Ligação De Sangue (Ligação De Sangue – Livro 5)

Ligação De Sangue (Ligação De Sangue – Livro 5)
Amy Blankenship
Com o feitiço de sangue quebrado, Kane escavou com garra para sair da terra e procurou a alma gémea que o havia libertado, apenas para descobrir que ela tinha desaparecido. Sem nada mais a perder e com a vingança em mente, ele começou uma guerra. A última coisa que esperava era encontrar a sua alma gémea esquiva no rastro de destruição que causara. Ficando rapidamente obcecado, ele observa-a quando ela não está a ver, escuta sem ser convidado e segue todos os seus movimentos… e o demónio que o persegue sabe que ela é a sua fraqueza. Para protegê-la, Kane promete fazer com que ela o odeie, mesmo que tenha de se unir ao lado dos demónios para o conseguir. Mas como poderá ele protegê-la do seu maior inimigo, quando esse inimigo é ele mesmo?

Amy Blankenship, RK Melton
Ligação de Sangue

Ligação de Sangue
Saga Laços de Sangue – Livro 5
Amy Blankenship, RK Melton
Translated by Andreia Pereira
Copyright © 2012 Amy Blankenship
Segunda Edição Publicada por TekTime
Todos os direitos reservados

Capítulo 1
A cidade de Los Angeles estendia-se à sua volta num caleidoscópio de cores e luzes intermitentes. Os sons distantes da vida urbana ecoavam nos seus ouvidos, mas Syn não lhes prestava atenção, escutando em vez disso o sussurro da brisa suave que se movia à sua volta. Estava de pé, em equilíbrio perfeito, no pico de um dos edifícios mais altos da cidade, com os pés a tocar apenas no seu pináculo.
Syn tinha as mãos enterradas nos bolsos das calças, enquanto a sua gabardina esvoaçava atrás de si como uma capa longa que parecia desaparecer e surgir de novo de forma aleatória, como se tivesse vida própria. O vento afastara o seu longo cabelo escuro, revelando no seu rosto uma beleza intemporal, do tipo que raramente se vê neste mundo.
Tinha tomado a precaução de colocar um escudo sobre a sua aura para se proteger de todas as criaturas que o pudessem detetar, mas conseguia sentir essas auras no chão, bem lá em baixo. A andar nas suas vidas entre os humanos, praticamente sem preocupações.
Olhando para o terraço da cobertura diretamente por baixo de si, sorriu maliciosamente quando ouviu Damon entregar a Alicia a pedra de sangue. Colocou-a dentro dela para que ela pudesse estar sempre protegida da perigosa luz solar, que ameaçava a sua nova existência. Syn tinha orgulho na sua nora, alguém que desafiasse Damon e o mantivesse alerta em relação a tudo aquilo que era importante.
O seu sorriso afetado alargou-se quando os gritos de dor dela foram brevemente seguidos por gemidos de prazer e ele acenou a cabeça em aprovação. Ele mal podia esperar para conhecê-la.
Syn focou uma vez mais o seu olhar de tom ametista na cidade e viu as sombras escuras e malignas, mesmo em zonas de luz. Coisas que os outros não conseguiam ver. Ele não compreendia porque é que os seus filhos tinham decidido lutar nesta guerra contra os demónios. Na sua mente, ele via os demónios da mesma forma que via os humanos. Não se importando realmente com nenhuma das espécies. No entanto, os seus filhos e a sua obstinada alma gémea tinham decidido fazer-lhes frente, escolhendo proteger aqueles que não conseguiam defender-se face a tal guerra.
Um pequeno sorriso assomou-lhe os lábios quando se lembrou da sua esposa… A sua alma gémea. Ela torcia sempre pelo mais desfavorecido, defendendo sempre os que eram considerados fracos. Ele imaginava que pouca coisa tivesse mudado desde as suas vidas anteriores. A alma era a mesma, independentemente de quantas vezes renascesse. Ela olhara para ele como inimigo uma vez, simplesmente porque o seu poder era muito superior ao da maioria no seu mundo. Ela demorou anos a mudar de ideias.
O sol já espreitava sobre o horizonte e Syn levantou o rosto para saudá-lo, permitindo que a luz fluísse por ele, sentindo a enorme quantidade de energia e preenchendo o seu corpo com ela. Syn sabia que os seus filhos tinham escolhido viver uma vida humana. Algo que ele nunca tinha tentado até agora. Outro indício de sorriso passou pelos seus lábios perfeitos quando uma ideia interessante lhe ocorreu.
Sim, poderia ser bastante divertido juntar-se a eles, já que a sua alma gémea também achava que era uma mera humana e vivia pelas suas leis. Ia juntar-se a eles, aproximar-se dela e convencê-la de que ele não era o inimigo, nem dela nem de ninguém. Desta vez, ia manter a maioria dos seus poderes ocultos para que ela não se sentisse tão ameaçada por ele. Ia tornar-se seu aliado, seu amigo e depois, uma vez mais, o seu companheiro.
*****
Misery sentou-se numa rocha, balançando as pernas para trás e para a frente, agitando os seus caracóis loiros com cada movimento. Tinha estado muito ocupada nessa semana, recrutando demónios para o seu exército crescente. Mesmo agora, alguns deles mantinham-se escondidos na escuridão que a rodeava, observando curiosamente.
A maioria dos demónios que reunira eram fracos, sem grandes poderes a referir, mas um soldado era mesmo assim. Por si só, era débil. Mas reunidos num exército, poderiam abrir caminho por entre os inimigos mais fortes sem receio quanto às suas próprias baixas.
Esta noite, Misery tinha sentido o poder de uma aura antiga na floresta que rodeava um dos lados da cidade e tinha-a seguido até uma gruta profunda. A energia malévola erguera-se na direção dela, tentando afastá-la da sua casa, mas Misery apenas achara divertido o seu esforço. Isso até a força a empurrar fisicamente para trás.
Quando ela se levantou para encarar o demónio, tudo o que viu foi um corvo sentado numa pedra com as asas eriçadas. Ao procurar a sua alma negra, Misery acalmou-se ao perceber que esta ave era um dos mestres antigos que ficara esquecido quando os caídos levaram os outros para o submundo.
Este demónio tinha-se fundido com o cenário e fizera ali a sua casa. Os Nativos Americanos deste território consideravam o demónio como um grande espírito a ser adorado e reverenciado e, com essa adoração, o mestre demoníaco tinha-se fortalecido.
Misery conseguia sentir o sabor da raiva que este demónio tinha contra os humanos pálidos que deambulavam livremente pelas suas terras e procurou tirar partido disso. Ela faria um acordo com o demónio, em vez de lutar contra ele. Uma batalha que ela sabia agora que teria perdido. O demónio antigo pareceu agradado com a ideia de libertar a sua espécie da sua prisão dimensional e deu-lhe instruções para que realizasse um sacrifício de sangue… Uma das ferramentas de que ele iria precisar para ajudá-la antes de voar na direção da floresta.
Quando Misery voltou à caverna com dois vampiros e um homem semiconsciente e fascinado, o espírito malévolo já a aguardava. Os olhos vermelhos e reluzentes do corvo fixavam-na de forma penetrante antes da ave levantar voo. Misery seguiu-a, embrenhando-se na floresta mesmo até ao limite da reserva de caça. Entrara numa pequena clareira e foi com alguma surpresa que viu um velho sentado junto a uma grande fogueira.
“Chamo-me Black Crow”, afirmou o velho.
Misery acenou respeitosamente. Lembrou-se das formas sagradas de lidar com o poder de um demónio que fosse superior ao seu próprio poder. “Sou a Misery”.
Black Crow riu-se em tom de escárnio. “O que sabes tu da verdadeira miséria?”
Misery permaneceu em silêncio, mordendo a língua para evitar responder. Ela tinha poder e ele sabia-o. Ela tinha a certeza de que ele conseguia senti-la da mesma forma que ela o sentia a ele.
Black Crow levantou-se e aproximou-se deles. Ela observava a sua aparência humana e não conseguia compreender porque é que alguém tão poderoso havia de escolher um corpo tão frágil. Ele parecia idoso, muito velho e enrugado, com longos cabelos brancos, e vestia calças de pele curtida de veado. A camisa era feita da mesma pele de veado e adornada com contas e penas. Trazia uma pequena bolsa pendurada na anca e tinha mais penas entrançadas no cabelo acima de uma orelha.
Black Crow esticou o braço de forma abrupta e levantou a cabeça do humano pelo cabelo para olhar para o seu rosto. “Este serve perfeitamente”, disse ele e voltou para junto da fogueira.
“O que queres que faça?” Perguntou Misery.
“Temos de aguardar”, proferiu Black Crow e adicionou mais troncos à fogueira.
Misery deu azo à sua irritação: “Aguardar o quê, ancião? Eu não tenho a eternidade. A minha guerra irá acontecer com ou sem a sua ajuda.”
Ignorando-a, Black Crow juntou mais lenha à fogueira e começou a cantar. Misery estava prestes a afastar-se quando deu por si congelada. Conseguia sentir os seus poderes a serem sugados e a sua forma juvenil começou a apodrecer. Isto não era o mero efeito da sua aparência cadavérica. Todo o seu ser estava lentamente a ser drenado dos poderes que ela havia roubado aos humanos.
“O teu plano falhará sem mim.” Disse Black Crow num tom condescendente. “A tua existência tornou-se minha quando fizeste o teu acordo. És fraca e não deténs poder nenhum sobre mim, pois não tens nada que eu queira.”
Misery foi subitamente libertada, mas olhou ferozmente para ele enquanto permanecia sentada na enorme rocha à espera sabe-se lá de quê. Black Crow alimentava constantemente o fogo e as chamas já atingiam uma altura impressionante. O ancião ergueu-se e dirigiu-se ao lado oposto da clareira, até junto de uma velha sequoia em que Misery não tinha reparado.
Black Crow ajoelhou-se junto às suas raízes imensas e agarrou num punhado de terra. Regressando à fogueira, o seu cântico tornara-se muito alto e rítmico, até atirar a terra para o fogo. O fogo chispou e subiu ainda mais alto quando a terra atingiu as chamas ardentes. O seu corpo começou a mover-se numa dança tribal enquanto os seus cânticos subiam de tom.
As sombras à sua volta estendiam-se para a frente de tal modo que apenas não tocavam em Black Crow, dançando no interior de um círculo perfeito. Subitamente, ele parou e esticou-se para tocar nas sombras que se aproximavam dos seus pés. A escuridão intensa alongou-se para chegar à sua mão, procurando o toque de calor que Black Crow exumou antes de a puxar do chão. Também ela foi ao encontro das chamas, com um chispar que rapidamente se transformou numa explosão, obrigando Misery a proteger os olhos.
Um lamento inumano invadiu a clareira e Misery observou a sombra e erguer-se das chamas, tornando-se avermelhada devido ao calor. Voou atravessando a clareira de volta ao local onde Black Crow tinha agarrado na terra e desapareceu no solo. Momentos depois, a terra começou a agitar-se como se estivesse a respirar e dois braços ossudos e ressequidos ergueram-se do solo.
Black Crow dirigiu-se imediatamente ao sacrifício de sangue que os vampiros de Misery tinham arranjado e arrastou-o do alcance das suas garras.
O jovem, um estudante na universidade pública local, despertou do torpor em que os vampiros o colocaram quando Black Crow o possuiu. Ainda desorientado, não sabia o que estava a acontecer até ter visto a lâmina comprida a aproximar-se da sua garganta. Antes mesmo que pudesse fazer fosse o que fosse, a lâmina rasgou a sua carne e o seu grito foi silenciado.
O sangue espirrou sobre as chamas acesas, alimentando a fogueira com silvos e faúlhas. Os braços que se tinham erguido do solo arrastavam agora os restos do seu corpo pela noite escura. Um lamento longo e grave irrompeu da sua garganta, acompanhado por grunhidos de fome, enquanto se arrastava na direção do homem moribundo.
Os dedos esqueléticos fixaram-se na camisa do homem e a criatura baixou a cabeça até à ferida aberta, deliciando-se com o sangue e a carne fresca. À medida que comia, os músculos e a carne começaram a crescer sobre os seus ossos salientes e Misery deu por si entusiasmada com a cena. Não conseguia tirar os olhos da obra de arte que Black Crow criara e bateu palmas de alegria.
“Ele vai precisar de mais para se alimentar até se poder reanimar por completo. Mas este será suficiente por agora”, disse Black Crow com uma pitada de aborrecimento na sua voz grave.
“Podemos fazer mais?” Perguntou Misery enquanto via o sangue e a violência brilhar à luz da fogueira.
“Eu posso”, disse simplesmente Black Crow e Misery não deixou passar a sua insinuação. Ele podia, ela não.
“Agora, jovem demónia…mostra-me o teu poder”, ordenou Black Crow.
Misery sorriu e tocou no pingente de aranha que lhe pendia do pescoço. A aranha imediatamente se desfez em milhares de pequenos aranhiços que depois voltaram a rastejar de volta, reagrupando-se. Black Crow observou dois dos aracnídeos a rastejar pelas pernas dela e chegar ao chão irregular. As criaturas pararam a meio do caminho entre ele e Misery antes de enterrarem na terra.
Black Crow manteve-se em silêncio enquanto o chão começou a tremer e uma fissura estreita cor de sangue se abriu na terra com um pequeno terramoto. As árvores agitaram-se e os gemidos de animais florestais fizeram-se ouvir à medida que o chão rugia. Cinco demónios sombra voaram da abertura e por toda a clareira. Os seus gemidos preenchiam a noite com a sua melodia. Convergiam na fogueira e voavam em círculos em torno da mesma, aproximando-se para depois se afastarem no último segundo.
Isto continuou até que os demónios se cansaram do jogo e desapareceram na escuridão da floresta, em direção à cidade, onde conseguiam detetar as suas presas. Black Crow fitava a fenda para o submundo com uma expressão insondável. No entanto, quando se aproximou da fenda recortada, colocou o pé sobre ela e fechou a fissura, impedindo outros demónios de escapar.
“Um esforço razoável”, proferiu Black Crow. “Mas és jovem e tonta. Uma fissura destas entre mundos apenas permite a simples demónios sombra entrarem neste reino, deixando os nossos verdadeiros aliados ainda presos do outro lado. Vais precisar de mais poder!”. A sua voz elevou-se e depois acalmou. “Enquanto ganhas esse poder, vou criar-te um exército, mas que em última instância irá obedecer-me a mim.”
Misery não teve outra escolha senão acenar em concordância e humildade. Ao virar-lhe as costas, os seus lábios infantis torceram-se num esgar maléfico. O velho demónio tinha razão numa coisa, ela precisava de mais poder. E sabia exatamente como obtê-lo.
Permitindo que as trevas dentro de si se expandissem, ela disparou em direção à cidade deixando que os seus subordinados a seguissem. Tinha começado a formular um plano e precisava de localizar a criança demoníaca que a podia ajudar. Teria de abrir mão da sua última reserva de sangue de Kane, mas o fim justificava os meios. Ia valer a pena o sacrifício.
Esvoaçou sobre a cidade na direção do bairro onde encontrara um lar temporário. Seguindo de rua em rua à procura das trevas, tentou captar o cheiro do seu alvo. O problema com este demónio é que ele tinha a capacidade de ocultar a sua aura demoníaca. Para quem o tentasse caçar, ele pareceria humano e nada poderia estar tão longe da verdade.
Pouco tempo depois de ter começado a sua busca, Misery sentiu o híbrido Skye a segui-la. Não interferiu com a atividade dela e não se aproximava, mas ela conseguia senti-lo a acompanhar cada movimento seu. Será que tinha saudades de estar preso na gruta com ela? Ela estava a pensar refrescar-lhe a memória caso ele tentasse interferir com os planos dela. Já era suficientemente mau que dois caídos andassem a seguir os movimentos dele. Se ele continuasse assim, iria levá-los até ela.
O dia estava prestes a nascer quando ela finalmente encontrou o pequeno demónio que procurava. Ele saiu das sombras e apressou-se a atravessar a rua e entrar numa outra ruela. Misery encontrara-o por acaso uns dias antes e tinha-o confundido com um humano. Até ele ter dizimado os vampiros que o tinham atacado.
Visto de fora, o demónio não parecia passar de um rapazinho de oito anos a viver como um rato de rua. O seu cabelo escuro pelos ombros pendia-lhe em mechas oleosas e emaranhadas em torno do rosto, que era pálido, mas docemente angélico quando se ignorava tudo o resto. Isso apenas reforçava a sua camuflagem humana quando ele queria atrair os corações e mentes das suas vítimas. As suas roupas eram esfarrapadas e não tinha sapatos. Quando levantou a cabeça para olhar para a rua atrás de si, os seus olhos brilharam como diamantes negros.
Misery moveu-se sobre a ruela acima dele antes de se deixar cair precisamente à frente do outro demónio, assumindo a forma de menina loira à medida que caía. Aterrou de cócoras à frente dele antes de se levantar e sacudir o seu vestidinho de folhos.
“Olá Misery”, disse o rapaz fazendo Misery sorrir à sua vozinha.
“Olá Cyrus”, cumprimentou Misery imitando-o.
“Foste tu que fizeste com que aqueles humanos se matassem uns aos outros no autocarro na outra noite”, sussurrou o rapaz.
Misery sorriu orgulhosa, “Sim, fui eu, e preciso daquilo que tu sabes fazer.”
Cyrus inclinou a cabeça para o lado. “O que é que eu sei fazer que tu não saibas?”
Misery riu-se e retirou o colar de aranha que tinha o resto do sangue de Kane e colocou-o no pescoço dele.
“Ficarias surpreendido, pequenito”, sussurrou ela.
“Vou poder brincar?”, perguntou o rapaz, fazendo com que Misery se apercebesse de como este demónio era realmente jovem.
“Oh, sim, vais poder brincar tudo o que quiseres”, respondeu Misery.
A obscuridade dos olhos do rapaz expandiu-se, bloqueando toda a cor até os seus olhos parecerem dois poços infinitos de vazio.
“Eu gosto de brincar”, disse o rapaz com um sorriso malicioso, enquanto os seus dedos brincavam com a aranha pendurada na ponta da corrente.
*****
Kriss deitara-se na cama do apartamento na cobertura de um dos mais prestigiados edifícios na baixa de Los Angeles. Refugiara-se ali para evitar Tabatha e os seus sentimentos crescentes por ela.
A sua mente reconstituiu a última vez que a tinha visto. Ele mantinha firmemente a distância em relação a ela há alguns dias para evitar que a separação se tornasse demasiado dolorosa para ele. O seu peito começara a doer por não poder estar perto dela e quando entrou no apartamento e a viu adormecida com lágrimas secas a manchar-lhe o rosto, a sua única vontade era abraçá-la e fazer com que estivesse tudo bem.
Enfiara-se na cama com ela, sem perceber que ela estava nua até a ter envolvido num abraço protetor. Aí ele ficou paralisado, tenso, agarrado a ela e ao mesmo tempo tentando afastar-se. Ela virou-se para ele a dormir, lançando o braço à sua volta para se aconchegar, como fazia geralmente com as suas almofadas. Quando os seios dela se comprimiram contra o peito dele, o autocontrolo de que ele tanto se orgulhava rebentou.
Durante meses os seus pensamentos tinham-se resumido às coisas que lhe queria fazer…que queria fazer com ela…coisas que não podiam ser feitas, por muito que a amasse e a desejasse. Mas nesse instante, ele queria estar dentro dela, o suficiente para arriscar matar a mulher que amava. Ele sentia a sua dureza vibrar e pressionar a sua carne macia.
Quando uma sombra irada se abateu sobre a cama, Kriss congelou e depois, lentamente, virou a cabeça e encontrou o olhar prateado e acusador de Dean. Ele sabia que tinha pisado a linha, passando da amizade para uma zona de perigo, ao ver aquela expressão no seu rosto.
Ele saíra com Dean nessa noite, determinado a não cometer os mesmos pecados do pai. Sentia-se vibrar novamente com essa memória. Até conseguir controlar as suas emoções, ele sabia que Dean tinha razão. Ele tinha de se manter longe de Tabatha.
Como precaução adicional, já tinha deixado o seu emprego na Silk Stalkings, só para o caso de ela ir lá à sua procura. Tinha feito tudo o que podia para garantir que Tabatha se mantinha o mais longe possível dele, mas a separação magoava-o de uma forma que ele nunca imaginara possível. Quando um caído amava alguém…era um nível acima daquilo a que um humano chamava amor e a loucura que a emoção muitas vezes gerava nos humanos quando não podiam estar com a pessoa amada era dez vezes maior, quando comparada à reação gerada num caído.
Kriss agitou uma vez mais as amarras que lhe prendiam um pulso. Odiava Dean por amarrá-lo. Contudo, Kriss compreendia aquilo que quase tinha acontecido. Se ele tivesse cedido à sua luxúria…a dor de perder Dean e matar Tabatha ao mesmo tempo teriam destruído a sua mente.
Ele fechou os olhos quando uma brisa fresca deslizou pelas portas abertas do terraço e sobre o seu corpo nu. Embora as amarras lhe permitissem algum movimento no enorme apartamento, ele já estava deitado há horas, mas não conseguia dormir e a confusão de cobertores caídos no chão era prova disso. Kriss estava agora deitado de barriga para baixo com um joelho dobrado contra o colchão e a outra perna coberta com a ponta do lençol.
Outra brisa percorreu o quarto, trazendo com ela um aroma familiar. Kriss abriu os olhos, observando as sombras das cortinas translúcidas na parede à sua frente. Quando surgiu junto destas uma sombra alada, Kriss manteve-se silencioso e na expetativa.
Dean andava no telhado, oferecendo presas aos seus demónios e descanso a um esquivo híbrido caído. Ao descer do telhado do edifício para o terraço da cobertura, ficou de pé junto à janela a olhar para Kriss. O lençol branco tinha sido atirado para o lado, expondo o seu corpo nu ao brilho do luar que entrava no quarto. Dean sentia a solidão que Kriss tinha no seu coração e sabia que ficar o tempo suficiente longe de Tabatha seria a única cura para tal dor.
O seu olhar fixou-se nas amarras sobrenaturais que impediam Kriss de sair do apartamento durante a sua ausência. Não queria magoar Kriss daquela maneira, mas sentia o amor de Kriss por Tabatha a crescer a cada dia. Ele lembrara Kriss que dormir com uma mulher deste mundo seria o mesmo que matá-la e não era mentira. A semente de um caído criaria raízes até numa mulher infértil. Curaria a infertilidade para poder criar vida se fosse preciso. Mas essa vida mataria a mulher que lha concedeu.
Dean tinha contado a Kriss a verdade sobre os seus próprios pecados. Era a única forma segura de impedir Kriss de estar com Tabatha. Quando ele fora inicialmente enviado para este mundo, ficara encantado com uma jovem rapariga da mesma idade de Tabatha. Passara muito tempo com ela e uma coisa levara a outra. Acabara apaixonado por uma fêmea humana.
Pensando que a maldição não iria segui-lo…pensando, por amá-la tanto, que iriam ter um filho caído, cedera à sua luxúria. Ela encorajara-o, pois desejava-o com igual intensidade. Fazer amor com ela fora divinal, mas apenas demorara algumas horas para que o demónio se formasse totalmente dentro dela. Quando ela o acordara a meio da noite com os seus gritos, tivera que matar o seu próprio filho quando ele começara a comê-la por dentro,
Kriss tinha-se enganado a ele próprio, pensando que poderia dormir com Tabatha noite após noite, sem fazer amor com ela, mas Dean sabia que isso era mentira…e uma mentira perigosa. Kriss nunca poderia viver consigo mesmo se assinasse a sentença de morte de Tabatha com a semente do seu próprio amor.
Os caídos ansiavam por amor, mas foram enviados para um mundo onde não poderiam tocar nas mulheres. Apenas se tinham uns aos outros. A beleza de Kriss sempre tocara Dean, encantara-o mesmo, e ele sabia porquê. Kriss era realeza entre a sua espécie. Nunca deveria ter sido enviado para aquele sítio para combater demónios. Ponderava silenciosamente quanto tempo teria demorado para que um dos reis percebesse que o seu príncipe tinha desaparecido. Kriss fora feito para ser mimado, amado e acarinhado.
Entrando no quarto, Dean moveu-se lentamente certificando-se de que a sua sombra permanecia na parede para que Kriss pudesse ver claramente o que ele estava a fazer e tivesse tempo de o parar, se assim entendesse.
“Os demónios estão inquietos na cidade esta noite. Consegues senti-los?” Dean manteve uma voz calma, não esperando uma resposta. Os seus lábios separaram-se quando a voz melancólica de Kriss emitiu um eco suave pelo quarto.
“Deixa-os vir.”
Dean puxou o casaco dos ombros e atirou-o contra a parede para cair numa cadeira. Em seguida a camisa, desapertou-a e deixou-a cair no chão num monte suave de algodão. Desapertou as calças e desceu lentamente o fecho, quase sorrindo quando captou a atenção de Kriss. Tirando os sapatos e as meias, Dean puxou as calças até ao chão e deu um passo em frente, retirando-as.
Avançando para a cama, Dean agarrou num dos postes do dossel por um momento para apreciar Kriss antes de se juntar a ele na cama. Colocando Kriss de lado, Dean aninhou-se em concha atrás dele puxando-o para perto de si, cedendo ao ciúme que se agitava no seu coração.
Ele sabia que a tristeza de Kriss resultava do seu amor por Tabatha. Ele sentira uma premonição do perigo a aproximar-se na noite em que Tabatha e Kriss se conheceram. Por isso é que tinha atacado Tabatha no parque de estacionamento da Silk Stalkings. A sua intenção era avisá-la da ameaça, mas Kriss impedira-o, usando o seu próprio corpo como escudo dela, usando a obsessão de Dean contra ele.
Kriss rolou, ficando de costas, e virou a cabeça para olhar para Dean. Olharam fixamente um para o outro durante o que pareceu uma eternidade, até que Dean encurtou agilmente a distância entre eles e roçou sensualmente os seus lábios em Kriss.
Quando Kriss inspirou profundamente, Dean aproveitou e aprofundou o seu beijo, tornando-o mais exigente. Estava farto de estar deitado ao lado de Kriss, noite após noite, a lamentar-se por uma mulher que nunca poderia ter. Se pudesse, simplesmente inalaria a dor de Kriss e substitui-la-ia pelo amor frenético dos caídos.
Kriss sentiu o fogo a alastrar-se pelas suas veias, mas a sua própria culpa fê-lo virar a cara, quebrando o beijo. Recolheu-se nos braços de Dean, envolvendo os seus próprios braços à volta do corpo de Dean antes de entrelaçarem as suas pernas.
Dean olhou silenciosamente para o topo da cabeça de Kriss e suspirou mentalmente. O facto de Kriss se agarrar tão firmemente a ele era a única coisa que o acalmava. Sentia a tristeza diminuir um pouco e depois voltar em ondas. Já tinha decidido libertar Kriss das suas amarras de madrugada, mas, face à rejeição de Kriss, os olhos de Dean cintilaram e as amarras desapareceram.
Num instante, Kriss virou-se e agarrou nos pulsos de Dean, pregando-os ao colchão e mantendo-os lá.
Dean olhou calmamente para cima, para os seus perturbados olhos prateados, perguntando-se o que Kriss iria fazer, agora que estava livre para voltar para Tabatha. Como Kriss se limitava a mantê-lo ali, Dean levantou a cabeça do colchão e roçou suavemente os seus lábios na clavícula de Kriss, até ao arco do pescoço. Foi recompensado com um silvo agudo de Kriss e com a sua libertação.
Várias horas depois, estavam deitados, entrelaçados, à medida que o dia nascia. Dean sabia, tal como Kriss sabia, que estaria ali quando Kriss acordasse de manhã. Ele estaria sempre ali.
*****
Kane vagueava pelas ruas da cidade tentando arejar as ideias em relação a tudo o que acontecera nas últimas semanas. Sentira mesmo vislumbres da sua antiga personalidade a vir à superfície por várias vezes… Sobretudo perto de Michael. Tinha de admitir que adorava o tipo.
A rédea curta que mantinha nas suas emoções ao longo dos últimos dez anos estava a deslizar e ele já sentia a falta da segurança que aquelas barreiras imaginárias lhe proporcionavam. Tinha a certeza de que um desses psiquiatras trapaceiros que havia por aí diria que isso era algo bom, mas também tinha a certeza de que poderia fazê-los mudar de ideias em tempo recorde.
Ele usava o torpor que tinha trazido consigo do túmulo como um escudo, mantendo-o a ele meio morto e protegendo as pessoas à sua volta. Tal como estava, esgotava todo o controlo de que era capaz para manter os seus sentimentos por Tabatha reprimidos e protegê-la de Misery ao mesmo tempo.
Ainda se arrepiava ao pensar que Michael tinha finalmente percebido que tinha sido Tabatha a libertá-lo do seu túmulo. Se tivesse pensado com clareza, teria arranjado maneira de manter Scrappy afastado de Tabatha por mais algum tempo, enquanto tentava perceber como lhe contar. Se é que lhe ia contar.
Na sua opinião, alguns segredos não deveriam ser revelados. A verdade é que ele nunca planeara contar a Tabatha.
Kane rosnou, irritado com a interrupção dos seus pensamentos. Conseguia sentir olhos demoníacos sobre ele enquanto caminhava, a observar cada passo seu. Perguntou-se se teriam sido enviados por Misery. Não a sentia entre eles, o que aliás fazia todo o sentido. Porque é que aquela cabra o havia de seguir quando podia ter os seus lacaios a fazer isso por ela? A cidade estava agora repleta desses seres rastejantes, entidades negras que ele ajudara a criar.
Ele acelerou o passo de tal modo que os faróis dos carros que vinham na sua direção seguiam agora subitamente na direção oposta atrás de si. O brilho vermelho das suas luzes traseiras iluminava a rua durante alguns breves segundos antes de desaparecerem por completo. Nunca tinha sido tão rápido antes, mas com a disposição que tinha ultimamente, andava a ignorar a escalada dos seus poderes.
Naquele momento, só queria estar sozinho na sua própria bolha, em vez de estar perto de Michael e quem quer que o seu melhor amigo/irmão tivesse com ele. Não tinha a certeza se seria capaz de usar aquela máscara ‘Agora estou são’…não esta noite. A sua verdadeira personalidade estava próxima da superfície e isso era algo que Michael não precisava de ver.
Enviando as mãos nos bolsos, Kane continuou o seu caminho numa tentativa de ignorar os espiões que o seguiam. Já tinha chegado a uma zona mais luxuosa da cidade e dirigia-se para a secção onde se situavam a maioria das discotecas. Precisava de uma boa bebida e talvez uma boa luta, mesmo que tivesse de ser ele a começá-la. As discotecas proporcionavam o líquido mentalmente entorpecedor e para o segundo fim, devia ser fácil localizar um ninho de vampiros.
Ao virar da esquina para uma rua movimentada, Kane captou um aroma adocicado no vento e parou, focando-se novamente nas vistas e sons da cidade. Conseguia senti-la muito perto e olhou à sua volta para tentar determinar a sua localização. Inspirou profundamente, querendo mais dela, depois questionou-se se seria masoquista por se torturar a si mesmo.
Ele sabia que devia manter-se longe dela, já que parecia atrair constantemente demónios, mas o seu lado negativo instantaneamente argumentou que a alma gémea tinha um talento especial para arranjar sarilhos sozinha. Se ela fosse suficientemente doida para andar numa zona infestada de demónios, talvez devesse refrescar-lhe a memória para a lembrar de como isso era má ideia.
O seu olhar penetrante fixou-se numa discoteca chamada Silk Stalkings e franziu o sobrolho ao lembrar-se que era ali que o caído, Kriss, trabalhava como bailarino. Era uma opção de carreira interessante para um caído, mas Kane não se sentia em posição de julgar. Suspirando resignado, Kane atravessou a rua e entrou na discoteca para poder levar Tabatha a casa antes que ela se metesse em mais sarilhos.

Capítulo 2
Tabatha atravessou a entrada do Silk Stalkings e olhou em volta. Viera à procura de Kriss…e rezava para encontrá-lo. Ele tinha desaparecido há alguns dias e nem tinha ligado. E já andava a evitá-la ainda antes disso. Ela sentia falta dele e já estava a ficar preocupada. No passado, quando ele desaparecia durante algum tempo, pelo menos ligava-lhe e dizia-lhe que estava tudo bem.
Nem que o visse só de relance, já era o suficiente para eliminar o receio de que Misery o tivesse comido ou trancado numa cave algures.
Sentada numa das mesas altas, continuava a observar o palco na esperança de que Kriss aparecesse para dar o seu espetáculo. Só ao fim de quase uma hora é que percebeu que horas eram e que Kriss já deveria ter atuado. Um dos empregados passou por ela e ela tocou-lhe num braço para chamar a sua atenção.
“Precisa de alguma coisa, menina?” – perguntou ele.
Tabatha sorriu – “Espero que me possa ajudar. Estou à procura do Kriss Reed. Sabe dizer-me qual é o próximo turno dele?”
O empregado suspirou e abanou a cabeça – “Já é a sexta mulher a perguntar por ele esta semana. Infelizmente, ele despediu-se há uns dias e nunca mais ninguém o viu.”
Tabatha sentiu-se como se tivesse levado um estalo na cara. Um sentimento de aflição surgiu no fundo do seu estômago e ela baixou a cabeça para esconder as lágrimas que se começavam a juntar. Tinha perdido o melhor amigo.
“Está bem?” – perguntou gentilmente o empregado.
Tabatha levantou o olhar para ele e sorriu, limpando a humidade que ameaçava borrar-lhe a máscara de pestanas. “Sim, estou ótima. Mas pode trazer-me um Malibu de ananás?”
O empregado fez um olhar inquisidor antes de suspirar e voltar para o bar. Ele reconhecera Tabatha como uma das amigas próximas de Kriss e percebera que Kriss tinha saído da cidade sem lhe dizer. Era vergonha também. Ela parecia ser uma boa rapariga e o facto de Kriss ter desaparecido, obviamente, magoara-a.
Tabatha retirou a sua caixa de pó compacto da carteira e examinou a sua maquilhagem. Ele tinha ido embora sem sequer dizer adeus. Ele tinha prometido, quando foram à Florida com Devon e Envy, quer nunca a deixaria. Tinham ficado ainda mais próximos desde o rapto dela…muito mais.
“Aqui está” – anunciou o empregado e pousou a bebida à frente dela.
Tabatha baixou a tampa do pó compacto e sorriu-lhe. “Pode abrir cartão, vou ficar mais um pouco”.
O empregado acenou e começou a circular pelas suas mesas, verificando se toda a gente estava atendida, olhando ocasionalmente para a sua mais recente cliente para se certificar de ela não se embebedava para além do razoável.
Tabatha esvaziou rapidamente o copo e pousou-o na mesa. Mas afinal porque é que ela estava preocupada? Kriss era um dos caídos. Ele tinha coisas mais importantes para fazer do que lidar com humanos. Muito menos com humanos que eram amigos. Ela detestava estar amuada e zangada ao mesmo tempo! Era uma sensação perturbante.
Tinham colocado outra bebida à sua frente e ela engoliu-a rapidamente também. Cerca de seis bebidas depois, já estava bem tocada. Espreitando o palco, amuou vendo um tipo novo a sair com apenas uma tanga prateada e umas asas. Perguntou-se onde estaria um Guru para gente bêbada e chorona quando mais se precisava e cerrou os olhos, olhando com desdém para o bailarino que inconscientemente gozava com ela.
“Mais uma antes de ir embora?” – perguntou ela ao empregado, que pairava por perto desde que ela se sentara.
O empregado sorriu docilmente e abanou a cabeça. “Acho que já bebeu o suficiente. Quer que lhe chame um táxi?”
“Não” – retorquiu Tabatha, levantando-se e agarrando a carteira. “Quero que diga ao Kriss para quando se lembrar de quem são os amigos dele, me ligar.”
Claro que ela não falava a sério, mas naquele momento estava muito irritada com o Kriss, magoada por ele não ter em consideração a sua amizade, nem sequer para lhe dizer que se ia embora…ou que tinha sido raptado. Abrindo a bolsa, tirou a carteira e tentou pagar as suas bebidas, mas o empregado abanou de novo a cabeça.
“A sua conta já foi paga”, disse ele. “Agora vá para casa e durma sobre o assunto. Tenho a certeza de que ele lhe vai ligar em breve.”
Tabatha pescou as chaves do carro na bolsa e deixou-as cair ao chão. “Raios partam!”, sibilou, querendo sair antes que fizesse alguma coisa estúpida, como chorar em público.
Dobrou-se para as apanhar do chão, mas uma outra mão chegou lá primeiro e apanhou-as. Tabatha seguiu a mão até ver o braço e depois o ombro. Os seus olhos arregalaram-se quando o seu olhar se cruzou com o belo rosto de Kane.
“Anda, querida” – disse ele ao ver a forma como as luzes se estilhaçavam no interior dos seus olhos azuis claros. Ela estava à beira das lágrimas. Ao que parecia, ele não era o único com má disposição nessa noite. “Vamos levar-te a casa.”
O lábio inferior de Tabatha tremeu quando ela olhou para cima para ele e se agarrou ao seu braço, sentindo instantaneamente a sua força. O seu maior perseguidor tinha vindo à sua procura e, pela primeira vez, ela ficara contente por tê-lo ali.
Kane acenou ao empregado por cima da cabeça de Tabatha e encaminhou-a para a saída. Rosnou algo para dentro, pois sabia porque é que ela escolhera aquela discoteca. Ela queria encontrar o bastardo caído que andava a esconder-se dela.
Será que Kriss não se importava com o que a sua negligência estava a fazer a Tabatha, ou será que ele se considerava como o seu potencial inimigo, em vez do melhor amigo dela? Kane envolveu os ombros de Tabatha com o seu braço e segurou com força o outro braço dela quando ela quase tropeçou nos seus saltos altos.
“Viste-o?” Tabatha fez a pergunta olhando para cima para Kane.
Kane abanou tristemente a cabeça – “Não, não o vi.” Conteve-se para não lhe contar que da última vez que tinha visto Dean conseguia sentir nele o cheiro de Kane. O caído estava ótimo.
“Ele desapareceu.” Tabatha limpou de forma pueril a lágrima que finalmente conseguiu escapar. “E se a Misery o comeu?”
Kane tentou não dar uma risada em resposta à sua questão ébria, mas sincera. “A Misery acha que os caídos sabem mal.” – ele recitou as próprias palavras de Misery.
“Então porque é que ele não se despediu?” Tabatha olhava para o chão enquanto caminhavam.
Kane não lhe chegou a responder enquanto colocava Tabatha no seu carro e o contornou para entrar para o lugar do condutor. Imagens de como seria arrancar aquelas macias asas aveludadas das costas de Kriss passavam descontroladamente pela sua cabeça, mas Kane afastou-as. A vingança podia esperar. Agora, ele precisava de levar o seu anjo pessoal a casa em segurança antes que a sua personalidade em constante rotação voltasse para o lado negro.
Tabatha manteve-se quieta enquanto seguiam viagem, com as luzes azuladas do painel do carro a criar um suave brilho que parecia convidá-la a olhar para o homem que o conduzia. Ela nunca era pessoa de recusar um desafio e, embora aguentasse o álcool melhor que as pessoas comuns, as bebidas ajudavam bastante a suprimir um medo saudável.
Ela virou lentamente a cabeça e olhou de forma corajosa e direta para Kane. “Porque é que a Misery disse que eu te pertencia?”
A cabeça de Kane girou rapidamente, fixando nela um olhar ríspido. Não era suposto ela lembrar-se do que acontecera naquela noite. Ele tinha retirado aquilo das memórias dela. Como raio é que ela se tinha lembrado de algo que deveria esquecer? Ao ver luzes de carros no rosto dela, ele olhou de novo para a estrada e desviou-se mesmo a tempo de evitar bater num carro que se aproximava.
A mão dela agarrou no fecho da porta por instinto quando viu a reação dele à sua pergunta, mas manteve-se estática. Não estava suficientemente bêbada para saltar de um carro em movimento. A pontada de medo que lhe subiu pelas costas apenas serviu para fazer escalar o seu nível de coragem até ao ponto da estupidez.
“Escolhe uma faixa” – gozou Tabatha, piscando em seguida os olhos como se quisesse bater em si própria. ‘Raios!’ – pensou mentalmente. ‘Boa, estúpida, irrita o tipo com os dentes pontiagudos.’
“Lembras-te dessa noite?” Kane fez a pergunta antes de perder a coragem.
“E então?” – pensou, encolhendo os ombros mentalmente. “Lembro-me, grande coisa. “Bem, da maior parte. Talvez não sejas tão bom a dominar pessoas como pensas que és.”
“Talvez da próxima vez não seja tão simpático.” – avisou Kane, vendo-a estremecer com as suas palavras sombrias.
Tabatha estreitou o olhar na sua expressão estoica. Como se atrevia a responder à sua falsa indiferença.
“Bem, antes de tentares novamente fazer-me uma lavagem cerebral, que tal dizeres-me a resposta ao enigma da Misery?” – exigiu ela e cruzou os braços sobre o peito, sabendo que estava a descontar em Kane a sua raiva pelo abandono de Kriss. Mas talvez o Kane também merecesse. Tanto quanto sabia, Kane até podia ter comido Kriss.
“Ou me dizes o que é que ela quis dizer ou juro que penduro um grande e sumarento coração de vaca ao pescoço e me ponho bem apetecível para a Misery para lhe perguntar eu mesma.”
Ela arquejou e agarrou-se rapidamente ao tabliê quando Kane girou o volante, fazendo o carro guinar para a berma da estrada e subir o passeio. Ele carregou no travão e deslizou por uma zona de terra, fazendo um pião completo antes de derrapar até parar.
Kane estava a pairar sobre ela antes de o carro se imobilizar. Tabatha não conseguia evitar olhar para cima para o seu rosto e admirar as linhas fortes do seu maxilar, a cor ametista dos seus olhos. O seu olhar desceu até aos seus lábios perfeitos e perguntou-se se eles seriam frios como gelo ou quentes como fogo.
Kane estava mais que furioso e queria sufocar a mulher por pensar sequer nisso. Mordendo a própria língua, esperou até sentir o rápido fluxo de sangue para depois captar os lábios de Tabatha num beijo ardente. Em circunstâncias normais, ele mataria para poder fazer isto. Mas de qualquer modo, ela teria de estar sóbria para que isso contasse. A única razão pela qual a beijava agora de forma tão profunda era o facto de querer limpar a mente dela de quaisquer planos perigosos que o álcool lá tivesse colocado.
Quentes, os seus lábios eram quentes e aquele agradável calor estava a descer por ela numa espiral até ao meio das suas pernas. Subitamente, Tabatha sentiu o medo que lhe faltara momentos antes. Surgia agora em ondas vingativas e ela sentiu os dedos dos pés encolherem-se exatamente ao mesmo tempo que sentiu o pânico chegar ao seu estômago. A sua mente escolheu o medo e ela começou a empurrá-lo com o máximo de força possível. Infelizmente, isso teve o mesmo efeito que uma formiga a tentar levantar uma casa.
Kane sentiu as suas mãos a tentar empurrar o seu peito, mas já que este ia ser o último beijo dos dois, mais valia saborear um pouco mais o momento. Ele respirou no seu fôlego quente enquanto suavizou o beijo, para depois rapidamente o aprofundar novamente.
Tabatha foi assaltada pelo sabor doce e salgado do sangue de Kane e a esmagadora necessidade de trepar por ele adentro superou o medo que restava. Essa necessidade intensificou-se quando a mão dele agarrou na anca dela e a ergueu do assento, puxando-a para si tanto quanto o espaço confinado do veículo permitia. As coxas dela estavam agora em chamas e, antes de se conseguir reprimir, uma das suas mãos deslizou pelo peito dele e em torno do pescoço, onde agarrou com força o seu cabelo branco como a neve.
Kane estremeceu quando sentiu as unhas dela arranharem a sua pele sensível, criando um reflexo nas suas ancas e um grunhido no fundo do seu peito. Ele queria-a, mas mesmo muito. Uma buzina de um carro soou e Kane foi rapidamente relembrado de onde estavam. Foi preciso mais força do que ele julgava que tinha para libertar o corpo dela e praticamente se atirar de volta para o assento do condutor.
“Já estás sóbria?” – perguntou ele. Os músculos dos seus maxilares estavam contraídos e os nós dos dedos estavam brancos enquanto agarrava no volante e continha o seu apetite.
Tabatha levantou a mão para cobrir a boca enquanto pensava naquela estranha pergunta. Ao fim de alguns segundos, assentiu com uma expressão franzida. “Sim, és o quê, café instantâneo?”
“O que és tu?” Kane gozou com ela. “Completamente louca, é o que tu és. A falar de corações de vacas e demónios.”
Os olhos de Tabatha abriram-se mais quando um clarão de relâmpago captou a sua atenção ao iluminar a rua. Ela lambeu o lábio inferior, saboreando-o ainda, depois olhou para si mesma para se certificar de que as suas coxas não estavam mesmo a arder. O relâmpago surgiu de novo e ela inclinou-se para a frente, olhando para o céu à procura das nuvens da tempestade. Não vendo nenhuma, olhou de novo para Kane e percebeu que era ele que estava a provocar a tempestade.
“Acho que é melhor acalmares-te. Eu estava errada. Não és café instantâneo, és uma tempestade instantânea” – proferiu ela, endireitando-se no assento do carro. Ela não tinha reparado nisso antes, mas quando Kane se inclinara sobre ela, o seu vestido tinha subido tanto que quase revelava a renda das suas cuecas.
Kane esfregou as têmporas com os dedos e fechou os olhos…tinha de o fazer. “Faz-me só um favor. Mantém-te longe da Misery.”
“Foi assim que me curaste no escritório do Warren?” Tabatha sussurrou, sabendo de alguma forma que o sangue dele tinha acabado de eliminar cada gota de álcool que ela tinha consumido nessa noite. Já sentia falta da ausência de inibições, mas não ia chamá-lo de corta-festas com a disposição em que ele estava. Mas, tinha de admitir, se ele não tivesse cortado o beijo, isso tinha levado a outras coisas.
Dizer que ele estava instável seria um eufemismo se a forma como ele agarrava o volante fosse indicativo disso. Mas depois daquilo que ela estava prestes a fazer…talvez estivessem ambos instáveis.
Como ele não lhe respondeu, mas apenas fixou o olhar em frente e encolheu os ombros, Tabatha deu por si a ficar novamente irritada. “Tudo bem, leva-me para casa então. Ou melhor ainda, desanda daqui. Eu posso conduzir agora.”
Tabatha foi projetada para trás contra o assento quando Kane voltou a engrenar o carro e fez disparar o motor, quase saltando por cima da berma e entrando novamente no trânsito, ou no pouco movimento que havia àquela hora da noite.
“Talvez devesses ir descobrir em que raio de ninho é que o Kriss se meteu e juntar-te a ele, já que os dois gostam tanto de esconder segredos de mim!” – disse ela de forma sarcástica.
“Nunca ninguém te disse que não era boa ideia confrontar um vampiro?” Kane fez a pergunta numa voz ilusoriamente calma, ao mesmo tempo que se recusava a olhar para ela.
“Ainda estou viva” – retorquiu Tabatha.
“Por agora” – rosnou Kane, mas sentiu satisfação quando o resto da viagem foi feito num silêncio irritado.
Tabatha estava sentada no lugar do passageiro, ainda com os braços cruzados sobre o peito. Ela recusava-se terminantemente a pensar naquele beijo e, claro, também não quis pensar em como ele estava sensual ao pairar sobre ela, furioso ou não.
Assim que Kane encostou o carro junto à entrada dela, suspirou, passando a mão pelo cabelo quando ela saltou do carro e se afastou rapidamente como se tivesse sido mordida. Ele achou a ideia bastante irónica, tendo em conta que ele já a tinha mordido antes. Ao sair do carro, ele seguiu-a silenciosamente, mesmo sabendo que era errado.
Tabatha batera com a porta do carro atrás de si e correra para a entrada do seu apartamento. Assim que fechou a porta em segurança atrás de si, virou-se e passou alguns segundos a trancar as quatro fechaduras e o trinco, depois acendeu a luz da sala.
“Por agora, o caraças!” – olhou de relance para a porta, sentindo-se finalmente satisfeita por ter podido responder…até se ter virado. Tabatha deu um guincho quando viu Kane sentado no sofá como se fosse dono da casa e atirou-lhe um pequeno livro de bolso.
“Não foste convidado!” – insurgiu-se ela, aguardando depois para ver se ele desaparecia. Até foi bom ele não ter desaparecido, pois o riso histérico que se seguiria não seria muito agradável para ela.
“Raios, porque é que ainda estás aqui?” – exigiu ela saber, atirando os seus saltos altos na direção dele, satisfeita por ele ter tido de chegar uma perna para o lado para se desviar de um deles.
Para seu espanto, Kane manteve-se sentado, especado a olhar para ela, com aquela expressão enfurecedora que parecia uma mistura de raiva e divertimento. Ele cintilou e desapareceu por um segundo, depois ela ouviu o baque de algo a bater numa porta de cada lado. Tabatha não se conseguia mexer, pois ele imobilizara-a contra a madeira atrás dela. Ela ouviu trovejar dentro de si e sentiu o medo subir com o som.
Kane inclinou-se um pouco até que o seu rosto ficou quase a tocar o dela e inalou o aroma misto de raiva e medo que exalava dela. Era como um afrodisíaco e servia para o lembrar porque é que não tinha possuído a sua alma gémea assim que a encontrara. Quanto mais não fosse, lutava contra o instinto de a possuir contra a porta, de forma brusca e rápida.
Os deuses até os podiam ter ligado entre si, mas tinham errado na sua combinação. Para o bem dela, eles só podiam estar errados. Quando ele se inclinou para trás o suficiente para ver o rosto dela, ficou satisfeito por ver que a sua ira e medo ainda estavam presentes.
Tabatha sentia a franja do seu cabelo mexer com cada respiração dele enquanto que ele a olhava de cima com aquele olhar escaldante. Ela ficou extasiada ao ver as suas pupilas ametista aumentarem e depois começou a sentir desilusão a estremecer pelo seu corpo. Ela não queria esquecer.
“Antes que faças o teu passe de mágica…diz-me a verdade” – sussurrou ela – “Uma verdade real e sincera.”
“Uma verdade, querida?” Kane desceu o olhar para os lábios dela e baixou a cabeça até que os seus lábios quase roçavam os dela…não num beijo, as algo muito mais íntimo. “Sou mais perigoso para ti do que algum demónio alguma vez poderá ser.”
Tabatha pestanejou para evitar a luz do sol que espreitava pela janela e sentou-se na cama. Puxou os joelhos para si e abraçou-os, admirando a luz do dia que quase parecia fazer troça dela. Grunhindo para si mesma, bufou as repas para cima.
“Perigosíssimo” – resmungou. É tão perigoso que até me aconchegou na cama antes de sair.”
*****
Zachary olhava para o mapa na parede com a cabeça inclinada para o lado. Tinham assinalado cada evento estranho ocorrido nos últimos meses, tentando ver se algum padrão se formava. Tinham começado com apenas alguns pinos coloridos, mas à medida que foram encontrando mais documentação, os pinos tinham começado a formar um padrão.
Angelica pegou num marcador peto e desenhou um círculo em torno dos bairros e zonas circundantes. “A Misery tem operado dentro desta zona” – afirmou ela. “As outras ocorrências que encontrámos parecem corresponder a outros demónios que andam a ganhar coragem e a sair dos seus esconderijos.”
“E o que aconteceu na Love Bites?” Perguntou Trevor. “Essa não se encaixava propriamente no MO dela.”
“Poderemos ter de alargar a zona dela em breve” – propôs Chad. “E o corpo que encontrámos hoje?”
Todos estremeceram ao relembrar a cena. Tinham recebido uma chamada da polícia sobre o facto de terem encontrado um corpo de um jovem e acharem que eles deveriam vê-lo. O homem teria cerca de vinte anos de idade e usava vestígios de uma t-shirt com o nome da universidade local.
Quando lá chegaram, a polícia tinha isolado a zona com um raio adicional de cerca de cem metros. Chad achara aquilo estranho e fora falar com dois dos seus colegas das autoridades. Quando voltou, o seu rosto estava visivelmente mais pálido.
“O que foi?” Perguntara Zachary.
“Eles disseram que temos de ver por nós mesmos…é tão mau como o que tu descreveste no outro dia sobre o autocarro.”
À medida que os quatro se aproximavam, Trevor teve de respirar pela boca para evitar ficar maldisposto com o cheiro. O pior é que ele conseguia sentir o sabor acre e isso era igual ou pior. Zach dera-lhe uma máscara cirúrgica do bolso do seu casaco. Mantinha sempre umas à mão para situações como esta. Quando viram o corpo, até Zachary teve de se virar e respirar fundo algumas vezes.
O corpo tinha sido completamente dilacerado e tudo o que devia estar dentro estava virado para fora. O pior é que conseguiam ver onde é que algo tinha andado a comer partes, pois via-se que pedaços inteiros tinham sido arrancados. Longas marcas de garras cobriam a pouca carne que restava e os ossos estavam expostos, alguns deles partidos e espetados para fora.
As órbitas oculares também eram aterradoras, os olhos tinham sido arrancados. Parte do escalpe tinha sido arrancado e crânio tinha sido perfurado, com matéria cerebral ainda a escorrer lentamente pelo buraco. A boca tinha sido escancarada e deixada assim, tendo a língua sido devorada.
Grandes pedaços tinham sido puxados para fora do corpo e o estômago estava aberto. Angelica afastou-se da cena e cobriu a boca com uma mão para evitar a náusea. Não estava a ajudar.
“Pobre coitado” – sussurrou Zachary, ajoelhando-se junto do rapaz. Esta última semana tinha passado a voar com um frenesim de atividade demoníaca e ao que parecia, não estava prestes a abrandar tão cedo. “Qual é o termo oficial?”
“A polícia diz que foi um ataque animal.” Respondeu Chad.
Angelica abanou a cabeça. “Não foi um animal que fez isto” – retorquiu ela de forma áspera e dirigiu-se de volta ao carro. “Foi o túmulo.”
Zachary sacudiu a memória e tirou os olhos do mapa para olhar para Angelica. “O que queres dizer com isso, foi o túmulo?”
Angelica tinha uma expressão fechada – “Foi só isso que consegui sentir do corpo. Os ferimentos são quase demasiado antigos para eu conseguir detetar. Não sei como descrever melhor do que dizendo que foi o túmulo que o matou.”
Zachary afastou-se do mapa e foi até ao seu portátil que estava pousado na mesa do café. Fazendo ligação à PIT, enviou uma mensagem a Storm documentando os últimos acontecimentos. A sua resposta foi imediata.
“Parece que o Storm está a chamar os melhores jogadores da PIT.” Zachary informou os outros e fez uma pausa antes de olhar de novo para os colegas. “Ele chamou o famoso Ren, ele já está aqui.”
Trevor estremeceu visivelmente com a referência ao nome de Ren. Ren fora sempre o fantasma do grupo, mais uma lenda do que uma pessoa real, pois Storm fora o único com quem se encontrara. Uma vez, perguntara a Storm quem era o membro mais poderoso da PIT e Storm nem sequer hesitara na sua resposta. Mas se Storm ia enviar o seu segundo homem no comando, isso significava que iria enviar um exército logo a seguir.
Zachary e Trevor ambos sabiam o que isso queria dizer – a guerra ia começar.

Capítulo 3
Durante a sua adolescência, Ren tinha adquirido o hábito de aceder à base de dados da Equipa de Investigação Paranormal para se manter a par dos últimos acontecimentos. Também era suficientemente inteligente para depois destruir o computador que utilizasse para que não pudesse ser rastreado até ele. Era empolgante violar as firewalls definidas numa divisão do governo que supostamente nem existia.
A equipa de investigação paranormal, também conhecida como P.I.T., sabia que Ren seguia as suas missões e subtraía as suas informações encriptadas, mas até ao momento nunca o tinham apanhado e nunca tinham encontrado uma firewall suficientemente resistente para o manter afastado do seu sistema privado. Ren não só lhes roubava dados, mas ainda deixava para trás informações das suas próprias investigações paranormais.
Ao fim de vários anos, o diretor da PIT tinha começado a deixar mensagens a Ren por trás das mais resistentes e encriptadas firewalls que ele já tinha visto. Foi por trás dessas barreiras que Ren se juntou secretamente ao esquivo grupo da PIT, mas apenas nos seus próprios termos: que ele pudesse trabalhar sozinho.
Quem quer que fosse que estivesse por trás dessa barreira não só sabia o seu nome, como também mais algumas coisas sobre ele que mais ninguém sabia. Como o facto de ele não ser totalmente humano. Só quando ele enfrentou um demónio de nível sete que começara um culto carnívoro no Congo e ficou gravemente ferido é que o diretor da PIT o descobriu.
Ren estava a meio de um combate com o demónio e praticamente a ser derrotado, quando uma mão lhe agarrou o ombro. Quando deu por si, estava numa pequena ilha privada no meio do oceano. Ren virara-se para ficar frente a frente com o homem por trás das barreiras encriptadas – Storm.
Ren sacudiu a cabeça ao lembrar-se desses primeiros momentos. Storm tinha todo o aspeto de um cantor de banda de rock dos anos 80, não da grande mente por trás do grupo de pessoas mais secreto do mundo.
Storm apenas sorrira e removera a mão que ainda lhe agarrava o ombro. “Estás a tentar reformar-te da PIT da forma mais dura e rápida? Porque é que não ficas por lá mais um pouco? Não gostava nada de perder o meu melhor amigo antes mesmo de termos a oportunidade de nos tornarmos amigos.”
“O quê?” Ren encolheu-se, levando a mão ao peito onde o demónio tinha tentado arrancar o seu coração.
“Desculpa”, suspirou Storm esticando-se novamente na direção dele. Subitamente, estavam nas instalações metade subterrâneas, metade subaquáticas que estavam ocultas nas profundezas da ilha. “Não há aqui ninguém com o poder de curar, mas posso sempre levar-te a alguém que o consiga fazer, se preferires.”
“Não”, rosnou Ren. “Se me deres agulha e uma linha, acho que consigo ficar num sítio só durante uns minutos.” Inclinou-se sobre um armário, tentando manter-se fora do alcance de Storm. “E se me tocares outra vez, vais ficar sem a mão.”
Storm riu-se e abriu um dos armários superiores, acenando com a mão para mostrar todos os suprimentos médicos. O seu sorriso desvaneceu quanto Ren desapertou a camisa e Storm viu os golpes profundos que o demónio tinha feito. Mais alguns segundos e Ren teria sucumbido.
“Acho que, como tens um fetiche por demónios, poderás ter de aprender um pouco sobre eles antes de desafiares um deles para lutar.” Storm desviou o olhar das marcas das garras, já sabia qual seria o aspeto das marcas. Já conhecia Ren há muito tempo. Aquela amizade ainda não estava formada.
Ren esticou o braço para o armário aberto e agarrou no que parecia um kit de pontos esterilizado, depois dirigiu-se ao espelho pendurado na parede. “Se conheceres um demónio, é como se já os tivesses conhecido a todos, certo?” Não conseguia disfarçar o sarcasmo na sua voz enquanto tentava mentalmente bloquear a dor. Não estava a funcionar.
“Errado.” Storm corrigiu-o – “Só sabes aquilo que eu permiti que fosse carregado na base de dados.” Sentou-se na cama de hospital que estava no meio da divisão.
Ren olhou pelo espelho para o homem atrás dele. As coisas ocultas naquela base de dados eram o suficiente para incendiar o mundo, ao ponto da mera existência dessa base de dados ser um perigo. Era difícil de acreditar que ainda pudesse haver mais. Mas ele também sabia de algumas coisas que nem sequer estavam na base de dados.
“Estou a ouvir.” E ele ouviu, durante semanas.
O Storm estava certo em manter a informação que tinha partilhado fora dos arquivos, pelas mesmas razões que levavam o Vaticano a manter arquivos em cofres secretos. Se algumas destas informações chegassem à população normal, seria o fim do mundo como o conhecemos.
Ren sabia, sem sombra de dúvidas, que ele ainda estava a reter informações porque, quaisquer que fossem os deuses que lhe tinham dado o poder de saltar através do tempo e do espaço, também tinham garantido que seria perigoso para ele contar a alguém o que quer que fosse para além do momento presente. Podia ser o melhor professor de história do mundo. Mas se Storm tentasse contar a alguém sobre o futuro, isso poderia romper o vínculo espaço-tempo…e o vínculo era o próprio Storm.
Também estava certo em relação à sua amizade. Eles tornaram-se amigos desde o primeiro dia e isso já era muito, tendo em conta que nenhum deles confiava em ninguém. A verdade é que eram muito parecidos em vários aspetos.
O pequeno refúgio de Storm na ilha era, na verdade, proveniente do passado, mas Storm dera-lhe todos os confortos de uma mansão moderna e base futurista. Um lado do edifício dava a Ren a sensação de estar num enorme aquário, enquanto o outro lado estava embutido na rocha robusta que rodeava a ilha. A maior vantagem do local era o isolamento completo. Este era o único local onde Ren podia vir em que nada de paranormal poderia tocá-lo, à exceção da capacidade de Storm de saltar no tempo.
À primeira vista, pensara que Storm estaria apenas na casa dos vinte anos, mas depois de o conhecer há mais de dez anos, Storm não envelhecera um único dia, por isso perguntava-se há quanto tempo é que Storm andaria por aí. Até o próprio envelhecimento de Ren tinha abrandado por causa de passar tanto tempo com Storm e os seus poderes.
Ren recuou quando uma voz o sacudiu dos seus pensamentos.
“Acabei de te tornar no orgulhoso proprietário de uma das casas mais antigas de LA” – anunciou Storm, aparecendo ao fundo do longo cais que o levava para fora da ilha. Esboçou um sorriso afetado ao ver Ren praticamente saltar fora da sua pele.
“Raios, importas-te de fazer algum ruído quando apareces assim do nada?” Ren virou-se e encostou-se à balaustrada, vendo o olhar satisfeito no rosto de Storm.
“Estavas à espera de outra pessoa?” Storm riu-se.
Ren dirigiu-lhe um olhar irritado, já que nunca ninguém tinha posto os pés na sua ilha. “Ok, vou morder o isco. Porque é que me compraste um barraco velho e degradado? Nem sequer faço anos.”
Sem aviso, Storm dirigiu-se a ele e agarrou o ombro de Ren e o oceano afastou-se, deixando-os de pé na relva e de frente para o que poderia ser uma mansão gótica moderna feita de pedra escura. Ouvindo o rebentar das ondas, Ren olhou para a direita para ver o mar. Virando-se num círculo completo, franziu o sobrolho ao notar que a estrada de acesso se prolongava até perder de vista e o lado esquerdo consistia apenas numa espessa floresta.
“Não mau para uma cabana degradada” – Storm acenou na direção da casa. “Duzentos metros quadrados de mar à frente e remodelada com todas as atualizações. É difícil de acreditar que isto já tenha sido um pequeno castelo.
“Nem é muito” – Ren virou a cabeça e olhou para Storm. – “Qual é a contrapartida?”
“LA precisa de ti” – Storm encolheu os ombros e avançou. “Não consegues senti-lo?”
Ren não respondeu enquanto seguia Storm para entrar na casa. A verdade é que o seu sensor de aranha lhe dizia para fugir a correr. Los Angeles… Para já, parecia-lhe mais umas férias forçadas.
Uma vez lá dentro, deu por si num enorme espaço circular com uma escadaria sinuosa e aberta no lado oposto da divisão, levando ao piso superior que se dividia em duas alas separadas. Storm dirigiu-se às enormes portas duplas à direita, por isso Ren suspirou e seguiu-o.
“Isto já é mais o meu estilo”. Ren respirou fundo ao ver sistemas de monitorização de uma parede a outra e uma secretária de vidro com computador integrado.
“Achei que ias gostar disto”. Storm esticou-se no sofá isolado num canto vazio da divisão enorme. Observou Ren enquanto este deslizou para trás da secretária e começou a investigar os controlos. “Ninguém te consegue rastrear aqui, a não ser talvez tu mesmo…e felizmente, tu não contas.”
Storm viu os olhos do amigo brilhar quando Ren pairou as mãos sobre o teclado. Era um poder estranho de se ter e ele não conhecia mais ninguém que o conseguisse fazer, mas era assim que Ren conseguia invadir as firewalls da PIT, que eram cem anos mais avançadas que as que o governo já tinha. Ele estava literalmente a sugar toda a informação daquele computador e, imaginava ele, ainda lhe estaria a ensinar uma coisa ou outra.
Era engraçado, pois Ren não parecia nada um típico nerd de informática. O seu aspeto era bastante impressionante. Já tinha visto mulheres a tropeçar nos próprios pés só de olhar para ele.
O seu cabelo passava um pouco dos ombros, de um tom negro intenso com reflexos azulados quando o sol incidia da forma certa. Mas, mesmo sem sol, não era possível passar ao lado das suas espessas madeixas prateadas que davam a Ren um aspeto mais rebelde. A juntar a isso, o brinco com cruz pendente e o facto de ele usar sempre roupa preta formavam uma combinação bastante marcante. Para potenciar ainda mais o efeito, as íris de Ren eram como prata polida, com realces azulados, e um aro negro à volta. Ele usava sempre óculos escuros devido à sua excentricidade.
O que mais o deixava perplexo em relação a Ren era o facto de os computadores serem uma das coisas que deixavam Ren feliz no que tocava aos seus poderes. Ren era um súcubo em todos os sentidos. Se ele estivesse perto de um computador, ele alimentava-se da energia do computador quase como se de uma transferência se tratasse. Mas esta forma de súcubo também lhe permitia obter os poderes de alguém e usá-los para seu próprio benefício.
Por exemplo, se estivesse próximo de um ser metamórfico, também ele poderia realizar metamorfose. Se estivesse perto de um demónio, teria todos os poderes que aquele tipo de demónio tivesse, mas a desvantagem é que seria como usar um espelho. Não poderia retirar os poderes do demónio. Ambos os lados teriam os mesmos poderes, por isso nem sempre era uma situação vantajosa. Sobretudo se o adversário tivesse os poderes há mais tempo e soubesse usá-los melhor.
Uma forma de Ren usar isso a seu favor era quando havia mais de um poder paranormal ao seu alcance, podendo assim usá-los todos em seu proveito.
Outra falha era o facto de Ren não se dar bem com os outros, por isso recusava um parceiro, o que era mesmo lamentável. Storm poderia tê-lo apresentado a pessoas poderosas e ele poderia ter espelhado qualquer um deles. Mesmo agora, se Ren se quisesse teletransportar para o outro lado do mundo e cinquenta anos para o passado, poderia fazê-lo. Felizmente, não se interessava por esse tipo de coisa. Ele via a luz nos olhos de Ren esmorecer enquanto voltava do mundo do ciberespaço.
Ren piscou os olhos e afastou as mãos do teclado para se inclinar para trás na sua cadeira giratória. “Ninguém sabe que estou aqui?”
“Só o Zachary” – Storm admitiu que sabia que iria ter de se debater com Ren em relação a isto. “Vou pedir ao Zachary que vigie a maioria daqueles que já cá estão”.
“Porque é que isso não me soa nada bem?” Ren estreitou os olhos, mas teve a sensação de que não valia a pena lutar nessa batalha. “Qual é a cena da mansão e deste cenário todo? Porquê o suborno?”
Storm levantou uma sobrancelha. “É um bocado difícil subornar alguém que pode chegar a um multibanco e pedir-lhe dinheiro.”
“Estás a evitar a pergunta.” – atalhou Ren.
“Deixei-te esconder das equipas de investigação paranormal durante este tempo todo. Aliás, até me juntei a ti na solidão mais vezes do que devia.” Storm levantou a mão quando Ren começou a rebater. “Sempre disseste que me ficavas a dever um favor. Estou a cobrá-lo agora.”
“E o que seria esse favor?” – a voz de Ren perdera a sua dureza devido à sua honra. Storm tinha razão, tinha uma dívida de vida para com ele e Storm não a cobraria por motivos frívolos.
Storm começou a caminhar de um lado para o outro em frente à secretária. “A única resposta verdadeira que te posso dar agora é que estás aqui para me ajudar a lutar. Estou a cobrar muitos favores com isto. Vou trazer os melhores elementos das equipas PIT aqui para a cidade e tu acabaste de ser promovido a segundo comandante.”
“Que sorte a minha.” O facto de isto ter sido dito sem qualquer emoção foi ignorado por ambos.
“O Zachary ficará no comando caso nos aconteça alguma coisa” – Storm fez questão de adicionar. “E mais cedo ou mais tarde, vocês os dois vão ter de trocar informações, sobretudo se não for possível contactar-me.”
“Isso também não me soa bem” – Ren ficou em silêncio enquanto ponderava porque é que Storm não tinha já as respostas às suas próprias questões. Para alguém que conseguia viajar para o futuro, era estranho não saber quem sairia vitorioso de uma batalha.
“Não vou estar por aqui durante algum tempo porque vou ter de ir caçar a maioria das equipas. Embora trabalhem aos pares, têm o irritante hábito de desaparecer do radar e formar as suas próprias missões quando passam por eles.” Passou as mãos pelo cabelo. – “Até para mim vai ser difícil localizá-los.”
“E quando os largares aqui, vou ter de tomar conta dessa gente?” Perguntou Ren à espera de esclarecimento.
“Não” – Storm abanou a cabeça, sorrindo com a ideia. “Estas pessoas não são crianças. O trabalho delas é o mesmo que o teu: proteger a cidade. Se comunicam entre vocês ou não já será problema vosso. Mas com os teus poderes, podes fazer uma grelha da cidade e informá-los onde são os pontos de conflito. Esta é só a base de operações por agora. Tu e o Zachary serão os únicos que me poderão contactar se eu não estiver aqui.”
“A sério?” Ren balançou a cadeira para trás e para a frente, começando a ficar intrigado com todo aquele mistério. “E eu que pensava que eu é que era o antissocial de nós os dois” – apontou Ren. “Estás a planear desaparecer?” Era suposto ser uma piada, mas quando notou a hesitação de Storm, parou de balançar a cadeira.
Storm esfregou o pescoço, tentando ser cuidadoso com as palavras: “Sou um viajante no tempo nesta dimensão, mas se houver uma zona em que as paredes dimensionais tenham sido estreitadas ou rompidas, elas rejeitam o meu poder.” Isto era um eufemismo.
A leitura de Storm tinha-se tornado uma ciência para ele e Ren percebeu subitamente a razão pela qual Storm não sabia quem venceria a batalha. “Estou a seguir-te, para já” – disse.
Storm dirigiu-se à enorme janela virada para o mar e bateu no vidro. “Este vidro é mais do que à prova de bala.” Suspirou enquanto se virava e encostava a ele. “Mas não é à prova de maldade.” Ele acenou a cabeça na direção do sofá de onde tinha acabado de sair e sussurrou palavras há muito esquecidas pela história.
Ren inquietou-se quando o teto e o chão se acenderam num vasto círculo que abrangia todo o lado direito da sala, com o sofá mesmo no centro. Até via as paredes de barreira luminescentes a fazer a ligação entre o círculo do teto e o círculo do chão.
“O que é isso?” – tentou disfarçar o assombro na sua voz, mas falhou miseravelmente.
“Em termos leigos…é uma armadilha de demónios.” Storm respondeu aproveitando o facto de ter oficialmente surpreendido Ren, o que era algo difícil de conseguir. “Vai lá…passa através da barreira. Não te vai magoar.”
Ren esticou o braço, mas parou antes de tocar nela. “Devo esperar um visitante demoníaco?”
Storm inclinou a cabeça – “Deixa-me lembrar-te de uma coisa. Se um filho dos caídos se aproximar de ti, és tu que te transformas no demónio.” Ele baixou a voz, tornando-a arrepiante ao dizer “o demónio”. Ele e Ren não estavam bem de acordo sobre esse assunto. Ren ainda tinha preconceitos em relação a tudo o que não compreendesse.
Ren deu um passo atrás enquanto pensava no que Storm acabara de dizer. Até demorou alguns segundos a pensar numa boa resposta para lhe dar. “Pelo menos serei eu a saber onde está a chave da jaula. A questão é: como é que os ponho lá dentro? Ponho biscoitos de demónio no sofá?”
Storm sorriu e empurrou Ren na direção do círculo.
Ren girou e voltou a vir na direção de Storm, mas foi de encontro a algo que lhe parecera gelo. Recuando, colocou as mãos de encontro à barreira e piscou os olhos ao ver as paredes ondular na zona em que lhes tocava, como se a superfície da barreira fosse feita de água.
Sacudindo-a outra vez, grunhiu para Storm: “Não sou um demónio!”
Storm levantou uma sobrancelha. “Bom, ainda bem que tivemos este momento.”
Ren sacudiu a parede de…o que quer que fosse.
“Relaxa, eu afinei o feitiço o suficiente para que ele prenda tudo o que não seja humano e como tu és um súcubo e eu estou dentro to alcance…” – sorriu outra vez, sabendo que esta era uma lição que Ren precisava de aprender – “A não ser que me queiras chamar um demónio?”
“Entendido. Empurrar a coisa para o círculo e não entrar na minha própria armadilha. Agora deixa-me sair.”
Storm repetiu o feitiço, praticamente da mesma forma como tinha feito da primeira vez, mas com duas sílabas diferentes.
Ren aprendia rapidamente e já tinha memorizado ambos os feitiços antes de voltar à segurança da sua secretária. O silêncio prolongou-se até Storm ter percebido que o humor do momento anterior se tinha desvanecido e só aí voltou a falar.
“Este castelo costumava estar na Escócia. Trouxe-o para aqui, tijolo a tijolo, e reconstruído durante a corrida por terra, mas as atualizações são mais recentes. Há armadilhas de demónios em quase todas as divisões e só tu é que as podes acionar.”
“É lindíssimo” – assentiu Ren, perguntando-se onde é que Ren quereria chegar. Por vezes, as histórias dele eram mais longas que as de um velhote, à medida que ele começava a deambular pelas suas memórias intemporais. Era-lhe permitido falar sobre o passado o quanto quisesse, mas era perigoso para ele divulgar algo sobre o futuro.
Uma vez tinha perguntado a Storm porque é que ele não passava o seu tempo a voltar atrás no tempo e corrigir todos os erros da humanidade, como eliminar Hitler. Tinha sido aí que Ren lhe tinha revelado que os seus poderes tinham limites. E alterar a história humana era um deles.
“Este castelo foi um presente de casamento para um amigo muito próximo.” Storm olhou pela janela que abarcava a vista da terra descampada a cair no mar. Era verdadeiramente arrebatadora. Ele engoliu em seco, afastando aquela memória assombrosa por agora.
Olhando para trás para Ren, Storm perceber que, pelo menos desta vez, alguém para além dele precisava de ter uma ideia do que estava para vir. Já que o poder dele implicava regras irritantes que o impediam de o ver algumas das coisas mais importantes e o proibiam de manipular os assuntos do coração, ele teria de arranjar um motivo muito bom para que Ren quisesse ficar.
Já sentia a dor a perfurar-lhe a mente por causa das regras que estava prestes a quebrar, mas ignorou-a.
“Este castelo não vai ficar aqui muito mais tempo, a não ser que eu consiga mudar o futuro.” A sua voz assumiu o tom de raiva que sentia enquanto combatia a dor. “Antes de ter decidido trazer-te aqui, fui ao futuro várias vezes, apenas daqui a uns anos. Em todas as vezes encontrei um resultado diferente e isso deve-se a um desvio dimensional, ou vários, a acontecer aqui mesmo, em LA.”
Storm limpou o sangue que lhe começava a pingar dos olhos e do nariz. “Da última vez que vir até aqui a pé, parte do castelo tinha colapsado e as paredes que tinham resistido tinham sangue seco pelo sol, embutido no tijolo.”
“Cala-te” – Ren olhara para ele e não gostara da forma como a cor se tinha esvaído do seu rosto quando o sangramento começara. Storm sempre tinha feito piadas sobre não poder contar a ninguém o seu futuro. Dizia que isso o mataria, mas Ren não achava graça nenhuma a esse cenário, já que era verdade. “Já percebi a ideia geral, o resto vou descobrir por mim mesmo.”
Storm inclinou-se para trás na cadeira que apoiava a sua cabeça – “Estou a tentar equilibrar as probabilidades, elevando LA tanto quanto possível.”
Ren levantou-se e contornou a secretária, agarrando o ombro de Storm e, num instante, eles estavam de volta à ilha. “Se alguma vez voltares a tentar contar-me o futuro, vou dar-te uma coça.”
Quando Storm se voltou a equilibrar e perceber onde estava, já Ren tinha desaparecido. Sentindo a dor de cabeça lancinante, que provavelmente iria durar dias, sorriu, pois sabia que tinha valido a pena. Ren já estava a postos e, agora que Angelica estava dentro dos limites da cidade, ela poderia extrair outro poder oculto que poderia virar completamente o jogo a favor deles. Precisavam dos deuses do seu lado.
*****
Ren passara a última semana a mapear a cidade caminhando pelas ruas. Sabia, pelos documentos que tinha transferido da PIT, onde estavam alguns dos não humanos, mas enquanto caminhava ou conduzia a sua mota, conseguia pressentir poderes que não pertenciam às coisas daquela lista.
Virou-se para o enorme ecrã que cobria uma das paredes do escritório, abrindo o mapa de grelha sobre ele e inclinando-se para trás na cadeira por trás da secretária. Para qualquer outra pessoa, o mapa poderia fazer lembrar uma decoração natalícia, já que estava repleto de pioneses com luzes coloridas.
Eram as cores que ele estava a estudar agora. Conseguia ver exatamente onde estavam os metamórficos. Até tinha visitado o Moon Dance e o Night Light. O canto do seu lábio estremeceu com a recordação. Tinha cometido o erro de pedir um Heat e tudo tinha corrido bem, até decidir terminar a noite e voltar para casa. Quando vinha a meio do caminho, já estava bem fora do alcance dos metamórficos, mas completamente bêbado.
O território dos metamórficos estava iluminado sobretudo por luzes verdes com alguns pioneses vermelhos e azuis. Os azuis representavam a equipa PIT posicionada nessa zona e tudo o que lá acontecesse, era com eles. O mesmo se aplicava à alcateia.
Para ele, Michael, Damon e Kane eram uns descontrolados, o que lhes valera a cor amarela e a sua prole desalmada, esgueirando-se pelas sombras da cidade, tinha uma adequada cor vermelho-sangue. Pelo menos, esses cobardes tinham a simpatia de se recolher em grupos durante o dia e tendiam a manter-se em grupos à noite, tornando mais fácil detetar o seu território de alimentação.
Com os caídos, a história era bem diferente. No início, tinham sido difíceis de localizar, mas recentemente andavam tão instáveis que ele desistira, embora soubesse quando eles estavam por perto – podia senti-los. Pensou na lição de história que tinha recebido de Storm.
A versão resumida era que os caídos quase tinham destruído o seu próprio mundo ao invadir a nossa dimensão e roubar algumas das nossas mulheres, só porque achavam que elas eram lindas. Roubar humanos ainda só tinha sido o seu primeiro erro. Uma vez chegados ao outro lado do buraco de minhoca, os caídos tinham feito turnos a procriar com as mulheres roubadas.
O problema é que as crianças que nasceram dessas uniões não eram o que eles esperavam e o nascimento matava sempre as fêmeas humanas.
Apenas uma pequena percentagem das crianças nasciam caídos de sangue puro e apenas uma em várias centenas era fêmea. O resto eram demónios – híbridos que não sangue puro de nada. A maioria dos híbridos era aquilo a que os humanos chamavam de monstros. Quando esses monstros se viraram contra os seus próprios criadores, os caídos começaram a erradicar todos os híbridos do seu mundo, quer eles fossem monstros ou não.
Uma vez acabado aquele genocídio, perceberam que agora tinham dezenas de machos para cada fêmea no mundo. Por isso, os idiotas tinham voltado pelo buraco de minhoca, desta vez mantendo as suas criações do nosso lado, ao mesmo tempo que acasalavam com o máximo de mulheres que podiam, o mais rapidamente possível.
À medida que as crianças nasciam e as mães morriam, os caídos recolhiam os caídos de sangue puro e levavam-nos para o seu mundo, deixando para trás os híbridos. Como não precisavam das crianças do sexo masculino que nasciam, treinavam-nas para lutar contra os seus irmãos mestiços.
Mesmo antes desses rapazes chegarem à puberdade, os líderes dos caídos enviaram-nos de volta para cá e fecharam o buraco de minhoca entre as duas dimensões, encalhando todas as crianças aqui, à exceção das fêmeas caídas, por quem tinham sacrificado tantas vidas.
A história não acabava ali. Esses jovens guerreiros tinham sido treinados para fazerem a mesma coisa que os seus pais tinham feito – rasgar aberturas para a dimensão vizinha, desde que não fosse aquela que levava ao seu mundo de origem. Esse novo mundo existia tão próximo de nós que ficava apenas a um piscar de olhos de distância. Seria de presumir que fora daí que surgira a teoria sobre o Inferno. Tão perto que alguns humanos com sentidos mais apurados podiam por vezes vê-lo e senti-lo.
Ao procurarem os híbridos, os guerreiros descobriram que muitos dos seus rivais eram tão poderosos como os caídos de sangue puro. Houve derramamento de sangue de ambas as partes e também foi documentado que alguns dos caídos foram arrastados para a dimensão alternativa com os híbridos.
As grandes mentes por trás desses assassinatos que tinham enviado para cá os seus filhos sabiam que era uma sentença de morte. Tinham planeado que os seus descendentes se matassem entre si e limpassem a desordem que eles tinham deixado para trás.
Apenas uma mão cheia desses rapazes ainda deambulavam pela terra e a maioria era mais nova que a primeira remessa, tendo chegado depois do rescaldo da guerra e dos híbridos se terem dispersado. Na opinião de Ren, era aqui que as coisas se complicavam. Nem todos os híbridos eram propriamente demoníacos. Se não fossem detetados, poderiam misturar-se com os humanos e os animais, uma vez mais reproduzindo-se durante mais de um milénio.
O grande segredo que Storm tentava proteger era o facto de a maioria das criaturas, metamórficos e lobisomens, ou humanos com a mais pequena capacidade anormal, serem muito provavelmente descendentes de um desses híbridos, incluindo os poderes de súcubo que ele próprio usava para os encontrar e enfrentar. Ren ainda se sentia incomodado com a ideia de ele próprio ser parcialmente híbrido.
Em sua defesa, Ren tinha quase a certeza de que os demónios que matara no passado não tinham qualidades de redenção, ou então poderia sempre alegar autodefesa, porque eles tinham certamente tentado matá-lo.
Para tornar tudo ainda pior, Storm ainda tinha largado a bomba de que alguns híbridos originais não eram maléficos, embora transmitissem a mesma aura que um demónio de alto nível. E se isso não lhes desse dores de cabeça suficientes, ainda se juntava o facto de um vampiro nem ser de todo um híbrido, mas algo totalmente diferente que tinha invadido a terra.
Ren esfregou a têmpora esquerda enquanto olhava para o mapa de grelha. Todas as zonas que encontrara onde sentira um aumento de poder estavam iluminadas com uma luz negra e, tendo em conta que Misery nunca ficava no mesmo lugar, constituíam a maior parte da cidade. Porém, considerando que ela tinha um fetiche por vampiros sem alma, ele só a podia deixar reclamar zonas próximas do ninho dos vampiros.
Isso deixava muitos poderes por enumerar e algures pelo meio deles estava a razão para a profecia sangrenta de Storm. Por falar em Storm, já não o via desde que tinha levado os seus poderes divinatórios de volta para a ilha e até agora ainda não tinha aparecido ninguém que pertencesse à equipa PIT.
Ren esboçou um sorriso afetado, sabendo exatamente como atrair a atenção de Storm. Estava tão sintonizado com o sistema informático de alta tecnologia que já não tinha de fazer mais nada a não ser estar na mesma divisão em que ele estava. Observou o ecrã do computador a piscar enquanto se ligava ao sistema principal da PIT, depois introduziu o mapa de grelha por entre as densas firewalls que apenas ele e Storm conseguiam contornar.
Geralmente, apenas esperava alguns minutos até Storm responder ou aparecer, por isso quando os minutos foram passando sem resposta, Ren ficou preocupado. Depois o ecrã piscou.
Storm surgiu no ecrã para que Ren o visse e baixou um pano manchado de vermelho do seu nariz, antes de se reclinar na cadeira e sorrir para Ren através da webcam.
Ren franziu o sobrolho perante a cena e reparou que Storm estava em casa, na ilha. “Estou surpreendido por não teres aparecido em pessoa, mas realmente parece que andaste outra vez a quebrar as regras” – censurou Ren, com uma sobrancelha levantada.
“O fluxo de tempo na tua zona está a impedir-me de saltar e a dar-me uma dor de cabeça do caraças.” Storm explicou-se segurando no lenço ensanguentado no punho.
“Então pára de tentar” – retorquiu Ren.
Storm acedeu – “Vamos ter de nos manter em contacto desta forma até as coisas acalmarem um pouco do teu lado. Por agora, vais ter equipas PIT a chegar e está na altura de aprenderes a trabalhar com eles para o bem de todos. Já que tens memória fotográfica e já leste os ficheiros deles, de certeza que vais saber mais sobre eles do que eles sabem sobre eles próprios.”
“Então vais finalmente pôr-me no meio de um monte de pessoas com poderes? Isso será uma jogada inteligente? E se eu não me conseguir controlar?” Ren fez a pergunta desagradado com a ideia de trabalhar com mais alguém para além de Storm.
Storm sorriu e encolheu os ombros – “A prática leva à perfeição, Ren e tu estás prestes a ter um curso intensivo sobre interação humana. O Zachary e a Angelica vão mudar-se para aí para poderem aceder ao banco de dados e a todo o equipamento que guardei no castelo. Também vão tratar da maioria das equipas PIT que vão chegar aí. Quanto a ti, o teu trabalho é tentar descobrir o que raio é que está a provocar o fluxo de tempo e a barrar-me o acesso à zona.”
Fez uma pausa de alguns segundos antes de se inclinar na direção do ecrã. “Tens gente à tua porta.”
O vídeo perdeu a ligação subitamente, deixando Ren a olhar para o ecrã com ar surpreso. Uma batida forte na porta fê-lo olhar para a entrada e depois de volta para o ecrã vazio.
“Detesto quando ele faz isto.” Ren resmungou e levantou-se da cadeira, pegando nos óculos de sol para esconder os olhos.
Passando pelas portas duplas abertas que levavam ao hall de entrada, Ren abriu a porta e fitou os seus visitantes, que viriam a ser os seus colegas de casa.
Zachary sorria enquanto olhava para o homem do outro lado da entrada. “É bom finalmente conhecer o verdadeiro ‘ás na manga’ de que o Storm fala desde que o conheço.”
Ren rangeu os dentes, mas aceitou a mão estendida de Zachary e acenou a Angelica antes de se afastar para o lado para os deixar entrar. Conhecia todas as caras do elenco da PIT e quais eram os seus dons. Tinha feito questão de memorizar os perfis de todos os membros da PIT pouco depois de Storm o ter acolhido.
Storm tinha adicionado notas à versão bloqueada dos perfis, que Ren transferira mentalmente também. Storm tinha razão – provavelmente sabia mais sobre eles do que eles sabiam sobre eles próprios.
Zachary era um miúdo meio rebelde, com o que Storm tinha descrito como uma dupla personalidade – num minuto, Zachary estava a brincar e no seguinte já era capaz de ser tão mortífero como uma cobra assanhada. Tinha visto notícias sobre o incêndio que destruíra a casa de um barão da máfia há uns tempos atrás e toda a situação tinha o nome da PIT, mais especificamente do Zachary, muito bem estampado. Na manhã seguinte, Zachary submetera o relatório no sistema da PIT e confirmara as suspeitas de Ren.
O poder de Angelica era um pouco mais complicado, sendo capaz de matar demónios usando a magia com que tinha nascido. Uma vez, Storm referira-se a ela como ‘a chave’, mas nunca disse o que é que ela abria.
O ficheiro dela era o maior de todos, como se Storm tivesse documentado todos os movimentos dela desde a nascença. Ren não percebia porquê, mas de momento também não queria saber. Sem uma palavra, fechou a porta e dirigiu-se à divisão que servia de escritório. De alguma forma sabia que o iriam seguir.
“Então…” – disse Zachary ao fim de menos de um minuto de silêncio incómodo – “Gostas de viver aqui sozinho?”
“Não” – disse Ren. “Tenho novos colegas de casa.”
Angelica esboçou um sorriso ao ver a expressão perplexa que surgiu no rosto de Zachary. “Acho que ele está a tentar quebrar o gelo.”
“Não está a correr muito bem” – respondeu Ren, sentindo-se já apertado.
“Eu sei” – admitiu Angelica. Reconhecia um tipo solitário quando o via.
Zachary dirigiu um olhar de gozo a Angelica. “Ei, era suposto estares do meu lado.”
“Porquê?” Angelica riu. “Acredites ou não, alguns de nós podem passar dias de boca fechada. Já tu… É uma grande sorte passar dois segundos sem te ouvir a tagarelar sobre qualquer coisa.”
“Também sei ficar calado!” Zachary exclamou. “Vais ver!”
Zachary começou então a esticar-se no sofá e cruzou os braços sobre o peito, com os lábios comprimidos numa linha fina. Angelica revirou os olhos antes de se levantar para ver melhor o sistema informático que Storm tinha criado.
Ren observou-a de perto, pronto para responder a quaisquer questões que ela pudesse ter e olhou de relance para Zachary. Por algum motivo, o outro homem tinha encontrado algo muito fascinante nos botões da sua camisa. Ren fez uma contagem mental de cinco para um antes de ocorrer a inevitável explosão.
“GAH!” Zachary gritou. “Não aguento isto.”
Ren riu-se, fazendo com que Angelica e Zachary olhassem para ele com surpresa. Não durou muito e Ren passou a mão pelo cabelo antes de receber os outros. “Estejam à vontade para explorar o castelo, há imensos quartos.” – disse ele assim que os vestígios de humor desapareceram do seu rosto.
Angelica acenou – “Vou buscar a minha mala.”
Quando ela saiu, Ren olhou para Zachary e deu por si frente a frente com o outro lado da sua personalidade borbulhante. “Estou curioso. Quais são os teus poderes?”
“O teu” – Ren esboçou um sorriso afetado – “e o da Angelica e o de qualquer pessoa que estiver ao alcance do meu súcubo.”
Zachary virou a palma da mão para cima e abriu-a, visivelmente satisfeito por ainda ter os seus poderes.
“Eu não disse que retirava o teu poder” – Ren encolheu os ombros, recusando-se a fazer truques de cortesia para demonstrar o que estava a dizer. Fixou o olhar nos olhos de Zach e viu o homem perturbado por trás da máscara. “Ao aproximares-te de mim, estás a dar-me o mesmo poder” – afirmou ele para ser mais claro.
“Eu tomo conta da Angelica enquanto ela estiver aqui” – anunciou Zach do nada.
“Eu não sou ama de ninguém, podes tomar conta de toda a gente que aparecer” – corrigiu Ren. “Não é esse o meu trabalho.”
Zach acenou como se tivesse acabado de ganhar uma guerra de estratégia – "Eu sei que o Storm está a reunir um exército."
Ren assentiu – “Sim.”
“Ele vai precisar” – Zach esfregou as mãos nas pernas e levantou-se. “Quem mais é que ele chamou para isto?”
“Tanto quanto sei, quase toda a gente” – respondeu Ren. “Mas há alguns que ele não conseguiu localizar.”
“Há alguma coisa que eu possa fazer para ajudar?” Perguntou Zach.
Ren fez um gesto com a cabeça na direção do computador. – “Encontra aqueles que o Storm não conseguiu encontrar. Ele fez uma lista de todos os que ainda estão desaparecidos em combate.”
Zach sorriu e caminhou na direção do computador. “Vejamos quem é que o todo poderoso não encontrou.”
Ren observou, completamente fascinado com a sua total mudança de atitude. Não sabia de que lado gostava mais – mas sabia em qual é que confiava mais.

Capítulo 4
Angelica deitou-se na cama com um par de almofadas apoiadas contra a cabeceira da cama para tentar evitar dormir, o seu novo passatempo favorito. Assim que voltou para dentro com a sua mala, percebeu que Zachary tinha ligado o interruptor com Ren, pois este estava sentado no sofá a observá-lo. Zachary tinha-lhe dito para escolher um quarto e dormir um pouco, por isso ela tinha alegremente fingido fazê-lo.
Tinha percorrido os longos corredores durante alguns momentos antes de escolher aleatoriamente uma porta e abri-la. Ao ver o interior, sorriu e pousou a sua mala na cama. O quarto estava decorado em tons de roxo com detalhes dourados e em tons mais claros de lavanda.
A cama era enorme, provavelmente de tamanho imperial, com um belo dossel, almofadas decorativas em tons de dourado e lilás e um edredom. Os lençóis e as fronhas eram em tom de lavanda e quase que se riu das pequenas borlas douradas nos cantos das almofadas.
Havia um grande armário no lado oposto do quarto. Quando o abriu, esperava vê-lo repleto de vestidos de baile antiquados. Para sua desilusão, estava vazio. Na parede oposta à da cama, havia um antigo toucador com um espelho enorme.
Junto à cama, havia uma escrivaninha com algumas canetas e uma pilha de papel, juntamente com uma nota a informar que a porta de dados para o seu portátil estava junto à parede por baixo da secretária. Angelica quase se rira ao ler isto e dobrou-se para espreitar. Viu logo o ponto de acesso e imediatamente retirou o seu portátil e ligou-o.
Da sua posição preguiçosa na cama, tinha uma vista perfeita através das portas da varanda para o luar refletido no oceano. Sorriu, pois era uma varanda mesmo fantástica.
A maioria das pessoas que a conhecia acharia que ela não era dada a essas coisas femininas. Mas todas as meninas têm a fantasia de serem princesas num castelo e ela não era exceção. Até costumava fingir que era a Cinderela ou a Bela Adormecida, esperando que o seu príncipe chegasse e a levasse para longe.
Era uma pena que já não acreditasse na teoria de um cavaleiro com armadura reluzente que a viesse salvar dos demónios maus que rodeavam o castelo.
Com um suspiro, Angelica olhou novamente para o seu desenho e esboçou mais algumas linhas antes de pousar o lápis na mesa de cabeceira ao lado da cama. Com ele pousado no colo, levantou a mão e estudou a sua palma onde o símbolo estava impresso. Não era uma queimadura ou uma tatuagem de qualquer tipo, estava simplesmente ali.
Voltando a pegar no papel, olhou para a imagem que tinha desenhado de Syn e adicionou o símbolo no canto inferior direito da página. Piscou o olho quando a imagem começou a ficar desfocada e voltou a pousá-la no colo, fechando os olhos por um momento só para que parassem de arder.
Syn apareceu ao lado da cama de Angelica assim que ela adormeceu. Entrara silenciosamente no castelo e na cidade, tocando as mentes de toda a gente com quem ela tinha interagido. Precisava de obter conhecimento sobre a vida dela para saber exatamente com que é que estava a lidar. Até agora, a informação mais interessante que obtivera tinha sido da mente de Zachary.
O homem loiro era mordaz como um chicote, mas ocultava esse aspeto sob várias camadas. Também tinha os seus próprios poderes como híbrido. Zachary tinha sido nomeado como seu protetor e levava a tarefa muito a sério. Syn sabia que Zachary teria de ultrapassar rapidamente a sua paixoneta por Angelica, ela não pertencia ao híbrido.
Zachary lera o dossier dela nos arquivos da PIT, que a acompanhara desde o nascimento até aos dias de hoje. Os detalhes eram muito rigorosos e ao retirar essa informação da mente de Zachary, Syn ficara a saber que havia várias pessoas do passado dela, mais precisamente da sua infância, que mais tarde tiveram um destino muito desconfortável.
Syn prometera silenciosamente que os eliminaria da existência sem o conhecimento dela. Ela nunca mais conheceria a dor da rejeição ou de qualquer tipo de violação.
Syn observara, através dos olhos de Zachary, as memórias de Angelica a combater os monstros deste mundo e sabia que tinha sido por mera sorte que ela ainda estava viva. Ele tinha a certeza de que ela também sabia disso, embora, com a sua interessante perspetiva sobre o mundo, ela nunca o admitisse. O seu olhar deslizou até aos lábios dela, sabendo a verdadeira razão pela qual tinha vindo ter com ela esta noite.
Dobrando-se sobre ela, Syn apoiou suavemente as mãos na almofada de cada lado da sua cabeça e deixou os seus lábios pairarem de forma provocadora perto dos dela. Quando ela inspirou profundamente no seu sono, os lábios dele separaram-se e ele soprou levemente. Ele observou os fios prateados de energia a fluir dos seus lábios para os dela. Era a sua promessa: o presente de um deus-sol para conceder o sopro de vida à sua alma gémea para sua proteção. A partir de agora, qualquer lesão que ela sofresse seria curada tão rapidamente quanto surgia e ela deixaria de envelhecer.
Voltou a erguer-se e admirou-a com um olhar enternecido. Os seus cabelos louros escuros escorriam pelas almofadas, refletindo a luz suave do quarto. O brocado rico das almofadas fê-lo lembrar de quando a observou pela última vez a dormir na cama deles, no seu mundo de origem.
A palma da mão direita dela estava virada para cima, revelando a marca que ele lá tinha colocado. Já tinha começado a cumprir a sua função, despertando os poderes dela, e em breve o seu desejo por ele surgiria também.
Tentou mais uma vez ler-lhe a mente, mas a capacidade dela de o bloquear era tão forte nesta vida como tinha sido na vida passada. Deu por si cheio de ciúmes sabendo que Zachary podia ler a mente dela e ele não conseguia. Pensou um pouco nisso, mas chegou à conclusão de que isso tinha a ver com uma questão de confiança. Ela confiava em Zachary o suficiente para baixar a sua guarda perto dele. Ele planeava conquistar a mesma quantidade de confiança.
Se ela alguma vez lhe ensinou alguma coisa, foi que deveria ter uma quantidade obscena de paciência, coisa que ultimamente se apercebera que quase não tinha. Neste momento, os escudos mentais dela estavam altos, mas ele estava ansioso por ultrapassá-los e convencê-la a deixá-lo entrar outra vez. Agora que ela estava protegida pelo seu poder, teria todo o tempo que precisava.
Syn sentou-se na beira da cama e pegou no caderno para ver em que é que ela tinha estado a trabalhar. Uma sensação intensa de calma apoderou-se dele quando viu a sua imagem detalhada no papel. Ela já estava a chamar por ele e nem sabia.
Angelica sentiu movimento ao seu lado e abriu os olhos pensando que era Zachary. Só mesmo ele teria a lata de entrar no quarto dela enquanto ela dormia.
Piscou os olhos ao ver o homem de cabelo escuro que tinha acabado de desenhar, sentado na beira da sua cama a segurar no desenho que tinha feito. Angelica agiu por instinto, atirando-se na direção dele com a palma esticada para a frente para o exorcizar, como faria com qualquer outro demónio.
“Olá, esposa” – Syn agarrou-lhe no pulso, sem levantar os olhos do desenho, e terminou de o examinar antes de erguer o seu olhar de ametista escuro para encontrar o dela.
Angelica fixou a posição do cotovelo, tornando o seu braço tenso. Ela ergueu uma sobrancelha de forma elegante, decidindo ignorar o comentário da esposa. Os demónios tinham delírios.
Syn puxou-a abruptamente contra si, até ficarem apenas a poucos centímetros de distância, muito perto, mas sem se tocarem. Sem nunca baixar os olhos, ele levou a palma da mão dela até aos seus lábios e beijou o símbolo, que começou subitamente a brilhar.
Angelica parou de respirar durante alguns segundos. Sentiu que ele a tinha deixado em chamas com um movimento tão simples e sedutor.
“És um demónio muito estúpido” – tentou dizer, tentando afastar a sensação dos seus lábios da palma da sua mão.
“Não sou um demónio” – informou Syn. “E a tua magia nunca há de funcionar em mim.” Ele soltou o pulso dela quando o braço dela relaxou.
Angelica puxou lentamente a mão de volta. “Só porque tu o dizes não quer dizer que seja verdade.” Ela agarrou no pulso com a própria mão, tentando desfazer a sensação do toque quente dele. “Quem és tu?”
“Podes chamar-me Syn.”
Angelica sentiu arrepios de frio percorrer-lhe a coluna ao pensar nas implicações do nome. Já conseguia antever muitas formas pelas quais esse nome lhe assentava bem. “Muito bem, Syn, porque estás aqui?”
“No teu sonho…ou na tua cama?” Syn fez a pergunta com o espetro de um sorriso a acariciar os seus lábios perfeitos.
Sim, estava certa. Ele era completamente pecaminoso. Lembrando-se que todos os seus outros sonhos tinham sido pesadelos, Angelica olhou lentamente à volta do quarto e depois de novo para ele. “Não estou a sonhar… Senti-te a tocar-me....eu....senti os teus lábios tocarem na minha mão.”
“Só porque estás a sonhar, não significa que não seja real.” Syn troçava de forma charmosa da sua afirmação anterior.
O olhar de Angelica estreitou-se quando ele arrancou o desenho que ela tinha feito do seu bloco. Enrolou-o cuidadosamente, em vez de o dobrar, e colocou-o dentro de um bolso fundo no forro interior da sua gabardine. Ela não pôde evitar observar o movimento das mãos dele. Pareciam tão suaves e puras, como os livros de história descreviam as mãos da realeza. Finalmente, ela olhou de novo para o rosto dele e franziu as sobrancelhas ao ver indícios de um sorriso.
“Porque é que estás aqui afinal?” – exigiu ela saber.
“Para manter os pesadelos afastados enquanto dormes” – respondeu Syn e inclinou-se contra o poste da cama atrás dele. “Descansa esta noite, Angelica, não vais ter pesadelos nem demónios a assombrar-te o sono.”
Angelica sentou-se na cama, com o sol já a entrar pela janela da varanda. Já era de manhã. Olhando para o fundo da cama, inclinou-se para a frente e pousou a mão no sítio onde Syn tinha estado sentado. Não havia sinal de que ele tinha estado ali e Angelica respirou fundo. Afinal tinha mesmo sido um sonho.
Lançando as pernas para o lado da cama, levantou-se e ouviu algo a cair para o chão. Pegou no seu bloco e ia fechá-lo, mas depois parou ao lembrar-se do sonho.
Voltando a abrir o bloco, folheou as páginas e parou quando viu que o desenho que tinha feito na noite passada tinha desaparecido. No seu lugar, estava um bonito desenho a lápis dela a dormir naquela mesma cama. Tinha sido feito com os mesmos detalhes suaves com que ela fizera o dele. Na imagem, a mão dela estava relaxada junto ao rosto e ela reparou no símbolo lá desenhado. Sob o desenho, estava o nome ‘Syn’ escrito numa elegante caligrafia.
*****
Tabatha estacionou o carro no lugar de estacionamento VIP do Moon Dance e saiu. Ajustando o seu vestido curto, enfiou as chaves na pequena carteira e aproximou-se da porta da frente. Estava farta de se esconder naquele apartamento solitário, à espera para ver se Kriss iria alguma vez voltar para casa. Ver a excitação da multidão já estava a fazê-la sentir-se um pouco melhor.
Nick sorriu ao vê-la chegar e abriu o cordão para a deixar passar à frente de toda a gente que esperava pela admissão. Não o fazia por ela ser a melhor amiga do companheiro do irmão. Fazia-o porque sem Tabatha não teriam encontrado Micah a tempo de o salvar.
O seu olhar fixou-se no ombro exposto dela. Da última vez que a vira, aquele ombro tinha sofrido um ferimento bastante mau, mas agora não tinha uma única marca disso. Parecia que alguma fada curadora tinha passado pela cidade, porque o mesmo tinha acontecido aos ferimentos de Micah.
“Como estás esta noite?” – perguntou ele com curiosidade, ao ver uma ponta de tristeza nos olhos dela.
Tabatha dirigiu-lhe um grande sorriso – “Estou bem.”
“Já alguém te disse que estás muito apetecível hoje?” – perguntou ele, com um brilho nos olhos. Era a forma mais rápida de animar uma mulher. Ele sabia bem disso, todas as noites estava rodeado delas.
Tabatha abanou a cabeça, sorrindo. “És incorrigível.”
“Sou, sim senhora.” – acedeu Nick. “Isso quer dizer que te vou levar para casa esta noite?”
“Nem pensar!” Tabatha recuou com um esgar, depois acrescentou – “Além disso, contigo a viver mesmo por cima da disco, seria demasiado fácil.”
Nick colocou uma mão sobre o seu coração e fez uma fita, fingindo cambalear uns passos para trás. “Tabby, gata…feriste-me. As minhas intenções eram completamente inocentes.”
“Aposto que sim” – Tabatha riu piscou-lhe o olho. “Mas posso convidar-te para dançar mais tarde.”
Nick inclinou-se bem perto dela enquanto lhe abria a porta. “E acho que vou aproveitar.”
Tabatha entrou e respirou fundo, apreciando a atmosfera familiar. Já tinham passado alguns dias desde o encontro dela com Kane e ainda não tinha ouvido uma palavra de Kriss. Agora a sua preocupação tinha desaparecido, substituída por uma ligeira depressão que ela sabia que apenas Kriss poderia eliminar.
A batida da música vibrava através do seu corpo e dirigiu-se ao corrimão para poder olhar para a pista de dança lá em baixo. Já era quase meia-noite e a discoteca estava a funcionar em pleno. Corpos ondulavam ao som das batidas techno que bombavam nas colunas e a secção do bar estava quase cheia. Tabatha olhou em volta tentando decidir o que fazer primeiro. Estava farta de estar sozinha e achou que era mesmo daquilo que precisava para a sacudir daquele marasmo.
Dirigindo-se ao bar, Tabatha pousou a carteira com estrondo no balcão. “O que é que uma senhora tem de fazer para arranjar uma bebida por aqui?” – exigiu ela.
“Morder-me!” Exclamou Envy e colocou uma bebida à frente dela. “É tudo, senhora?”
“Não” – disse Tabby. “Ainda tenho de te morder.”
“Cuidado” – respondeu Envy. “Eu mordo de volta.”
Tabatha pegou na bebida e bebeu metade num gole só, lembrando-se do que tinha bebido no Silk Stalkings há umas noites atrás e a forma como Kane a tinha deixado sóbria com um beijo. O que mais a irritava era que sempre que pensava nisso, sentia uma sensação quente e meio dolorosa, que descia em espiral em direção ao baixo ventre e coxas. Uma vez mais, encolheu-se ao senti-la.
Envy apercebeu-se do comportamento de Tabatha e soube que se passava algo de errado com a amiga. Já tinham passado por demasiadas coisas juntas para que Envy não reparasse. Fez questão de preparar outra bebida para Tabatha quando viu a amiga pousar um copo vazio no bar.
Quando lhe deslizou a segunda bebida, reparou que Tabby não estava realmente a prestar atenção e, em vez disso, olhava distraidamente para todas as outras pessoas a divertirem-se.
Kat estava a trabalhar um pouco mais afastada do posto de Envy e observava Tabatha pelo canto do olho. Percebia que Tabatha estava agitada e perguntava-se o que teria acontecido nos últimos dias para isso acontecer. Pegando numa garrafa de Heat, chamou a atenção de Envy e apontou para a garrafa antes de acenar a cabeça na direção de Tabatha.
Envy olhou para a amiga antes de dar a Kat um aceno de aprovação. Kat preparou outra bebida e adicionou um pequeno shot de álcool potente à mistura antes de a passar a Envy.
“Obrigada” – disse Envy e levou o copo a Tabatha. “Aqui tens, Tabby, oferta da casa.”
Tabatha olhou para baixo para a bebida e sorriu. “Obrigada!”
“Então” – começou Envy, inclinando-se sobre o balcão. “O que é que te está a deprimir?”
“Nada de importante, acho eu” – respondeu Tabatha.
“Sim, claro!” – exclamou Kat, ao passar. “Se a tua tromba estivesse um bocadinho mais comprida, ainda arrastava pelo chão.”
“Só estou um bocado chateada com o Kriss agora” – disse Tabatha ao fim de uns segundos. Se não pudesse contar isso à melhor amiga, então mais valia ir para casa e ficar lá. “Nunca esteve desaparecido tanto tempo sem me ligar ou dizer alguma coisa. Ele despediu-se do trabalho dele no Silk Stalkings há uns dias e ninguém o viu desde então.” Não referiu o facto de se sentir como se tivesse sido abandonada…há vários dias que lhe doía o peito.
Kat pegou num guardanapo atrás do bar e passou-o a Tabatha quando as lágrimas começaram a cair. Se não a conhecesse, diria que isto era uma reação de uma amante de coração partido. Envy tinha-lhe dito que Kriss era gay, mas Kat perguntava-se se algo teria acontecido entre Kriss e Tabatha de que Envy não estivesse a par.
“Porque é que ele se ausentou sem se despedir?” Perguntou Tabatha com voz suave, limpando as bochechas molhadas. Usou a raiva para parar de chorar. Detestava chorar. “Pensava que merecia isso, no mínimo.”
Envy colou os lábios. Kriss nunca faria algo assim sem ter um bom motivo. Que raio, ela conseguia ver que Kriss a amava, mas também amava Dean. Cerrou as mãos e bateu com elas no bar quando percebeu porque é que Kriss se estava a manter afastado – Dean.
“Tenho a certeza de que ele vai voltar” – disse Kat. “És uma boa amiga e mereces ouvir a verdade.” Depois olhou para Envy – “Certo?”
“Sem dúvida.” – retorquiu Envy, reprimindo a sua raiva no fundo do seu estômago. “Sabem o que é que devíamos fazer? Encontrar o Sr. Feathers, amarrá-lo em cima dum formigueiro depois de o cobrir de mel e deixá-lo lá. Para a próxima, vai aprender a ligar.”
Tabatha levantou as sobrancelhas e olhou para a ruiva. “Está bem então.”
“Oh-oh!” – fez Kat, animada. “Melhor ainda, despimo-lo todo e embrulhamo-lo como um peru de ação de graças e depois deixamo-lo no bar de motoqueiros do outro lado da cidade. Alguns daqueles tipos são mesmo assustadores.”
Envy sacudiu a cabeça – “Nã’, ele ia gostar demasiado disso.”
“Já sei!” Kat exclamou, vendo o lábio de Tabatha começar a fazer um trejeito em reação às suas ideias. “Damos-lhe uma pancada, prendemo-lo no quarto da Tabatha e só o alimentamos a pão e água até ele ceder e concordar em ser o escravo sexual da Tabatha por toda a eternidade.”
Envy inclinou a cabeça para o lado e sorriu. “É, até gosto dessa ideia.”
“Tenho uma pergunta para ti que se desvia um bocado do assunto.” Disse Tabatha, chamando a atenção das outras duas. “O que é que vocês sabem sobre o Kane?”
Kat encolheu os ombros – “É um vampiro infernal, sexy como o caraças, com ótimo sentido de humor.”
As três mulheres começaram a rir à gargalhada, mas pararam quando Devon deslizou para trás de Envy e colocou um braço à volta da cintura dela.
“Eu mostro-te quem é sexy como o caraças…dança comigo” – sussurrou Devon, mas suficientemente alto para as outras mulheres ouvirem.
Envy sorriu às amigas antes de deixar que Devon a levasse para o lado de fora do bar e para a pista de dança. Ouviram a multidão a aplaudir quando a porta da jaula bateu e Tabatha sorriu.
Levantando-se do seu lugar, Tabatha dirigiu-se ao corrimão e olhou para baixo para Envy e Devon a dançar na jaula. Conseguia ver as bocas deles a mover-se e só podia imaginar de que estariam eles a falar.
Envy estava inclinada para trás, com os braços acima da cabeça a agarrar-se às barras da jaula. Devon tinha as pernas delas enroladas à volta das suas ancas enquanto dançava. Uma mão segurava no rabo dela, mantendo-a elevada, enquanto a outra mão a agarrava na zona das costelas, mesmo abaixo de um dos seios dela, ameaçando tocar-lhe, mas sem o fazer.
Devon sorriu e puxou Envy afastando-a das barras e apanhando-a antes que pudesse cair para trás e pousou-a de pé. Girou-a rapidamente de modo a ficar com as costas delas comprimidas contra o seu peito, as mãos dele a deslizar nas costelas dela em direção aos seios, provocando-a.
“Vamos dar-lhes um espetáculo a sério” – sussurrou Devon.
“Nada de sexo em público” – exclamou Envy, já sem fôlego.
“Não” – respondeu Devon. “Isso é só para mim e em privado. Mas isto…” – Subitamente, Envy deu por si numa posição abaixada, com as pernas afastadas junto às coxas de Devon, enquanto ele dançava colado atrás dela. “Isto é para a multidão.”
Devon rodava as ancas em pequenos círculos e Envy fixava os pés no chão para se poder mover com ele. Ela gemeu suavemente e jurou que podia senti-lo mesmo dentro dela, fazendo amor com ela sem tirar uma peça de roupa.
“Adoro a forma como te mexes para mim.” – grunhiu Devon. “Tão sensual…e escaldante.”
Envy fez pressão contra ele, erguendo-se, e depois envolveu os braços em torno do pescoço de Devon. Arfou quando as mãos dele levantaram a parte da frente da blusa dela para expor a pele suave da sua barriga à multidão. A mão direita de Devon moveu-se lentamente para baixo, até que as pontas dos dedos dele desapareceram no elástico dos calções pretos justos, enquanto a outra mão puxou mais um pouco da blusa dela para cima, revelando o soutien de renda preta que ela usava.
“Isso é batota” – amuou Envy.
Devon gemeu enquanto continuava a criar fricção entre a sua ereção, o material fino das suas calças e os calções de Envy.
Devon sorriu – “Talvez, mas isso não te está a impedir de me atiçares aqui, à frente de toda a gente.”
Voltaram a estar de pé e Envy virou-se para ele, deslizando a coxa para o meio das pernas dele e ele imitou o movimento. Antes que ela pudesse protestar, a blusa de rede dela foi retirada e eles continuaram a dançar colados de forma sensual. Para qualquer pessoa pareceria que estavam a dançar, mas quem os conhecesse sabia exatamente o que é que Envy e Devon estavam a fazer.
“Agora” – ordenou Devon e Envy não tinha escolha senão obedecer.
Tabatha observava-os com a respiração acelerada, enquanto Envy atirava a cabeça para trás e começava a atirar-se vigorosamente contra a coxa de Devon. Sentiu uma onda de calor espalhar-se pelo seu corpo e desejou, por um momento, que fosse ela que estivesse naquela jaula com alguém que a desejasse como Devon desejava Envy.
“Quem me dera encontrar alguém assim” – suspirou Tabatha de forma prolongada, virando-se depois de novo para o bar.
Recuperou o seu lugar e olhou para Kat – “Então achas que o Kane tem sentido de humor. Parece-te boa pessoa?” Ela abanou a cabeça – “Se bem me lembro, foi ele que começou a confusão com os vampiros e tentou incriminar-vos por todos aqueles homicídios. O meu nome e o da Envy quase que foram parar à lista das vítimas, lembras-te?” Ela emborcou o resto da sua bebida, satisfeita por ter afastado a melancolia. Agora só precisava de parar de ficar excitada a todo o momento.
“Ele ajudou a salvar-te a ti e à Envy.” Kat inclinou a cabeça enquanto estudava Tabatha. Ela tinha jeito para captar as vibrações das pessoas e, de repente, apercebeu-se que Kriss não era o único homem na mente de Tabby.
“Foi?” Tabatha fez a pergunta e empurrou o copo vazio na direção de Kat. “Às vezes pergunto-me porque é que ele estaria lá. Aqueles vampiros estavam a venerá-lo como se ele fosse o deus de todo o mal. E a única razão pela qual ele me pôs as mãos foi porque ele lhes disse que queria ser o primeiro a saborear-me.”
“Ele mordeu-te?” Perguntou Kat.
“Não” – admitiu Tabatha, tentando bloquear a memória de Kane a lamber-lhe a ferida e depois a beijá-la. Rangeu os dentes quando sentiu uma palpitação profunda entre as coxas. “Tens razão… Ele ajudou a salvar-nos, só que de uma forma bastante demente.” Enfiou a mão na carteira e puxou duas notas de vinte, que estendeu a Kat. “Corta-me o consumo quando isto acabar.”
Kat pegou nas duas notas e colocou-as na prateleira ao lado da caixa. Pegando no copo de Tabatha, começou a preparar-lhe outra bebida e decidiu deixar de fora o Heat desta vez, já que obviamente a rapariga queria embebedar-se à moda antiga. Talvez Tabatha ficasse mais tranquila se soubesse o resto da história por trás das artimanhas de Kane.
Colocando uma bebida fresca à frente de Tabatha, Kat inclinou-se na direção do bar: “Sabias que o Kane esteve enterrado durante trinta anos?”
Tabatha acenou com uma expressão de desagrado. “Já ouvi algo sobre isso, mas não a história toda.”

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Ligação De Sangue (Ligação De Sangue – Livro 5) Amy Blankenship
Ligação De Sangue (Ligação De Sangue – Livro 5)

Amy Blankenship

Тип: электронная книга

Жанр: Ужасы

Язык: на португальском языке

Издательство: TEKTIME S.R.L.S. UNIPERSONALE

Дата публикации: 16.04.2024

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О книге: Com o feitiço de sangue quebrado, Kane escavou com garra para sair da terra e procurou a alma gémea que o havia libertado, apenas para descobrir que ela tinha desaparecido. Sem nada mais a perder e com a vingança em mente, ele começou uma guerra. A última coisa que esperava era encontrar a sua alma gémea esquiva no rastro de destruição que causara. Ficando rapidamente obcecado, ele observa-a quando ela não está a ver, escuta sem ser convidado e segue todos os seus movimentos… e o demónio que o persegue sabe que ela é a sua fraqueza. Para protegê-la, Kane promete fazer com que ela o odeie, mesmo que tenha de se unir ao lado dos demónios para o conseguir. Mas como poderá ele protegê-la do seu maior inimigo, quando esse inimigo é ele mesmo?

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