencilhou-se e deu um passo rápido para trás, longe de Ren. Erguendo a mão para massagear o pulso que ele segurara com tanta força, ela amarrou a cara:
— E sua raiva dá ferroadas, então que tal suavizá-la, visto que essa habilidade indesejada é totalmente culpa sua… não minha.
Quando percebeu a luz prateada luzir por trás dos óculos escuros que ele usava, ela recuou outro passo só para acabar envolvida por braços que vinham por detrás. Ainda lidando com os tremores secundários de ficar excitada e atingir o clímax tão depressa, ela se inclinou de volta aos braços conhecidos de Vincent.
Vincent cingiu-os em volta dela por proteção, e espreitou Ren: — O que exatamente ela o está acusando de lhe ter feito?
— Não, Vincent — Lacey alertou-o quando uma onda ainda mais forte de energia perversa afastou as vibrações prazerosas que estava tendo do abrigo nuclear abaixo. Ela franziu a testa quando lhe ocorreu que se ela estava sentindo essas auras perturbadoras tão intensamente… então havia boa chance de Ren captar uma overdose de perversidade delas.
— Não cometa o erro de pensar que estou com medo dele, pombinha — Vincent disse calmamente, sendo sincero.
Ren focalizou no modo com que um dos braços de Vincent cruzava logo acima dos seios fartos de Lacey, enquanto o outro estava dois meros centímetros abaixo. A forma de segurar lhe parecia um pouco sedutora e zelosa demais para seu gosto e ela estava certa sobre Nick e Gypsy… podia senti-los fazendo amor, junto com uma enorme dose de perversidade que ainda estava por sair ilesa do seu alcance súcubo. Não era boa ideia acrescentar ciúme e raiva, além disso.
— E aí, Vincent, estou curioso sobre uma coisa. Quanto tempo leva para ressuscitar depois de ter o pescoço partido? — O canto dos lábios de Ren se ergueu no indício mais sutil de um sorriso malicioso. — Deixa pra lá, sei como descobrir.
Os lábios de Lacey se separaram e ela estendeu os braços para impedir Ren, mas para sua surpresa, o corpo de Vincent literalmente se evaporou no ar, fazendo com que ela cambaleasse para trás. Em seguida, estava encostada no vidro gelado da janela. Seus olhos se arregalaram, imaginando como Ren fez Vincent desaparecer, sem sequer tocá-lo.
Ren mal se lembrou de que Storm acabara de roubar seu alvo enquanto ele voltava sua atenção para Lacey. Moveu-se para frente e bateu a palma da mão em cada lado dela, prendendo sua presa contra o vidro sacolejante. Conforme encarava sua prisioneira, podia ver formas sombrias de demônios do outro lado dela passando tão perto que poderia forçar a mão pela janela e agarrá-las.
Lacey lentamente virou a cabeça para olhar uma das mãos dele e notou que estava alinhada à marca de mão sangrenta no outro lado do vidro. Uma fissura tomava forma na janela onde ele tocava, e começou a ziguezaguear em sua direção. Ela sentiu o medo atravessá-la quando uma das sombras deu um murro na janela. Engoliu, sabendo que sombras na verdade não produzem som ou fazem o vidro sacudir assim.
Não desejando que o único elo entre ela e os demônios se partisse, Lacey lançou de volta um olhar amedrontado a Ren. Ela precisava acalmá-lo antes que fosse tarde demais e fez a primeira coisa que lhe veio à mente.
Agarrando o ombro dele com uma mão, Lacey precipitou-se para cima, pressionando vigorosamente seus lábios contra os dele, enquanto sua outra mão deslizou por sua virilha. Rapidamente ela descobriu que não somente ele estava fora de controle, mas obviamente excitado. Ela envolveu a enorme protuberância e o segurou, enquanto lambia e sugava agressivamente seu lábio inferior.
Ren fechou os olhos e rosnou, enquanto seu mundo tentou se reduzir à necessidade de penetrar tão profundamente em Lacey que ela nunca mais desejaria estar nos braços de outro homem.
Quando a primeira coisa que Ren fez foi rosnar de modo sinistro, Lacey começou a repeli-lo com toda a intenção de correr como os diabos, mas logo foi abraçada e levantada face a ele. Ela pestanejou quando ele forçou a coxa entre suas pernas e em seguida Lacey estava montada a ela, fazendo seu vestido subir até os quadris.
A excitação que vinha sentindo lhe bateu de encontro, sem piedade…, mas desta vez a sensação sufocante não estava vindo do casal abaixo. Estava vindo do perigoso homem que a tinha agora em seu poder.
Ren segurou o cabelo dela por trás e levantou seu rosto enquanto lhe tomava o controle do beijo.

*****

Vincent berrou de frustração quando a paisagem mudou e seus braços estavam repentinamente sentindo falta da mulher que segurara de maneira protetora, um mero segundo antes. Procurando por Lacey, deu uma volta completa e cerrou os dentes quando percebeu que estava num lugar completamente diferente… um tipo de escritório enorme, ao que parecia.
— Maldição! — esbravejou, agora totalmente confuso.
— Seja bem-vindo à PIT — Storm falou da poltrona atrás da mesa. Ele estava ansioso por isso e procurou não sorrir.
— PIT — indagou Vincent, dando uma volta para localizar de onde vinha a voz. — Ouvi falar, mas nunca pensei que teria a chance de encontrar algum de vocês.
— Encontrará mais do que apenas alguns de nós… Ren sendo o primeiro — Storm lhe informou.
Vincent endureceu ao ouvir o nome de Ren:
— Não é à toa que o grande paspalho é tão confiante. Ele tem quase um exército o apoiando.
Storm conteve um sorrisinho de desdém: — Ren não precisa de um exército, mas esse não é o motivo pelo qual o trouxe aqui.
— Então qual é o motivo? — Vincent interpelou, impaciente. Ele precisava voltar à Lacey e garantir que estivesse em segurança.
— Se você acabou com o fingimento de ser escravo dos demônios… quero que se junte à PIT — disse Storm, chegando à raiz da questão. — Suas habilidades fazem de você um candidato perfeito para a PIT e seu ligeiro vício pode ser resolvido.
Vincent encarou-o:
— Que vício seria esse, cara?
— Sua obsessão em se matar — respondeu Storm, olhando-o fixamente. — Eu lhe garanto, lutando contra os demônios conosco… existe uma grande possibilidade de você ainda receber a sua dose.
— Tudo isso é excelente, mas fica pra outra vez. A única razão de eu estar nessa droga de cidade é por causa de Lacey e deixá-la com aquele demônio de olhos prateados não está em meus planos — Vincent disse, tornando-se agitado.
— No íntimo, Ren é humano, o que significa que ele tem tanto sangue vermelho quanto você — Storm o corrigiu. — Na verdade, vocês dois têm muito em comum, visto que ambos têm poderes raros. Enquanto você tem a habilidade de ressuscitar de qualquer lesão, incluindo a morte, Ren tem a habilidade de sugar a energia de qualquer tipo de ser sobrenatural que esteja a seu alcance. A hostilidade que você tem em relação a Ren é infundada… ele não é da raça dos Fallen — explicou.
O olhar de Vincent escureceu:
— O que sabe sobre os Fallen?
— Sei o suficiente — Storm disse, enigmaticamente.
Então… seu raptor era fã daquele enorme, mal-humorado e melancólico… esplêndido! Em sua opinião, só isso fazia desse homem um maldito imbecil.
— Se Ren pode sugar a energia daqueles a sua volta, então está sobrecarregado nesse instante, uma vez que a lojinha de magia em que estão está cercada de demônios no momento — Vincent observou. — O cara não parecia muito equilibrado quando vocês me tiraram de lá… e acredito que ele tinha toda a intenção de cronometrar quanto tempo me levaria para ressuscitar depois de ter o pescoço partido.
— Levaria vinte e cinco minutos e treze segundos — Storm deu um sorriso afetado quando o rosto de Vincent ficou inerte.
Storm encolheu os ombros:
— Já deveria ter acontecido para eu saber o momento certo de aparecer. Você realmente parece saber como despertar a ira em Ren. Quanto à Lacey, ela está perfeitamente segura na presença dele.
— Desculpe, mas está difícil de acreditar em você, cara — Vincent quase vociferou, não querendo mais gastar tempo com aquela baboseira. Ele encontrou sua parcela de entidades poderosas, e pelo que sabia, nenhuma delas era capaz de reverter o tempo.
— Depende somente do que você decidir acreditar — Storm deu de ombros, sabendo o que estava por vir. — Se concordar em juntar-se à PIT, então terá a oportunidade de ver por si mesmo.
Vincent discordou, sacudindo a cabeça:
— Em hipótese alguma. Pode muito bem me colocar de volta no lugar de onde você me raptou.
A cara de Storm era de perturbação e ele não prestou atenção à pronta recusa:
— Só porque você esteve se escondendo entre os demônios não elimina a sua verdadeira natureza. Você já foi um cavaleiro de um dos reinos mais poderosos da história e salvou muitas vidas. Protegeu os fracos de seus opressores, e mesmo na hora da sua verdadeira morte, seguiu lutando contra um demônio que você sabia que não conseguiria vencer… tudo porque pensou estar protegendo uma criancinha indefesa.
— Como diabos você saberia disso — Vincent sussurrou, quando a lembrança vívida relampejou em sua mente.
— Talvez você compreenderia se eu me apresentasse devidamente — disse Storm, pouco antes de desaparecer.
Vincent recuou quando, de repente, Storm estava em pé ao seu lado, agarrando seu braço e a paisagem novamente mudou. Para a sua perplexidade, estavam de volta ao museu, escondidos numa câmara ensombrada. Ele olhou em volta da sala principal, vendo que os demônios ainda estavam se preparando para o leilão, que obviamente ainda não tinha começado.
Por instinto, mergulhou na escuridão quando David entrou na sala acompanhado dos mesmos demônios que o haviam torturado... Podia até visualizar seu sangue ainda fresco nas mãos deles.
O museu desapareceu e de repente estavam no escritório novamente.
— Meu nome é Storm e sou um Viajante do Tempo. Quando investigo o histórico detalhado de alguém, simplesmente verifico em pessoa.
Os lábios de Vincent se comprimiram... preso entre ficar abismado e de checar o estado de Lacey. Um Viajante do Tempo... PIT... Essa cidade começou a ficar bem mais interessante.
— Percebe que ainda está lutando para proteger alguém mais fraco que você... É apenas a sua verdadeira natureza. Vamos fazer um acordo — propôs Storm, sem sentir remorso em quebrar sua própria regra de fazer acordos, visto que nenhum dos dois era demônio. — Irei buscar Lacey imediatamente se concordar em juntar-se a nós. Afinal de contas... Lacey já é membro da PIT e o lugar dela é aqui conosco.
Vincent nem se deu o trabalho de refletir. Francamente... a essa altura, o que ele tinha a perder?

Capítulo 2
Com a palma da mão, Ren tocou na região lombar de Lacey e puxou-a para perto de si, fazendo com que o calor do corpo dela deslizasse pelo resto de sua coxa até o topo. Ren posicionou sua ereção contra a mão que o acariciava e intensificou o beijo com um rosnado agressivo, movendo-se num ritmo erótico ao qual ela estava correspondendo espontaneamente. A maior parte dos demônios havia dispersado, lhe permitindo sair do efeito hipnótico da sobrecarga de energia paranormal, mas ainda não queria revelar esse pequeno segredo a ela, por causa do novo barato que teve.
Lacey aquietou-se quando percebeu que não estava mais sentindo a sensação repulsiva e arrepiante causada pelos demônios do lado de fora da janela. Lembrando-se de que os demônios lhe provocaram um efeito dominó... Lembrando-lhe do fato de que apenas uns instantes atrás, os braços envolventes de Vincent tinham desaparecido misteriosamente. A cena surgiu em sua mente, fazendo-a recuar.
No instante em que parou de montar na coxa de Ren e retribuir o beijo com tamanha entrega, ele liberou seus lábios e afastou-se o suficiente para encará-la nos olhos. Vendo seu olhar assustado, Ren abaixou a perna, deixando Lacey escorregar para baixo até ficar de pé ali, tremendo, obrigando-a a segurar nos ombros dele para equilibrar-se.
— Somente estava tentando te acalmar — disse ela, sem fôlego. Em silêncio, desejava um calmante para si mesma, agora que suas coxas estavam de novo em chamas. Tentando se distrair, deu uma olhada ao redor de Ren, onde Vincent teria estado se não tivesse desaparecido. — Para onde foi Vincent?
Ren passou a mão na franja, quando percebeu que ela o beijara somente para desviar sua atenção. Ele suspirou, tentando ignorar o fato de que Nick e Gypsy ainda estavam abaixo deles... transando como coelhos. Seus lábios se comprimiram ao descobrir que era da energia dos membros da PIT que ainda estava se alimentando, visto que os demônios pareciam ter debandado.
— Storm o levou — Ren informou-lhe, como se não desse a menor importância.
Ele se negou a retroceder, fazendo com que ela precisasse deslizar para fora do espaço entre ele e a janela. Ele fixou seu olhar na marca de mão sangrenta na janela, para depois desviá-lo do vidro e seguir os movimentos de Lacey em torno de si.
— Levou-o aonde? — ela sussurrou, agora que estava de costas para ele. Sentiu um arrepio quase imperceptível quando ele a rondou por trás.
Ren introduziu seus lábios perto da concha da orelha dela e devolveu o sussurro numa voz rouca:
— Ouvi dizer que o Hades é agradável nessa época do ano. Talvez Storm o tenha teletransportado para lá para umas boas e longas férias.
— Provavelmente só o levou para o castelo — corrigiu Lacey, elevando um pouco a voz enquanto se virava para encará-lo, em vez de deixá-lo rondar por trás de novo. Droga, isso quase fez seus joelhos fraquejarem. — Ele podia nos teletransportar também — resmungou, sentindo suas bochechas flamejarem enquanto imaginava se Storm tinha visto seu ataque sexual a Ren e decidiu não interromper.
— Por que a pressa? — perguntou Ren, por hora despreparado para reconciliá-la com seu amante morto. Ele não conseguiu disfarçar um sorriso malicioso, sabendo que poderia transformar essa ideia fictícia em realidade, quantas vezes quisesse, tendo em vista que o babaca seria tolo o suficiente para ressuscitar todas as vezes.
Lacey baixou os olhos para o chão, localizando por acidente Gypsy e Nick novamente. Sentiu o calor se espalhar de novo nas bochechas:
— Só há uma cama aqui e acho que está ocupada. Além disso, quero me certificar de que Vincent está a salvo.
— Está tudo bem com Vincent — Storm lhe informou, depois de teletransportar os dois para o escritório do castelo, antes mesmo que Lacey terminasse a frase. Ele foi rápido em se teletransportar diretamente para a mesa, de modo a não ficar próximo da ira de Ren por causa da interrupção. Não era sua culpa Vincent ter permanecido corajosamente dentro da zona de perigo.
— Vinte e cinco minutos e treze segundos — disse Vincent, encarando Ren.
— O quê? — Ren resmungou, sentindo seu ânimo ficar exaltado, agora que o imbecil estava de novo em sua presença.
— Esse é o tempo que leva para ressuscitar de um pescoço partido — Vincent zombou. — Desculpe arruinar a sua curiosidade.
— Ren não parece ele mesmo — disse Lacey, metendo-se entre os dois, mas por estar de costas para Ren, era óbvio de que lado estava.
Vincent observou o sorriso lento e diabólico surgir nos lábios de Ren... pena que Lacey não podia ver. Tudo bem, ele sabia como golpear seres repletos de conversa fiada:
— Presumo que Ren não seja ele mesmo com frequência, visto que é um súcubo e passa o tempo numa cidade infestada de malditos demônios. Eu jamais confiaria nele.
— Bem... Que lástima, pois ele ajudou a salvar nossas vidas esta noite — Lacey rebateu obstinada.
— Não preciso de ninguém salvando a minha vida... ou se esqueceu da minha pequena deficiência? — bradou Vincent, chegando mais perto para encará-la, com faíscas no olhar. Ele viu os lábios de Lacey se abrirem numa inspiração profunda e logo se arrependeu de conhecer exatamente seu ponto mais vulnerável.
As feições de Vincent suavizaram quando ela avançou, como se fosse tocar na bochecha dele, mas o estrondo do soco que ecoou pela sala fez com que ele voltasse a franzir a testa com toda força. Bem... talvez ele tivesse merecido, mas não conseguia compreender por quê.
— Isso é por se matar bem na minha frente, seu palerma insensível — Lacey disse em tom severo, antes de completar mais alto: — E só porque não se lembra, não significa que eu o perdoei.
— Agora estou ciente — Vincent respondeu de modo sarcástico quando Lacey girou os calcanhares e em passos largos foi até a mesa à qual Storm estava sentado.
Lacey colocou as palmas em cima do móvel e inclinou-se para frente, a fim de sussurrar ao ouvido de Storm:
— Desculpe... Não era para dizer nada sobre isso... era?
Storm tentou como os infernos manter contato visual com ela, mas apesar disso, ainda podia ter uma visão geral dos seus seios, por causa da maneira como se inclinava, dentro do vestidinho sensual que escolhera para ela. Às vezes se superava.
— Alguém teria mencionado para ele, mais cedo ou mais tarde — respondeu, se teletransportando para o lado dela, mas agora defronte aos outros dois homens. Esfregou o queixo para esconder uma careta quando Lacey lentamente virou a cabeça para fixar seus olhos nele, mas ela não se levantou da pequena pose sensual. — Ren, que tal inserir no banco de dados a empreitada desta noite?
De repente, Ren estava à mesa, surpreendendo Lacey o suficiente para esta erguer o olhar até ele, e acabar percebendo que não a estava encarando. Lacey baixou a vista, confusa, e então ficou parada, só vendo onde ele a estava encarando... seus seios. Recusando-se a passar vexame, lançou a Ren um sorriso malicioso, antes de se levantar devagar e lhe dar as costas.
Storm ergueu a sobrancelha, achando graça quando Ren lhe deu um olhar acusador. Essa pequena delícia para os olhos não era culpa sua... pelo menos ele pôde ter um gostinho. Storm voltou a atenção para Vincent, que ainda estava ali parado, alisando o queixo pensativamente enquanto observava Lacey.
— Não quero falar sobre isso — Lacey lhe informou, terminando o interrogatório antes mesmo que começasse.
Vincent ergueu as mãos se rendendo:
— Beleza.
— Concordou em juntar-se à PIT? — ela perguntou, abrandando a voz. Tentou ignorar as bochechas dele, que agora apresentavam vários tons mais vermelhos devido a sua fúria.
— Reconheço que realmente amei — respondeu Vincent, sabendo agora que Storm havia lhe pregado uma peça com esse breve acordo. Era óbvio que Lacey não esteve em apuro algum e o Viajante do Tempo certamente sabia disso.
— Escute, lhe disse que ela estava bem — Storm defendeu-se com indiferença, quando Vincent lhe lançou um olhar taciturno.
— Qual é a pegadinha? — indagou Vincent, nem um pouco aborrecido por ter sido obrigado a fazer um acordo que o amarrava a um lendário Viajante do Tempo e à ardilosa organização PIT.
— Você precisa de um parceiro — Lacey logo respondeu, lembrando o raciocínio implícito da regra.
— Está se oferecendo? — Vincent sorriu com arrogância, a cada minuto gostando mais e mais do acordo.
— Não — Ren respondeu por ela. — Ela é minha.
Lacey piscou, reparando na possessividade da voz de Ren, mas tampouco o chamou de mentiroso. Ela dirigiu o olhar para Storm, curiosa:
— Já houve um trio? — ela não percebeu a inadequação da pergunta até notar a sobrancelha direita de Vincent se erguer bem alto e ouvir um rosnado baixo por trás de si.
— Nossa, caiam fora, seus pervertidos! Não quis dizer dessa forma e vocês sabem disso — ela insistiu, cruzando os braços por cima do peito. Pestanejou, tendo que bloquear todo tipo de pensamento sórdido que subitamente tentava ganhar forma em sua pequena mente suja.
Storm esfregou suas têmporas, tentando evitar o riso. Alguém tinha que defendê-la e parecia que teria de ser ele:
— Às vezes as equipes da PIT saem juntas em grupos e mesmo assim, sempre existe aquela pessoa especial em quem você fica de olho e vice-versa. Pois bem, sei quem é o parceiro temporário perfeito para Vincent, pois acontece que o parceiro dessa pessoa está desaparecido em combate no momento.
— Pois não parece que essa tal pessoa vigiava muito bem seu último parceiro... não é? — Vincent ressaltou, sentindo-se meio sarcástico, não ligando se eles gostaram ou não. Ele franziu a testa para Lacey ao imaginar desde quando ficara tão apegado a ela. O fato de ter notado um sinal de alerta quando Ren anunciou audaciosamente que “ela é minha” não era bom.
— É meio difícil manter a atenção num metamorfo que passou para o modo invisível. Estou certo de que Trevor está por aqui em algum canto, mas sob que forma nem eu mesmo sei — Storm justificou-se.
— Um metamorfo... sério? — perguntou Vincent, como se de súbito estivesse numa confeitaria paranormal com todo tipo de sabores exóticos. Ele entendeu que verdadeiros metamorfos não eram fábulas, mas os demônios da quadrilha de roubos haviam procurado um metamorfo há séculos e nunca tiveram sucesso em localizar esse enigma.
— Você o colocará junto a Chad? — indagou Ren, apesar de não estar contrariado pela ideia se isso afastasse Vincent de Lacey.
— Pense nisso... ambos parecem sofrer do mesmo distúrbio — Storm apontou solícito, sabendo que Ren apreenderia o sentido oculto.
— Você quer dizer que ele tem um fetiche por morte? — Vincent fez uma careta, porque esse era o distúrbio que, com razão, Storm o acusou de ter. Vincent ignorou o olhar incisivo e repentino de Lacey para ele. Ela detestava quando ele falava sobre morte como se não fosse algo sério. — Se você pretendia me colocar junto a um demônio, por que não me deixou com aqueles aos quais eu já estava acostumado?
— Chad é cem porcento humano, mas Storm está certo. Foi assassinado recentemente... por esfaqueamento no coração — Ren pausou, percebendo o olhar de advertência de Storm, e secretamente conectou-se à voz interior dele e acabou descobrindo que Storm não deveria dizer uma única palavra sobre os Fallen... nem Kriss, nem Dean. Ren teve que se concentrar para manter a compostura enquanto juntava as peças.
Retornando toda a atenção para Vincent, Ren continuou:
— Chad está de volta andando por aí e é tão humano quanto você. Por enquanto, Chad morreu somente uma vez e foi contra a vontade dele, portanto eu não chamaria de fetiche.
— A próxima vez que ele morrer, poderia permanecer morto... ou não — Storm sugeriu. — De qualquer forma, não estou autorizado a revelar spoilers.
— Ah sei — Vincent disse, sentindo seu sarcasmo voltar.
— Ele não está mentindo — insistiu Lacey, aproximando-se de Storm. — Se ele contar a alguém o que acontecerá no futuro ou mesmo fizer uma sugestão a respeito, ele começa a sangrar de ferimentos que não podemos nem ver.
Ela ergueu o olhar para Storm e estendeu a mão para tocá-lo carinhosamente no antebraço.
— Já vi isso acontecer — disse, triste. — Você infringiu a regra e sangrou por mim. Aquelas coisas horrorosas passaram todas por mim esta noite. Estaria morta agora se você não tivesse alertado Ren sobre o que estava por vir.
Storm tentou evitar que o amor brilhasse em seus olhos ao baixá-los em Lacey e sentir o toque terno dela..., mas a amava muito, então era difícil.
— Só de você estar aqui agora faz valer cada gota — disse, de forma sincera, antes de erguer o olhar para travá-lo com o de Ren. — Além do mais, as consequências de você morrer realmente eram péssimas e não é um spoiler, porque isso não aconteceu.
— Mas obviamente aconteceu e você apagou isso — Lacey lhe deu um sorriso de adoração, antes de chegar mais perto e lhe dar um abraço emocionado. — Você e Ren escolheram me salvar — corrigiu Lacey, antes de recuar para olhar Vincent. — Se Storm quer que fique com Chad, então provavelmente tem um bom motivo.
Vincent ficou sério, entendendo agora. Esses dois homens poderosos poderiam proteger Lacey bem mais do que ele jamais poderia... já tinham provado isso. Quem era ele para tirar esse tipo de segurança dela?
Suspirando de forma dramática, piscou para ela:
— Pois bem, me rendeu. Nós dois podemos ser as tietes do Viajante do Tempo — de propósito, deixou o nome de Ren fora da lista de tietes porque Vincent não se conformava com o fato do grandalhão ser namorado de Lacey... somente um baita de um guarda-costas.
Ren ignorou que podia ouvir os pensamentos interiores de Vincent, altos e claros. Em sua opinião, a batalha já estava ganha, por Lacey não haver implorado para ser parceira de Vincent.
— Então, concorda em se unir a Chad? — perguntou Lacey, com um sorriso alegre. Ela não ficaria zangada com Vincent nem se alguém lhe pagasse para isso... visto que o adorava tanto. Ela se encolheu quando a tela do imenso monitor na parede a sua direita de súbito partiu ruidosamente, soltando faíscas em forma de cascata pelo chão.
Ren esfregou o topo do nariz antes de olhar intensamente para o monitor quebrado, por tempo suficiente para consertar rapidamente os danos que causou ao aparelho.
Vincent lançou uma olhadela suspeita na direção de Ren, antes de retribuir o sorriso de Lacey:
— Claro, pelo que sei, Chad foi arranhado pelo gatinho de estimação de um demônio e agora tem sete vidas... opa, seis — retificou e deu de ombros. — Acho que posso instrui-lo.
Deu passos largos em direção à Lacey e destemidamente colocou o braço em volta de seus ombros, antes de ambos virarem com os rostos para Storm:
— Então, exatamente o que Chad faz para a PIT?
— Chad é um tira de alto escalão, embora seja um dos únicos tiras humanos que restam na cidade. Com inúmeros chamados de emergência, mais que por razões estranhas, tivemos que ocupar a cidade com policiais paranormais, juntamente à infiltração em equipes de resgate, hospitais e corpos de bombeiros — respondeu Storm.
— É compreensível — assentiu Vincent, calculando em silêncio quantos paranormais seriam necessários para realizar um truque como esse em toda a cidade. — Depois da debandada que testemunhei esta noite no exterior da Poção Mágica, é um milagre que os humanos não estejam caindo como moscas.
Storm começou a ficar esgotado de flutuar para dentro e para fora da sala tão rapidamente, que ninguém percebia o que estava fazendo. Felizmente, Ren estava muito ocupado para notar o estado enfraquecido de Storm, porque estava concentrado em Vincent, que mais uma vez tocava Lacey.
Com o foco de volta ao assunto, Storm continuou:
— É devido ao esforço conjunto da PIT que as perdas humanas têm sido mínimas, mas mesmo assim, essa quantidade faz os necrotérios transbordarem. Os demônios estão tentando ficar longe do nosso radar, mas não me entenda mal... é um trabalho muito perigoso e bem o seu estilo.
— É, a pior coisa que poderia acontecer é ser morto de forma dolorosa... repetidamente — concordou Ren, fazendo soar como se fosse a melhor coisa do mundo. Quem diria, ele podia ser tão mesquinho.
— Aah... Acho que acabei de ter calafrios... continue tentando — Vincent respondeu à provocação no tom mais entediado.
Storm interrompeu a guerra verbal deles, antes que escalasse para a primeira morte dolorosa de Vincent como membro oficial da PIT:
— Com a sua experiência com diferentes tipos de demônios e as possíveis fraquezas deles, você seria de muita ajuda. E não se preocupe... terá um arsenal e não me refiro ao armamento padrão da polícia... dispomos de um tipo que arruína o dia de um demônio.
Lacey olhou para Ren quando Storm mencionou armas. A verdade era que... ela estava olhando para a melhor arma deles; no entanto, depois do que aconteceu na Poção Mágica, ela compreendeu que ele também era uma bomba instável que poderia eliminá-los se perdesse o controle. Lembrando-se de como ela lhe deu esse controle de volta, corou e desviou o olhar.
— Mas não se esqueça — Storm avisou Vincent, — seu trabalho mais importante é manter Chad a salvo até que Trevor saia do esconderijo. Se não tomar cuidado e for eliminado por um demônio, isso deixará Chad sem reforço efetivo até você ressuscitar.
— Falando de armas — Vincent disse e deu um sorriso demorado para Storm. — Terminado o trabalho de babá, sugiro que nos juntemos para resgatar alguns itens bem raros que conheço... coisas que os demônios esconderam.
— Você honestamente pensa que se juntará a Storm? — perguntou Ren, com uma sobrancelha erguida, sentindo de novo uma necessidade irresistível de rasgar Vincent em pedacinhos.
Lacey fez cara feia para ele novamente, ouvindo os ciúmes em sua voz. O cara parecia ter uma enorme veia possessiva e obviamente não queria dividir ela ou Storm com ninguém.
— Miserável — acusou ela.
Ren encolheu os ombros:
— Só me surpreende o quão superior o novato se considera.
Lacey revirou os olhos:
— Ah, acabe com isso, que idade você tem... cinco? — ela se afastou de Vincent e se aproximou de Ren, procurando em seu rosto qualquer sinal de melhora de humor e de prova que sua teoria não estava errada.
— Sou bem mais velho que você — Ren caçoou dela, com um sorriso largo agora que Vincent foi deixado sozinho.
— Você fez o aquecedor de água quebrar enquanto eu estava no chuveiro — Lacey rebateu brincando, agora que ela tinha evidência de que sua aproximação era o equivalente a um calmante para ele. — Então, mentalmente, você é bem mais novo que eu.
— Posso levá-lo para conhecer Chad? — perguntou Storm, tentando distrair Vincent e mantê-lo fora da confusão. Lacey estava aprendendo rapidamente como acalmar o lado sombrio de Ren, mas Vincent era lento que só ele em acompanhar.
— É seguro deixá-los sozinhos? — murmurou Vincent, e então aumentou a voz com ousadia para chamar a atenção deles: — A propósito... tenho certeza de que sou mais velho do que qualquer um de vocês e ambos estão de castigo... embora talvez eu libere Lacey com umas palmadas, se ela concordar em se comportar. — E deu a Lacey um sorrisinho sugestivo quando ela se virou para lhe lançar um olhar arregalado.
Storm rapidamente estendeu a mão e teletransportou Vincent para longe do perigo, fazendo questão de lembrar a expressão no rosto de Ren. Talvez fizesse uma viagem especial de volta com uma câmera, ao mesmo tempo.
Incapaz de ignorar o estranho feixe de luz que o atingiu no rosto, Ren piscou. Em vez de agarrar o imbecil que pretendia ferir, acabou segurando o vácuo e olhando para um pedaço de papel flutuando a sua frente. Apanhou-o no ar, rosnando frustrado.
— O que é isso? — Lacey perguntou, completamente tranquila por Storm ter mais uma vez desaparecido com Vincent. Pelo menos ela confiava em Storm para mantê-lo são e salvo.
— Parece que seu ex-parceiro ficará fora de alcance pelo resto do dia — Ren franziu a testa, quando o bilhete evaporou de repente e foi substituído por uma imagem do seu rosto distorcido de raiva. Ha... Ha. Storm tinha muito senso de humor ultimamente. Ren sorriu maliciosamente quando a imagem virou pó e escorregou por seus dedos.
Ren virou a cabeça para avistar Lacey e notou que seus olhos brilhavam de humor. Ela ainda estava encarando a mão dele, onde a foto havia estado.
— Gostou disso, não foi? — ele perguntou erguendo as sobrancelhas.
Ela lhe dificultava manter a raiva. A veemente afirmativa dela era simplesmente linda.

Capítulo 3
— Preciso tirar essa roupa — disse Lacey, olhando para o vestido de festa que ainda estava usando. Estava muito bonito na primeira vez em que o colocou, mas depois da noite aterrorizante que teve, estava sujo e rasgado em alguns lugares, onde havia sido atingida pelos cabelos dos demônios.
Uma onda de necessidade sexual intensa a atingiu forte e Lacey olhou surpresa de volta ao rosto impassível de Ren. Teria vindo dela... ou dele? Não estivera pensando em sexo quando mencionou tirar sua roupa, mas caramba, como estava agora.
— E claramente, outro banho de chuveiro gelado seria bom — acrescentou, colocando a palma da mão nos músculos contraídos do estômago. Jamais tivera vergonha de falar sobre sexo, e não começaria a se conter agora. — Será que estou sugando essa necessidade sexual de você?
Ren praticamente parou de respirar quando imaginou tirar o vestido dela num movimento flexível, e então erguer seu corpo nu na mesa atrás. Ele pestanejou enquanto absorvia a franqueza da sua pergunta. A resposta foi um ressonante SIM. Ele sabia exatamente o que Nick e Gypsy estavam aprontando no abrigo nuclear, mas jamais passou por sua cabeça que ela também seria capaz de conectar-se às suas emoções ou desejos.
Felizmente, ela somente recebeu uma fração dessa habilidade, ou não duraria muito tempo no castelo. Ele fez uma anotação mental de perguntar para Guy se poderia criar algum tipo de feitiço ou encantamento para ela usar que atenuasse a habilidade, mas por hora, poderia pelo menos lhe dizer a verdade.
— Este castelo está cheio de paranormais com emoções intensas — ele lhe informou, tentando manter as próprias emoções sob controle. Pressentir que ela estava carente agora mesmo não ajudava e estava causando um efeito bumerangue entre eles. — Os paranormais têm emoções como os humanos. A diferença é que... sentem cada emoção mais intensamente do que um humano normal jamais sentiria... e você está se conectando a essa sobrecarga.
Ele foi em sua direção, se sentindo como um predador perseguindo a presa. Ren sentiu um sorrisinho de satisfação repuxando seus lábios quando ela se apoiou na mesa, bem no mesmo lugar em que ele havia imaginado a ter erguido.
— A raiva deles poderia fazer com que um humano normal começasse uma carnificina... e o tipo de amor deles é o que chamaríamos de uma obsessão perigosa — de repente ele se inclinou para frente, colocando as mãos na mesa em cada lado dela, para prendê-la por debaixo. Então introduziu os lábios bem perto da orelha dela: — E a luxúria carnal deles é tão quente, que chega a queimar.
Lacey fechou os olhos ao sentir seu bafo no pescoço. É, ele estava certo sobre a queimação, porque estava ardendo. Seus lábios se separaram à medida que a respiração acelerava:
— Os corpos deles devem ser hipersensíveis ao toque, porque seu bafo no meu pescoço me faz sentir bem o suficiente para não ser normal.
O rosnado que ouviu foi a única reação, mas o som era tão sedutor, que Lacey pôde ouvir a resposta nele. Ele estava tão próximo... e mesmo assim, ele não a estava tocando em lugar algum. Era como se ele tivesse completo controle, enquanto ela nadava num turbilhão de paixão, esperando pelo mais sutil puxão arrastá-la. Ela queria muito experimentar esse pequeno e delicioso efeito colateral... agora mesmo, se ele quisesse.
Mentalmente apagando da memória a sedução na Poção Mágica, há pouco menos de uma hora... uma vez que foi sob pressão, Lacey refletiu sobre a última vez em que se tocaram. Aconteceu bem aqui, nesse escritório. Acreditara que estaria morta pela manhã e queria passar as últimas horas imersa em prazeres sensuais com ele. Foi Ren quem pôs um fim nisso, porque podia ouvir os pensamentos dela.
Ora, ela não tinha mais uma ameaça de morte pairando sobre si graças a ele, portanto ele não podia ficar bravo com ela por isso. Se pudesse ter o que queria, Ren ficaria bravo por outro motivo e pela disposição dela, esperava que fosse grande e pulsante.
— Uma vez que foi você quem me concedeu o poder de ficar em chamas acidentalmente, desse jeito... pode me ajudar a extinguir o fogo, ou será que preciso encontrar outra pessoa disposta a ser meu bombeiro? — perguntou Lacey, recordando a agulhada da última rejeição.
Ren reforçou a pressão contra a mesa, quando o fluxo de calor que sentia rapidamente se tornou quente como a fúria do inferno. Teria ela realmente acabado de ameaçar procurar alguém para saciar seu desejo? A imagem dela e Vincent fazendo amor no passado recente dilacerou pela cabeça dele como uma locomotiva.
Devia tê-la avisado sobre o ciúme extremo, mas era irrelevante, pois ele parecia ser o único a estar sentindo essa emoção em particular.
— Ensinar-lhe-ei não apenas como usar os poderes que despertaram dentro de você, mas como controlar os poderes que colocarão outros em perigo — ele murmurou com fingimento.
Lacey piscou quando Ren a puxou para perto e ela observou o escritório desaparecendo na distância. Em segundos, encontrou-se no mesmo quarto em que havia acordado... o dele. Seu olhar se desviou para a cama, na esperança de que finalmente conseguiria o que desejava em segredo, desde que o encontrou. Em vez disso, ele agarrou seu braço e a puxou para longe da cama, fazendo ela franzir a testa, confusa.
Ao ser lançada no banheiro anexo, não pôde conter o grito de choque, quando de repente se encontrou debaixo do chuveiro de água gelada caindo em cascatas por cima da cabeça. Tremendo, estendeu a mão e desligou a água, percebendo que ainda estava completamente vestida. Ela agora encarava a reação da sua pele sensível de forma totalmente diferente. Aquilo fora mais gelado do que gelado jamais poderia ser considerado.
— Pra que diabos foi isso? — exigiu Lacey, fixando o olhar em Ren, com assassínio em mente.
— Primeira lição — rosnou Ren, inclinando-se para ela, para dar ênfase, — não deixe o calor sexual absorvido te atingir a ponto de querer dormir com qualquer um para matar a vontade.
O olhar fixo de Lacey não se atenuou enquanto seus dentes rangiam:
— Você está certo. Que diabos eu estava pensando em te pedir? Prometo, na próxima vez escolherei melhor — ela esperou pela resposta dele, mas deparou-se com completo silêncio, o que a deixava um pouco tensa, e o fato de não poder ver seus olhos por causa dos ridículos óculos escuros, também não ajudava.
Ela desejava saber para onde foi o desejo que Ren sentira há um instante e por que diabos fora repentinamente substituído por ódio. A emoção era tão forte que lutava para contê-la. Ela se dedicou o ano passado a proteger seus pensamentos e emoções de pessoas perigosas e agora era quase uma especialista nisso... exceto perto dele, por alguma droga de razão.
Em vez de golpear o grande paspalho como queria, segurou a porta fosca do chuveiro e bateu com ela na cara dele, de modo a não ter que encará-lo. Tirando o vestido, atirou a coisa encharcada por cima da porta do chuveiro, e sorriu com desdém, quando o som da água lançada batendo em algo alcançou seus ouvidos. Esperou que o esguicho frio o atingisse bem no rosto. Ele pediu por isso e muito mais.
Dando uma olhadela de novo no vidro fosco, Lacey quis comemorar, quando viu o formato distorcido do corpo de Ren e pôde ver que estava retirando os óculos escuros para secá-los. O gostinho de vingança arrefeceu sua raiva por agora. Ligando a água quente, Lacey entrou por debaixo e gemeu de êxtase enquanto ela aquecia seu corpo frio.
Ren cerrou os dentes, ainda fervilhando pelo modo fácil com que ela lhe informou que pediria ajuda de outra pessoa na próxima vez que ficasse com tesão. Jogá-la no chuveiro gelado tinha sido uma ideia do seu temperamento e esse nunca tinha sido muito esperto. Teria que reparar o erro antes que ela tentasse cumprir a ameaça... tentar sendo a palavra-chave, porque ele jamais permitiria que outra pessoa a tocasse daquele jeito.
Seus lábios se abriram para adverti-la que estaria dando uma sentença de morte a qualquer um que tentasse seduzir, mas rangeu os dentes para evitar que palavras iradas saíssem. Ela apenas tomaria isso como um desafio de qualquer forma, e provavelmente correria direto para seu amorzinho, visto que matar o imbecil não faria diferença.
Ren passou a mão pela franja para afastá-la da visão e começou a andar de um lado para outro, enquanto pensamentos corriam em sua mente. Era verdade que teria de testar os limites dela, sobre quanto do mundo a sua volta estava computando. A última coisa que precisavam era ela entrar num estado de fúria sangrenta, apenas porque o demônio dentro dela estava de mal humor. Ele esteve praticando isso por bem mais tempo do que ela... e seria ele quem lhe ensinaria a lidar com isso.
Seu andar desacelerou ao perceber que ela não era a única precisando de controle sobre coisas novas. Céus, ele nem mesmo saiu do banheiro para que ela pudesse tomar banho em paz. Será que temia não ficar de olho nela? Novamente... a resposta para essa pergunta era óbvia.
Devagarinho, Ren dirigiu o olhar ao vidro levemente fosco que os separava. Sua visão era boa demais para ficar ali dentro.
Com um suspiro frustrado, rodou nos calcanhares e saiu do banheiro em longos passos rápidos. Precisava se distanciar da nudez dela para pensar claramente. Ele parou no meio do quarto quando percebeu a presença de Storm, que estava casualmente encostado à cabeceira da cama, com umas sacolas de compra aos pés.
— Vou ser breve, porque em alguns minutos, ela vai sair dali pelada e botando a culpa em você — Storm sorriu de zombaria, sabendo que o amigo passava por maus bocados. Parecia que nenhum deles estava tendo um dia bom, mas o de Ren estava prestes a encurtar bastante.
— Nesse caso, fique à vontade para se apressar, antes que eu mesmo teletransporte seu traseiro lento para fora daqui — afirmou Ren, retribuindo o sorriso de zombaria que rapidamente desapareceu dos lábios, quando percebeu exatamente como Storm sabia que Lacey apareceria nua. Ele baixou a cabeça, vendo o sangue acumulado na orelha de Storm, quando o Viajante do Tempo desviou o olhar.
— Ela precisará dessas coisas — disse Storm, apontando para as sacolas antes de desaparecer.
Ciente de que Storm estava evitando a bronca que estava prestes a dar nele, não melhorava nem um pouco o humor de Ren. Que raios Storm estava fazendo que o deixava sangrar? Aproximou-se para espiar nas sacolas, vendo as roupas dentro. A imagem o fez lembrar de que no momento, ela estava coberta só de água.
Lentamente, olhou de novo para a porta que os separava, cogitando se não deveria simplesmente deixar as roupas no local exato onde estavam.
O ritmo cardíaco de Lacey ainda acelerava enquanto se ensaboava e esfregava sua pele febril, em movimentos ligeiros, quase dolorosos. Estava uma fera, e por incrível que pareça, intensamente excitada de novo, o que a irritava ainda mais. Maldição... até a dor de esfregar forte lhe dava uma sensação prazerosa.
Era culpa do Ren. Tinha certeza de que havia sido a necessidade sexual dele que ela estivera sugando no escritório, então. O anseio tinha sido tão forte que podia sentir seu gosto. Também era inconfundível o fato de que ele ficara excitado quando a pressionou contra a mesa daquele jeito... a enorme protuberância em suas calças era incontestável.
Como ousa ele lhe dar sermão sobre controle, quando ela acabava de vê-lo descontrolar-se na Poção Mágica, apenas um tempinho atrás? Fechou os olhos e mordeu o lábio inferior, tentando reprimir um gemido quando essa pequena recordação transmitiu um raio de grande calor branco direto ao seu abdômen e baqueou forte contra seu âmago.
Que se dane. Ela gostaria que funcionasse de ambos os lados, para que pudesse se vingar da frustração sexual que estava vivenciando. O pano ensaboado pausou logo abaixo de seus seios, ao se aquietar. Talvez fosse uma via de mão dupla. Ele sugava as emoções de outras pessoas, então quem era ele para dizer que não sentiria sua excitação agora mesmo... especialmente se ela a ampliasse, de propósito. Nenhuma mulher de sangue quente no seu juízo perfeito estava acima de se masturbar, se não tivesse quaisquer outras opções.
Seus ombros encolheram, tentando entender por que estava procurando arrumar briga com o homem que salvou sua vida há algumas horas. Evidentemente ele era mandão e podia ser um babaca total, mas Ren não se resumia a isso e ela sabia. Devagar, estendeu a mão e ligou a água fria, levantando o rosto para o jato gelado.
Ren abriu os olhos quando sentiu a excitação dela esvanecer, e acabou se deparando já com a mão segurando a maçaneta da porta do banheiro. Sabia muito bem que perderia essa pequena batalha de vontades, se ela aparecesse nua como Storm havia sugerido. Deu a volta e olhou fixamente para as sacolas de roupa que Storm havia trazido para ela.
Lacey tremeu e desligou a água, antes de levantar os olhos para o vestido úmido que Storm lhe havia dado. De jeito nenhum rebolaria de volta à essa coisa. Do seu ponto de vista, apenas duas coisas poderiam acontecer se ela saísse dali completamente nua... ou transariam ou ele atiraria algumas roupas tamanho extra nela.
Podia até imaginar a cara dele e sorriu maliciosamente, pensando por que toda vez que decidia ser comportada, o destino lhe apresentava a oportunidade perfeita de ser bem travessa.
Saindo do chuveiro, enrugou a testa ao ver várias sacolas de compra deixadas na longa pia de mármore. Levou só um instante para examinar o conteúdo e chegar à conclusão de que era exatamente isso que teria escolhido se ela mesma tivesse feito as compras.
Seus lábios se abriram quando lhe ocorreu justamente quem a havia prevenido de praticar a maldade na frente de Ren. Apressadamente, vestiu as roupas, imaginando que se Storm a queria vestida ali, provavelmente tinha um bom motivo. Finalmente vestida e sentindo-se um pouco mais no comando, olhou para o espelho, avistando a porta atrás dela, e seus pensamentos imediatamente se voltaram para o homem que estava esperando logo do outro lado.
Ela realmente precisava parar de provocá-lo dessa forma. Além do mais, não era tão divertido assim, visto que ele tinha um jeito de vencer todas as discussões. O banho gelado foi um pouco brusco, mas ela não era idiota... sentira o calor da raiva dele assim que o ridicularizou. Relembrou suas palavras exatas:
— Uma vez que foi você quem me concedeu o poder de ficar em chamas acidentalmente desse jeito... pode me ajudar a extinguir o fogo, ou será que preciso encontrar outra pessoa disposta a ser meu bombeiro?
Apenas dissera nesse tom em legítima defesa, visto que ele a recusara na primeira vez que ela queria fazer sexo. Mas em toda honestidade... ela também estivera brincando, esperando que ele concordasse em ser seu bombeiro. Vincent sempre aceitou calmamente suas brincadeiras e até brincava de volta, mas ela compreendeu que era porque eram mais amigos do que verdadeiros amantes... teria de lembrar-se disso.
Ren havia lhe dado uma parte de si mesmo para salvar sua vida, e ela podia sentir o forte vínculo que agora os atava... mais íntimos do que ela e Vincent jamais haviam sido. Ela queria somente Ren, e podia ver que ele a queria também... sua possessividade era evidência disso. Respirou profundamente, depois ajeitou o cabelo para cima, decidindo que se o quisesse, então teria de seduzi-lo até ele não aguentar mais. Jogando um beijo para si no espelho, virou e foi até o quarto onde estava a enorme cama.
Sua teoria de precisar estar vestida provou ser correta, quando ao sair do banheiro, acabou vendo o quarto de Ren sumir a sua volta.

Capítulo 4
Angélica passou pela porta de seu quarto e apressadamente fechou-a atrás de si. Deslizando a tranca na posição, encostou a testa na madeira espessa, desejando que fosse feita de algo mais resistente... talvez titânio.
Soltando um suspiro profundo, franziu e afastou-se da porta, mantendo o olhar na tranca como se fosse sua única esperança. De certa forma, era. Aquela pequena tranca era a única coisa entre ela e o anseio que tinha de ver Syn, agora que ele não estava ali, a observando... a perseguindo.
Levantando a mão, esfregou a têmpora direita em pequenos círculos raivosos, tentando reconstituir o fato de que acabara de fugir do homem... ou seja lá o que ele fosse, para agora acabar sentindo tanta falta dele que seu peito estava realmente doendo.
— Não preciso de ninguém — Angélica lembrou a si mesma, mas seus dedos pausaram em semicírculo. Sacudiu para baixo a mão que estava na têmpora, saboreando a mentira contida nas palavras. Tendo em vista que sentia os sintomas de abstinência, poderia muito bem rotulá-lo como era... um vício.
Vagarosamente recuando para mais longe da porta, fechou os olhos, deixando os pensamentos se tornarem intensos. Não precisava de um gênio para enxergar que Syn a estava deixando confusa, e céus a ajudassem se não estivesse começando a duvidar de si mesma. Era um limite perigoso de ultrapassar, porque se ela ousasse... não haveria volta.
Não deveriam ser parceiros... por que Storm não previu isso? Tudo o que Syn havia realizado dentro daquele túnel era fazê-la de idiota. Não era como se ele realmente precisasse de um parceiro, quando tudo o que teria de fazer era colocar uma porcaria de barreira ao redor das saídas e o trabalho estaria findo.
A lembrança voltou para atormentá-la como um pesadelo vívido. Abaixo, nos túneis sob o museu... tinha sentido uma sensação intensa de claustrofobia envolvê-la, enquanto o teto do túnel fez um estrondo e se rachou. Era uma sensação sinistra perceber que estava pisando na própria sepultura.
No momento em que grandes pedras pontiagudas começaram a se romper e cair em volta dela, viu uma série de demônios correndo na escadaria oculta, tentando escapar para dentro dos túneis... e ela estava exatamente no meio do caminho deles. Uma onda gigantesca de destroços os seguia, devorando aqueles que não eram ligeiros o bastante para escapar.
Ela ficou paralisada no local, absolutamente aterrorizada, quando de repente, braços a envolveram e a escadaria evaporou na distância, antes de desaparecer por completo. Angélica tremia de novo e colocou os braços em volta de si, rememorando a sensação do túnel desmoronando ao seu redor, mas o que viria em seguida seria sua verdadeira desgraça.
Quando seu mundo se estabilizou novamente, verificou que eles estavam no telhado de um prédio, e não embaixo dele. Ainda sentindo a leve vibração sob seus pés, virou-se bem a tempo de presenciar o desmoronamento do museu para dentro dos túneis subterrâneos, em que segundos antes estivera pisando.
Devagarinho, olhando de novo para o peito caloroso em que estivera apoiada, notou que suas mãos estavam empunhadas na camisa dele, revelando que estava assustada e que precisava dele. Nesse instante, não queria nada mais do que se esconder nos seus braços fortes e ficar ali... onde nada poderia lhe fazer mal.
Ela então cometeu o erro de olhar para o lindo homem a quem estava se agarrando. As pontas do seu cabelo negro se ergueram ao vento que soprou do desmoronamento do prédio, mas ele parecia tão irracionalmente calmo... ou pelo menos assim lhe parecia, até encarar aqueles olhos de ametista que a fitavam de volta, cheios de fogo e energia selvagem.
Recordou a primeira vez em que teve uma visão assustadoramente linda dele... na caverna, na mesma noite em que o símbolo apareceu na palma da sua mão.
Sua respiração acelerou quando baixou o olhar para seus lábios sensuais. Ao perceber que o desejava, recuou um passo rápido para trás, negando o fato. Assim que se libertou dos braços dele, Syn abaixou-os... seus olhos logo tornando-se escuros e melancólicos... um pouco perigosos; ela teve que conter um calafrio.
Livrando-se dessa recordação, Angélica ergueu a palma da mão, vendo que nada mudou desde o primeiro encontro deles... o símbolo ainda estava lá, em detalhe impecável. Já estava ali há algum tempo. Encolheu por dentro, quando lhe ocorreu que ela nunca tinha feito nenhum esforço real para removê-lo.
Syn lhe contou que havia lhe dado o símbolo para proteção e por alguma estranha razão, ela acreditou. Desde quando começou a confiar tanto nele?
No passado, ela teria questionado cada avanço, cada motivo de uma criatura tão poderosa quanto Syn. Mas nas últimas duas semanas, sua habitual natureza desconfiada ficou em segundo plano diante da curiosidade e do calor com que Syn a alimentava.
Os membros da PIT normalmente a descreviam como uma solitária, que não se interessava em fazer amizades. Esse era o modo como queria ser vista por todos... para manterem a distância. Desde o aparecimento de Syn na sua vida, ele a deixou se sentindo exposta. Ela estava começando a ficar obcecada por ele, tanto quanto ele parecia estar obcecado por ela, e queria que isso parasse... ou não? A dor em seu peito parecia se espalhar por alguns centímetros, ao pensar nisso.
— Bem-vinda à terra da confusão... população: 1 — informou ao silêncio da sala, depois fez uma careta ao ver como soava patética. Era mais forte do que isso.
Angélica olhou a marca na palma da mão, imaginando se não era ela a causa das sensações estranhas que estava tendo por ele... da mesma forma que um feitiço de vampiro funcionava. Afinal... Syn não era o progenitor da raça dos vampiros? Precisava parar de ignorar esse pequeno fato negativo. Ele já havia admitido que não ligava para a guerra contra os demônios... então por que estava aqui, a distrai-la? Por que estava ajudando somente ela?
— Isso começou com você — acusou o símbolo.
Levantando a outra mão, levou-a sobre o desenho complexo na palma da mão, pretendendo tratá-lo da mesma forma que trataria qualquer outra marca de demônio que havia removido de vítimas no passado.
A ponta do dedo indicador pairou sobre o formato da marca, sondando pelo menor sinal maligno para se conectar a sua procura. Seu rosto enrugou levemente, sem más intenções sob suas feições. Concentrando-se mais no complexo símbolo, mordeu o lábio inferior quando começou a seguir o caminho profundo, até poder finalmente superar sua barreira poderosa.
Seus lábios se abriram e inspirou fundo em face das sensações que logo a inundaram. Houve um momento de vertigem, seguido de um forte puxão vindo do selo, no mesmo instante em que seus poderes se conectaram a ele. A ação a surpreendeu tanto que ela de fato entrou em pânico e sacudiu seu poder de volta, sentindo a magia do símbolo açoitá-la e lamber sua pele, antes de desaparecer de volta da onde quer que tinha vindo.
Se ela não tivesse juízo, juraria que a maldita marca acabava de sentir seu gosto.
Syn surgiu silenciosamente por trás de Angélica, tendo sentido ela manipular a conexão que lhe possibilitava acessar o poder dele, para sua própria proteção. Pensou em deixá-la sozinha por algumas horas, para que pudesse recuperar a calma, depois de ver a rejeição dela mais uma vez. Porém, por ela violar o selo dele na palma da sua mão, inconscientemente invocou-o para lá para presenciar sua tentativa inútil de quebrar o vínculo entre eles.
Isso fez a raiva dele ressurgir... será que ela estava ansiosa de se livrar dele para poder parar de mentir a si mesma? Depois de procurar por tantos milênios e finalmente encontrá-la, não iria deixá-la romper nem mesmo a mais leve conexão que conseguiu reformular com ela.
— Covarde — Angélica se autocriticou sobre sua reação e abriu a mão em punho para tentar de novo. Tomou um fôlego profundo quando o selo instantaneamente começou a reluzir com poder revigorado.
— Por que você não tenta descontar sua frustração naquele que a causou? — perguntou Syn, logo atrás dela.
Angélica se encolheu diante da proximidade imediata dele e girou para colocar o olhar fixo em seu perseguidor. Era difícil segurar o olhar, uma vez que ele parecia muito mais bravo do que ela.
Antes de perceber as intenções dele, ele a fisgou pela cintura com um dos braços e a puxou contra seu corpo rijo. Ela prontamente pressionou a palma da mão contra o peito dele, para manter alguma réstia de distância entre eles. Francamente, se ele estava tentando deixá-la maluca, então faria uma viagem curta.
— Você está certo. Devo descontar em você — ela disse sugestivamente e empurrou-o para longe, surpreendida quando ele soltou tão facilmente, que quase perdeu o equilíbrio. Cerrou os dentes, tentando esquecer a decepção bizarra que estava sentindo porque ele a soltara tão depressa.
Fechando a mão em volta da marca na palma da mão, ela disse a primeira coisa que lhe veio à mente. — Que diabos você fez comigo?
— Eu te assusto? — perguntou Syn, encostando contra a cabeceira da cama dela e cruzando os braços sobre o peito.
Angélica foi tomada de surpresa pela pergunta, fazendo com que enrugasse a testa levemente ao ver os braços cruzados dele, antes de erguer o olhar para encontrar seus luminosos olhos de ametista. Estavam brilhando de um jeito que ela juraria que era de raiva, mas ele parecia tão calmo que foi sereno.
— Não tenho medo de você — ela lhe informou com audácia, depois recuou rápido, quando ele se moveu da cabeceira e se dirigiu em sua direção.
— Não fiz nenhum mal a você — Syn defendeu-se, com um rosnado contido de maneira insatisfatória, sabendo que já tinham vivido essa situação. Ela lutou com ele no passado até perder a sanidade, antes de finalmente admitir derrota, e ele não estava interessado na repetição desse fato. Ele sentiu uma estremecida mental ao lembrar como essa história terminou. — Você é a única razão de eu estar aqui.
Angélica sacudiu a cabeça, rejeitando a responsabilidade de ser a razão de qualquer coisa para qualquer um. Colocou tantos muros a sua volta que o único que esteve perto de rompê-los foi Zachary. Ou, para ser honesta, foi o alter ego Zach que os atravessava sem piedade. Entristeceu-se momentaneamente pelo fato de agora sentir falta da amizade e dos conselhos indesejados dele.
Os olhos de Syn entrecerraram, ouvindo o luto dela por causa da intimidade que tivera com a fênix. Era lamentável ela ter esquecido que ele, Syn, era um homem muito possessivo e jamais dividiria ela com outros. Ele havia matado para ficar com ela antes, e mataria de novo, sem hesitar.
Empurrou seu poder para dentro quando ele tentou incidir na recordação, e Syn percebeu que estava próximo do seu limite. Como teria ela o reduzido a esse estado impaciente tão depressa?
— Você não veio aqui por minha causa — Angélica amarrou a cara, enfatizando o que pensou ser óbvio. — Veio porque seus garotos estão aqui, e devo acrescentar, parecem ter a mesma idade que você... mais como seus irmãos, e não filhos seus. E agora está permanecendo aqui para ajudar Storm a lutar contra os demônios — sua voz esmoreceu, quando suas costas bateram na parede, ao mesmo tempo em que as palmas das mãos dele encostaram nela, em cada lado... prendendo-a de modo eficiente contra a pedra pintada do castelo.
— Meu colega é quem está ajudando Storm... não eu — Syn rosnou asperamente. — Estou aqui apenas para protegê-la de ser morta à toa de novo!
— Nunca me mataram — revidou Angélica, negando, depois se encolheu quando a parede rachou sob as palmas das mãos dele, fazendo com que linhas tortas se esgueirassem pela pedra, perto da cabeça e dos ombros dela.
— Pare — ela murmurou, mal soprando a palavra.
Havia definitivamente algo de errado nele, mas em vez disso assustá-la... estava, de súbito, partindo seu coração. Ela abrandou a respiração, querendo ser cuidadosa agora, pois sentiu que se não fosse, aquele homem poderoso a sua frente se despedaçaria e isso seria o começo do seu mais genuíno medo.
— Eu vou te segurar até eu me acalmar — Syn avisou, assim que se inclinou para frente e a arrastou para si.
Quando Angélica não lhe resistiu, Syn sentiu um pouco do sofrimento opressivo sair dos seus ombros tensos. Ela podia não se lembrar da própria morte, mas era uma lembrança que ele ainda se esforçava em manter enterrada dentro de si... para sua própria sanidade. Mantendo-a presa, lentamente se abaixou até os joelhos, puxando-a para baixo da parede com ele. Ele deixou uma mão trêmula percorrer por cima e por baixo do cabelo negro e sedoso dela, pressionando suas bochechas na curva de seu pescoço, e colocando seus lábios contra sua têmpora enquanto fazia isso.
Angélica pestanejou quando sentiu o corpo dele estremecer contra o dela e sua respiração ofegante na orelha. Era como se ele estivesse lutando contra algo que ela não podia ver. Usando isso como motivo para ceder por enquanto, aos poucos relaxou o contato com ele, e o deixou abraçá-la. Ficou espantada por quão aquecida e protegida rapidamente se sentiu, ao ser abraçada por ele. Ele era bastante alto e forte, ainda assim ela podia sentir seu comedimento enquanto a abraçava.
Criando coragem para satisfazer sua curiosidade, ela manteve a voz suave e calma quando falou:
— Não entendo o que fiz para ganhar a sua atenção.
— Não... você não entenderia — concordou Syn e delicadamente beijou o cabelo negro dela, antes de colocar suas bochechas contra ele.
Uma parte dele não queria lembrá-la do passado maculado deles... não queria ver o lampejo de ódio nos olhos dela pelo que ele fez. Não quando não tinha intenção de pedir seu perdão. Tinham merecido morrer... todos eles.
— Você não é muito útil — acrescentou Angélica, sentindo-se um pouco esgotada de todos os surtos de adrenalina que experimentou nas últimas horas.
Ela não havia mentido... não estava com medo dele... nem tanto. Havia testemunhado ele quase se matar para trazer de volta à vida um quarto cheio de crianças assassinadas. Como ela podia verdadeiramente temê-lo, quando era tudo o que podia fazer para evitar sua aproximação? Teria de encontrar um meio de distanciar-se dele de modo permanente.
— Você é cruel comigo, Angélica — sussurrou Syn, tendo ouvido seus pensamentos mais profundos. — Se mantiver sua alma aprisionada... saberá o quão cruel você me tornou.
Seu medo aumentou com as palavras dele, e Angélica tentou afastar-se para longe, em vão. Queria ele levar sua alma como levou de tantos outros humanos? Era essa a verdadeira razão de a estar perseguindo?
— Você não tem direito à minha alma, nem nunca terá — insistiu ela, quando seu instinto de lutar ou fugir surgiu, intensificando sua luta.
— Ah não? — Syn rosnou, sentindo que perdera a sanidade. — Quer que eu destrua outro mundo só para provar a você?
Angélica arregalou os olhos e se deteve. O que quis dizer com destruir outro mundo? Igualmente rápida, ela decidiu não perguntar, porque realmente... quem gostaria de saber? Sentiu o medo indesejado a agarrando, mesmo depois de empurrar as perguntas inquietantes para dentro do lado mais obscuro da sua mente.
Ele podia sentir a respiração dela acelerar, soprando contra seu pescoço suavemente, e embora a sensação fosse tranquilizadora, estava esquentando seu sangue, o que não era bom para seu autocontrole nessa hora. Esse mundo o manteve à distância por tempo suficiente. Syn a segurou mais forte e se curvou em sua volta de maneira protetora, quando as pequenas lâmpadas do lindo candelabro no centro do quarto estouraram, projetando uma série de chuvas rápidas de fagulhas se derramando, que depois se dissiparam.
Angélica começou a olhar para o teto, mas Syn não lhe permitia erguer a cabeça, então ficou colada a ele, imaginando o que fazer. Amanhecia agora, o quarto levemente sombreado, em vez de totalmente escuro.
— Estamos brigando? — ela perguntou num sussurro. Porque se estavam, ela já sabia que perderia.
— Não — ele resmungou rudemente, e depois lançou um olhar para o espelho oval da penteadeira quando o móvel se atreveu a rachar com um estalo forte.
— Pois então, que tal me dizer qual é o problema antes de você destruir meu quarto de novo? — Angélica reclamou, antes de poder se controlar.
Syn congelou ao ouvir ela dizer... de novo. Estava ela afinal recordando coisas que não haviam acontecido nessa existência... ou mundo, nesse caso? Será que sua alma era forte bastante para, enfim, sacudir a jaula da sua prisão mortal? Cuidadosamente, fechou a mão em punho nos cabelos negros em que seus dedos estavam enrolados, para que pudesse inclinar-se para trás e procurar a verdade nos olhos dela.
— De novo? — a voz dele soava atormentada até para si mesmo.
— O quê? — Angélica indagou, confusa. Cruzes... ele estava, por todos os lados, dificultando para ela acompanhar. Era muito exaustivo.
— Você falou para lhe dizer qual era o problema antes que eu destruísse seu quarto... de novo — repetiu ele, colocando ênfase nas palavras “de novo”.
— Falei? — Angélica murmurou, sentindo arrepios na pele dos braços. Seus lábios se abriram para negar, mas tinha dito “de novo” e não podia voltar atrás agora, porque repentinamente parecia ser verdade.
Syn deixou a frustração se esvair e um lento sorriso afetado tocou seus lábios. Ele havia destruído o quarto dela em mais de uma ocasião, e embora não tivesse como saber qual recordação estava tentando irromper, já não se importava mais. Boa ou má, ele a aguardava ansiosamente, além da batalha que eles provavelmente travariam sobre ela.
A alma de Angélica era seu eu mais profundo e já o tinha perdoado... era o resto dela que ele teria de forçar para se render.
Percebendo-o sorrir com desdém diante da sua perplexidade, Angélica afastou-se, dando graças que ele soltara seu cabelo antes que tivesse torcicolo.
— Ótimo, gosta de redecorar quartos no seu tempo livre... não importa. Se não for embora e me deixar descansar, eu vou te redecorar — ela franziu a testa quando ele sumiu em seguida, deixando um riso de despedida ecoar pelo quarto.
Angélica escutou o riso carinhoso até este dissipar para longe. Ela não podia se lembrar de ouvi-lo dando risada assim sequer uma vez... ou mesmo genuinamente sorrindo. Então por que o som fazia seu peito doer, como se ao mesmo tempo ela tivesse recuperado e perdido algo querido.
Sentindo-se esgotada, rastejou até a cama e chegou até o colchão, esforçando-se em ignorar a sensação de estar caindo para trás durante todo esse tempo. Ela visualizou um clarão vago do sorriso afetuoso dele... o mesmo sorriso que há pouco afirmara nunca ter testemunhado. A breve visão fez com que ansiasse por mais.
Fechando os olhos de exaustão, desistiu e permitiu-se seguir seja lá o que fosse que mexia com ela.
Syn voltou a aparecer no telhado do castelo. Ele notou um indício mínimo de ametista cintilando nos olhos negros dela, e decidiu não a distrair enquanto organizava seus pensamentos. Ele tinha visto a cor das írises de Angélica mudarem antes, mas só quando ela usava seus poderes. Parecia ser a única vez em que se permitiu sentir a alma poderosa que tinha aprisionado dentro dela.
Ele entendeu porque ela inconscientemente protegia sua alma de um mundo em que a vida mortal e o falecimento aconteciam num piscar de olhos. Era puro instinto, mas aquele medo deixou de ser válido. No instante em que ela havia chamado por ele, daquela caverna escura... ele havia lhe mandado seu poder na forma da marca na palma de sua mão. Depois, ele tinha reforçado esse poder soprando sua força vital nela... embora ela não soubesse o significado dessa troca.
Angélica agora tinha habilidades que nem mesmo conhecia e ele não havia lhe ajudado a descobrir puramente por egoísmo. Ela já era muito independente para seu gosto. Apesar de o tempo não ser mais seu inimigo e a maioria das lesões cicatrizarem instantaneamente... ela ainda corria perigo por parte dos poderosos imortais, que declararam guerra a essa cidade.
Havia mais uma coisa que poderia fazer por ela, que igualaria as chances, mas ele estava tentando ser paciente, ciente de que ela ainda não estava pronta para os efeitos colaterais de misturarem seus sangues. Ele tinha cometido esse erro antes. Não era o mesmo, como no caso de seus filhos partilharem seus sangues com suas almas gêmeas.
Ele baixou o olhar para o telhado, ouvindo o silêncio vindo do quarto abaixo. Além de tudo, se ele a mordesse agora, ela veria isso como prova de que ele era exatamente aquilo de que havia se convencido... um monstro.
Ser amável com ela era o mesmo que colocá-la em risco, e não precisaria muito para instigá-lo a tornar-se o monstro do qual ela necessitava. Afinal de contas... ele já fizera esse papel antes.

Capítulo 5
Kriss estava defronte à imensa janela panorâmica da cobertura, segurando com uma mão uma garrafa da célebre Heat de Kat e com a outra, uma enorme taça de vinho. Queria ficar bêbado, mas seu inoportuno metabolismo acelerado não lhe permitia alcançar o alívio que desejava, não mais que alguns instantes por vez.
Frustrado, apertou a taça, despedaçando-a na palma da mão ao recordar o rosto de Vincent pela primeira vez em muitos anos. É verdade que Vincent não lembraria o encontro, uma vez que Storm voltara o tempo para trás..., mas Kriss jamais esqueceria a expressão de ódio com que Vincent o encarou.
Como rejeição a esse ódio, revoltado, olhou em retrospectiva para as lembranças da infância, até a época em que Vincent sentia exatamente o oposto em relação a ele.
Kriss não conhecia esse mundo por tempo suficiente quando Dean partiu para deter um bando de demônios que vinha na direção deles. Havia esperado sozinho, escondendo-se entre pedras maciças na base de um desfiladeiro, seguindo instruções rigorosas de Dean para manter-se oculto e quieto... e de que aquele lugar era seguro.
Dean estava certo em grande parte, no entanto. Por dias, Kriss não viu nenhum animal... muito menos humanos ou demônios. Era a primeira vez na vida que o deixaram sozinho. O silêncio ao redor somente alimentava o sentimento de abandono e medo enquanto ele esperava... sentindo falta do amor que recebera no seu mundo natal... do calor e da proteção que Dean havia lhe dado neste mundo.
Foi no meio da noite que Kriss ouviu um som de cascalho caindo de algum lugar acima dele. Inclinou-se numa das pedras e olhou acima para a face do desfiladeiro que a lua crescente quase não iluminava... acabou vendo formas obscuras de muitos demônios rastejando por aquele ponto, em sua direção.
Ficou fascinado pelo modo com que os olhos vermelhos de sangue deles brilhavam enquanto observavam-no vigiando-os, e no modo como seus corpos quase humanos contorciam-se dos jeitos mais medonhos ao descerem. Sua vista ficou aguçada, lhe permitindo ver que a pele despida deles parecia estar queimada e com marcas profundas, como se tivessem acabado de emergir de uma fogueira invisível. Kriss podia até sentir o cheiro de putrefação da carne torrefata, conforme se aproximavam.
Estava tão apavorado que engatinhou para trás pela rocha alta e caiu do outro lado, aterrissando em cima de um aglomerado de pequenas pedras pontiagudas que protuberavam do solo, parecidas com espinhos. Ao perceber que fora espetado em vários lugares, tentou erguer-se de sobre as pedras sem causar mais estrago no seu corpo então ferido.
Assim que o odor de seu sangue imaculado de Fallen pairou na brisa, podia ouvir garras afiadas arranhando as pedras mais rapidamente enquanto a descida deles ficava frenética, e várias pancadas fortes, indicando que alguns dos demônios simplesmente saltaram nas alturas para alcançá-lo primeiro.
O silêncio cessou agora... berros perturbadores ecoando das pedras, fazendo parecer que estavam em maior número do que na realidade.
Correndo pelas pedras para fugir, apenas conseguiu rasgar as roupas e dilacerar a pele em mais lugares, antes que pudesse se estabilizar e finalmente se levantar.
Girando uma volta, Kriss percebeu que já era tarde para correr ou se ocultar... estava rodeado de demônios e eram muito maiores do que seu pequeno porte de criança. Parou petrificado no local, enquanto longos dedos com garras surgiram por trás dele, para envolver seu rosto. As garras afiadas cortaram a ponte do nariz e as bochechas macias, enquanto o demônio o arrastava para trás, e então abruptamente jogou-o no ar como se estivesse a exibir-se para os outros demônios.
Kriss nunca teve de lutar em seu mundo e Dean jamais permitiu que lutasse neste. Houve um breve momento em que cogitou se deixar devorar-se não seria melhor do que ser abandonado nesse lugar assustador. Esse pensamento rapidamente evaporou quando de repente, dores penetraram seu choque, despertando seu instinto de sobrevivência para se vingar.
Com lágrimas embaçando a visão, Kriss por pouco havia ganho sua primeira luta até a morte. O silêncio reinou mais uma vez no local e ele baixou o olhar a tempo de ver a espada de Fallen iluminada desaparecer da sua mão ensanguentada.
Sentindo algo pesar na outra mão, lentamente virou a cabeça e viu os olhos apagados do demônio o encarando. Sua mão estava na boca da criatura... segurando sua mandíbula... Kriss não sabia onde estava o resto do corpo. Por acidente arranhou os nós de seus dedos nos dentes pontiagudos quando puxou sua mão da boca do demônio e largou a cabeça no chão.
Kriss não sentiu nada quando ela rolou para longe e então ficou presa numa pedra que a espetou direto em seu olho feio. Pensou ter ouvido alguma risada, mas concluiu que veio de algum lugar dentro de si, porque todo o resto estava morto.
Incapaz de lidar com o cheiro rançoso ou a visão dos corpos mutilados, afastou-se e começou uma caminhada dormente em direção aos raios de luz que acabavam de aparecer sobre as colinas distantes.
Kriss não sabia por quanto tempo havia caminhado... ou mesmo quantos dias se passaram antes de ter ouvido um som estranho de pisoteio rítmico mais adiante. Ficou ali balançando, tentando não chorar e esperando para ver se teria de lutar de novo. Sangue de demônio... podia senti-lo.
Não demorou até avistar um homem humano montando um animal, vindo em sua direção. Partes do corpo do homem estavam cobertas com algum tipo de metal entrelaçado e Kriss podia ver a longa espada amarrada às costas... com o punho para fora, ao alcance. Não enxergando nenhum sangue no homem, notou que era ele quem estava coberto de sangue de demônio... estivera assim esse tempo todo.
Esse foi seu primeiro encontro com Vincent. Encararam-se um ao outro enquanto o homem se aproximava e Kriss recuou alguns passos quando ele deslizou agilmente de cima do grande animal. Seu olhar assustado retornou à espada que parecia perigosa.
— Não confie em ninguém, exceto em mim — a lembrança da voz de Dean ecoou como um alerta em sua mente e Kriss deu meia volta para fugir.
— Espere... não corra — Vincent gritou.
O tom da voz dele se assemelhava ao de Dean, deixando Kriss confuso sobre o que deveria fazer. Estava muito cansado de tentar resolver tudo. Voltou seu olhar para conferir se o homem não tinha empunhado a espada enquanto não estava olhando.
Vincent respirou de alívio quando o menino se deteve e olhou para ele com curiosidade e ceticismo. As duas últimas aldeias pelas quais havia percorrido eram um caos de sangue e não havia encontrado nenhum sobrevivente até então. Mesmo sujo e coberto de sangue... o garoto parecia saudável e muito atemorizado, levando-o à conclusão de que era de fato um sobrevivente de uma das aldeias.
— Onde estão seus pais? — perguntou, desejando ganhar a confiança do menino por meio da preocupação em sua voz.
Onde estavam os pais dele? A pergunta entristeceu Kriss sobremaneira. Seu pai não estava nem mesmo nessa dimensão e provavelmente teria se esquecido dele a essa altura... Dean o deixou e jamais retornou. Kriss sentiu o calor das lágrimas percorrendo seu rosto. A única resposta que podia dar era uma sacudida lenta com a cabeça enquanto virava para ficar de frente ao homem.
— Está ferido? — Vincent perguntou enquanto se aproximava e se ajoelhava diante de Kriss para que sua altura não intimidasse o garoto... ele não teria mais de nove ou dez anos de idade. Devagar, Vincent estendeu a mão e tocou com sua palma a bochecha manchada, esfregando com a parte macia do polegar, para enxugar as lágrimas.
Kriss lembrou a si mesmo o que esse homem humano estaria pensando quando olhava para ele... que estava coberto de sangue e vestindo pouco mais que trapos. Já que quase todos seus ferimentos cicatrizaram e sabendo que não deveria contar a um humano o que realmente havia acontecido, respondeu com a única outra coisa que era a verdade.
— Estou completamente sozinho agora — começou a chorar genuinamente naquele momento... gemidos altos com soluços, fazendo com que Vincent o puxasse para seus braços... sussurrando que estava tudo bem agora... que o protegeria e cuidaria dele.
E Vincent o protegeu... a ponto de sacrificar a própria vida.
A dor da taça cortando a palma da sua mão trouxe Kriss de volta ao presente. Abriu seu punho, vendo a saliência do caco de vidro.
Essa foi a cena que Dean presenciou quando saiu do chuveiro. Franziu a testa ao ver Kriss ali de pé, removendo um caco de vidro da palma da mão. Bater a porta atrás de si fez com que o outro Fallen se esquivasse e seus olhares se encontraram no reflexo da janela. Não estava com disposição para ver seu amante lamentar pela paixão de infância de novo. Uma vez era mais que suficiente.
Kriss respirou fundo, tentando aliviar a dor no peito. — Nunca pensei que fosse vê-lo novamente, Dean. Na verdade, uma parte de mim tinha esperanças dele já ter me perdoado. Somente estava tentando salvar sua vida.
— Ele era mortal, Kriss. Você fez muito mais do que simplesmente salvar sua vida e sabe disso — disse Dean apaticamente. — Por sua causa, agora ele pode experimentar a dor da morte pela eternidade e ressuscitar para se queixar disso. A mente humana é limitada. É por isso que a longevidade deles foi feita para ser curta.
— Eu sei — rosnou Kriss. — Você nunca hesitou em me lembrar disso. Tomei uma decisão egoísta, mas estava completamente sozinho num mundo onde demônios vagueavam livremente, e não pensei que você fosse voltar. Você esteve longe por tanto tempo que eu temia que os demônios o tivessem matado... Não quero perdê-lo também.
Dean suspirou e tentou manter o humor sob controle. — Você descobriria no instante em que algo acontecesse comigo, então seu medo foi por nada.
— Eu era uma criança, Dean — Kriss replicou. — Tudo o que eu queria era alguém que cuidasse de mim e que me deixasse cuidar dele em troca.
— Você é tão chorão — Dean troçou, bem ciente de que o príncipe adolescente havia se apaixonado pelo cavaleiro durante a sua ausência. Esse pequeno fato foi uma pílula difícil de engolir enquanto observava Kriss lamentar a perda de seu amor. Cerrou os dentes, imaginando se Kriss ficaria obcecado de novo por sua paixão de infância.
Kriss arremessou a garrafa de Heat pela sala, fazendo Dean inclinar um pouco para o lado, para que não fosse atingido. — Vá se ferrar, Dean.
Dean endireitou os ombros: — Eis o meu príncipe malcriado, em toda sua glória mimada.
Sem mais palavras, Kriss se jogou em Dean com o punho recuado, pronto para acertar em cheio o rosto do outro Fallen.
Dean estava pronto para o ataque e agarrou o pulso fechado de Kriss com uma mão e a camisa dele com a outra. Com pouco esforço, Dean aproveitou o ímpeto da raiva de Kriss e fez os dois rodopiarem, abatendo o príncipe Fallen contra o chão. Alguns botões pularam pelo assoalho, abrindo a camisa de Kriss.
— Quer fazer uma nova tentativa contra mim? — Dean exigiu, com um olhar duro. — Aguento a noite toda.
Kriss afundou-se no chão como que desistindo, e então repentinamente meteu o punho no rosto de Dean, fazendo a cabeça do outro Fallen estalar para o lado.
— É claro que você não entenderia — Kriss gritou enquanto chutava Dean no estômago por prazer. — Você nunca ligou se eu estava sozinho ou não. Provou isso ao sair de fininho para cometer suicídio, quando... ainda ontem? Se a ambrósia funcionou nos Fallen, eu a teria enfiado abaixo da sua goela egoísta e não me arrependeria de te matar.
Dean caiu de pé e escorregou para trás por causa da força do chute. Quer dizer que Kriss ainda estava bravo com ele, sim? Ou ele só estava esfregando isso na sua cara, agora que o ex-namorado tinha regressado? Seus ciúmes rapidamente surgiram com esse pensamento.

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Chuva De Sangue Amy Blankenship

Amy Blankenship

Тип: электронная книга

Жанр: Современная зарубежная литература

Язык: на португальском языке

Издательство: TEKTIME S.R.L.S. UNIPERSONALE

Дата публикации: 16.04.2024

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О книге: Chuva De Sangue, электронная книга автора Amy Blankenship на португальском языке, в жанре современная зарубежная литература

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