A Atriz

A Atriz
Keith Dixon


A ATRIZ
––––––––
KEITH DIXON

Tradução de Elaine Cristine Franco

Editor: Tektime

Table of Contents
Title Page (#ua4f9d19e-6125-53f0-84e3-b336cccfacc4)
A Atriz (#u52e4296c-4298-5cfa-8caa-b46cd3749e2c)
CAPÍTULO UM (#u419b54ef-def4-5a54-a132-4baaa532be80)
CAPÍTULO DOIS (#u5f526fca-dd7e-540f-acb2-b3c5b0d9691d)
CAPÍTULO TRÊS (#u1ff70de3-a35b-5138-8a7c-dab4df868d08)
CAPÍTULO QUATRO (#u126e3d19-c455-5ad7-9b20-f734aa51586b)
CAPÍTULO CINCO (#u4d23a819-12c3-59cc-9263-affd7f2b604f)
CAPÍTULO SEIS (#u3166dc29-81eb-505f-962c-a87e962a7a50)
CAPÍTULO SETE (#u50d9f930-5956-5530-ba46-31e078281836)
CAPÍTULO OITO (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO NOVE (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO DEZ (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO ONZE (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO DOZE (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO TREZE (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO QUATORZE (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO QUINZE (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO DEZESSEIS (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO DEZESSETE (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO DEZOITO (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO DEZENOVE (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO VINTE (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO VINTE E UM (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO VINTE E DOIS (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO VINTE E TRÊS (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO VINTE E QUATRO (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO VINTE E CINCO (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO VINTE E SEIS (#litres_trial_promo)
CAPÍTULO VINTE E SETE (#litres_trial_promo)
EPÍLOGO (#litres_trial_promo)


Semiologic Ltd.
Copyright Keith Dixon 2013
Publicado por Semiologic Ltd
Keith Dixon garantiu seu direito sob a Lei de Direitos
Autorais, Projetos e Patentes de 1988, para ser identificado como
autor desta obra.
Todos os direitos reservados.
Este livro não pode ser reproduzido no todo ou em parte, por
mimeógrafo, fotocópia ou qualquer outro meio, eletrônico ou
físico, sem a permissão expressa e por escrito do autor.
Qualquer semelhança com alguém vivo ou morto é pura
coincidência.
Para todos aqueles que interpretam, em qualquer esfera.
PART 1
Fantasia




CAPÍTULO UM


ELA NÃO TINHA NOTADO o tamanho considerável dos poros do nariz e do queixo dele até agora. Conforme ele se aproximava ela ficava fascinada por eles, tinha que desviar seu olhar para não fixar seus olhos neles.
‘Querida,’ ele disse, ‘Eu acho que você ainda não conseguiu. Lembre-se, Nina é uma menina prestes a se tornar uma mulher. Você pode me mostrar? Você pode se tornar uma mulher sendo ainda uma menina?’
‘Eu entendo,’ disse Mai.
‘Entende, querida? Estamos aqui no início de uma grande missão. Eu preciso ver se você é capaz de ser Nina. Há muita responsabilidade nas suas costas e eu preciso ver se você não vai me desapontar.’
`Eu estou aqui para atuar, Pedro. Eu conheço o roteiro. Eu sei minha parte. Podemos tentar novamente?’
Os olhos dele mostravam claramente que ele estava impressionado. Mas apertou brevemente sua boca em submissão e então ele mexeu os ombros, externando deliberadamente o que sentia. Ela imaginou se isso era uma técnica de ensino.
O resto do elenco se alinhou ao lado do corredor da extinta escola que eles estavam usando para os ensaios. Alguns estavam cansados, lendo notícias, passando mensagens de texto. Um casal estava conversando quando Pedro estava dando orientação individual. É o primeiro dia e a letargia já havia se instalado. Mais um mês assim, pensou Mai, e eu também posso desistir. Que não seja nessa primeira noite. Manchete trágica: Atriz em ascensão morre de tédio antes da estreia. Diretor entusiasmado procura por substituta.
Pedro tinha ido se sentar. Ele empurrou a cauda da sua jaqueta creme e se sentou com a extravagância de um cisne aterrissando em água plácida, com as pernas esticadas e os braços estendidos sobre o encosto das cadeiras de plástico que estavam de cada lado dele. Ele moveu a cabeça em sinal de concordância para ela. Ela foi para o set de filmagem e iniciou sua fala mais uma vez, sua voz ia subindo para o corredor. Sua fala era longa e cheia de abstrações. Falou da natureza, da vida e explicou que ela era a alma do mundo que compreendia todas as coisas.
Pedro virou a cabeça para olhar para fora da janela. Um céu de inverno, como uma partitura. No parque, árvores sem folhas como esqueletos de dedos erguidos para cima. Vozes de crianças ainda ecoando cerca de dez anos depois de a escola ter sido fechada por falta de interesse.
Ela fez uma pausa mostrada no texto e esperou um sinal antesde prosseguir. Então ela sentiu uma mudança em sua voz – e sabia que a próxima seção seria melhor, sabia que sua técnica tinha sido alcançada de acordo com o significado do parágrafo.
Pedro se voltou para ela e levantou a mão de forma pálida. Era sinal de ‘parar’ gesto que ela já estava começando a reconhecer.
Ele se levantou e veio em direção a ela outra vez, com suas solas de couro marcando o piso de madeira.
‘Sim,’ ele disse. ‘Sim. Eu percebo o que você está fazendo. Alterando a sua voz. Você está adicionando alguma importância, alguma ... bravura. Mas veja, isso não vai funcionar. Eu conheço os truques. E se eu conheço os truques, os outros também conhecem. Não temos truques aqui. Você me entende?’
Mai percebia que suas bochechas estavam vermelhas. Parecia não haver nenhuma maneira de fazer com que este homemfi e feliz. Ela não ousou olhar para os outros atores no caso de estarem assistindo. Em vez disso, ela olhou para baixo e esperou que ele falasse alguma coisa. Qualquer coisa.
O silêncio se estendeu até que ela finalmente olhou para ele, com raiva em seus olhos. Desta vez ele sorriu, mostrando os dentes quadrados como uma lápide e amarelados pelo cigarro.
Ele pensou que ele tivesse ganhado a batalha.
‘Você é uma garota inteligente mas não vai conseguir o que quer comigo. Eu fiz isso muitas vezes. Você ... você é uma garota da televisão. Você não entende de ensaios. Você tem algum talento mas acha que ensaiar é estar no lugar certo e saber onde a câmera está para poder ignorá-la.’
‘Você não precisa me insultar, Pedro. Trate-me como um ser humano e eu farei o que você quiser.’
Seus pequenos olhos se tornaram como bolinhas de gude.
‘Não é uma questão do que eu quero, Mai. É uma questão do
que temos aqui juntos. Eu tenho algumas ideias e... provavelmente você também. Então – o que podemos fazer juntos? Me diz.’
Alguns membros do elenco tinham ouvido o tom da conversa e seus rostos se voltaram em direção a eles. Ela sentiu a atenção deles com o calor do seu rosto.
Mai tinha tolerado muitos diretores quando trabalhava no Terraço Amberside, um programa de televisão de longa duração. Ela aprendeu que ninguém podia discutir com um diretor. O melhor que poderia fazer era não ofendê-los. Eles iriam partir e você ainda estaria lá, mais exaustos e um pouco mais cínicos, mas ainda recebendo o pagamento. E ela se lembrou de que está aqui para aprender.
Ela procurou se acalmar e disse: ‘Eu preciso pensar sobre o que você está dizendo. Vamos voltar ao início da cena para que eu possa trabalhar isso e acertar.’
‘Esta é a decisão de uma garota sensata. Eu concordo. Vamos voltar.’
Ele se virou para um elenco agora atento. ‘Nós começamos a primeira cena. Jeremy, você pode vir aqui, por favor?’
Mai olhou para os outros atores, seu rosto era uma máscara completamente branca.
Na pausa para o café, Lucy sentou-se perto dela com uma sacola de sanduíches. Ela os pegou e os colocou em um guardanapo que ela tinha colocado cuidadosamente sobre suas pernas. Ela era alguns anos mais velha que Mai, uma linda loira com um bronzeado profundo que ela teria que perder antes da noite de estreia. Ela dava a impressão de alguém que estava sendo processada por um crime que ela nunca tinha cometido – forma sombria e serenamente em desacordo com o mundo.
Sem olhar para Mai, ela disse, ‘Ele é sempre assim no início. Fica polindo sua reputação. Não dê importância.’
Mai descascou sua laranja, colocou as cascas dentro da sacola, sempre meticulosa como sua mãe.
‘Eu estou acostumada com homens que agem como estúpidos. Ele não quis escutar.’
‘Ele vai. Ele viu você na televisão. Todos nós vimos.’
‘Não é a mesma coisa, não é? Dez segundos de emoção uma vez por mês. O restante do tempo é cumprindo metas e recitando as falas. Ele não estava tão errado.’
Lucy fez uma pausa com metade do lanche em sua boca, franziu as sobrancelhas, e então se virou para Mai.
‘Não deixe que ele ouça você dizer isso. Não demonstre nenhuma fraqueza ou ele a usará contra todos nós.’
‘O que você quer dizer?’
‘Ele vai usar você como exemplo, vai brigar com você por causa do seu desempenho para alimentar sua raiva e depois vai descontar em nós. Eu já vi isso.’
‘E se eu precisar de ajuda?’
‘Pergunte a um de nós. Eu já trabalhei com ele antes. Assim como Jeremy e Linda, nós sabemos o que ele quer.’
‘Se ele é assim tão estúpido como você diz, por que você está trabalhando com ele de novo?’
Lucy mastigou e engoliu. ‘Por causa da crítica, sua tonta. Os atores dele sempre recebem boas avaliações. Nós lutamos com ele como gatos, mas todos conseguimos uma boa crítica.’
Mai pensou, olhando para frente.
‘Eu posso conviver com isso. Eu preciso.’
‘Porque isso é um risco para você.’
‘Você poderia dizer. Primeira vez num palco real desde a escola.’
‘Você foi corajosa ao desistir de um trabalho na televisão. Eu teria dado meu seio esquerdo por essa oportunidade.’
‘Você pode se poupar, diferentemente de mim.’
Lucy sorriu forçadamente. ‘Isso acontece às vezes. Por causa dos idiotas que a gente encontra nessa profissão.’
Dois atores mais velhos se levantaram no final do corredor e saíram para fumar. Um deles se virou e apontou o dedo para ela. Ela não sabia se ele estava ironicamente dando um sinal de apoio ou sugerindo que ela seria despedida. Ator experiente encontrado estrangulado pela alça do sutiã de uma atriz em ascensão. Poderia acontecer ...
Lucy desrosqueou a tampa de uma garrafa de suco.
Ela disse, ‘Por que você está fazendo isso?’
‘Vai fazer um lanche?’
‘Não, boba. Estou fazendo uma velha brincadeira para um teatro a ponto de quebrar. Com um diretor que parou nos anos sessenta.’
‘Você faz isso parecer tão agradável.’
‘Exatamente. Quero dizer que estou alegre e tenho certeza que teremos um grande público porque você está aqui. Mas você tem que admitir que é um retrocesso do horário nobre da TV.’
Mai tinha passado por isso várias vezes com Eric e sua mãe, nenhum deles considerava correr riscos como uma atividade que valesse apena.
‘Eu queria melhorar. Eu estava entediada. Você pode muitas vezes abrir seus olhos e dizer, ‘Você não pretende ... !’ ou, ‘Eu não acredito em você!’
‘Eu estava querendo dizer que era um caminho difícil a percorrer. Eles estarão sempre prontos com suas facas apontadas para você. Você sabe como é a imprensa.’
‘Eu posso lidar com uma briga,’ disse Mai. ‘De qualquer modo, eles têm estado do meu lado nos últimos dois anos. Ele não vão mudar assim tão rápido.’
Lucy rosqueou a tampa da garrafa de suco e, inesperadamente, lançou-a com maldade em Jeremy, que levantou seus ombros para se proteger e sorriu.
Ela disse, ‘Espero que seu assessor seja bom em se desviar das críticas.’
‘Eu continuo esperando que ele seja bom em alguma coisa.’
Como ela esperava, a tarde não foi melhor. Pedro abriu a cena para que os outros atores tivessem a chance de fazer alguma coisa. Eles precisavam de uma oportunidade para mostrarem seu trabalho, depois de tudo. Mas no final do dia ele dispensou todo mundo menos Mai e Jeremy. Ele chamou os dois juntos, colocou-os sentados em cadeiras paralelas como um conselheiro matrimonial, e começou a falar, sua voz era tanto de bajulação quanto condescendente. Ele expôs lentamente sua visão sobre a relação entre os dois personagens, dando a cada um uma história que não tinha sido detalhada no roteiro e, Mai pensou, foi inventada por ele para servir aos seus propósitos.
Conforme ela escutava as ideias de Pedro, Mai começou a imaginar se ela não estava se enganando. Ela tinha ido direto da escola para seu papel na televisão. Aprendendo uma nova profissão, porém sem nenhum treinamento real ou técnica. Conselhos de diretores e membros mais experientes do elenco, muitas aulas em grupo. E, logicamente sua mãe. Geraldine Rose. Uma vez famosa, com diversos papéis principais em alguns filmes ingleses antes de seu marido, o pai de Mai, cair morto no nono buraco, um dogleg par cinco, numa partida de golfe. Teve que parar de levar Mai e seu irmão mais velho, Jake. Não tinha que ter desistido, na realidade ... mas ela quis assim. Não podia suportar a proximidade de outras pessoas, outros atores. Toda aquela compaixão e piedade.
Mai não dava muita importância para a atuação até ganhar o papel principal na versão escolar de A Streetcar Named Desire (Um Bonde Chamado Desejo) – representando Blanche Dubois com desessete anos. Atuou no Festival de Drama Nacional na categoria estudante, em Scarborough, Inglaterra, marcado e disputado por assessores até que ela se decidiu por Eric, por quem sua mãe tinha conhecido quando jovem. Depois esteve por dois anos no Terraço Amberside, estagnada.
Agora, a maioria das coisas que Pedro estava dizendo a ela parecia sem sentido, mas ela não tinha certeza. Diziam que ela parecia sempre confiante, mas que apesar do seu ar de certeza era possível que ela estivesse perdendo alguma coisa.
Ela voltou sua atenção para o local onde Pedro estava dizendo alguma coisa ao Jeremy sobre o processo criativo. O personagem de Jeremy era um jovem dramaturgo que tinha escrito o roteiro pelo qual o personagem de Mai, uma garota inexperiente do interior, estava tendo o papel principal. Pedro tinha falado com o fervor de um evangélico, como se ele também tivesse sido alguma vez um jovem dramaturgo atuando numa peça teatral. Talvez seja verdade.
‘Então, queridos, vamos tentar de novo. Por favor, tenham em mente tudo o que eu disse. O jovem, a inocência, o desejo de mostrar ao mundo que está nascendo esta noite uma nova forma artística, neste palco.’
Mai e Jeremy moveram as cadeiras para que pudessem se olhar e então deram início à cena.
Isso durou trinta segundos.
‘Parem!’
Eles se viraram para ver a mão de Pedro levantada acima de seu ombro como um agente do trânsito.
‘Desculpe. Não consigo mais. Vão para casa agora e pensem cuidadosamente sobre o que fizeram hoje. Talvez amanhã teremos algumas ideias melhores.’
Ele inclinou seu peso pra frente da cintura como se fosse se jogar no chão. Então com um suspiro ele colocou suas mãos nos joelhos e empurrou seu corpo na posição ereta, virando-se e indo embora sem dizer nenhuma palavra.
Quando ele deixou a sala, Jeremy disse, ‘Nojento.’
Mai juntou suas coisas. ‘Ele tem algum caminho a percorrer antes de ser nojento. Ele ainda está no estágio de babaca.’
‘Ah, você tem mais experiência que eu.’
‘Eu sou uma garota. Eu percebo melhor as distinções sociais.’
Ele forçou um sorriso. ‘Como você está se sentindo atuando no palco? Com frio na barriga?’
‘Um pouco. Eu seria uma tola se eu não me preocupasse sobre ser capaz de fazer isso.’
‘Pelo que eu estou vendo você se dará bem.’
Ela sorriu e não disse nada. Uma expressão de coragem foi suficiente para esta situação. Mas ela já estava imaginando se ela estava cometendo o maior erro da sua curta e próspera vida.




CAPÍTULO DOIS


ELA SE MUDOU PARA a estação Docklands Light em Canary Wharf com uma vista bem movimentada, próximo ao condutor. Não tanto um condutor, ela pensou, mas alguém que joga um vídeogame. Olhe para a enorme janela frontal que parece uma tela de plasma de sessenta polegadas e gire o botão que coloca o trem em movimento. Gire de volta para reduzir, e então pressione algo que abra e fecha as portas. Deveria ganhar pagamento extra para evitar que eles fugissem pela porta e ao descer na plataforma, esmagados pelo tédio. Atriz em ascensão num resgate heróico de trem. Salva a vida de 54 passageiros que estavam muito ocupados lendo The Girl with the Squirrel Tattoo (A Garota com a Tatuagem de Esquilo) para perceberem que o trem estava sem condutor...
Ela alugou um apartamento em uma casa Georgiana em Greenwich, cinco minutos da estaçao. A casa em si estava à venda em um dos mais legais escritórios imobiliários locais, por quase um milhão de libras (aproximadamente quatro milhões e duzentos mil reais), a proprietária tinha decidido que a vida no sul da França oferecia mais oportunidades que o sul de Londres para laçar um marido rico. Consequentemente a casa lentamente seguia a lei do caos e desmoronava pelo mau estado de conservação – porta frontal arranhada, janelas sujas, calhas quebradas, aquecedores com chiados de gansos de infantaria. O Volvo de Billie já estava estacionado em uma das vagas da frente, tão grande que estava espremido dentro da vaga como um adulto amontoado numa cama infantil.
Quando ela destrancou a porta do apartamento e entrou, os cachorros correram até ela imediatamente, pulando e empurrando suas pernas, fazendo barulhos ofegantes. Billie veio da cozinha com uma caneca em suas mãos.
Mai disse, ‘Sinto-me como um marido chegando em casa vindo de uma mina de carvão. Deveria estar perguntando se o meu chá está pronto.’
‘Pensei que deveria esperar até você chegar. Guardar as coisas e tudo mais.’
Billie era uma mulher de aproximadamente trinta anos com cabelos ruivos ondulados e um rosto amigável. Ela vestia jeans e um suéter azul escuro: roupa especial para uso externo. Ela caminhava com os cães da Mai desde que ela os pegou, quase um ano atrás, mas era agora o máximo que Mai poderia ter de uma amiga, todos os outros tinham se espalhado como o vento quando sairam da escola. Às vezes ela pensava se não era estranho não precisar de outras pessoas, mas isso era uma característica que ela já reconhecia em si mesma desde os quatorze anos. Ela tinha companhia suficiente no trabalho e não sentia necessidade de companhia em casa.
Ela tirou seu casaco, afagou as costas dos seus dois cachorros, que se entrelaçavam em forma de oito entre suas pernas, balançando o rabo vigorosamente.
‘Desculpe, estou atrasada. Tive um trabalho extra.’
‘Como foi? As coisas no seu primeiro dia.’
Mai mexeu os ombros. Ela nunca gostava de falar sobre seu trabalho. Parecia pretensioso, até mesmo para seus próprios ouvidos.
‘O diretor é um idiota, mas as outras pessoas são legais. Está frio lá fora. Não vá congelar até a morte.’
‘Roupa especial para uma passeadora de cães moderna. Nenhuma chance de congelar.’
‘Quanto tempo vai levar?’
‘Estarei de volta em uma hora e meia, a menos que você queira mais tempo.’
‘Eu posso estar no banho.’
Billie achou as coleiras dos cachorros e as colocou neles. Era o único momento em que eles ficavam parados, pelo menos até travar as coleiras. Então ficavam frenéticos novamente, girando em volta das pernas da Billie como sabonetes até ela mandá-los parar e caminharem até a porta.
Quando Billie saiu, Mai foi até a geladeira e pegou a outra metade de uma lasanha que ela tinha preparado no dia anterior. Ela colocou no microondas por alguns minutos, se sentou no sofá em frente à televisão e colocou no canal de notícias das dezenove horas. Políticos estavam sendo entrevistados em um cenário azul brilhante. Então mostrou uma reportagem filmada no México. Uma reunião esportiva. O mundo monótomo e comum.
Ela terminou a lasanha, tirou seu iPad da bolsa e foi verificar seus e-mails. Recorrentes e-mails de fãs, marketing de feriado, piadas enviadas pela sua mãe, que parecia pensar que ninguém mais acessava o Facebook, então ela precisava reenviar tudo que encontrava lá.
Recebeu uma notificação de mensagem no celular, então ela o tirou do bolso de seu casaco. Seu amigo Stefan: Você quer sair com a gente esta noite? Todo mundo vai pro Dereks.
Ela digitou de volta: Pode ser. Não vou beber. Que horas?
Um momento depois veio a resposta: às 9. Não vá furar.
Ela respondeu: Não se preocupe. Te vejo lá.
Assim que desligou o telephone voltou sua atenção à televisão. Um repórter estava do lado de fora da fachada de vidro dos escritórios do Daily Paper, um jornal sensacionalista que tinha iniciado suas atividades poucos meses antes, financiado por um oligarca russo que procurava por alguma coisa interessante para investir sua fortuna. O que tinha atraído a atenção de Mai era o fato de que o reporter tinha mancionado o nome de ‘Deannah’. Esse era o nome de uma heroína do ultimo livro que Mai havia lido, uma fantasia de uma Jovem Adulta pela qual uma garota de uma origem comum descobriu que ela tinha o poder de viajar dentro de um mundo alternativo, onde ela era conhecida como a filha problemática de um todo-poderoso, porém doente rei.
Ela aumentou o som.
‘Uma ação em que muitos estão dizendo que é a última tentativa deseperada do proprietário russo de aumentar o número de seus leitores, o Daily Paper firmou colaboração com um estúdio britânico a fim de encontrar uma grande estrela para seu próximo filme. O jornal irá fazer uma pesquisa com seus leitores, pedindo a sugestão de uma atriz para fazer o papel de Deannah no filme Deannah’s Quest (A Questão de Deannah), o best-seller da autora reclusa, Beatrice M. Kirwan. A ganhadora da pesquisa fará o papel de Deannah e fechará um contrato de três filmes no valor acima de cinco milhões de libras (mais de vinte milhões e quinhentos mil reais). Os comentáristas da indústria têm sido rápidos em condenar tal decisão arriscada, como assim consideram, dizendo que um papel tão importante deveria ser escolhido por meio de uma audição apropriada. O Daily Paper respondeu que eles estão procurando por uma nova brilhante estrela em seus primeiros passos para o sucesso. Ainda não houve nenhum pronunciamento por parte do estúdio sobre esse assunto.’
As notícias retornaram ao estúdio e Mai desligou a televisão. Houve uma estranha sensação de um buraco em seu estômago. Ela percebeu que não era por causa da lasanha mas porque sentiu um desejo pelo papel de Deannah.
Ela se levantou e foi até o banheiro para tomar banho. Ela adicionou algumas gotas de ylang-ylang com propriedades calmantes, e então ela tirou a roupa e deslizou para dentro da água perfumada, o aroma agridoce a envolvia.
Ela conhecia Deannah: a opinião de que ela não era quem todos pensavam que ela fosse; a sensação de ser uma princesa incompreendida; a habilidade de se transpor facilmente entre o mundo real e o mundo da fantasia ... todas as características que ela reconhecia e compartilhava. Não seria nenhum problema para ela fazer esse papel. Se seu papel como Steffi no Terraço Amberside era de um realismo melancólico, o de Deannah destroçaria sua própria identidade oculta – uma garota engraçada, inteligente e vivaz que bem poucas pessoas tiveram a oportunidade de conhecer.
Deus, ela quer esse papel.
Ela estava secando seu cabelo quando Billie retornou com os cães. Eles entraram alvoroçados em casa, correndo um atrás do outro e correram para o quarto de hóspedes, onde seus brinquedos ficam guardados. Billie foi para a cozinha e preparou seu jantar. Os cães correram assim que ouviram suas tijelas serem colocadas no piso de cerâmica e, momentos depois, Billie veio com um copo de café, fazendo um sinal com a cabeça em direção à cozinha.
‘Você não precisa cozinhar quando chegar em casa. Eu poderia deixar alguma coisa pronta para você. Eu tenho minhas habilidades.’
‘Você está querendo dizer que minha perícia com o microondas não é boa o suficiente? Quero que saiba que eu preparei aquela lasanha com as minhas unhas quebradas.’
Billie sentou-se na ponta do sofa e ficou olhando Mai enxugar vigorosamente seus cabelos. Ela parecia sempre se interessar em observar Mai se arrumar, como se ela estivesse aprendendo segredos profissionais. Para ela, ela parecia ter feito o mínimo de cerimônia – jeans, um modelo desestruturado de blusa e botas pesadas que eram do tipo alfa e ômega do seu guarda-roupas. Seu cabelo estava lavado, passou o secador de cabelos por dez segundos e então, partiu para encontrar seu próprio caminho no mundo.
Mai tinha conseguido uma cópia da edição de Deannah’s Quest. Estava no sofa ao lado de Billie, aberto no meio.
Billie pegou o livro, olhou a sinopse na parte de trás e disse, ‘Você ouviu falar sobre isso, então? Eu imaginei que você pudesse ter se interessado.’
Mai não quis demonstrar que estava tão interessada.
‘Pode ser que eu me interesse. Eu li o livro.’
‘Você seria louca se não se interessasse. Isso foi feito para você.’
‘Por que você diz isso?’
‘Você está na idade certa, você se encaixa com a descrição, você tem mais chances do que qualquer outra pessoa, não concorda?’
‘Eu não tinha pensado nisso.’
Billie levantou as sobrancelhas. ‘Minha mãe costumava dizer que há apenas uma chance em uma boa carreira. Depois disso, você pode reorganizar as palavras sorte e chance em uma única sentença. Obviamente eu ainda estou trabalhando nisso, mas você já está voando alto. Você não quer que eu te conte a história do Dennis de novo, quer?’
O ex-namorado dela tinha se recusado a se promover como o novo James Morrison e no final Billie tinha o desencorajado. Escolher uma carreira era algo pela qual ela tinha começado recentemente a se considerar uma especialista.
Mai disse, ‘Eu tenho que falar com o Eric.’
‘Querida, ele é seu assessor. Ele fará o que você pedir que ele faça. É assim que as coisas funcionam, não é?’
Mai não disse nada e foi para o seu quarto. Ela vestiu um jeans e uma blusa larga, penteou seus cabelos e passou um pouco de maquiagem que ela costuma usar fora do horário de trabalho.
Billie ainda estava no sofa, acariciando a cabeça de um dos cães, Mai não tinha certeza qual deles era. Ele apoiou sua cabeça na coxa de Billie, e ficava olhando fixamente para ela com uma adoração doentia.
Mai disse, ‘De qualquer modo, eu não tenho certeza se quero entrar nessa disputa. Será como um reality show na TV, sem nenhuma classe.’
‘O que preocupa você?’
‘Quem disse que estou preocupada?’
‘Eu sei que você quer isso, mas não está demonstrando nem um pouco de entusiasmo.’
Mai procurou um casaco leve em seu guarda-roupas e encontrou sua bolsa Hermès.
‘Para realmente ser honesta eu não sei se eu tenho tempo. Ficarei presa aos ensaios pelas próximas quatro semanas e depois tem o Tornado – haverá estréias e assim por diante.’
Tornado era um filme que ela tinha terminado de gravar quase um ano atrás, enquanto ainda estava fazendo o Terraço Amberside, e tinha levado muito tempo para o CGI (efeitos especiais) e a trilha sonora ficarem prontos. A abertura da peça tinha sido inteligentemente preparada para coincidir com a abertura do filme – os produtores esperavam ganhar dinheiro com qualquer burburinho que o filme pudesse gerar.
Billie mexeu os ombros mas Mai pôde sentir que ela estava decepcionada: ela estava olhando para fora da janela observando os telhados escuros de Greenwich, como se de repente eles se tornassem interessados no assunto.
‘Diga o que você acha, Billie. Não tenha medo de falar, como se eu fosse morder você.’
‘Eu acho que você vai se arrepender se o filme for um sucesso. Dizem que um diretor arrogante já se inscreveu.’
‘Isso não quer dizer nada. Os produtores poderiam até dizer que Spielberg e Lucas tinham demonstrado interesse, mas isso não significa que eles estariam por trás das câmeras quando começasse a gravação.’
Billie desviou de novo o olhar, numa incursão da crítica, no entanto oblíqua, demonstrando uma certa ofensa. Ela não tinha nenhum envolvimento real com o show-business e não gostava quando Mai – ou qualquer pessoa – deixasse claro que os pensamentos e as ideias dela eram essencialmente de uma amadora.
Mai não queria ferir seus sentimentos. ‘Eu vou pensar sobre isso,’ disse. ‘Eu só preciso descobrir como fazer.’
Billie sorriu. ‘Eu sei que você seria ótima.’
‘Eu tenho que lutar com essa maldita peça primeiro. O diretor já me odeia e continua falando sobre o ‘contrato social’ que Chekhov está tentando criar com o público. Estou tentando achar sentido para a personagem.’
‘Querida, faça o que você sempre faz – utilize o sentimento humano. Não importa o contrato social, todos aqueles russos vitorianos eram humanos, não eram?’
‘Quando eu tiver alguma evidência, eu vou te contar.’
O taxi a levou diretamente para a porta do clube, de vez em quando o motorista olhava para ela, mas foi educado e agradeceu quando ela deixou a gorjeta.
O clube estava discretamente situado em um armazém reformado não muito longe de Canary Wharf, tinha concessão exclusiva para o comércio, com um pequeno pórtico marrom em forma de meia concha sobre a porta. Derek estava atrás do bar com sua habitual jaqueta branca e camisa preta, dando instruções ao novo bartender sobre como misturar um de seus coquetéis. Há uma alta rotatividade no clube, em grande parte porque Derek é um tirano quando as portas se fecham, no entanto, agradável quando está com seus clientes. Ele olhou para cima, sorriu abertamente para Mai e fez um sinal com a cabeça apontando para a parte de trás do salão.
Embora houvesse uma caverna no andar de baixo que abrigava o espaço do DJ, Mai sabia que a maioria das pessoas que ela conhecia estava reunida no fundo do salão. Era um local mais tranquilo e mais fácil para fofocar. O salão estava sutilmente iluminado como a câmara escura de um fotógrafo, facilitando evitar pessoas simplesmente por ficar de costas e ignorar a presença deles. Assim que ela passou pela porta, dezenas de pares de olhos brilhantes se voltaram para ela, da mesma forma que uma alcateia de leões que tinha acabado de avistar uma gazela.
Stefan a notou imediatamente, o rosto dele estava iluminado sob seus cabelos loiros e curtos. Ele veio até ela, pegou-a pelo braço e a conduziu para uma mesa vazia, uma forma solícita e comicamente exagerada. Ele vestia uma camisa justa cinza da Pineapple Studios e uma calça preta de sarja e estava com um leve brilho em sua pele, como se ele estivesse trabalhando. Eles se sentaram nas cadeiras de couro que Derek tinha garimpado de um falido clube de cavalheiros.
Stefan se inclinava intencionalmente.
‘Agora, minha jovem, conte-me tudo. Como foi seu primeiro dia?’
‘Eu tenho que te contar?’
‘Você não me negaria a possibilidade de fofocar, negaria? Há alguma coisa que deva saber?’
‘E eu que achava que você estava interessado em mim ... ‘
Os olhos de Stefan se arregalaram ainda mais. ‘Oh, minha querida, eu estou. Eu realmente estou. Mas você precisa estabelecer algumas prioridades. Não vou negar a possibilidade de um romance. Agora me fale, como foi realmente? Assustador ou prazeroso?’
‘Eu não conheço mais ninguém que usaria a palavra prazeroso numa conversa.’
Stefan abriu os braços como para dizer, Esse é o milagre que eu faço.
Mai disse, ‘Eles pararam de servir bebidas aqui?’
‘Hmm ... será que estou percebendo alguma relutância em falar sobre hoje? Foi ruim?’
‘Vamos dizer que o Pedro não escolheria ser muito diplomático. As perspectivas de carreira dele são limitadas.’
‘Ele foi grosso?’
‘Eu acho que ele preferia dizer que foi honesto.’
‘Bem, minha opinião é ... dane-se.’
‘Estou feliz que você demonstrou o que pensa.’
Stefan deu um sorriso forçado. ‘Deixe-me pegar um drink para te consolar. O de sempre?’
‘Por favor. Não com muito vinho branco.’
Stefan foi até o bar para buscar o spritzer que ela tinha escolhido como sua bebida preferida. Agora que os olhos dela estavam aclimatados, ela olhou ao redor para as pessoas no salão – eles aparentavam na maioria vinte ou trinta anos, penteados deslumbrantes, sapatos brilhantes, incluindo seus dentes. Eram da mídia ou outro tipo – televisão, revista, moda. Ela conhecia muitos deles, ou pelo menos sabia o que faziam: Stefan era um experiente guia sobre quem era quem na mídia em Londres. Ele era um ano mais velho que ela e tinha ido direto da escola na área rural de Northampton para o centro de Londres, primeiro para estudar dança e depois para praticá-la. Ele tinha acabado de conseguir seu primeiro trabalho em uma companhia de dança contemporânea. Ela estava orgulhosa dele.
Ele voltou e sentou-se próximo à ela, direcionando sua cadeira para dentro do salão e ficou como se estivesse assistindo à televisão.
‘Estão todos bem esta noite, bom para uma segunda-feira. Veja aquele garoto com bigode falhado – você o reconhece?’
‘Não, nem o bigode.’
‘Ganhou a semifinal da Generation Ex na semana passada. Veio com aquela garota que está no bar, com os braços finos e com uma blusa azul do Exército da Salvação. Logo ela será uma ex, eu acho.’
‘Como você sabe essas coisas? Recebe algum e-mail que eu não recebo?’
‘Uma hora de manhã fazendo ginástica – sintonizo nas estações certas e o mundo todo está lá. Além de um fluxo de informações do aplicativo MailOnline.’
‘Linha direta com o Inferno.’
‘Eu sei, o que um viciado em fofoca poderia fazer? Então me diga, como é o Alfie?’
‘Vou dizer quando eu puder vê-lo.’
Stefan adquiriu uma feição simpática e se virou para ela.
‘Oh querida.’
‘Ensaios – piores que os meus. Parece que isso está acontecendo há meses. O primeiro show deles será esta semana.’
‘Avise-me e eu irei com você. Você pode precisar de uma desculpa se eles falharem. Só estou dizendo.’
‘Eu não me importaria mas ele não está mantendo contato. Você sabe, meu primeiro dia de ensaio. Um pouco de interesse não seria nada mal.’
‘Ele é um garoto ocupado.’
‘Não o defenda, Stefan. Você se diverte muito com a situação para ser um mediador.’
‘Você tem certeza que não estudou em uma universidade? Grandes palavras.’
‘A universidade da vida, meu filho. Um estúdio de televisão. Ou você aprende rápido ou afunda. Você cresce na velocidade da luz.’
‘E se torna forte como velhas botas.’
Mai sorriu pela primeira vez. Stefan sabia que descrevê-la uma pessoa forte ativaria sua ironia. Ele tinha recebido muitas ligações dela, tarde da noite nos últimos dois anos, para acreditar que ela tivesse qualquer traço de resistência.
Ele disse, ‘Então você está bem, é sério?’
‘Eu vou ficar.’
‘Não basta, querida. Estou exigindo demais de mim mesmo porque eu quero fazer o que estou fazendo. Não gostaria de pensar que você está apenas se divertindo com isso. Não é o nosso caso. É questão de querer ou não fazer isso. Há muitas pessoas que estarão na mesma situação.’
‘Meu Deus, Stefan, eu estou bem, é sério. Foi apenas um primeiro dia difícil. Se eu não pudesse reclamar com você, com que meu reclamaria? Há alguém a quem eu posso contar?’
Stefan olhou-a de forma severa, e então piscou. ‘Só para confirmar. Você é boa, não se subestime.’
Mai deu um tapa em seu braço. ‘Sendo assim, vou ao banheiro.’
Ela se levantou e se dirigiu até o fundo do lounge lotado. O próprio ar parecia brilhar com o resplendor de homens e mulheres jovens, que estavam sentados heroicamente em frente ao bar ou em uma intimidade forçada às mesas enclausuradas. Ela sentiu o ruído do andar de baixo e o estrondo da música, como uma brisa quente, quando ela passava pela porta de saída de incêndio.
Quando ela estava empurrando a porta do banheiro, alguém chamou-a pelo nome. Ela reconheceu a voz e suspirou sobriamente antes de se virar.
Helena Cross estava sentada com dois jovens à uma mesa baixa e a estava olhando com um sorriso falso; ela demonstrava toda a sinceridade de um apresentador de TV, sem o charme da discrição. Esta noite ela vestia um vestido curto azul claro e um decote que deixava seus seios inchados voltados para frente e convidativos, como se tivessem sido empurrados por mãos bobas.
Ela disse, ‘Mai, que legal. Ouvi dizer que você iniciou os ensaios.’ Ela manteve aquele sorriso plastificado o tempo suficiente para preparar Mai para um desafio. ‘E então, como foi? Disseram que seu diretor é um pequeno Hitler.’
‘Helena – bom ver você.’ Ela olhou para cada homem ao lado dela: jovens pálidos com cabelos escuros cheios de produtos. ‘Quem são esses garotos?’
Helena era alguns anos mais velha que Mai e entendeu a crítica. Ela preferiu ignorar.
‘Eles são bons sujeitos.’ Ela olhou um e depois o outro e então se levantaram para apertar as mãos de Mai, como se Helena tivesse enviado uma mensagem telepática.
‘Jasper.’
‘Tarquin.’
Mai disse, ‘Uau, ainda colocam esse tipo de nome em alguém?’
Eles balançaram a cabeça de forma quase idênctica. Eles iriam preferir serem chamados de Harry ou Max, ou até mesmo Jude.
Helena disse, ‘Não consigo fugir deles. Posso ir a qualquer lugar de forma incógnita e eles aparecem, como Paparazzi sem câmeras. Eu acho que eles devem estar pagando alguém para me seguir. Eles descobrem onde estou indo, então eles lavam seus cabelos, escovam seus dentes e me encurralam como uma presa ... ‘ – ela sendo caçada por uma foto – ‘... Bambi. Quem me dera poder dizer que não gosto de atenção, mas nem sempre isso é possível, não é?’
‘Tenho certeza que eles são muito bem comportados.’ Ela olhou para eles. ‘Não são?’
Ambos deram um sorriso sem graça, devotos como vigários que permanecem inofensivos. Um único ataque de ofensa significaria banimento total da mesa de uma celebridade – a menos que fosse pelo dono da mesa.
Helena disse efusivamente, ‘Então, você soube da história de Deannah. É claro que você vai participar.’
‘Você vai?’
‘Os primeiros votos são para que eu esteja lá. Eu não queria, mas Finn me convenceu. Você sabe que ele é um pássaro difícil. Ele está mais para um pequeno papagaio cruel no meu ombro do que para um assessor. Alguém me disse que já sou a favorita. Muito chique!’
‘Que bom. Isso deve ser muito bom.’
‘Oh, é sim muito bom. Não posso imaginar como será essa competição – você pode?’
Ela saiu mantendo seu sorriso brilhante por um segundo a mais. Ela está preocupada, Mai pensou. Ela não quer que eu participe.
Mai tinha tirado de Helena o papel de Steffi no Terraço Amberside dois anos antes, e ela nunca mais esqueceu, nem mesmo quando se destacou diante dos olhos do público como uma celebridade, por ter atuado de tempos em tempos em musicais no Teatro West End e dançado em programas de TV. Mai não era de se vangloriar, mas no caso de Helena, ela estava perfeitamente disposta a abrir uma exceção.
Ela disse, ‘Tenho que ir. A natureza me chama.’
‘Então você não vai disputar por Deannah?’
Mai deu um sorriso falso. ‘Isso seria divulgado.’
‘Porque dizem que no Daily Paper eles estão torcendo por mim. O russo, que é o proprietário, aparentemente gosta de mim. A competição é apenas uma maneira de obter alguma publicidade, mas ele quer que eu ganhe.’
Assim que ela empurrou a porta e entrou no banheiro feminino da caverna, iluminado como a ponte da Nave Estelar Enterprise, Mai pensou: Ela realmente não deveria ter me dito aquilo. Ela já tinha decidido que não iria se envolver nessa competição. Ela tinha muito que fazer nas próximas quarto semanas para perder tempo em outro lugar. Mas alguma coisa tinha ascendido o seu espírito competidor: talvez por ter pensado que o papel estaria sendo dirigido para alguém que não o entendia. Atriz em ascensão toma importante decisão no banheiro de uma casa noturna. Foi um daqueles momentos decisivos que deixam uma pequena marca em sua consciência e que ela sabia que nunca seria capaz de apagá-la ou esquecê-la, como um entalhe em um armário Chipperfield.
Quando ela saiu do banheiro, Helena ainda estava sentada àquela mesa, porém sozinha. O sorriso já não mais existia e a atmosfera havia mudado. Mai percebeu que ela tinha dispensado os garotos para que eles não testemunhassem o que iria acontecer. Helena levantou-se da sua cadeira e chegou tão perto de Mai que ela pôde ver onde sua maquiagem tinha manchado causando-lhe novas sardas. Tão perto, rosto largo, olhos amplamente espaçados e a boca grande – tão impressionante em fotos profissionais – agora parecia feia e nojenta. Um alerta selvagem vinha de dentro de suas pupilas escuras.
‘Eu sei o que você está fazendo,’ disse ela a Mai. ‘Eu já vi você fazer isso antes e eu não vou deixar que isso se repita comigo novamente.’
Mai sentiu-se inferior, diminuída.
‘Estou aqui para encontrar um amigo. Desculpe-me se você não pode lidar com isso.’
‘Ha ha, sempre cruelmente inteligente e espirituosa. Nunca se perde com as palavras, não é mesmo, espertinha? Eu tive que lidar com pessoas assim como você a minha vida toda e eu não vou perder novamente. Eu vou conseguir o papel de Deannah e vou te derrubar.’
‘Eu acho que você deveria parar de ir à academia de ginástica, isso está lhe causando alucinações.’
‘Você está sendo legal agora porque é isso o que você sempre faz. Sempre no controle, com aquele sorriso de garotinha, não entra e nem sai do jogo. Eu conheço os seus métodos. Você quer que as pessoas venham até você ao invés de ir você mesma, mas não, você não pode demonstrar que realmente está querendo alguma coisa, não é? Assim as coisas ficam fáceis para você, não é mesmo? Fingindo tranquilidade.’
‘É você quem está dizendo isso. Está sendo repetitiva. Posso passar?’
‘Lembre-se, Mai, você não irá ganhar desta vez. Você conseguiu da última vez, filha de Geraldine Rose, fracassada estrela de filme, mas desta vez eu tenho algumas pessoas do meu lado. Agora é a minha vez, não ouse esquecer-se disso.’
Mai estava evitando olhar para ela e estava sendo empurrada para trás em direção à porta do banheiro feminino. Ela agora ergueu-se ereta, olhou diretamente nos olhos de Helena e inclinou-se para a frente para que a outra mulher tivesse que passar por trás dela.
‘Para sua informação,’ disse Mai, saboreando o som vindo de sua boca até mesmo a ponto de repetir as palavras, e repetindo disse, ‘Para sua informação, eu não iria entrar no jogo. Eu iria dizer, Obrigada, mas não, se eles tivessem me oferecido, mas agora, sou grata a você. Obrigada por ajudar-me a decidir. O jogo começou, sua vadia.’
Ela se voltou para trás, sabendo que Helena a estava olhando fixamente pelas costas e imaginando que ela estivesse com aquela boca larga ainda mais aberta – ela nunca ficava bem assim.
Ela ascenou para Stefan enquanto passava por ele e seguia em direção a Patty Leading, editora de entretenimento do Daily Paper. Ela segurava o que parecia ser um coquetel Bloody Mary em uma de suas finas mãos, e uma câmera Canon de alta definição na outra. O corpo dela era de uma magreza profunda de alguém que se punia com exercícios físicos ao invés de fazer dieta. Ela estava conversando com um jovem rapaz com cabelos ruivos em cascata, que Mai pensou que era um membro ‘rebelde’ de uma nova banda formada por garotos. Ele vestia um agasalho de treino vermelho brilhante, em público.
Ela pegou Patty pelo braço e puxou-a para o lado.
‘Você pode me garantir que a votação da enquete para o papel de Deannah será justa?’
Patty pareceu confusa, desconfortável, porque as rugas ao redor dos seus olhos de repente revelaram uma idade que o resto do seu espírito tentava fortemente esconder.
‘Helena falou com você, não é, querida? Alguém do trabalho deve ter contado a ela alguma coisa em que acreditou. Valentin não seria capaz de discernir Helena Cross de Helena Bonham Carter. Exceto se houvesse a probabilidade de ele ter assistido ao Planeta dos Macacos.’
‘Como funciona isso? Eu preciso fazer formalmente a minha inscrição para o papel em algum lugar, ou algo assim?’
‘Não, não é necessário nada disso. Nós queremos que as pessoas votem por quem elas querem, embora estejamos dando algumas sugestões, é claro. Isso foi anunciado ontem na nossa edição de Domingo e o primeiro dia de votação foi hoje, e você já perdeu um dia, sua tonta.’
‘Por que tonta?’
‘Você já poderia ter iniciado a sua campanha com fotos e assim por diante.’
‘Eu estava trabalhando. Você sabe como é o dia de trabalho.’
Patty sorriu e tomou um gole do seu drink. ‘Estamos em busca de uma pequena lista com cinco nomes, por isso pedimos para que as pessoas votem dentro de poucas semanas.’ Ela olhou Mai mais de perto. ‘Você tem certeza que quer participar?’
‘Por que? Não é genuíno e confiável?’
‘Claro que sim. Os produtores disseram que utilizarão o resultado da enquete para lançar Deannah, por aclamação popular ou algo desse tipo. Eu apenas acho que você é muito inteligente para isso. Há quanto tempo nós nos conhecemos?’
‘Desde que você estava na Hello! Umas duas semanas depois que eu comecei na TV.’
‘Exatamente, e em todo esse tempo, quantas vezes você veio a mim dessa forma para tentar se promover? Não responda, eu lhe direi. Nenhuma vez, precisamente. Você nunca foi atrás de holofotes. Por que iria agora?’
Mai não disse nada, sua mente ainda estava se recuperando do veneno lançado por Helena. Ela percebeu que estava apertando cada vez mais o braço de Patty. Então ela o soltou fazendo-a baixar sua mão.
Ela disse, ‘Talvez seja a hora de ir atrás de holofotes. Desde que eu comecei na TV, as pessoas diziam que isso um dia iria acontecer.’
Patty mostrou-se incrédula.
‘Você não acredita nisso.’ Ela levantou sua camera e a direcionou para o rosto de Mai. ‘Posso tirar uma foto sua, momentos depois de ter tomado uma decisão assim tão importante?’
‘Não!’
Ambas deram risada.
Patty disse, ‘Então me diga por que você está fazendo isso? Por que quer ser Deannah?’
Mai pensou por um instante.
‘Eu me sinto como se eu já estivesse atuando nesse papel. E eu não posso imaginar ninguém mais além de mim para fazer isso.’
‘Isso tudo parece uma grande bobagem. Nem parece você.’
‘Eu sei. Mas há uma conexão entre mim e Deannah que nem eu compreendo. Senti isso quando estava lendo o livro e nunca mais esqueci. Tenho apenas vinte anos e parece que nasci para interpretar esse papel. Isso é muito estranho, não é?’
‘Além de estranho é também assustador. Não leve isso tão a sério, Mai. Isso é apenas a indústria do entretenimento, não é a vida.’
‘Aí é que você se engana.’




CAPÍTULO TRÊS


A MANHÃ DE TERÇA-FEIRA deu os primeiros sinais do fim do outono. Uma pequena onda de frio que exigia luvas e cachecóis. Quando ela chegou nos portões da velha escola, Mai ficou atrás de um grande pilar feito de pedra, protegida do vento persistente e telefonou para Alfie. Era apenas oito horas e quarenta e cinco minutos da manhã mas ela estava cheia de esperança. Folhas rodeavam seus tornozelos e o céu cinza ficava pontilhado de pássaros estridentes e impacientes para voar em direção ao sul.
Ele atendeu no segundo toque.
‘Alô.’
‘Passou a noite acordado ou acabou de acordar?’
‘Acordado desde às sete, fazendo ginástica. Uma grande turnê está por vir, não posso adoecer.’
‘Impressionante. Eu estou do lado de fora de uma escola no sul de Londres.’
‘Teve sorte com os garotos da escola?’
‘Sou muito velha para eles. Eles não se interessam nem se eu lhes oferecer doces.’
‘Passei por isso nos meus vinte anos. Não há nenhuma esperança para nós, então.’
Ambos fizeram uma pausa e ouviram a respiração do outro. Mai sentiu o frio subindo pelo seu rosto, uma sensação de aperto nos lábios e nas orelhas. Ela pensou por que estava tendo aquela conversa naquela hora. O que ela queria?
Alfie disse, ‘Então você virá amanhã? Consiga um lugar na primeira fila. Venha nos bastidores para ver a banda e depois atire tulipas em nós, ou calcinhas, você escolhe.’
‘Ainda tem o mesmo nome?’
Ela tinha tentado persuadí-lo a não usar The Gastric Band como nome da Banda, mas os amigos sarcásticos e adolescentes crescidos de Alfie se recusaram a mudá-lo. Com o tour agendado, isso agora era provavelmente tarde demais. A pequena gravadora tinha desistido de gravar após duas reuniões de três horas terem resultado em um silêncio taciturno por parte dos membros da banda. Apesar das ameaças vindas da crítica, pode-se incluir frases como ‘The Gastric Band’ não são suficientemente unidos e ‘The Gastric Band’ não consegue nem resolver seus próprios problemas. ‘
Alfie disse, ‘Não comece, Mai. Está feito. Então você estará lá?’
‘Eu vou tentar. O diretor dessa peça é um nazista, então não posso confiar que terminaremos em tempo.’
‘Os nazistas são conhecidos por não serem pontuais.’
‘Você sabe o que eu quero dizer.’ Ela não podia evitar dizer, com a voz na defensiva operando dentro dela, ‘Não seja exigente.’
Ao invés de lhe dar uma resposta, ele não disse nada, como de costume. Ela sabia que ele não era capaz de lidar com qualquer tipo de conflito, então ele fingia não existir nenhum. Ironicamente, isso foi o início de um conflito entre eles.
Após um momento ele disse, ‘Você não ligou ontem.’
‘Você também não, garoto esperto.’
‘É verdade, desculpe. Foi por falta de tempo. Eu terminei somente à meia-noite. Não quis ligar por causa dos seus ensaios e tudo mais.’
‘Tudo bem, aconteceu o mesmo comigo. Por isso não liguei.’
Ela ficou pensando por que não mencionou que tinha saído com Stefan. Ela não se sentia totalmente culpada.
Alfie disse, ‘Então foi bom ou o quê?’
‘Não, na verdade foi um lixo.’ Ela de repente sentiu vontade de chorar, seus olhos ficaram marejados. ‘O diretor é um déspota. Um pretensioso. Ele quer me quebrar, como um cavalo ou algo assim, para que eu faça exatamente o que ele quer.’
‘Você precisa de um homem forte para bater nele?’
‘Seria bom.’
‘Eu vou ver se eu acho um ... ‘
Mai sorriu suavemente – isso é exatamente o que ele diria. O interessante é que Alfie poderia ser tão dinâmico e substancial por trás de sua figura, entretanto, tão reservado na vida real. Talvez seja isso que o tenha feito extravasar toda sua raiva e frustração.
Ela disse, ‘E tem outra coisa. Você pode ouvir falar muito de mim nos jornais em breve.’
‘Deannah ha-ha.’
‘Acertou.’
‘Fácil. Joe me contou sobre isso. Ele viu você lendo o livro quando chegou para o ensaio. Perguntou se você poderia se interessar. Eu procurei por isso na internet ontem à noite.’
‘Entâo, o que você acha? Devo participar?’
‘Ela definitivamente é você, não é? Uma garota comum que se torna uma princesa de meio-período.’
Mai deu risada. ‘Seu bobo. De qualquer forma, eu não preciso da sua permissão. Eu já disse a eles que estou na disputa.’
‘Um pouco de concurso de beleza. É isso o que quer?’
‘Parece que sim, uma vez que eu aceitei participar. O que você acha?’
‘Hey, é a sua carreira. Você decidiu fazer a peça. Você decidiu fazer o lixo do filme.’
‘Ainda não sabemos se será um lixo. Isso dependerá dos efeitos especiais. Um garota tem que começar em algum lugar.’
Mai não estava gostando da direção que a conversa estava tomando. Alfie parecia agressivo sem motivo esta manhã, como se ele estivesse liberando alguma tensão interna por testar sua resiliência.
Ela disse, ‘Está tudo bem com você?’
‘Sim, por que?’
‘Não sei. Você parece ... conciso.’
‘Você também estaria concisa se estivesse ensaiando dez músicas para daqui a três semanas sem nenhum descanso. Meus braços estão doendo continuamente e eu não posso sentir os meus dedos. Estão como bananas nas extremidades dos meus pulsos para servir como experimento de um cruel médico cirurgião.’
Da mesma forma como aconteceu muitas vezes quando ela estava nos ensaios, Mai começou a examinar o que ela estava sentindo. Não sabia se queria expressar a leve sensação de raiva e frustração que ela estava sentindo naquele momento, o que ela faria agora? Poderia olhar nos olhos de Alfie? Queria tocá-lo? Esbofeteá-lo? Beijá-lo?
‘Você ainda está aí?’ Sua voz estava afiada.
Ela voltou para o presente, para o frio no seu rosto e a sensação da tela de vidro do seu celular na sua orelha.
‘Estava apenas pensando,’ ela disse. ‘Eu tentarei ir amanhã. Pode ser que eu traga Stefan. Ele pode fingir ser meu namorado, deixando o caminho livre para você com seu fã-clube de garotas de dezesseis anos.’
‘Elas têm vinte anos e eu posso ter mais problemas com elas. Elas discutem mais.’
Mai sorriu ao telefone novamente.
Alfie disse, sua voz está mais suave, ‘Não se preocupe com a peça. Você é boa e sabe disso. O Pedro é um estúpido. O que ele irá fazer – demitir você? Provavelmente não.’
‘Ele já fez isso antes, evidentemente. Não tem consideração.’
‘Mas ele terá que enfrentar a ira do meu baterista depois.’
‘Um espetáculo.’
‘É o barulho que eu faço que realmente os assustam.’
Pedro deu início ao segundo ato, onde o grande símbolo da peça faz uma aparição – um pássaro morto a tiros por um dos personagens que o oferece ao personagem interpretado por Mai. Ao invés de utilizar um objeto cenográfico real, Pedro tinha trazido um macaco de pelúcia, fazendo com que todos caíssem na risada enquanto revisavam o seu potencial simbolismo na peça. Ele riu com os outros por um tempo mas logo ficou entediado e começou a gritar com eles.
Já era hora do almoço e eles estavam ensaiando o segundo ato em uma série de cenas chatas. Muitos personagens tinham cenas com falas longas, fazendo com que Pedro tivesse que dar a eles a sua cópia pessoal do texto, e os atores, desinteressados, suspiravam em alívio e voltavam para os bancos alinhados à parede. Mai ficava pensando quando isso começaria melhorar.
Quando pararam para almoçar, ela viu uma familiar jaqueta esportiva bege no fundo do auditório. Eric estava lá, ela percebeu que ele estava lá por mais ou menos meia hora, provavelmente para observar como as coisas estavam indo.
Ela indicou com os olhos que iria vê-lo do outro lado, pegou seu sanduíche e caminhou para a porta de saída de incêndio, próxima à uma pilha de mesas sobre cavaletes.
Ela se sentou perto dele na parede do parquinho infantil da escola e de repente sentiu-se novamente como uma colegial em Northampton, tipicamente de lado ouvindo as outras garotas de sua idade falarem sobre garotos e música. Elas provavelmente morreriam ao saber onde ela está agora – se encontrando com um namorado que é atualmente ­­integrante de uma banda.
‘Minha mãe ligou para você, então.’
Construtores, decoradores e eletricistas estavam cantarolando enquanto passavam pela rua em furgões brancos. Eric esperou até que houvesse silêncio.
‘Você não acha que eu devo verificar periodicamente? Ver se está tudo bem com você? Você não confia em mim, garota.’
Ela ofereceu a ele um sanduíche, mas ele recusou. Como de costume, ele precisava cortar o cabelo e não seria pedir muito se fizesse também a barba. Quando ela estava mais generosa, ela preferia pensar que ele estava muito ocupado cuidando dos seus negócios, que não tinha tempo para se preocupar com sua aparência pessoal. Quando ela estava chateada, ela achava que ele era apenas um desleixado.
‘Você alguma vez já lustrou os seus sapatos? Eles parecem exatamente os mesmos de quando fomos naquele lugar da fazenda em Amberside. Lembra?’
Eric mexeu os ombros. Ele nunca se sentiria envergonhado a ponto de mudar a sua aparência.
Ele disse, ‘Parece que você tomou uma outra decisão sem me consultar. Eu não acho que as condições dos meus sapatos têm tanta importância em comparação com a natureza precária do nosso relacionamento profissional.’
Mai suspirou irritada e se voltou para seu sanduíche. Sempre que Eric tinha que dar início a uma difícil discussão, sua linguagem tornava-se complexa, como se ele pudesse evitar que a mensagem real fosse transmitida pelo uso criterioso das sílabas.
Ela disse, ‘Ontem um amigo fez-me lembrar que você é meu assessor e não o meu chefe.’
‘Verdade, verdade, e eu poderia infligir algum dano físico a alguém que dissesse o contrário. Mas há algumas coisas que precisamos considerar de forma estratégica. Afinal, sua carreira não é a mesma coisa que agendar um horário com o cabeleireiro. É um compromisso de longa duração, e toda decisão, cada momento decisivo em um compromisso assumido precisa ser considerado por uma infinidade de ângulos diferentes.’
‘Como um diamante.’
‘Se quiser, sim. Como um diamante.’
‘Ou quartzo.’
‘Você não pode me hostilizar, Mai.’ Ele parou e olhou para uma mulher negra que passou pelo portão da escola, resmungando para ela mesma. ‘Estou aqui para cuidar dos seus interesses. Você se lembra quando sua mãe a colocou em contato comigo, há dois anos? Nós assinamos o contrato e naquele contrato eu dizia que eu sempre trabalharia para maximizar tanto a sua renda como seu sucesso profissional. Trata-se disso. Você pode fazer a piada que quiser, e ocasionalmente até participarei, mas quando se referir a uma importante decisão como esta, eu gostaria apenas de um pouco de consideração. Você não pode tomar o controle e decidir participar de algo sem me consultar.’
‘Eric, olhe para mim. Eu cresci. Eu nem tinha dezoito anos quando assinei aquele contrato e eu precisava de toda ajuda que você pudesse me dar. E eu lhe agradeço por isso. E agradeço por conseguir trabalho para mim nessa peça e no Tornado, que tenho certeza que quebrará todos os recordes de bilheteria e que ganhará dez Oscars. Mas quanto ao papel de Deannah, se afaste, tudo bem? Isso é algo que eu quero fazer. Eu quero o papel porque eu acho que será bom para mim, porque eu acho que o livro é popular e eu sei que eu posso fazê-lo. Eu li o livro e eu conheço aquela garota. Se eu conseguir o papel, eu o farei bem e com o vento soprando a meu favor, o filme será bom para a minha carreira.’
Houve uma longa pausa. Eric ergueu-se na sua estatura total.
‘Então você está dispensando os meus serviços.’
‘Não, por Deus!’
‘Mas é o que parece deste lado da mesa.’
‘Agora você está sendo melodramático. É o meu trabalho, dentro daquele congelante auditório. O que estou dizendo é que nosso trabalho agora é de nos certificarmos de que conseguirei o papel de Deannah. Nós podemos tramar e planejar para que eu ganhe daquela bruxa loira da Helena Cross novamente.’
Eric levantou bruscamente a cabeça.
‘O que ela tem a ver com tudo isso? Quem a indicou?’
Mai terminou seu sanduíche e amassou o papel alumínio como uma bola e o colocou dentro da sacola.
‘Ela mesma se indicou. Ela quer o papel, somente para tirá-lo de mim. Eu realmente não posso culpá-la. Eu fiquei dois anos em Amberside e ela esteve por dois anos escolhendo números de Loteria na TV e fazendo coreografias com membros do parlamento. Que poderia ter sido eu.’
‘Dificilmente. Pelo menos você tem talento.’
‘Obrigada por notar. Podemos começar outra vez?’
Ela sabia que no final Eric era sempre pragmático. Ele tinha explosões de orgulho intolerante mas no final, ela era sua estrela ativa e ele não queria perdê-la se pudesse evitar. Ao longo dos dois últimos anos ele tinha concentrado cada vez mais sua atenção nela enquanto sua popularidade crescia, sendo que ele tinha deixado de lado alguns de seus fãs. A mãe de Mai tinha dito a ela que isso era um erro, porque ele deveria querer aumentar seu público, e não reduzi-lo por causa dela, mas ele provavelmente a enxergava como um ticket refeição – o primeiro que ele tinha tido em quase trinta anos de trabalho de representação.
Ele inflou suas bochechas e colocou suas mãos nos bolsos da sua calça de veludo cotelê. ‘Você é uma fulana pequena e cruel quando quer, não é? Gostaria de saber de onde você tirou isso – não foi da sua mãe, que era tão doce quanto uma torta de maçã da Bramley.’
‘Olhe, eu tenho que voltar agora. Ligue para mim amanhã e faremos uma reunião. Você pode chamar isso de uma reunião estratégica se você se sentir melhor assim. Agora dê-me um beijo e vá para casa.’
Ele deu um passo à frente e eles trocaram beijos dignos de Hollywood.
Ele disse, ‘Não vá fazer nada às pressas sem antes falar comigo. Tem certeza que quer fazer isso? Você sabe que isso é um vício, não sabe?’
‘Helena Cross não pode fazer nada para me prejudicar.’
Eric recuou. ‘Você nunca deveria dizer esse tipo de coisa. Ela é como uma bola de praia – você até pode tentar colocá-la em uma caixa, mas ela sempre salta para fora novamente.’




CAPÍTULO QUATRO


BILLIE PUXOU OS cães do local onde estavam farejando e depois os seguiu, segurando-os de volta enquanto eles a puxavam em direção ao bolo de casamento do Museu Nacional Marítimo, no centro do Parque Greenwich. Eles puxavam implacavelmente suas guias, tossindo de forma rouca, alegres por estarem indo a algum lugar, em qualquer lugar.
Ela achou que estavam animados para ver a Mai. Se ela conseguisse o papel de Deannah, isso seria um nível total de fama para ela. Seria comparado à Kristen Stewart ou àquela garota de Harry Potter, cujo nome ela não se lembrava. Seria um grande passo para sua carreira – estaria às portas de Hollywood. Ela provavelmente teria que contratar William Morris no lugar de Eric, mas isso seria uma grande perda. Ela seria capaz de comprar sua casa própria em Londres ao invés de ter que alugar.
Ela de repente percebeu que tinha muito que investir para que Mai ganhasse a enquete. Isso era imprescindível, uma obrigação. Ela já tinha escutado rumores de que a estúpida da Helena Cross estava liderando as pesquisas depois de apenas um dia. Mas isso era compreensível porque ela tinha recentemente participado como celebridade em uma maratona televisiva, dançando com cinco membros do parlamento em um evento beneficente. Quando souberem que Mai está pensando seriamente em concorrer para o papel, as pesquisas certamente mudarão, ela estava certa disso.
Billie via que a responsabilidade para o sucesso de Mai poderia estar sobre ela. Ela se sentia sempre responsável quando as pessoas não conseguiam viver de acordo com seu potencial. Era como se tranferisse um peso dos ombros para os dela – mas que ela poderia suportar. De fato, ela aceitou essa condição porque isso a permitia encontrar algum valor real em sua vida. Geralmente não havia nenhum reconhecimento ou recompensa pelo stress que ela impunha a si mesma, mas ela sabia que com o tempo as pessoas iriam reconhecer o sacrifício que ela fazia e iriam reconhecer seus dons. Era apenas uma questão de tempo.
Ela pensou em Mai por um momento, puxando os cães da estátua do Capitão Cook descendo a ladeira em direção ao centro do Greenwich. Ela estava trabalhando para Mai há um ano, desde que ela pegou os cães, e ela sabia que Mai levava a sério tudo o que ela tinha realizado como atriz. Ela desejava melhorar e ser a melhor atriz que ela poderia ser. Billie concordava com isso – era uma boa forma ética de trabalho para alguém tão jovem e inexperiente.
Por outro lado, desde que terminou com Dennis, Billie começou a ver que havia outras coisas mais importantes na vida do que o trabalho. Se vocês pensam que o trabalho é suficiente para satisfazê-los, vocês estão enganados. A vida não é um ensaio. Você faz o que pode para se satisfazer com isso e conseguir o que quer quando isso está ao seu alcance.
Mesmo que isso signifique ter que quebrar o galho para alcançar isso em primeiro lugar.
‘Assista ao filme comigo,’ Mai disse quando Billie entrou.
‘Ok. Você é quem manda.’
Billie estava secretamente emocionada pelo convite de Mai. No último ano, elas tinham assistido juntas à vários filmes e ela sempre gostava das explicações dadas por Mai sobre o que os atores estavam fazendo. Elas iriam praticamente assistir a um velho filme que já haviam assistido antes, para que elas pudessem se concentrar nas técnicas dos atores e na filmagem e não no enredo.
Ela acalmou os cães e se juntou a Mai na sala de estar. Ela tinha baixado um filme de Hitchcock e utilizou um cabo para conectar o laptop dela à TV, que estava sobre um suporte na parede. Billie a ajudou a mover o sofá para a frente da TV, e então elas desligaram as luzes da mesa, com exceção de uma.
Doris Day e James Stewart estrelaram O Homem Que Sabia Demais. A história começou em Marrakech, onde Stewart, um médico, está passando o feriado com sua esposa e seu jovem filho. Eles se envolvem com um homem francês que, deixa claro ser membro do serviço secreto francês, e é assassinado na frente deles em um Mercado em Marrakesh. Antes de morrer, ele conta um segredo para Stewart – um homem será assassinado em Londres. Stewart não conta a ninguém essa informação porque ele recebe um telefonema com uma ameaça de que seu filho estaria em perigo se ele contasse a alguém.
Toda essa trama levou-as a cerca de metade do filme. Mai estava tranquila, sentada sobre seus pés no sofá e enrolada em um roupão. Billie abriu uma garrafa de vinho branco sul-africano e estava pronta para servir. Ela inclinou-se para frente e pausou o filme no laptop.
‘Posso encher?’
Mai disse, ‘Doris Day está lá, não é a personagem, ela está realmente presente.’
‘O que quer dizer?’
‘Você pode vê-la ouvindo os outros atores, mesmo quando não aparece na tela. Quando eles aproximam a imagem o outro ator está lá com o texto, lendo-o. Doris não permite que isso mude o modo dela reagir. Os olhos dela estão se movimentando para cima e para baixo enquanto ela está observando a fala do personagem, olhando dos olhos à boca. Então quando ela sorri, ela realmente sorri. Não é um sorriso forçado – isso sobe para seus olhos também. E fica perfeitamente natural. Emma Thompson faz isso – dando a sensação de que há um ser humano lá, e não alguém atuando como um ser humano.’
‘Eu gosto do Jimmy Stewart – pela maneira como ele mudou de um Americano mediano de férias em uma terra estrangeira, para um homem com força de caráter e determinação.’
‘Ele também é inteligente. Ele sabe que isto está nos olhos. Essa parte agora quando ele abraça Doris para confortá-la e seu rosto está sobre o ombro dela ... viu o que ele fez com os olhos e com a boca? Os olhos para um lado procurando fugir, a boca levemente aberta, e então, um rápido olhar para Doris e desvia novamente – tudo aconteceu de uma forma rápida, porém perfeitamente controlada. Demonstrou medo, pânico e determinação.’
‘E ele também é engraçado.’
‘Aquela parte no restaurante marroquino, comendo o frango com as mãos. Ele é capaz de fazer graça e cinco minutos depois está totalmente sério, dando ordens aos policiais ao redor. Ele muda a sua linguagem corporal, movimentos mais angulares, mais diretos, mais verticais. Coloca hesitação na sua voz, fala mais lentamente.’
Billie se levantou e foi até a cozinha para encher seu copo de vinho. Ela gritou, ‘Quer uma xícara de chá ou alguma outra coisa?’
Mai disse que não queria nada e Billie entrou na sala de estar – a grande tela da TV tinha imagem de Doris Day e Jimmy Stewart congelada em um abraço apaixonado, e o rosto pálido de Mai virou-se para a tela de maneira suplicante, absorvendo todo o talento deles. Billie ficou parada por um instante na soleira da porta. Ela teve um repentino pensamento de que momentos como aqueles eram perfeitos ... e ao mesmo tempo sentiu medo. Sua vida era de uma dependência, como uma daquelas aves que viviam atrás dos elefantes e rinocerontes ... seria um pássaro secretário? Quando ela foi embora à noite, ele dirigiu de volta até um pequeno apartamento em Twickenham, que ficava em cima de uma agência de seguros. Ela subiu as escadas, tomando o cuidado com a saliência dos degraus que poderia rachar sua testa se não se desviasse ao subir, virou-se à esquerda no hall e abriu a terceira porta à direita. Uma cama, uma pia, uma janela guilhotina. Uma cadeira, uma cômoda, um guarda-roupas estreito. Era um quarto escuro nos fundos disfarçado de apartamento, com um acesso compartilhado a um banheiro. Era um inferno, mas o único inferno que ela podia pagar depois que se separou de Dennis. Ela estaria miserável e infeliz se tivesse que voltar à cidade de Bude, apesar do atrativo e revigorante ar do mar.
Então ela temia que tudo isso pudesse terminar – sua vida atual, a amizade e a proximidade. Tudo o que ela tinha era o inferno de Twickenham. Desde que terminou com Dennis ela se preocupava com o fato de nunca mais ter amigos novamente. Ela dizia para si mesma que era uma pessoa muito exigente e muito velha para mudar isso. Ela tinha medo que em algum momento, a domesticidade ao redor dela – entre seus clientes, sua família, seus amigos – pudessem frustrá-la para sempre. Ela dizia a todos que ela tinha um espírito livre, que não queria ser amarrada, que estava muito ocupada se divertindo ... mas as palavras tornavam-se cinzas na sua boca ao mesmo tempo em que as dizia.
Ela tinha percebido há algum tempo que ela tinha medo do compromisso com alguma linha de raciocínio ou algum modo de vida ... mas tinha igualmente medo da solidão que isso pudesse lhe causar.
Portanto, sua solução era a de ser amada. Certificar-se de que as pessoas gostassem dela e quisessem a sua companhia, sua amizade. Ela trabalharia para eles, por dinheiro, mas ela também poderia bajulá-los. Ela queria tornar-se insubstituível. Ela seria honesta, contanto que a honestidade não fosse dolorosa e convencional, enquanto não houvesse nenhuma crítica subentendida. Ela caminhava em uma linha tênue, para parecer prestativa e carinhosa mas ao mesmo tempo, era capaz de falar francamente quando necessário.
Mai disse, ‘Você está vindo? Eu quero ver se eles irão conseguir resgatar a criança.’
‘É Hollywood, é claro que irão resgatar a criança. E os bandidos serão punidos.’
‘Bem diferente da vida real,’ disse Mai de forma sarcástica.
Por muitas vezes Billie ficava pensando o que motivava Mai. Às vezes ela se comportava como uma criança que tinha sido mantida de castigo por um tempo, ansiosa para sair dos limites de ser Mai Rose. Outras vezes parecia passiva e observadora, como se fosse mais divertido olhar os outros lutarem com a vida e talvez falharem, do que ela própria se arriscar.
Talvez essa disputa pudesse esclarecer qual versão dela mesma fosse a real.




CAPÍTULO CINCO


O PERCURSO DE TÁXI até o clube onde a The Gastric Band iria se apresentar parecia interminável, como uma longa jornada em um sonho onde você nunca chega ao destino, embora esteja sempre à vista.
O taxista Addison Lee tinha passado para pegá-los primeiro, em seguida foi encontrar Stefan antes de começar a longa jornada pelo norte de Londres até Kentish Town e Hampstead, dirigindo agressivamente para além de Golders Green. Aqui há dragões, pensou Mai, enquanto o taxista seguia adiante. Atriz em ascensão foi encontrada abandonada em local ermo de Londres. Afirma que não havia nenhuma viva alma no local ...
Stefan disse, ‘Você precisa admirar a ousadia deles. Fazer todo este trajeto apenas para tocar algumas músicas.’
‘Eu não acho que a banda de Alfie sabe o que é uma melodia. Você sabia que o punk nunca morre? Apenas entra em coma e revive de vez em quando.’
Stefan deu uma olhada para ela. ‘O homem dos seus sonhos sabe o quanto você admira a carreira que ele escolheu?’
Mai não disse nada e continuou olhando para fora da janela. Ela tinha falado rapidamente com Alfie naquela manhã para perguntar o nome do local. Ela tinha sentido novamente uma certa tensão em sua voz. Ela estava disposta a acalmá-lo – afinal, era seu primeiro show com sua recém-lançada banda – mas ele parecia estar amargo sem motivo. Ela sabia que isso tinha a afetado em seu ensaio naquela tarde, embora Pedro parecia ter percebido seu mau humor e não a tinha pressionado. Ela imaginou se seus outros amigos tomavam cuidado para falar com ela quando ela estava de mau humor. Era ela temperamental? Ela assustava as pessoas? Ela lia biografias de showbiz para estar ciente dos perigos da auto-estima e da vaidade, e a última coisa que ela queria era afastar as pessoas. Ou assustá-las.
‘O que você está pensando?’ perguntou Stefan.
‘Eu deveria estar em casa decorando textos e descansando, e não indo para um local suado para destruir os meus tímpanos.’
‘São as coisas que fazemos por amor.’
Ela não virou sua cabeça mas levantou as sobrancelhas. ‘É claro que sim.’
Ela chegou aos bastidores. Foi conduzida para baixo em alguns corredores escuros, passando por assistentes de palco que carregavam guitarras e rolos de fitas adesivas, movendo-se orgulhosamente como se fossem integrantes da banda. O ar exalava eletricidade de alta voltagem em meio a cabos isolados.
Alfie, Joe e outros dois integrantes da banda estavam sentados em poltronas rasgadas em um camarim que nunca tinha visto dias melhores. Joe estava magro e Mai pensou que ele pudesse estar se esforçando para parecer com um integrante da banda Franz Ferdinand – de todos os ângulos e de cabelo curto. Os outros dois eram de estilo techno-geek e passavam a maior parte do tempo conversando sobre os equipamentos. Um usava óculos e o outro não – essa era a única maneira que Mai conseguia diferenciá-los.
Alfie se levantou e abraçou Mai, depois cumprimentou Stefan. Ele tinha se barbeado pela primeira vez em meses e deixou seu cabelo crescer desde a última vez que ela o viu. Ele parecia magro mas forte, como um prisioneiro que tinha se exercitado bastante mas que não tinha se alimentado bem. O que estaria bem perto da realidade, ela pensou. Ela sentiu um pouco de emoção quando ele a abraçou.
Ele perguntou, ‘Como está lá fora? Alguém se preocupou em vir?’
‘Fervendo,’ disse Mai. ‘Estão ansiosos e na expectativa.’
Joe disse, ‘Obrigado por vir. Alguém veio com você?’
‘Desculpe. Não tenho falado com ninguém há alguns meses.’
Joe moveu a cabeça em sinal de compreensão e Mai pensou se ele era mais um que a via como a famosa da televisão e queria se aproveitar de alguma forma do reflexo de sua glória. Ela encontrou algumas pessoas que não fizeram nada, mas perguntaram sobre o Terraço Amberside e sobre os outros participantes, como se isso tivesse sido um acontecimento real em uma rua real.
Alfie disse, ‘O som está uma droga. O cara da gravadora não fez nada a não ser pedir desculpas desde às quatro horas. Algo também deu errado com os ingressos. Você teve sorte que não desistimos e abandonamos você no meio da cidade.’
‘Talvez na próxima vez. Onde está Pete?’
‘Está com o The O2 – o grande show, ele teria mais a perder. Não precisamos dele aqui.’
Pete Graham gerenciava três bandas, duas das quais foram as atrações principais. Mai ficou pensando se a The Gastric Band estava na sua lista de prioridades.
Ela disse, ‘Vocês estão bem? Prontos para destruir a bateria, ou qualquer outra coisa que os bateristas dizem?’
‘Estamos bem, não estamos?’ Ele olhou em volta esperando alguma resposta e conseguiu apenas uhus e sinais de ok. ‘Viu a empolgação desses garotos? Eles estão ligados.’
‘É melhor eu ir. Ficarei no meu camarote real, acene para mim.’
Fora do camarim ela disse a Stefan, ‘Eles irão decepcionar. Estão muito nervosos.’
‘Não seja pessimista. Eles ficarão bem. Nervosismo é bom, mantém o sistema funcionando, não preciso dizer isso a você.’
‘Há algum lugar onde podemos pegar uma bebida? Eu acho que estou mais nervosa do que eles, e isso quer dizer alguma coisa.’
Stefan pegou-a pela mão e passando pela plateia que estava lotada, conduziu-a para um pequeno bar no fundo da casa de show. Mai observou que a plateia era de maioria adolescentes e tinha um grande número de garotas. Por alguma razão muitas delas tinham em seu rostos uma pintura que simulava cortes diagonais que atravessava de um lado ao outro.
Stefan reparou a mesma coisa. ‘É aquela música do YouTube – Garota Navalha. Elas não perceberam que se trata de cortar os pulsos e fazem apenas a maquiagem.’
Mai se lembrou da música agora, algo que Joe tinha escrito aparentemente sobre sua ex-namorada que constantemente se cortava. Não havia nenhuma imagem da banda no vídeo do YouTube, mas alguém tinha incluído algumas imagens para a música – fotos de uma garota com uma pintura colorida de um corte diagonal que atravessava seu rosto de um lado ao outro, copiando David Bowie no álbum Aladdin Sane. Suspeitavam que a foto era do próprio Joe, embora ele não admitisse isso.
Após quarenta minutos de show, Mai olhou nos olhos de Stefan e acenou em direção ao fundo da casa de show, pela lateral da multidão que pulava. Ele a alcançou e eles entraram no bar.
‘O que houve?’
‘Dor de cabeça,’ ela disse. ‘Eles são mais barulhentos do que eu me lembrava. Você já conseguiu detectar alguma melodia?’
‘Não seja cruel. Eles estão bem, embora eu esteja farto das divagações de Joe no meio das músicas. Ele deveria apenas contar um, dois, três, quatro e então cantar.’
Mai encontrou uma frágil cadeira no bar, sentou-se e inclinou sua cabeça para baixo apoiando-a com suas mãos. O som da música ultrapassava a parede que separava o bar, era uma batida pesada sobreposta com um tipo de lamúria que Joe fazia quando esticava ao máximo a variação da sua voz em toda música. Esse era o ‘som’ deles, um truque com a intenção de diferenciá-los da concorrência. Eles poderiam ir tão longe enquanto os acordes vocais de Joe permanecessem intactos. Mel e água era o que ele precisavam, pensou Mai, lembrando-se da receita infalível de sua mãe.
Ela levantou a cabeça e olhou ao redor. Que lugar era aquele? Ela tinha dado o endereço ao taxista mas não sabia onde realmente era, algum lugar desabitado do Ártico ao norte de Londres. Tinha a sensação de ser algum tipo de boate precária em uma falida e depressiva cidade ao norte. Poderia ser lugar de comediantes que contavam suas piadas sexistas, talvez com shows de striptease aos domingos. Bingo na segunda-feira à noite para aposentados locais. Por que será que Alfie estava tocando em um lugar desses? Será que a gravadora estava tentando dar algum um golpe com impostos, dizendo à receita que eles estavam gastando milhões com novos lançamentos, quando de fato estavam fazendo shows na Sibéria?
Stefan colocou a bedida no balcão em frente à ela. Tinha uma efervescência com um tipo de agitação que ela não podia discernir.
‘Água tônica,’ ele disse. ‘Beba devagar. Vou voltar para lá. Ore por mim.’
Conforme ele abria a porta corta-fogo para voltar ao show, o som da banda ecoava estrondosamente.
Não havia mais ninguém no bar, exceto dois atendentes chatos e um homem que ela achava que conhecia, que estava sentado à uma mesa a quem ela observava. Assim que ele percebeu que ela o observava, ele olhou para ela e esboçou um sorriso inseguro. Então ela o reconheceu – ele estava no mesmo ensaio que ela estava algumas semanas atrás. Ele provavelmente era de uma gravadora, para acompanhar o desempenho da banda em seu primeiro show.
Ela apoiou sua cabeça novamente sobre sua mãos e respirou profundamente, tentando acalmar a pulsação da sua têmpora direita. Ela podia sentir o cheiro de álcool amanhecido nas poças no chão e do cigarro velho que sem dúvida estava impregnado como DNA no papel de parede.
Quando ele se aproximou e falou com ela, ela teve certeza de que era ele. Ela deveria ter advinhado que ele iria falar com ela.
‘Você está bem? Precisa de alguma coisa?’
Ela não se moveu, não queria dar-lhe nenhuma oportunidade.
‘Senhorita Rose?’
‘Estou bem, obrigada. Um pouco de dor de cabeça. Você deveria ir assistir ao show. The Gastric Band. Parece que eles estão mais descontraídos.’
Ela ouviu dele uma risada e ela sorriu para dentro das palmas de suas mãos.
Ele disse, ‘Eu soube que eles não estão escrevendo nada por enquanto. Estão com problemas.’
Ela sorriu novamente. ‘Eles estão cientes disso.’
‘Pelo menos eles não forçam a música deles goela abaixo.’
Nesse momento ela olhou para ele. ‘Não funcionou. Você estragou a piada.’
Ele estava pálido mas não tinha uma má aparência, algo em torno dos vinte e quatro a vinte e seis anos, ela pensou. Talvez mais velho. Cílios longos e bom de conversa. Um ar de confiança provocante que beirava um certo carisma. Hmm.
‘Eles não esperam ver você lá dentro, com sorriso encorajador, batendo palmas junto com o magnata Richard Branson ou outra pessoa?’
‘Eu verifiquei o teste do som. Não é a mesma coisa não conhecer as músicas. Tem certeza que você está bem? Eu poderia ficar com você lá fora, se quiser, enquanto você vomita.’
‘É o que está parecendo? Pronta para vomitar.’
‘Hey, como você sabe o nome da próxima música?’
Agora ela riu alto. ‘Eu estava pensando em usá-la como título da minha autobiografia de celebridade, uma vez que encontrei um escritor fantasma que iria fazê-la por um preço mais em conta.’
‘A gravadora pode colocar alguns em seu caminho. Posso me sentar?’
‘Só se você me divertir.’
‘Vou continuar então ou eu estarei sentado lá com a minha reputação em frangalhos.’
Ela se aproximou do balcão e puxou uma outra cadeira alta para perto dela. Ele se sentou e apontou para o copo meio vazio.
‘Outro?’
‘Não, obrigada. E isso é tônica antes que você pense alguma outra coisa.’
‘Ah, certo, você está nos ensaios, não está.’
‘Alfie lhe disse o quê?’
‘Não, eu li no jornal em algum lugar. Eu tento não falar com Alfie, se é que você deva saber.’
Ela ficou intensamente interessada. ‘Por que?’
‘Ele odeia conversa banal, você não percebeu? E como um representante da gravadora eu não posso fazer nada a não ser ter uma conversa banal para não interferir no ego deles. Nunca irrite, essas são as instruções dos grandes chefes.’
‘Os grandes chefes são estereótipo chinês? Quem diria.’
‘Tentamos manter isso em segredo. De qualquer modo, os integrantes de bandas são notoriamente sensíveis e o seu Alfie é o príncipe entre os mais sensíveis. Eu não deveria estar lhe contando isso. Com esse seu amor bem evidente.’
‘E você não deveria. A primeira coisa que vou fazer é contar a ele e você será demitido.’
‘Ai. Então me diga sobre você e o papel de Deannah? Você realmente quer o papel? Ou é apenas parte da cortina da fumaça do showbiz? E você e Helena Cross são realmente melhores amigas e assim por diante.’
‘Não, realmente, que se dane ela. Esse é um recado dado, de qualquer modo. Você a conhece?’
‘Apenas adorada de longe. Tão longe quanto é possível ficar daquela boca grande e daqueles olhos amedrontadores.’
‘Então você a conhece. Confie em mim, ainda mais assustadores de perto.’
‘Diferente de você, então.’
‘Isso é um teste, então.’
‘Ah droga. Sinto muito.’
Um teste era exatamente o que ela sentiu sobre o que tinha acabado de acontecer, ela o olhou fixamente mas não sorriu. Ele olhou para baixo, desceu da cadeira e levantou a mão.
‘É melhor eu entrar, como você disse. Verifique se eles estão tocando as músicas certas. Não quero que de repente eles estourem como Andy Williams.’
‘Ou Tom Jones.’
‘Não, o céu é proibido. Olhe em volta.’
‘Hey, qual é o seu nome?’
‘Se pensa que eu lhe direi, você está enganada.’
Ela sabia que poderia ter achado graça e o chamado de volta, mas ela gostou do poder que ela sentiu naquele momento. Foi um bom teste e também foi agradável porque ela realmente gostou dele. Se ela não tivesse gostado dele teria sido mais fácil, pois de qualquer modo ela não teria sentido nada quando o dispensou.
Finalmente os últimos se foram e então ela se direcionou para os bastidores, escolhendo onde pisava no meio do lixo pegajoso da pista. Stefan se jogou em uma das cadeiras do bar e disse a ela que iria esperar até que ela tivesse elogiado Alfie o suficiente. O representante da gravadora não estava mais lá, tinha desaparecido.
Ela se espremeu passando por mais assistentes que carregavam os mesmos rolos de fitas adesivas e guitarras, passou por uma porta aberta que deixava o ar tão frio quanto nitrogênio líquido com cheiro de batata frita com sal e vinagre, passou por uma garota que estava vomitando ruidosamente no corridor e, finalmente chegou ao mesmo camarim onde tinha se encontrado com a banda antes do show.
Quando ela passou pela porta, era como se tivesse soado um alarme silencioso. Os integrantes da banda se viraram para ela, com expressão de surpresa e apreensão em seus olhos, os braços levantados pela metade, um grande silêncio repentino mais alto que um trovão amortecendo o ar. Ela percebeu tudo isso imediatamente e se virou para a direita, onde ela tinha percebido um movimento.
Duas garotas, nuas da cintura para cima, em pé como se esperassem o ônibus e no meio de uma conversa casual. Elas estavam com a pintura do corte diagonal que atravessava seus rostos e um de seus seios. Azul em uma garota e vermelho na outra. Elas mal pareciam ter dezessete anos.
Mai soube que os integrantes da banda tinham discutido para saber quem iria primeiro conversar com elas.
Ela queria ir para cima delas e brigar. Ela queria rir diante de algo tão previsível. Ela queria se virar e perguntar a elas o que achavam que estavam fazendo. Ela queria repentinamente bater em alguma coisa.
Ela se virou e saiu da sala. Ela sabia que Alfie iria atrás dela ... e ele foi, batendo seus passos no piso de concreto. Colocou a mão em seu braço quente.
‘Mai, não pense ...’
Ela parou mas não conseguia olhar para ele. Lembre-se o que é esse sentimento, ela disse a si mesma. A pressão por trás dos seus olhos, o aperto na garganta e a tradicional aceleração em seu peito. A raiva consciente e gelada na parte de trás da sua cabeça. O que parece? Prossiga, considere, lembre-se.
‘Não há uma boa explicação possível, há?’ ela disse, olhando fixamente para uma sinalização de saída de emergência, um homem correndo em uma estúpida placa verde. Por que não é vermelha? O verde aparece melhor durante um incêndio ... ?
‘Por favor, Mai ... Não sou estúpido. Eu sabia que você poderia aparecer nos bastidores no final do show. Além do mais, eu sou o único que tenho uma namorada, então eu estava apenas­­ – ‘
‘Pegando uma carona? Muito bom.’
A mão dele soltou o braço dela como se ele tivesse sido atingido repentinamente por uma descarga elétrica. ‘Você pode acreditar em mim ou não, se quiser. Eu não tenho que me explicar para você.’
‘Verdade. Não há a necessidade de explicações.’
‘Você não tem sido muito amigável ultimamente.’
Agora ela não poderia deixar de olhá-lo – seu rosto longo, cabelos suados para trás, olhos com o contorno vermelho pelas luzes do palco. A vez dele de olhar, talvez constrangido.
‘Amigável como uma pessoa amigável deve ser. Não necessariamente rindo o tempo todo.’
Ele apertou a mandíbula. ‘Eu ando um pouco estressado, se é que não percebeu e se você conseguir olhar para além do seu próprio umbigo.’
A raiva subiu-lhe de suas entranhas.
‘Você é um egoísta, covarde, você não vale nada. Você teve mais incentivo de mim do que eu tive de você. Quem comprou aquele equipamento que você espancou essa noite? Quem deu entrada para pagar aquela lata velha que você chama de carro?’
‘Ah sim, você é tão respeitável. Porque sua carreira vale mais do que a minha, não é? Então você pode me dar esmolas.’
‘Eram esmolas? Eu estava ajudando você a se estabilizar para que você não tivesse que se preocupar. Acontece que eu era uma instituição de caridade.’
‘Chame do que você quiser. Você dizia que sua ajuda era livre de condições, mas elas estavam lá, não é?’
Ela olhou para ele, sem entender. Era isso o que ele tinha pensado? Que havia um preço a pagar pela generosidade dela? Ela tinha percebido que não tinha entendido nada. Ela se sentia como uma missionária que tinha acabado de descobrir que a tribo tinha uma visão de valores diferentes da dela e que eles eram provavelmente perigosos.
Ela disse, ‘Inacreditável,’ e em seguida saiu. Dois homens que estavam carregando guitarras olharam para ela e depois olharam para o lado. Ela carregava uma raiva como um odor que fazia com que as pessoas se afastassem. Ela pensou, dane-se ele, ele precisa de mim mais do que eu preciso dele. Ele pode ficar com aquelas garotas se quiser. Ela também pensou, surpreendendo a si mesma, segure-se, não deixe que percebam, as pessoas estão observando.
Ela diminuiu o passo, levantou os ombros e ergueu a cabeça. Respirou profundamente e segurou as lágrimas dos seus olhos. Empurrou as portas para dentro do bar, onde Stefan estava encostado de lado, com a boca levemente aberta. Ela se sentou do lado oposto e depois de um momento ele abriu seus olhos pálidos olhando para ela. Ele engoliu a saliva e franziu a testa.
‘Pronta para voltar ao planeta Terra?’
‘Não mesmo.’
Stefan sentou-se em estado de alerta. ‘O que aconteceu? Sua aparência está péssima, desculpe-me por dizer. Péssima é um eufemismo.’
‘Você precisa me animar, seria bom. Você chamou o táxi?’
Ele apontou para fora da janela. ‘Motor em funcionamento. Você está bem?’
Ela esboçou um sorriso tímido. ‘A vida é um grande aprendizado, não é mesmo? Não estou gostando das lições atuais.’
Stefan se levantou e estendeu sua mão para ela. Eles se dirigiram para a porta de saída. O ar frio era como um tapa na cara, clareando suas ideias.
Ela disse, ‘Não repare se eu chorar no táxi. Eu apenas percebi que não posso vive em paz e eu estou triste por isso, ok?’
‘Paz não existe. Procure por algo mais simples da próxima vez. O fim do Europop, por exemplo.’
Ela sorriu apesar de sua condição. ‘Canções de amor suecas nunca mais.’
Stefan olhou-a indignado. ‘Deixe o Abba em paz. Eles governam meu mundo.’




CAPÍTULO SEIS


MAI VEIO CAMBALEANDO para for a do quarto, viu Billie comendo cereal e assistindo ao programa matinal na TV. Sete horas da manhã e o mundo já estava conspirando contra ela para que se sentisse desinformada. Mal tinha amanhecido mas a rispidez e o barulho da cidade já tinham começado.
‘Não ouvi você entrar. Você já saiu ou isso é apenas um aquecimento?’
‘Assim que eu terminar isso. Trouxe o meu cereal, espero que não se importe. Só um pouco de leite.’
‘Leite é caro. Eu talvez tenha que descontar do seu pagamento. Novidades?’
‘Veja.’
Como se tivesse sido preparado, a imagem mudou para mostrar em ângulo estendido dois apresentadores, um homem de cabelos grisalhos e uma mulher loira, ambos com dentes de sobra na boca, um sofá em destaque à direita deles.
Helena Cross.
Loira e com sorriso forçado, pernas longas esticadas para frente, com um dos braços apoiado no sofá.
‘Oh meu Deus, a noiva do Frankenstein.’
As perguntas começaram – como ela estava? Como foi trabalhar com cinco membros de esquerda do Parlamento naquela rotina de dança? O que ela fará no futuro próximo?
E então, o objetivo real: Nós soubemos que você está liderando a pesquisa do Daily Paper para encontrar uma estrela para o papel de Deannah. E como você se sente com isso?
... é uma honra, seria uma grande oportunidade, pois trata-se de um grande papel em um grande filme, poderia ser o início de uma carreira profissional para qualquer um que conseguisse o papel ...
Billie: ‘Início de carreira profissional?’
‘Inglês é seu segundo idioma, depois da enganação.’
Como você encara a concorrência? Afinal, existem muitas jovens atrizes talentosas lá for a neste momento.
Eu me sinto apenas honrada por estar participando.
Mas você deve ter alguma ideia ...
Bem, Ginny Blake e Deborah Cash estão indo muito bem nas pesquisas. Ambas seriam ótimas para o pael, elas duas são jovens e muito talentosas.
E Mai Rose? Há muito apoio para ela.
Claro, ela também é muito talentosa, mas eu acho que ela está muito ocupada com sua nova peça no momento, e é óbvio que o filme de ação em que participa será lançado em breve. Eu a encontrei numa noite dessas, na verdade. Ouvi dizer que ela está muito musculosa por causa das cenas de ação.
Oh, então vocês se conhecem?
Sim, somos amigas há muito tempo. Na verdade, ela pegou o meu lugar no Terraço Amberside quando eu tive que sair. Ela fez muito bem.
Então ela estará com você na competição?
Uma risada, tocando com a mão no braço do apresentador.
Tenho certeza que ela não irá se envolver. Ela está com toda a sua carreira muito bem planejada.
O que virá depois para Helena Cross? Quero dizer, se você não ganhar o papel?
Oh, eu não fico pensando em um future distante. Não fico planejando, calculando minha carreira como uma garota. Deixo que meu assessor faça o trabalho sujo!
Os entrevistadores a agradeceram e mudaram para a parte das notícias de fofocas do entretenimento ...
Por falar em Mai Rose, soubemos de uma fofoca ontem tarde da noite de que ela terminou seu longo relacionamento com Alfie Cox, o baterista da nova banda The Gastric Band. Fontes disseram que houve uma briga acalorada entre os dois nos bastidores e depois, a senhorita Rose saiu secretamente com um homem muito gato loiro e sarado ...
‘Desligue.’
Billie encontrou o controle remote e desligou a TV. Ela moveu sua cabeça logo acima da parte de trás do sofa e olhou para Mai, passando os olhos sobre o rosto de Mai como se tivesse procurando por algum dano físico.
Mai sentiu frio. O aquecedor não estava ligado por muito tempo e o inverno estava começando a se intensificar, mas o frio era mais profundo do que qualquer sensação física. Parecia que o gelo estava começando a penetrar suas veias, diminuindo sua habilidade de sentir, provar e tocar. Ela estava se fechando em resposta ao que o mundo parecia atentar contra ela. Ela se perguntava se ela tinha escolhido esta resposta ao invés da raiva, medo ou frustração. Por que frio? Por que a frieza do coração?
Billie disse, ‘Você quer que eu faça algo para você? Eu posso ficar por apenas meia hora – George está precisando de mim esta manhã.’
‘Não,’ disse Mai. ‘Cuide dos cães e pode ir.’
‘Não se preocupe com aquela imbecil. Toda essa autopromoção sairá pela culatra.’
‘Vá.’
Billie levantou-se, ouvindo o sentimento por trás das palavras de Mai. Ela levou a tigela de cereal para a cozinha e depois voltou e ficou em pé na porta.
‘Vou cozinhas esta noite. Deixarei alguma coisa pronta para você. Saboroso e nutritivo. Sem fruta.’
Mai acenou com a cabeça em sinal de concordância e seguiu para o banheiro. Talvez um banho pudesse aquecê-la. Depois ela poderia passar um tempo planejando seu dia. Pensando e preparando alguma coisa.
Primeiro ítem de sua agenda, banho.
Segundo ítem, telefonar para Eric.
Fim do segundo ato – Mai teve que escutar uma fala longa e intense ao mesmo tempo que demonstrava uma paixão idealista. O ator era experiente e tinha uma boa voz, então não era difícil. O nome dele era David – homem de classe media, bom e estável, cabelo penteado para trás, quase quarenta anos. Piscava para ela de tempo em tempo como se para dizer, estou do seu lado em toda esta palhaçada.
Nesta manhã Pedro decidiu caminhar para trás e ficar no fundo da sala. Ele parecia mais interessado em ouvir do que em assistir. Ele também apertava seus lábios. Mai estava ouvindo David enquanto observava Pedro.
Eles repassaram lentamente as últimas cinco páginas do Ato até satisfazer as funções críticas de Pedro o suficiente para que eles pudessem fazer uma pausa para o almoço. David pegou-a pelo braço de forma amigável.
‘Fale um pouco. Segunda-feira sua voz estava ótima, muito forte. Hoje soou um pouco como piano. Ele pegará no seu pé até que você equilibre isso.’
‘Obrigada. Estou com outras coisas em minha mente.’
‘Coloque sua mente no ensaio, querida, pelo menos enquanto estiver aqui.’
‘Desculpe.’
‘Sem problema. Oh, e esteja certa de que você irá destruir aquela imbecil.’
Mai deu um sorriso forçado – o primeiro sentimento honesto que ela sentiu naquela manhã.
Antes que começassem o trabalho da parte da tarde, Pedro veio até ela e a levou para fora. Ele caminhou com ela pelos portões da escola e parou perto dela enquando observavam o movimento do tráfego e de pedestres. Ele colocou sua mão no ombro dela e falou calmamente.
‘Esta tarde vamos dar início ao Terceiro Ato. Trata-se do eixo central da peça. Podemos ver o desespero da mulher mais velha em busca de um amor perdido, e a traição do seu amante quando ele se dirige a você. Mai, você não tem muito o que fazer neste Ato, mas você deve estar lá constantemente, como uma sombra que sustenta todos os outros personagens. A felicidade de muitos deles está nas suas mãos – o escritor condenado que ama você, mas que por sua vez é amado por outra; o escritor mais velho que está começando a amar você, a mulher que deveria amá-lo. E você é uma garota do interior, ingênua e inquieta para aprender, que caiu na armadilha do sonho da fama e do sucesso.’
‘Pedro, o que você quer que eu faça?’
‘You are the centre of this play. Esta tarde eu quero que você mostre suas falas, é claro, mas eu quero que você deixe os outros perceberem que você está assistindo. Hoje eles estarão atuando para ganhar o seu amor, e você deve estar lá, quando olharem para você.’
‘Isso é tudo?’
‘Não, não é tudo. De amanhã em diante eu quero que você se vista de acordo com sua personagem. Chega de jeans e moletons largos. Uma saia, talvez botas e uma blusa simples. Esteja dentro dessa garota, e se torne desejável para aqueles que a desejam. Eu sei que você está envolvida nessa competição estúpida dos jornais. Você tem que ganhar o amor de milhares de pessoas que não te conhecem. Mas à partir de amanhã, você deve ganhar o amor de todos nós aqui que conhecemos você.’
Ela sentiu uma estranha sensação em suas entranhas, uma necessidade de fazer esse trabalho. Ela tinha entendido o que ele quis dizer embora houvesse parte do seu intelecto que se rebelava contra isso. Ela tinha ganhado os corações de milhões de pessoas na TV – mas eram as histórias que a colocavam em problemas e dificuldades que a mantinha viva. Ela apenas tinha que aparecer. Pedro estava querendo que ela ganhasse o mesmo amor, que se colocasse dentro da personagem – algo que nunca ninguém tinha pedido que ela fizesse. Começaram a surgir ideias na sua cabeça. Ela sorriu porque sabia que tinha sido acionada por um desafio.
A tarde pertencia principalmente a Linda, uma mulher que Mai tinha visto na televisão por muitos anos mas que também tinha tido um longo estágio na sua carreira. Mai observava como ela ouvia os outros personagens – o seu filho, o jovem homem a quem ela queria como amante, aqueles que dependiam dela para viver. Ela viu como ela se manteve imóvel e deixou que sua voz fizesse o trabalho. Ela sabia que mais a frente no Ato, a personagem se tornaria emotiva e perturbada e queria ver como Linda iria conduzir a mudança de um estágio muito físico – para outro de se jogar aos pés do seu amante em desespero. E depois revelar à plateia que isso tudo era apenas um modo de conseguir tê-lo de volta.
Ela também percebeu que os outros atores estavam assistindo atentamente. Ela tinha o carisma e a força adequados para o seu papel. Mai disse a si mesma, assista e aprenda. E pratique sua voz. Os olhos, a voz e depois os gestos mínimos para o máximo impacto.
Eric tinha escolhido um bar no distrito comercial de South Bank que tinha uma bela vista para a Tower Bridge, que estava iluminada como um cartão postal gigante à noite.
Ele tinha trocado sua jaqueta esporte bege por um elegante terno e estava comendo amendoim.
‘Você já reparou como eles deixam seu hálito ruim?’ disse ela, deslizando pelo assento indo para perto dele.
‘Você já reparou há quanto tempo eu estou te esperando? Você disse, seis horas.’
‘Surgiu um imprevisto que se chama trabalho.’
‘Peguei um coquetel de vinho branco.’ Ele fez um gesto apontando para uma taça com um líquido amarelo.
‘Vinho branco? Parece suco de banana.’
Ele ignorou o comentário dela. ‘Então isso é por causa da Enquete para Deannah, parece que é assim que eles estão começando a chamar isso. Terá uma marca e um logotipo na próxima semana. O que está acontecendo?’
‘Ninguém do jornal me disse nada ainda. Você está me preservando ou algo parecido? Eu preciso sair daqui e conversar com as pessoas, não é? Helena Cross estava na TV esta manhã. O que eu preciso fazer para conseguir alguma visibilidade aqui?’
Eric olhou para seus olhos caídos, como se o absurdo daquela conversa tivesse mergulhado em águas mais profundas. Ele se abaixou e pegou uma cópia do jornal Daily Paper e jogou-o sobre a mesa.
‘Você nem viu isso? É de hoje.’
Mai folheou até encontrar a seção de entretenimento. Duas páginas mostravam Mai de perfil à esquerda olhando para Helena Cross que estava à direita olhando-a de volta. As fotos tinham sido fortemente editadas pelo Photoshop para retirar os planos de fundo e colocar sobrancelhas franzidas em cada uma delas.
Eric disse, ‘Pelo jeito você já está lá, mostrando todo o seu poder. Aliás, o que significa isso sobre você e Alfie? Está certo?’
‘Quer dizer alguma coisa,’ ela disse. ‘Eu estou exatamente tentando descobrir o quê. Onde eles conseguiram essas fotos? Eu pareço uma mulher das cavernas com essas sobrancelhas falsas. O que eu digo na entrevista?’
‘Que você está extremamente entusiasmada, que deseja boa sorte a todas e que vença a melhor. Eles procuraram alguma coisa sobre você e Helena disputarem o mesmo papel no Terraço Amberside. Diz que ela ainda está ferida sobre o injusto processo para a formação do elenco naquele projeto. E que este será diferente, será por meio de votação por parte do grande público inglês e assim por diante.’
‘Pareço bem aqui?’
‘Há tanta coisa que eu posso fazer com o material que você me dá,’ ele disse. ‘Talvez você devesse voltar com o jovem Ringo Starr e fazer tudo de forma apaixonada. Aí você vai assistir ao próximo filme de Helena, uma matéria especial na Hello! onde ela mostra sua linda casa e o novo homem da sua vida, alguma coisa nas revistas de adolescentes também. Jackie ainda está em cartaz?’
Mai fechou os olhos. ‘Posso pensar grande pelo menos uma vez?’
‘O que – entrevista no Financial Times?’
‘Não sei ... algo um pouco maior, para poder obter votos dos adultos. Eu ainda tenho muitos fãs adolescentes por causa do Terraço Amberside.’
‘Se é que eles ainda se lembram de você.’
‘Obrigada. Mas eu quero ampliar minha lista de interessados. Isso também ajudaria o jornal se a competição tivesse um pouco mais de ... qual é a palavra?’
‘Gravidade.’
‘Seriedade. É isso. Eles têm essas coisas nas revistas de fins de semana – Dez coisas que eu sei, Quinze coisas que eu aprendi.’
‘Pensei em uma meia dúzia de coisas que poderiam ser uma boa ideia para fazer. Eu sei o que quer dizer. Eu tenho um informante no Indy. Vou ver se eu posso fazer alguma coisa.’
‘Então vamos lá. Você pode até dizer que a ideia foi sua.’
‘Enquanto isso, tcharan, tenho algo em vista para amanhã. Um dos programas semanais da TV.’
Mai suspirou. ‘Odeio essas coisas. Posso estar ocupada? Indisposta?’
‘Não se você quiser ganhar. Grande audiência, fascinada por fofocas. Você terá sua foto na capa.’
‘Oh ótimo. Amanhã que horas?’
‘Me ligue quande estiver livre. Eles são flexíveis.’
‘Claro que são. Você não sabia que sou uma grande estrela?’
O bar estava começando a lotar e Eric terminou seu drink mas parecia inquieto.
‘Algo mais? Eu tenho uma vida privada, você sabe.’
Mai colocou sua mão na gola do terno dele.
‘Alcoólicos anônimos? Happy Hour no Ritz?’
‘A primeira noite de Stephen no Teatro Donmar. Vou encontrar a mãe dele lá. Primeira vez que iremos conversar em quase dois anos. Tive que ver o sangrento Samuel Beckett para poder falar com ela novamente. Quão irônico é isso?’
‘Não estou dizendo nada.’
‘Exatamente.’
Ela podia sentir o cheiro antes de chegar à porta. Alguma carne com um toque oriental. Ela tinha tido uma rápida lembrança – quando criança, antes de seu pai falecer, algumas coisas espalhadas na mesa da cozinha, potes cobertos com papel alumínio, molho de laranja denso. Ela tinha mais ou menos cinco anos de idade e seu pai tinha convidado alguém para jantar sem avisar Geraldine. Então, comida chinesa para viagem, a primeira que Mai tinha visto – ou sentido. O homem se sentou na sala em frente ao calor da lareira, lenhas estalando, Geraldine colocando o molho nos pratos, olhos fixos, boca apertada, uma atmosfera ruim na casa.
Foi embora. Ela nunca soube quem era esse homem e nunca mais o viu nem teve notícia.
Dentro, o aroma tomava conta. Ela entrou dentro da cozinha e tirou seu cachecol, empurrando os cães com seu joelho.
‘Suponho que seja bife com anis estrelado.’
Billie disse, ‘Não brigue com Jamie e com Heston. Eles vieram correndo para dentro de casa e derrubaram azeite de oliva e espalharam por todo lado. Você está com fome?’
‘E agora na expectativa. Dê-me cinco minutos.’
Ela se trocou e lavou o rosto. Depois voltou com seu roupão e pensou no que iria vestir para satisfazer Pedro no dia seguinte. Ela tinha uma saia que, com alguma imaginação, poderia ser descrita vagamente como algo adequado. Mas o mais próximo que ela poderia conseguir de uma blusa simples era algo que uma das seguidoras da Stella McCartney tinha lhe dado. Era uma blusa de mangas curtas com um padrão florido em amarelo com fundo branco e colarinho branco. Se os camponeses gostam de flores, então isso era antiquado bem ao estilo camponês.
Billie tinha colocado à mesa, que dificilmente era utilizada, no final da sala de jantar. A TV estava ligada com o volume baixo mas estava mostrando grupos de pessoas vestidas com sobretudo em confronto. Provavelmente um documentário sobre as relações trabalhistas – a frase que sua mãe usava para descrever qualquer tipo de programa de não-ficção que não estivesse diretamente relacionado com as artes.
Billie trouxe dois pratos fumegantes de cozido de carne à mesa. Mai acrescentou vegetais e molho.
‘Eu fiz compras,’ disse Billie. ‘Deixei o recibo na cozinha. Tinha uma fila absurda no Sainsburys esta manhã.’
Mai achou que ela estava nervosa. Essa era a primeira vez que Billie tinha realmente cozinhado para elas duas e isso era como se ela tivesse passado dos limites. Ela tinha a estranha sensação de ter sido laçada e trazida para perto de alguma coisa que ela não sabia o que era. Domesticidade? Amizade?
A carne estava derretendo e divertidamente temperada, o anis estrelado estava dando o toque oriental. Ela pegou o ultimo pedaço de pão do cesto e limpou o prato.
‘Fale para o Jamie que eu gostei.’
‘Estava bom? Não estava muito salgado?’
‘Estava ótimo.’
Um barulho vindo do quarto.
‘Seu telefone.’
Mai acenou demonstrando desinteresse. ‘Eles deixarão mensagem.’
Ela cochilou no sofa enquanto Billie lavou a louça – ela tinha insistido. O aroma da carne ainda continuava. Mai lembrou-se do rosto da sua mãe, linda, cabelos escuros, sobrancelhas arqueadas e uma pequena covinha do meio do seu queixo. Sempre com uma pitada de rosa nas bochechas que nunca foi artificial, apenas seu tom natural de pele. Qual era a real semelhança entre seus pais? Sua mãe estava sempre fora, trabalhando, e tinha a babá – uma garota das Filipinas que preparava estranhas comidas orientais, ela e Jake. Peixe e batatas fritas eram coisas do outro mundo, assim como a lula era para seus colegas de escola. Havia sempre molhos fervendo nos pratos.
O pai dela estava frequentemente em casa com eles. Ela não tinha nenhuma outra memória visual dele, exceto o álbum de fotografias da família, mas ela sentia que ele era fisicamente forte, um homem dinâmico, alguém que poderia enganar uma linda e jovem atriz. Ele era inquieto – levava-os ao cinema para uma estravagância, ou a algum parque temático em algum lugar. Jake correria para os brinquedos de girar e os de perigosos de velocidade, ela seguraria a mão de seu papai e assistiria Jake se comportar como um personagem indestrutível de desenho animado. Não era de se admirar que ele acabaria entrando para o exército.
E então, seu pai se foi.
Geraldine vestida de luto. Muitas pessoas na casa. Diziam para que ela e Jake ficassem quietos mas eram tratados gentilmente pelos adultos. Ela não se lembrava de ter ido à igreja mas havia fotografias dela, de Jake e de Geraldine no meio dos enlutados, próximo à uma porta gótica. A imprensa – estava sempre lá, sempre em cima, atrás de uma sórdida oportunidade. Ela não sabia por que Geraldine mantinha os recortes, mas estavam cuidadosamente arquivados em scrapbooks como se a morte do seu marido fosse apenas um outro estágio de sua carreira ...
Muito tempo como centro das atenções definitivamente mexeu com suas prioridades, ela pensou.
O telefone dela tocou novamente no quarto. Depois parou, ela se levantou e foi verificar as mensagens.
Alfie: ‘Sou eu de novo. Por favor me ligue. Estou recebendo um monte de porcaria dos caras, toda essa publicidade.’
Sim, era tudo sobre ele.
Agora ela e Billie eram um velho casal, deitado no sofa assistindo ao jornal da noite. Paxman destruindo um politico e defendendo cortes na área da saúde. Ela só estava assistindo porque sua mãe se recusava a assistir qualquer assunto político em sua casa. Assistir aos jornais de qualquer tipo era um ato de rebeldia.
Vamos às manchetes, muitos jornais espalhados em sua mesa. Discussões na Câmara por causa dos cortes. Uma vitória esportiva na Índia. E, para descontrair, Helena Cross está liderando a competição do Daily Paper. Depois vem Ginny Blake. Mai Rose finalmente apareceu mas está muito atrás da Senhorita Cross... Boa noite.
‘Ganhei o dia. Obrigada, Paxo.’
Billie bocejou. ‘Você tem falado com o Eric? Como estão as coisas?’
Mai se levantou e se espreguiçou. Ela realmente não queria falar sobre o assunto. Uma infantilidade. ‘Ele está cuidando do assunto. Um Rottweiler em pele de cordeiro.’
‘Então agora vai começar, você vai ver.’
‘Por que você é sempre positive, mesmo diante das evidências?’
‘Geralmente porque as alternativas são muito duras de suportar.’ Ela se levantou e deu um abraço desajeitado em Mai. ‘Estarei aqui amanhã às sete.’
‘Você vai acabar se mudando se continuar nesse ritmo.’
Billie deu-lhe uma olhada torta e foi buscar seu casaco.
No quarto havia uma mensagem do Eric em seu telefone: Entrevista amanhã. Ligue para agendarmos um horário. Vamos torcer. No clube Estragon.
Ela desenterrou sua roupa antiquada e deixou pronta para vesti-la na manhã seguinte. E preparou uma explicação para a jornalista sem dúvida com quadris sarados do Daily Paper que esperava encontrar uma atriz vestindo a mais recente criação das passarelas.
Mai provavelmente teria que convencê-la de que a blusa era da marca Jonathan Anderson, embora não fosse larga o suficiente.
Enquanto ela não soubesse disso, as coisas não ficariam bem.




CAPÍTULO SETE


APÓS A DIFICULDADE para subir o morro, eles conseguiram tomar café. Geraldine sentou-se enquanto Joan foi para o balcão, voltou com dois cafés com leite fumegantes em copos protegidos com papelão. Ela se movia levemente na diagonal enquanto caminhava, como um carrinho de supermercado com problema em uma das rodas, tentando poupar seu frágil joelho.
Geraldine estava animada pelo protesto que ecoava da estação Brighton, como de costume. Ela gostava de movimento, de mudanças, da ideia de estar aqui agora, e depois em um lugar diferente em um período de quase uma hora.
Craig nunca entendeu isso. Ele era uma contradição – um homem caseiro que se tornou impaciente – mas que não ficava tranquilo em lugar nenhum. A locomoção era simplesmente o preço que se paga para ser infeliz em lugares diferentes. Embora, é claro, ser infeliz era sua emoção por escolha, a melodia constante, a chave de casa, as duas linhas no nível de espírito que sua pequena bolha de equilíbrio constantemente procurava. Se eu não estivesse infeliz, eu deveria estar, parecia ser a melodia. Ele morreu de ataque cardíaco durante uma partida de golfe, mas o ataque foi o resultado de um coração que estava muito pesado para a alma que o continha.
Ela não pensava em Craig há quase uma semana – praticamente um recorde. Provavelmente conversar com Mai foi o que tinha trazido-o a sua mente. A doçura que resulta na dor de dente.
Joan, sua vizinha de quadris largos com uma patológica urgência em gastar, estava tentando atrair sua atenção. Ela era respeitosa com Geraldine às vezes, de um modo irritante, mas pelo menos sua presença tornava a viagem menos solitária.
‘Está tão calada, mas me diga – o que Mai está achando da competição? Seria um grande papel, não seria? O de Deannah, eu quero dizer.’
Geraldine reconheceu o brilho nos olhos de Joan, a pequena luz da luxúria que veio dos seus olhos por estar próximo a uma celebridade. Ela tinha sentido isso na pele, anos atrás, quando seu rosto estava constantemente estampado nas capas de revistas e nas revistas de cinema – o modo em que homens e mulheres perfeitamente normais se sentiam diminuidos, inferiores, menores, mais apagados quando ela chegava nos lugares. Como mãe de Mai, ela sabia exatamente como isso seria no final de tal abnegação e tinha tentado o seu melhor nos últimos dois anos para manter Mai envolvida em uma noção de lugar mundano e comum.
‘É a publicidade,’ disse ela. ‘É algo que gira em torno de você sem você ter que fazer nada. É como quando você visita o circo – há muita manipulação por trás das cameras para manter os animais em ordem e para impedir os palhaços de cairem de suas bicicletas. Mas você nunca vê tudo o que que está por trás, vê? Publicidade é isso – uma máquina invisível que controla o mundo. E você nunca vê isso até ser atingida por isso, ou quando joga você fora.’
Joan recusou-se desviar do assunto. ‘É sempre muito bom incluir belas metáforas, minha jovem senhora, mas você não respondeu a minha pergunta, respondeu? A Mai quer o papel, ou não?’
Geraldine preferia gostar mais disso, ser mais persistente na busca por fofocas, porque ela não era muito bajuladora.
‘Eu gosto do papel da jovem,’ ela disse. ‘Você pode me falar mais a respeito. Agora, qual é a pergunta?’
Joan deu gentilmente um tapa no braço dela. ‘Você tem quarenta e cinco anos e ainda continua deslumbrante. Pode me provocar se quiser, mas você não pode escapar do fato de você e Mai serem a realeza para algumas pessoas.’
Geraldine apertou as extremidades da boca. ‘O que, eu e meus dois filmes? Meia dúzia de shows na TV e dois longas em cartaz no centro de Londres? Você precisa sair mais, Joany.’
‘É exatamente por isso que estamos aqui hoje, não é? Agora pare de me insultar e tome o seu café. Temos cinco minutos.’
A linha de Brighton até Londres passava pela janela dela como um filme que ela tinha visto uma dúzia de vezes. Ela tentava detector alterações na sua edição – um novo conjunto habitacional perto de Haywards Heath, uma rotatória adicional ao sul de East Croydon – mas a paisagem permanecia melancóloca como sempre. Ela precisava fugir, ver o sol, tirar um tempo para ela e sem o peso de Mai forçando-a para baixo. Mai nunca tinha pedido sua ajuda, desde seus dezesseis anos de idade. Mas Geraldine sabia que ela precisava da sua ajuda. Ela era uma garota com uma profissão que costuma usar você e depois o joga fora. Novidade era tudo, a menos que você pudesse provar que tinha algo mais a oferecer. Um talento para diverter, como muitos tinham ditto. Mai tinha talento. Ela tinha encontrado algo em seus pais e o levou para seu interior, digeriu isso e depois usou para criar ... o quê? O que exatamente Mai fez, e como ela e sua mãe poderiam ver isso? Ela deveria estar tão acostumada com a exposição do sentimento da filha que nada seria tão impactante. Ela deveria ter visto isso antes, cada mania, cada inflexão, cada aparência de entusiasmo ou tristeza.
Mas Mai continuava surpreendendo-a. Ela parecia encontrar um lugar dentro dela onde ela via, ouvia ou sentia alguma coisa ... e então descobria uma maneira de tornar isso visível de uma outra forma. Isso é arte. Algo que Geraldine nunca tinha tido verdadeiramente – com ela era apenas uma combinação de aparências e uma certa ousadia frágil que persuadiam pessoas a acreditar que ela estava atuando. Com Mai, era realmente como se ela tivesse sido abduzida por uma força alienígena tornando-se uma outra pessoa. Alguém que nem mesmo sua mãe poderia reconhecer.

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A Atriz Keith Dixon

Keith Dixon

Тип: электронная книга

Жанр: Современная зарубежная литература

Язык: на португальском языке

Издательство: TEKTIME S.R.L.S. UNIPERSONALE

Дата публикации: 16.04.2024

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О книге: A Atriz, электронная книга автора Keith Dixon на португальском языке, в жанре современная зарубежная литература

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