Meu Furacão É Você
Victory Storm
Após quatro anos de separação, Kira volta para seu melhor amigo em Princeton, mas aquele que ela encontrará não é mais aquele menino doce e frágil, submetido à violência do pai, mas um rapaz de dezessete anos, com raiva do mundo inteiro e de si mesmo. Kira conseguirá apagar esse ódio e ensiná-lo a amar?
LUCAS. Kira foi embora há quatro anos, me deixando sozinho no pior momento da minha vida. Nunca a perdoarei por isso. Ela voltou agora e todo o ódio que sinto, me faz ficar longe dela. Contudo, toda vez que ela olha para mim, eu me sinto confuso, perdido e assustado, mas não posso esquecer quem sou: sou apenas uma mercadoria estragada e ninguém poderia amar um cara como eu. KIRA. Após quatro anos de distância e desespero por causa daquela partida forçada, finalmente voltei para Lucas. Mas as coisas mudaram agora e me tornei vítima do seu bullying. Quem é aquele menino que só conhece violência e que usa as garotas apenas para transar com elas? Não sei o que aconteceu, mas farei o que puder para apagar o ódio que vejo em seus olhos e que o mantém longe de mim.
Victory Storm
MEU FURACÃO É VOCÊ
MEU FURACÃO É VOCÊ
Victory Storm
Após quatro anos de separação, Kira volta para seu melhor amigo em Princeton, mas aquele que ela encontrará não é mais aquele menino doce e frágil, submetido à violência do pai, mas um rapaz de dezessete anos, com raiva do mundo inteiro e de si mesmo. Kira conseguirá apagar esse ódio e ensiná-lo a amar?
LUCAS. Kira foi embora há quatro anos, me deixando sozinho no pior momento da minha vida. Nunca a perdoarei por isso. Ela voltou agora e todo o ódio que sinto, me faz ficar longe dela. Contudo, toda vez que ela olha para mim, eu me sinto confuso, perdido e assustado, mas não posso esquecer quem sou: sou apenas uma mercadoria estragada e ninguém poderia amar um cara como eu.
KIRA. Após quatro anos de distância e desespero por causa daquela partida forçada, finalmente voltei para Lucas. Mas as coisas mudaram agora e me tornei vítima do seu bullying. Quem é aquele menino que só conhece violência e que usa as garotas apenas para transar com elas? Não sei o que aconteceu, mas farei o que puder para apagar o ódio que vejo em seus olhos e que o mantém longe de mim.
©2021 Victory Storm
E-mail: victorystorm83@gmail.com
Site web: www.victorystorm.com
Editora: Tektime
Tradutora: Ju Pinheiro
Capa: Homem elegante com torso musculoso usando um moletom com capuz Di Nejron Photo-https://stock.adobe.com
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro deve ser reproduzida ou divulgada em quaisquer formas, fotocópias, microfilmes ou por quaisquer outros meios, sem a permissão da autora.
Esta é uma obra de ficção. Personagens e lugares são produtos da imaginação da autora e são usados para dar veracidade à narração. Qualquer semelhança com eventos, lugares e pessoas reais, vivas ou mortas, é mera coincidência.
LUCAS
Princeton, Kentucky, 28 de setembro de 2010
Um furacão.
Foi o que Lucas pensou diante da bravura da garota desconhecida que se interpunha entre ele e seu pai.
— Tente bater nele de novo e irei denunciá-lo à polícia! — gritou aquele tornado furioso, fazendo até Lucas pular. O menino ainda estava pressionando a mão na bochecha, inchada e vermelha por causa do último tapa que tinha recebido. O homem riu com força, enfrentando aquela ameaça tola. Aquele som rouco e mordaz fez Lucas sentir arrepios nas costas, forçando-o a se esconder de maneira covarde atrás da sua salvadora alta, que não parecia nem um pouco assustada com o comportamento falsamente divertido do seu pai. Contudo, Lucas o conhecia muito bem e compreendia perfeitamente o que viria depois dessa risada de barítono e ainda mais depois de ameaças tão públicas. Em um ímpeto de coragem, ele pegou a mochila da sua salvadora e tentou jogá-la fora antes que seu pai perdesse a calma mais uma vez e levantasse a mão, ou pior, seu cinto, para ela também.
— Cuidado com o que você está dizendo, pirralha! — advertiu o homem, ficando de repente sério e aproximando-se ainda mais dela.
— É você quem deve ter cuidado com o que faz ou vou contar a mamãe e ela o enviará para a prisão junto com todos os pais violentos que batem em seus filhos — desafiou ela mais uma vez, com uma voz delicada, mas, ao mesmo tempo, feroz, decidida a não se deixar assustar por aquele parasita.
— O que você disse? — explodiu o homem com raiva, curvando-se sobre aquela pequena criatura que torceu o nariz para o hálito com cheiro de álcool que saía da sua boca. E então veio o suspiro do seu pai. O suspiro que Lucas conhecia muito bem: aquele sibilo vibrante e rígido que sempre acabava em um gesto violento contra qualquer coisa ao seu redor. Ele lançou um olhar furtivo para o rosto orgulhoso e perfeito da garota, que não havia recuado nem um centímetro, continuando a protegê-lo e mantê-lo seguro atrás das suas costas, que estavam ligeiramente curvadas com o peso dos livros na mochila. Os olhos dele permaneceram em seus lábios rosados e perfeitos, a boca pequena e em formato de coração, sem nenhuma cicatriz ou marcas de violência. As feições dela eram um pouco estranhas de acordo com Lucas, mas, ao mesmo tempo, curiosas e ele gostaria de poder ver seu rosto melhor, mas a respiração ofegante e trêmula do seu pai o dominava. Contendo seu medo e os gemidos de dor que continuavam saindo da sua boca, ele tomou coragem e com uma força que nunca tinha sentido, conseguiu empurrar sua salvadora para o lado bem a tempo, antes que a mão de seu pai voasse impiedosamente para o rosto da garota.
— Deixe-a ir! — gritou seu filho, reunindo suas forças em um grito desesperado. Ele sabia que não poderia fazer nada contra seu pai, mas jurou para si mesmo que faria tudo que pudesse para proteger aquela garota inocente, que provou ser tola o suficiente para enfrentar o temperamental e poderoso Darren Scott.
— Você não pode me dar nenhuma ordem, entendeu? Você é apenas um menino tolo que acabará como sua mãe fracassada! — disse seu pai com raiva, agarrando-o de maneira abrupta pelo pescoço. Apenas alguns meses haviam se passado desde que eles encontraram a mãe dele dormindo na banheira cheia de água. Ele havia ficado perplexo no início, quando viu sua mãe completamente vestida na banheira, mas tudo assumiu um significado diferente mais tarde, depois que seu pai entrou. Ele ainda achava difícil colocar suas lembranças em ordem . Ele só conseguia se lembrar dos gritos angustiantes e enfurecidos do pai, enquanto ele tirava a esposa da água e chamava Rosalinda, a empregada, que estava chorando e gritando que a casa estava amaldiçoada, enquanto corria para chamar a ambulância. Então tudo ficou nebuloso até o funeral da sua mãe.
Ele não sabia se tinha chorado ou não, mas conseguia se lembrar de que, quando voltaram do cemitério naquela noite, seu pai havia se embebedado mais do que normalmente fazia e começou a gritar com ele, dizendo que ele era um perdedor igual a mãe, que fora tão covarde a ponto de se suicidar, deixando-o sozinho para cuidar de um filho que ele nunca quis e que poderia até ser um bastardo na sua opinião, considerando o passado vergonhoso e devasso da cobra com a qual ele havia se casado há dez anos.
Naquela noite, trancado em seu quarto e escondido debaixo dos lençóis, ele começou a tremer e chamar pela mãe de maneira descontrolada, esperando que ela viesse resgatá-lo.
Infelizmente, seu sonho não se tornou realidade, como também nunca tinha acontecido quando ela estava viva, então ele apenas continuou chorando até que sentiu que sua barriga e cabeça doíam.
Agora, as palavras do seu pai o atingiam de maneira tão violenta quanto naquela noite.
Ele mordeu o lábio inferior para evitar o choro, mas finalmente as lágrimas começaram a fluir de maneira abundante.
— Pai, não a machuque. Por favor — implorou ele, soluçando e escondendo o rosto na manga da jaqueta para impedir que aquela garota, que era mais corajosa do que ele, visse.
— Meu filho está chorando por uma mulher! Isso é que é novidade! Você é um fraco. Adivinha? Você vai voltar para casa sozinho, assim aprenderá a não me desobedecer e não ficar contra mim! — decidiu o homem, dando meia volta e caminhando para o carro com passos instáveis porque tinha bebido muito naquela tarde.
— Espere, pai! — Lucas tentou detê-lo, assustado com a ideia de voltar para casa sozinho, mas seu pai já tinha caminhado até a porta do carro e entrado, sem nem olhar para ele, deixando o filho de nove anos tremendo e chorando à beira da rua.
— Não se preocupe. Minha mãe vai levá-lo para casa de carro — disse a jovem garota, tentando acalmá-lo. Ela havia se afastado, observando a cena toda.
Sua voz doce e gentil foi capaz de acalmar o sofrimento de Lucas, então ele parou de chorar.
Sem proferir qualquer palavra, ele sentiu a mão quente e macia da garota segurar a sua mão fria e trêmula.
Com os olhos ainda embaçados de lágrimas, ele permitiu que ela o arrastasse até a fonte no playground vazio da escola. Ele a viu tirar um lenço Hello Kitty do seu avental rosa e umedecê-lo sob a bica da pequena fonte.
Depois, com uma doçura desconhecida para ele, ela esfregou o lenço molhado e fresco em seu rosto e olhos.
— Minha mãe me faz lavar os olhos depois que eu choro, para evitar que fiquem inchados e vermelhos — explicou ela com doçura para ele, enquanto continuava umedecendo seus olhos com o pano encharcado.
Quando a jovem considerou a limpeza satisfatória, ela pegou outro lenço limpo e passado da mochila. Ela o desdobrou e usou para limpar o rosto dele com gentileza.
Estupefato e feliz por aqueles toques inesperados e relaxantes, ele se permitiu ser lavado e enxugado, enquanto ficava parado como um boneco.
O vento cortante do outono estava soprando com força naquela tarde, mas Lucas se viu sorrindo feliz por aquela nova carícia que o céu também queria lhe dar.
Tranquilo como não se sentia há meses, ele abriu os olhos e conseguiu olhar nos olhos da sua salvadora, naquele furacão que havia se transformado em uma brisa fresca de primavera naquele momento, com seus gestos amáveis e gentis.
Ele olhou para ela por um longo momento, até que sua memória conseguiu lembrar o nome daquela garota: Kira. Ela era a garota nova que sentava na terceira fileira atrás dele na sala de aula.
— Seu rosto é estranho — declarou Lucas, deixando seus olhos deslizarem para aquela garota que era mais de dez centímetros mais alta do que ele. Embora ela fosse magra e muito alta, seu rosto era largo e redondo e se destacava naquele corpo magro e pequeno que se curvava sob o peso da mochila.
Sua pele era muito clara, mas as bochechas estavam avermelhadas pelo frio e sua boca pequena em forma de coração estava tensa e rígida, enquanto ela estava concentrada em dobrar os dois lenços.
Lucas demorou-se com curiosidade naqueles lábios pequenos e carnudos, se perguntando se ela conseguia comer algo maior do que uma migalha.
Mas a característica que mais o encantou foram os olhos ligeiramente meio abertos, com seu estranho formato amendoado. Mesmo que estivessem escondidos por uma franja preta reta, um pouco comprida demais, ele conseguiu distinguir dois olhos castanhos muito brilhantes com tons verde escuro, lembrando-o dos bosques no lago Westurian, onde seu pai possuía uma casa que eles usavam para passar o verão até dois anos antes.
Com um gesto zangado e um resmungo que jogou sua franja para trás, a garota olhou para ele, um pouco magoada.
— E você é baixo para um menino — respondeu a jovem, cruzando os braços.
— Você não parece americana. — Lucas tentou explicar, gaguejando enquanto falava.
— Desculpe, mas você não prestou atenção esta manhã, quando nosso professor me apresentou à turma?
Lucas não se atreveu a dizer que tinha adormecido porque seu pai o manteve acordado a noite toda com seus resmungos de bêbado.
Colocando as mãos nos quadris em um gesto desafiador e enchendo os pulmões com uma respiração profunda, a garota resumiu seu discurso matinal, esperando que desta vez se fixasse na mente do seu novo colega de classe.
— Meu nome é Kira Yoshida. Tenho nove anos de idade. Meu pai é japonês e trabalha para o exército enquanto minha mãe é americana e é assistente social.
— É por isso que seu rosto parece estranho. Você é japonesa — exclamou Lucas com alegria.
— Meu rosto não é estranho! Mãe diz que puxei as feições do meu pai, mas a cor dos meus olhos e meu caráter são dela. Aliás, eu estava dizendo que sou meio japonesa e meio americana. Posso falar japonês e inglês bem e frequentei a Escola Internacional em Tóquio, até meu pai ser transferido pelos próximos quatro anos para treinar os novos recrutas que protegem as embaixadas americanas no mundo. Minha mãe não queria ficar sozinha em Tóquio, então nos mudamos para cá com meu pai, embora ele quase nunca fique em casa. Sou boa na escola, embora seja melhor escrevendo ideogramas japoneses do que seu alfabeto, mas minha mãe diz que normalmente aprendo muito rápido e eu já decidi que serei uma assistente social também quando crescer. Entrei para o clube de basquete em Tóquio, mas não gosto muito desse esporte. Odeio esportes e adoro assistir animes e ler mangás.
— O que são mangás?
— Quadrinhos — explicou Kira, irritada com a ignorância de Lucas.
— Eu também gosto de quadrinhos! — disse a criança animada.
— Então vou te emprestar alguns.
— Sério? — Lucas ficou surpreso, porque ninguém na cidade queria lidar com ele e muito menos com seu pai.
— É claro! Somos amigos, não somos?
Amigos .
Essa palavra fez o coração de Lucas dar um pulo.
Ele não tinha amigos.
Nenhuma criança jamais se aproximou dele com medo de topar com o poderoso e perverso Darren Scott. Além disso, todos os pais e professores tinham medo da presença do seu pai e ele havia entendido rapidamente que ninguém seria seu amigo. Nem agora nem nunca.
Mas naquele dia, em vez disso, o furacão Kira havia entrado em sua vida. Ele não conseguia mais se lembrar do nome da família dela. Era muito difícil de soletrar.
— Oh, meu Deus! Kira, aqui estou! Desculpe, desculpe, desculpe, desculpe! — disse uma mulher impaciente, correndo de modo esbaforido na direção deles.
— Mãe! — exclamou Kira feliz, correndo para ela e abraçando-a.
Assistir aquela cena fez Lucas sentir lágrimas brotarem em seus olhos mais uma vez porque ele nunca tinha apreciado o amor da sua mãe. Quando estava viva, ela dividia seu tempo entre um coquetel e um comprimido para dormir, quando não era agredida pelos loucos frenesis de ciúme do seu marido.
— Querida, sinto muito por ter chegado atrasada no seu primeiro dia de aula, mas tive alguns problemas nesta manhã, então tive que lidar urgente de alguns assuntos e levá-los ao Tribunal Juvenil, antes que pudesse vir até você. Peguei muito trânsito, mas vim o mais rápido possível. Sinto muito.
— Não tem problema, mas temos que levar Lucas para casa. O pai dele bateu nele e depois ele o deixou aqui — respondeu sua filha com sua franqueza ingênua habitual, mas impiedosa, que foi como um tapa no rosto de Lucas e de sua mãe.
— Kira, essas são acusações sérias — advertiu sua mãe, pois passava todo seu tempo de trabalho lutando contra abusos ou problemas familiares que eram difíceis de superar sem a ajuda de uma assistente social.
— Você deve denunciá-lo às autoridades, emitir uma medida liminar e colocá-lo atrás das grades. — A jovem se entusiasmou, repetindo em detalhas as palavras que tinha ouvido na TV na noite anterior.
— Nem pense em assistir Law & Order comigo na próxima vez — adivinhou sua mãe, antes de se aproximar do menino. — Você deve ser Lucas, não é? Meu nome é Elizabeth Madis e sou a mãe de Kira.
Lucas assentiu timidamente diante daquela mulher sorridente, cujos olhos verdes eram doces e corajosos. Kira estava certa: ela tinha os mesmos olhos da mãe, mas elas não se pareciam em mais nada. O cabelo liso e bem preto de Kira contrastava com o cabelo cor de caramelo e ondulado de sua mãe.
— Kira diz que seu pai bate em você. Isso é verdade? — perguntou ela de maneira gentil.
— Sim, é verdade. Sua bochecha está toda vermelha — interrompeu Kira, recebendo um olhar de desaprovação da mãe.
— Acontece — sussurrou Lucas inquieto. Ele nem conseguia pensar no que seu pai diria se ele ficasse sabendo sobre essa conversa.
— Entendo. Onde ele está agora?
— Em casa. Ele estava zangado.
— E sua mãe?
Lucas levou vários instantes antes de responder. — Ela não está mais aqui.
— Sinto muito, querido — confortou a mulher de imediato, acariciando seu rosto. — Você consegue se lembrar do endereço da sua casa? Se você quiser, nós o levaremos até lá. Meu carro está estacionado do lado de fora do portão.
Lucas sorriu agradecido. Alguém veio resgatá-lo.
Ele olhou para aquela mulher mais uma vez: ela parecia um anjo para ele.
— Sua mochila deve estar muito pesada, Lucas. Dê para mim, assim irei colocá-la no banco de trás — ofereceu a mulher.
O menino se virou e Elisabeth fez a mochila deslizar pelos seus ombros, mas ao fazê-lo, ela também puxou sua jaqueta e camiseta para cima.
— Oh, a mochila está presa em suas roupas. Espere, vou libertá-lo — mentiu Elizabeth e inclinou-se para o menino, que não estava ciente de que acabara de revelar uma marca violeta comprida, que corria de um quadril ao outro. A marca da chicotada que ele havia recebido três dias antes.
Os olhos estreitos de Elizabeth e seus lábios apertados e brancos fizeram Kira recuar, já que ela sabia que essa expressão costumava prenunciar uma repreensão terrível, mas quando sua mãe se levantou, ela estava sorrindo de novo de maneira inesperada, fazendo sua filha se sentir confusa.
— Vamos para casa, mas que tal um bom sorvete ou uma fatia de bolo no Chocoly's primeiro? — exclamou a mulher animada, fazendo Kira pular de alegria, pois conhecera esse lugar no dia da chegada deles, quando sua mãe comprou para ela o maior sorvete do mundo, cheio de doces e biscoitos.
Lucas também conhecia esse lugar, mas nunca havia entrado.
Quando chegaram ao carro, Elizabeth imediatamente dirigiu até esse lugar, onde deixou as duas crianças se jogarem nos doces, se entupindo de balas, biscoitos, muffins e natas, enquanto ela se retirava para o lugar mais isolado da cafeteria, para fazer algumas ligações urgentes sobre o que acabara de ver nas costas do menino.
Lucas comia como um cavalo sob o olhar atento e feliz da mulher, que o acusava de ser baixo e magro demais para sua idade.
Quando chegou a hora de voltar para casa, Lucas entrou no carro com relutância e deu seu endereço a Elizabeth, que imediatamente programou o navegador, porque ainda não conseguia dominar muito bem as ruas de Princeton.
— Seu pai queria que você caminhasse oito quilômetros? — disse Elizabeth nervosa ao olhar para as instruções do navegador.
Lucas ficou em silêncio, perguntando-se se oito quilômetros era um longo caminho.
Felizmente, Kira conseguiu entretê-lo, então a viagem para casa transcorreu de maneira alegre.
Infelizmente, no entanto, assim que a enorme villa de seu pai apareceu do lado de fora da janela do carro, todos os traços de sorriso desapareceram do rosto de Lucas.
Quando o portão foi aberto, a criança começou a tremer, perguntando-se como seu pai reagiria se soubesse o que ele tinha feito.
— Crianças, esperem por mim aqui! — ordenou Elizabeth, saindo do carro e caminhando até a porta da frente que tinha acabado de ser aberta, para deixar a forma poderosa de Darren Scott sair.
— Sr. Scott, eu imagino.
— Sou. Quem é você?
— Meu nome é Elizabeth Madis. Encontrei seu filho sozinho na escola, no final das aulas. Peguei Lucas e o trouxe para casa.
— Bem, agora você pode ir embora.
— Não, eu não vou!
— Você não vai? O que você quer? Dinheiro? Não pedi a você para trazê-lo para casa! Ele poderia andar até aqui, no que me diz respeito!
— Você não sente vergonha? São quase oito quilômetros! Como você pôde obrigá-lo a andar uma distância tão grande e além disso, sozinho?
— E quem é você para me dizer o que posso ou não fazer com meu filho?
— Sou assistente social e irei avisá-lo, há motivos suficientes para tirar a custódia do seu filho de uma vez por todas: negligência infantil, violência física e provavelmente psicológica e além disso, a criança parece desnutrida… embora você não pareça viver mal!
— Como você ousa vir à minha casa e me atacar? — explodiu o homem, saltando sobre a mulher e parando a alguns centímetros do seu rosto.
— Você está bêbado — adivinhou a mulher pela respiração fedorenta que atingiu seu rosto.
— Vá embora ou chamarei a polícia e farei você perder o emprego. Vou bani-la desta cidade para sempre — ameaçou ele.
— Você não me assusta. Só saiba que vou mandar o serviço social para te fazer uma visita em alguns dias e também um dos meus colegas para verificar se não há mais marcas de violência em Lucas, ou vou fazer com que joguem você na cadeia. Está claro? — continuou ela implacável e decidida a conseguir o que queria.
— Saia da minha casa! — gritou Darren para ela, assustando também Lucas, que pegou sua mochila rapidamente e saiu correndo do carro, para correr para casa e pôr fim àquela briga.
— Te vejo em breve, Sr. Scott — disse Elizabeth com uma ameaça velada, em seguida voltou para o carro e foi embora.
Quando o carro saiu da enorme propriedade, Darren voltou para casa, onde encontrou seu filho assustado e soluçando.
— Você trouxe uma assistente social para casa, seu bastardo idiota! — trovejou ele furiosamente contra seu filho.
— Eu não sabia. — A criança apenas conseguiu sussurrar, pronta para pagar as consequências.
— Aquela vadia realmente acha que pode me desafiar e ameaçar… na minha cidade? Ela vai pagar caro por isso! E no que diz respeito a você, não poderei te bater pelos próximos dias, mas tenha certeza de que você também vai pagar pelo que fez! Vá para seu quarto agora! Esqueça o jantar hoje à noite, assim você aprenderá a não trazer aquela mulher desprezível até minha casa.
Lucas não deixou que ele dissesse duas vezes.
Ele correu para o quarto como um tiro, grato a Kira e sua mãe, que lhe ofereceram aquele lanche especial e guloso. Seu estômago ainda estava cheio, então ele mergulhou sob os lençóis, rezando para que a manhã chegasse logo.
Ele gostaria de reencontrar Kira, sua amiga especial, aquele furacão com boca em formato de coração e olhos verdes como madeira, que virara seu dia de cabeça para baixo e mudaria sua vida em breve, ele tinha essa certeza no fundo do seu coração.
KIRA
Princeton, Kentucky, 12 de julho de 2014
— Não tolero mais essa situação! Não me importa se Darren Scott é o mandachuva da cidade! Sim, eu entendi… Sim… sim… Absolutamente não! Com certeza não vou desistir… Não me importa se essa guerra já dura quatro anos! Estou cansada de deixar aquele monstro estragar a infância de um menino! Sei que ele já ameaçou me demitir… Ele está tentando há muito tempo, mas felizmente sou muito boa no meu trabalho, então ele não conseguiu a autorização do Prefeito… Eu entendo… Sim… Ok, mas não aguento mais este estado de coisas! Lucas está mais uma vez na minha cozinha. Ele está ferido e minha filha está cuidando dele! Ele tinha um ferimento no lábio no mês passado, agora tem um corte profundo na sobrancelha esquerda! — Elizabeth Madis continuava gritando ao telefone. Ela estava trancada em seu escritório, certa de que os dois jovens em sua cozinha não poderiam ouvi-la, mas infelizmente sua raiva e frustração pareciam prestes a derrubar as paredes. Ela vinha discutindo com seu chefe há alguns anos sobre as medidas que eles poderiam tomar em relação ao poderoso Darren Scott, mas parecia que todas as pessoas que moravam em Princeton tinham parentes trabalhando para ele ou alugando uma casa em um dos prédios decadentes de apartamentos. Todos deviam algo a Darren Scott, então temiam as consequências. Até o chefe da Polícia.
Apesar disso, Elizabeth nunca desistiu. Ela era famosa porque sempre obtinha os melhores resultados no seu trabalho e pelo seu incrível sexto sentido que a fazia descobrir o que havia de podre em cada família da cidade. Após quatro anos, ela ainda estava tentando obter justiça para aquela criança miserável que ela muitas vezes teve que hospedar e curar, junto com sua filha Kira, que nunca havia deixado Lucas sozinho desde que o conheceu.
Mesmo que Kira ainda fosse muito jovem, ela havia assumido os problemas do seu melhor amigo e estava muito ocupada procurando um curativo naquele momento, então não estava ouvindo o telefonema da sua mãe, mas ela já sabia de cor o discurso.
— Você provavelmente vai ter uma cicatriz. Sente-se e continue apertando a gaze — ordenou ela a Lucas, sentindo-se irritada e nervosa por não ter conseguido evitar aquela nova violência contra o menino.
— Está doendo! — reclamou Lucas, sentado no banquinho em frente ao balcão da cozinha, onde todos os tipos de remédios, gaze, algodão e curativos estavam espalhados.
— Apenas espere um momento e sente-se confortavelmente! Não consigo alcançar — continuou Kira bufando e tentando colocar o maior curativo que conseguiu encontrar na sobrancelha do menino.
— Não é minha culpa se você é pequena — provocou Lucas, enquanto achava engraçado o olhar ameaçador de Kira: quando ela semicerrava os olhos, parecia um personagem de mangás japonês.
— Você é apenas sete centímetros mais alto do que eu e, a propósito, gostaria de lembrá-lo que você era um verdadeiro baixinho no ano passado — enfatizou Kira de imediato. Ela percebeu recentemente que todos os seus colegas de classe tinham crescido muito e ela era a mais baixa agora, embora costumasse ser a mais alta no passado. Até suas melhores amigas Jane e Roxanne eram alguns centímetros mais altas que ela.
— É melhor eu pegar a cesta mais uma vez — pensou ela, sentindo-se irritada por não ter crescido nos últimos dois anos.
— Tire sua camiseta agora. Está manchada de sangue — ordenou ela logo em seguida, pensando na grande quantidade de sangue escorrendo de sua ferida quando ela foi visitá-lo naquela tarde de feriado. Ela teve que se conter e evitar se sentir mal, após ter ido para cima do pai de Lucas, chamando-o de “açougueiro viciado em álcool” e “Jack, o Estripador”. Apenas a chegada de sua mãe foi capaz de salvá-los da raiva furiosa daquele homem, que estava em um atordoamento alcoólico.
— Mas o que devo vestir então? — Lucas ficou nervoso e incomodado por estar seminu, principalmente porque as marcas da violência do seu pai ainda estavam nitidamente visíveis em suas omoplatas.
— Minha mãe e eu compramos uma camiseta para você no mercado ontem. Mãe queria dar a você no seu novo período escolar, mas eu vou fazer isso agora! Eu a escolhi — exclamou Kira entusiasmada, fazendo Lucas corar até as orelhas, mas ela apenas o ignorou e, pegando-o pelo braço como sempre fazia, ela o levou para o quarto dos pais, onde sua mãe havia escondido o presente na gaveta de meias do marido.
Quando entraram no quarto, Kira e Lucas se trancaram lá dentro.
— Aqui está!
— Obrigado — murmurou ele, sentindo-se comovido e desembrulhando o presente.
Havia uma camiseta azul dentro, com o Goomba do Super Mario no centro, como no Nintendo de Kira e seu nome, Lucas, estava impresso debaixo dele.
— Assim que vi, pensei em você, porque sempre jogamos Nintendo quando passamos o domingo juntos. Você realmente ama Super Mario Bros e pular sobre os cogumelos do jogo.
— Eu normalmente pulo sobre eles enquanto você colide com eles e é morta — lembrou Lucas. Ele considerava Kira um gênio na escola, mas uma absoluta lerda em videogames.
Como resposta, Kira mostrou a língua para ele e Lucas sorriu feliz.
— Então, será que isso vai caber em mim? — perguntou ele, mudando o assunto da conversa antes que Kira começasse a listar os campos em que não tinha problemas em vencê-lo.
Ela odiava julgar de maneira imprudente e não criteriosamente, então ela colocou as mãos nos quadris com seu ar altivo habitual e começou a olhar para ele com atenção.
A camiseta serviu nele perfeitamente e Kira não pode deixar de notar seus músculos, que não estavam ali pouco tempo antes. Ela sempre guardou silêncio sobre isso, mas havia percebido que era sempre a perdedora quando eles lutavam com os travesseiros agora, quando se empurravam no sofá ou jogavam basquete no pátio. Embora Lucas sempre tivesse sido muito magro, não havia sobrado muito do menino de nove anos que Kira conhecera quatro anos antes.
O tempo havia passado e Lucas estava ficando mais forte. Ele estava crescendo e ficando cada vez mais ousado e valente. Ele não temia mais os golpes do pai, aprendera a aceitá-los sem derramar uma lágrima.
Kira ficou olhando para ele por muito tempo e ficou fascinada pelo seu rosto como sempre acontecia. Ela tinha que amá-lo, mesmo se sua aparência fosse com frequência diferente por causa dos golpes do seu pai.
Seus olhos castanhos eram sempre brilhantes sob a pilha de cabelos castanhos bagunçados, apesar da sombra melancólica que Kira vira com frequência em seu olhar.
Saber que seu amigo estava sofrendo a deixava muito triste, então ela sempre tentava fazer com que ele se sentisse melhor e feliz quando passavam algum tempo juntos.
Ela até caiu no choro nos braços de sua mãe uma noite, pensando em Lucas.
— Você ainda é jovem demais para carregar esse fardo, mas como é atenciosa o suficiente para perceber, apenas tente fazê-lo sorrir o máximo possível. Kira, se você deseja ajudar Lucas, não deve chorar. Você precisa ser forte por ele! — Sua mãe havia lhe dito naquele dia. Ela não entendeu muito bem o que sua mãe quis dizer com essas palavras na época, mas vinha se esforçando ao máximo para estar sempre alegre e carinhosa com seu melhor amigo desde aquele momento.
E agora, depois de alguns anos, ela podia ver um Lucas muito diferente na sua frente: muito mais alto, mais forte e muito bonito.
— Então? — incitou Lucas, sentindo-se nervoso. Com certeza, ele não estava acostumado com o silêncio de Kira. Ela era a garota que falava de maneira mais mordaz e enfática da escola.
Graças a ela, ninguém jamais se atreveu a provocá-lo, mesmo quando descobriram que ele achava a escola difícil por causa de uma leve dislexia, que a fonoaudióloga e psicóloga da escola não conseguiram atestar porque o pai do menino abafou isso assim que começaram a falar sobre professores de reforço e exames facilitados para ajudar seu filho a enfrentar melhor sua deficiência.
Essa palavra, deficiência, foi exatamente aquela que provocou uma confusão, enviando a fonoaudióloga para o hospital com um nariz quebrado
Nesse dia, o poderoso Darren Scott não conseguiu escapar com facilidade e foi obrigado a pagar muito dinheiro a fim de evitar ser denunciado formalmente.
— Você está muito bonito — declarou Kira, mantendo os olhos na camiseta.
— Bonito? — repetiu o menino, divertido e desconfortável, pois não estava acostumado a tais elogios.
Kira se arrependeu imediatamente de usar essa palavra.
— Jane diz que você é bonito — enfatizou ela, muito envergonhada pois acabara de revelar o segredo da sua amiga.
— Jane? Jane Hartwood?
— Sim. Acredito que ela gostaria de namorar você — sussurrou Kira, continuando se xingando e se perguntando como diabos estava contado essas coisas para Lucas.
— Sério? — Lucas perguntou, de repente ficando sério.
Essa mudança em sua voz irritou profundamente Kira, que de repente se sentiu muito irritada e zangada.
— Você não gosta dela, não é? Lucas, não me diga que você também quer namorar com ela! Você quer beijá-la e… — gritou ela, com uma voz estridente e delirante.
— Não, não quero! Estou apenas curioso. Não achei que Jane gostasse de mim — interrompeu Lucas.
Se essa é a questão, Roxy também é louca por você , Kira pensou em responder, mas um sentimento venenoso de ciúmes fechou seus lábios.
— Qual é o problema agora? — Lucas ficou imediatamente preocupado pois sabia o que aquela pequena boca em formato de coração podia esconder quando ficava ainda menor e mais fina.
— Nada.
— Você está zangada. — Lucas podia entender já que a conhecia muito bem.
— Não estou nem um pouco zangada!
— É por culpa de Jane? Acho que ela é legal, mas ela não é a garota certa para mim.
De todas as suas palavras, Kira só conseguiu ouvir “legal”.
— Então, você gosta dela!
— Apenas disse que ela é legal, não que gosto dela!
— Bem, então consiga sua próxima camisa do Super Mario dela! — explodiu Kira furiosa, sua mente estava confusa e ela saiu do quarto batendo a porta.
— Kira! — chamou Lucas, chateado. Kira nunca o deixou sozinho em todos aqueles anos que passaram juntos, então ele estava se sentindo profundamente culpado naquele momento, como se fosse responsável pela sua reação.
Kira não conseguia entender o próprio comportamento, mas se sentia sufocada enquanto seu peito doía.
Quando chegou ao seu quarto, ela começou a chorar.
Ela se jogou na cama, sentindo-se miserável e perdida por causa das suas emoções profundas.
Alguém bateu à porta logo depois.
Ela não respondeu, mas a porta se abriu mesmo assim.
Sua mãe estava lá.
— Você pode me dizer o que aconteceu, querida? Lucas estava chorando quando foi embora! Fazia muito tempo que eu não o via chorar… Kira, você também? Você está chorando! — Elizabeth ficou imediatamente preocupada, porque não estava acostumada a ver sua filha derramando lágrimas. Kira sempre foi muito zen e não muito emotiva, exceto diante de alguma injustiça.
— Não estou chorando! — soluçou ela, o rosto encharcado de lágrimas.
— Kira, querida, o que aconteceu com você? Você e Lucas brigaram?
— Não sei… eu… eu não sei o que se apoderou de mim. — Kira tentou explicar e continuou chorando. — Dei a ele a camiseta que compramos no mercado e então… ele disse que acha Jane legal e eu… eu…
— Você está com ciúmes de Jane? — sugeriu sua mãe, tentando conter um sorriso divertido diante do que parecia ser uma cena de ciúme. Ela vinha se perguntando no fundo do coração em que se tornaria aquela amizade muito particular entre Kira e Lucas, quando os dois saíssem da puberdade e entrassem na adolescência. O carinho de sua filha por ele aceitaria a presença de outra garota ao lado de Lucas? Algum dia ele seria capaz de se separar da sua melhor amiga?
Ela tinha ficado cada vez mais segura nos últimos anos que o vínculo entre essas duas crianças nunca poderia se desfazer e mais cedo ou mais tarde, ela os encontraria se agarrando atrás da cerca viva do jardim.
E agora, ao ver que sua filha tinha caído vítima do ciúme e estava sofrendo suas primeiras dores de amor, ela não pôde deixar de sorrir e sentir-se satisfeita com sua excelente intuição que nunca a desapontou.
— Não estou com ciúme! — resmungou Kira.
— Então, por que você está chorando? Me diga a verdade, você está se apaixonando por Lucas? — supôs Elizabeth, fingindo estar indiferente ao rubor evidente no rosto pálido da filha.
— Não, não estou! O que você está dizendo, mãe?
— Estou apenas dizendo que ficar tão zangada porque Lucas gosta de outra garota é muito estranho… Aliás, você cresceu e isso tinha que acontecer mais cedo ou mais tarde. Para ele ou para você… — provocou ela.
— Lucas é meu! — Kira ficou abatida e começou a chorar de novo. — Não vou compartilhá-lo com ninguém!
— Kira — sussurrou sua mãe, comovida e preocupada.
— Não quero perdê-lo! Eu o amo, mãe.
— Eu sei, querida — suspirou Elizabeth e abraçou a filha para confortá-la.
Elas continuaram se abraçando por muito tempo, até que a garota parou de chorar.
— Lucas estava realmente chorando? — perguntou Kira após um tempo.
— Sim, ele estava. Fazia muito tempo que eu não o via chorando — disse sua mãe com tristeza, fazendo com que a filha se sentisse terrivelmente culpada. — Você deveria se desculpar com ele.
— Sim, você está certa. Não queria fazê-lo chorar — murmurou ela, pois sentia-se muito envergonhada do seu comportamento.
— Que tal fazer biscoitos de banana com gotas de chocolate e levá-los para ele? — sugeriu sua mãe, tentando animá-la.
— Lucas adora esses biscoitos!
Enxugando a tristeza, Kira e sua mãe começaram a preparar uma grande assadeira cheia de biscoitos em forma de flor. Ao ficar ocupada fazendo os biscoitos perfeitos, Kira esqueceu a conversa com Lucas e apenas se concentrou em fazer as pazes com ele.
Os biscoitos estavam quase perfeitamente assados no forno uma hora depois e Kira estava realmente ansiosa para tirá-los e levá-los imediatamente para seu amigo. Ela mal conseguia esperar para limpar sua consciência, que estava pesando sobre ela.
— Que cheiro delicioso de biscoitos! — retumbou uma voz masculina atrás delas.
Elas se viraram de repente e viram a figura imponente e condecorada de Kenzo Yoshida.
— Papai! — gritou Kira, que estava no sétimo céu e correu para abraçar o pai. Ela não o via há quase um mês. Mesmo levando apenas uma hora de carro para chegar à base, Kenzo poderia voltar para a família apenas algumas vezes por mês ou até menos.
— Querido! — Elizabeth a seguiu, correndo para os braços do marido. — Por que você já está de volta? Você disse que não voltaria para casa antes de agosto.
— Estou de licença e tenho ótimas notícias para todos nós! — respondeu Kenzo sorrindo.
— Conte-nos tudo, por favor.
— Estamos voltando para Tóquio! — exclamou o pai de Kira.
— O que você quer dizer? — perguntou sua esposa intrigada.
— Você me entendeu, Ely. Eles me transferiram de novo, estão me mandando de volta para a embaixada americana em Tóquio. Kira, você está feliz? Você vai ver a vovó de novo. Tenho certeza que ela está ansiosa para abraçá-la novamente.
— Não quero voltar para o Japão! — explodiu sua filha assim que percebeu o que a notícia significava.
— Kenzo, eu tenho um emprego aqui e não acho…
— Ely, você não entendeu como as coisas estão. Isso não é negociável, são ordens de cima e você pode agradecer ao seu querido amigo Darren Scott — explicou o homem com uma voz gelada.
— Que desg…
— Não fale assim na frente da criança — interrompeu seu marido, pois não queria que sua filha ouvisse palavrões.
— Não sou mais criança e não quero voltar para Tóquio! — Kira se intrometeu novamente, à beira das lágrimas.
— Quero partir antes que o novo período escolar comece. Vou dividir meu tempo entre casa e a embaixada, enquanto você pode ficar na casa da minha mãe, como antes. Já entrei em contato com a antiga escola de Kira e eles têm uma vaga para ela. Ela só vai ter que passar no exame e poderá frequentar o ensino médio — continuou seu pai despreocupado, deixando sua filha muito ansiosa. Ela parecia à beira de um colapso nervoso.
— Não, não, não, não, não! — A jovem continuava gritando, fechando os ouvidos.
— Kira, você sabia que ficaríamos aqui apenas quatro anos! — Seu pai tentou fazer com que ela usasse a cabeça, segurando seus ombros, mas ela começou a se contorcer e chorar desesperadamente.
— Não, não, não! Não quero ir embora! Quero ficar aqui! Em Princeton! Com Lucas!
— Sinto muito, meu bem. Mas isso é impossível!
— Não, eu não quero — gritou Kira com toda força, empurrando o pai com violência para longe, saindo correndo pela porta dos fundos até a garagem para pegar sua bicicleta.
Os gritos de reprovação do pai e os gritos desesperados da mãe foram completamente inúteis.
Ofegando e com terror no fundo do seu coração pelo que estava acontecendo, a garota pegou a bicicleta e antes que seu pai pudesse alcançá-la, ela correu para a rua e começou a pedalar com todas as suas forças. Ela sabia que a casa do menino que ela amava ficava a cinco quilômetros de distância.
Quando ela chegou à suntuosa e majestosa villa da família de Scott, todos os músculos das suas pernas estavam queimando e ela sentia dor na garganta por causa do esforço.
Felizmente, havia um vento fraco naquele dia, então cada lágrima que ameaçavam escorrer pelo seu rosto, secavam antes de cair.
Usando a pequena passagem que Lucas fizera três anos antes ao quebrar uma parte da cerca, Kira conseguiu entrar furtivamente na villa e correu sem fôlego até a mansão.
Ela sabia que o pai de Lucas nunca permitiria que ela entrasse, como sempre aconteceu naqueles quatro anos, mas ela conseguiu identificar a janela do quarto do amigo, então correu por baixo e o chamou, com o pouco de fôlego que lhe restava.
Após gritar o nome de Lucas sete vezes, ela ficou abalada pelas lágrimas e caiu de joelhos no cascalho, rezando para que fosse apenas um pesadelo terrível.
Ela pulou e de repente se levantou assustada quando sentiu um toque leve no ombro.
Ela temia que pudesse ser Darren Scott ou sua própria mãe, mas, felizmente, assim que se virou, ela viu o rosto abatido e triste de Lucas.
Ela olhou para ele, tentando enxugar aquelas lágrimas irritantes que faziam o mundo de verdade ao redor dela piscar.
Lucas havia retirado o curativo, então Kira podia ver o ferimento entre os pelos da sua sobrancelha. No entanto, ela ficou ainda mais abalada com seus olhos inchados e vermelhos, já que não estava mais acostumada com eles.
De maneira instintiva, ela procurou por um lenço no bolso, para que pudesse enxugar seu ar assustado, mas ela havia se esquecido de tudo quando fugiu de casa.
— Kira — sussurrou o menino. Ele ficou devastado quando viu sua amiga chorando. Isso era algo inesperado e fez com que ele se sentisse muito mal novamente.
— Lucas… — Kira saltou, jogando-se em seus braços. Ela o abraçou com toda força, como se temesse que o vento pudesse levá-lo para longe dela.
Ela sentiu os braços de Lucas retribuírem o abraço, abraçando-a completamente.
— Desculpe, Kira — murmurou o menino abatido, abafando suas palavras por entre os cabelos compridos e sedosos dela.
— Oh, Lucas! Por favor, me perdoe. Não quero perdê-lo — soluçou Kira, abraçando-o ainda mais forte.
— Nem eu — Lucas estava tremendo.
Kira podia ouvir o coração do amigo batendo cada vez mais rápido enquanto a respiração ficava irregular.
Ela sabia que ele estava chorando e isso a fez desmoronar.
Ela esteve cuidando dele por anos e passou a conhecê-lo, amá-lo e apoiá-lo. Então, naquele momento, ela não conseguia acreditar no que diria a ele logo em seguida.
— Meu pai foi transferido de volta para Tóquio. Ele quer que minha mãe e eu voltemos para o Japão com ele. — Ela conseguiu dizer sem se afastar de Lucas, mas, de repente, ele deu um passo para trás, assim que percebeu o que ela quis dizer.
Kira estremeceu por causa dessa separação repentina. Então ela viu Lucas olhando para ela com uma expressão destruída.
— Eu não quero, mas… — Kira tentou explicar
— Então não faça isso! Não vá. Não me deixe sozinho… você também não. Estou te implorando — gaguejou Lucas e começou a tremer. Ele já tinha perdido a mãe e perderia sua melhor amiga em breve.
Por que todas as mulheres que ele amava o abandonavam mais cedo ou mais tarde?
— Não quero deixá-lo sozinho — declarou Kira séria, tentando recuperar um pouco de clareza.
— Então não volte para o Japão! — implorou Lucas com uma voz tão dolorida que pareceu uma punhalada no coração de Kira.
A resposta escapou dos seus lábios antes que ela pudesse pensar sobre isso.
— Tudo bem — respondeu ela, começando a matutar para encontrar uma solução.
O sorriso que finalmente se espalhou no rosto de Lucas valia mais do que mil presentes de Natal.
— Você promete?
Elizabeth geralmente dizia a filha para que não fizesse promessas que não pudesse cumprir, mas Kira não tinha dúvidas sobre o que aconteceria: ela tentaria ficar em Princeton com Lucas, por bem ou por mal.
— Prometo — disse ela, fazendo uma cruz no coração.
A felicidade crescente no rosto de Lucas tornou-se imediatamente contagiosa. Enquanto se abraçavam mais uma vez, Kira jurou para si mesma que faria qualquer coisa para ficar perto do seu melhor amigo.
Infelizmente, sua mãe buzinou do seu carro, que estava estacionando no lado de fora do portão da propriedade, interrompendo-os, então Kira tinha que voltar para casa.
— Coloque seu curativo de novo ou vai ficar com uma cicatriz — disse Kira preocupada, roçando o dedo indicador na sua sobrancelha machucada. Te vejo amanhã. Em casa.
— Vamos ter uma ótima partida de Super Mario , ok? — sugeriu Lucas, sentindo-se mais sereno, antes que sua amiga saísse pela passagem secreta que usou para entrar.
— Vou arrasar você! — Kira o desafiou alegremente antes de entrar no carro, mas assim que Lucas desapareceu da sua vista, ela sentiu algo quebrando dentro de si, bem no meio do peito.
Ela seria capaz de cumprir sua promessa a Lucas?
ADAM
Tóquio, Japão, 11 de novembro de 2015
Quando ele alcançou a antiga ala do prédio, seu coração estava batendo rápido.
Ele olhou ao redor com cautela, certificando-se de que tivesse deixado para trás todas as garotas com tesão que sempre o seguiam, desejando se tornar sua namorada.
Ser o garoto mais bonito da escola tornou-se uma maldição para ele, especialmente depois do que aconteceu com Arashi.
Só de pensar no que acabara de acontecer, ele podia sentir um pouco mais de energia nas suas pernas.
— Existe um lugar longe o suficiente para fugir do que estou sentindo? — A mente de Adam estava gritando, quando ele alcançou a porta quebrada que conduzia para a sala que outrora foi a biblioteca da escola, antes que o último terremoto tivesse tornando aquele lado do prédio impróprio para uso dois anos antes.
O diretor havia finalmente encontrado um prédio mais barato para construir uma nova biblioteca na ala leste, o que ele preferiu do que reforçar a ala norte e torná-la segura, então esse lugar estava sempre deserto agora.
Ainda abalado pelo beijo de Youra e pelo abraço de Arashi, Adam começou a abrir a porta do seu abrigo secreto… quase secreto, já que teve que dividi-lo com uma caloura no último ano.
Só quando entrou, ele se jogou no chão, segurando a cabeça entre as pernas e esperando que pudesse esquecer o que estava girando em sua mente há muito tempo.
Ele se lembrou da imagem de Youra. Linda Youra. Todo garoto em sua escola faria qualquer coisa para sair com ela, mas toda garota solteira em sua escola venderia a alma ao diabo para sair com ele.
Youra não demorou muito para procurá-lo e pedir para que ele fosse seu namorado e ele concordou só porque era o que todos seus amigos esperavam dele.
Até seu pai apertou suas mãos naquele momento, feliz e orgulhoso dele.
Mas quando ela tentou beijá-lo, ele ficou nervoso e começou a suar frio, enquanto sua cabeça e coração continuavam lembrando-lhe do sorriso de Arashi
— Por que Arashi? Youra é a garota certa para mim! Eu amo Youra! — Ele vinha dizendo a si mesmo há mais de dois meses, mas o sorriso de Arashi, seus abraços ou tapinhas nas costas foram suficientes para tornar Youra em ar impalpável se comparado ao brilho ensolarado de Arashi.
Ele vinha se perguntando até ficar exausto sobre os motivos do seu comportamento, mas sem resultados, até aquele dia pelo menos.
Era apenas algo tolo: alguém havia feito Arashi tropeçar e ele caiu nos braços de Adam, mesmo que apenas por alguns instantes.
Apenas por alguns instantes… mas foi o suficiente para fazê-lo correr para o banheiro para esconder a ereção evidente que pressionava a calça do seu uniforme escolar.
Que vergonhoso!
Ele teve que correr como louco para limpar aquele instinto censurável e impróprio da sua mente. Até a lembrança do corpo nu de Youra não foi capaz de desviar sua atenção disso.
— Por que tudo isso está acontecendo comigo? O que há de errado comigo? — Adam estava abatido e tentou reprimir aqueles sentimentos que pareciam sufocá-lo.
Ele ia desmoronar mais uma vez e dar vazão a lágrimas de frustração e vergonha, quando ouviu mais alguém gemendo dolorosamente na sala.
Ele já tinha ouvido isso várias vezes nos últimos dias, mas parecia muito mais desesperado desta vez.
Sentindo-se curioso e preocupado ao mesmo tempo, ele se levantou e moveu-se devagar até a estante onde os romances de fantasia costumavam ficar.
Sem fazer qualquer som, ele lançou um olhar entre os corredores até que conseguiu ver a garota chorando. Ela estava sentada no chão, como de costume, os braços ao redor dos joelhos que estavam dobrados até o peito e as pernas completamente nuas por causa da saia amarrotada. Ela estava chorando muito.
Ele apagou da mente o lema dos seus colegas de classe, dizendo que ninguém poderia abrir mão da chance de ver a calcinha de uma garota e se aproximou dela.
Assim que a garota percebeu que ele estava li, ela parou de chorar e de repente se levantou com um pulo, enxugando o rosto com a manga do uniforme.
— Pegue — Adam disse, entregando-lhe seu lenço.
A garota pegou o tecido branco com mãos trêmulas e temerosas e enxugou o rosto com cuidado.
— Obrigada… Você é Adam Gramell, não é?
— Sim e você é Kira Yoshida, não é? — conjeturou ele, fingindo não ter certeza da sua resposta, quando sabia perfeitamente quem a garota era. Embora ela fosse dois anos mais jovem do que ele e sempre parecesse tão infeliz, essa garota não conseguiu realmente escapar de nenhum radar masculino desde que entrou na escola um ano antes. Suas feições ocidentais apenas um pouco proeminentes atraíram imediatamente a atenção de todos. Seus pais vinham de dois grupos étnicos diferentes como os dele, mas o pai de Adam era americano e ele havia herdado seus olhos azuis, o que o tornava tão terrivelmente charmoso, além do corpo imponente e musculoso. Em vez disso, Kira tinha os olhos verdes escuros incomuns da mãe, enquanto seus cabelos compridos e lisos eram como os japoneses. Contudo, havia algo terrivelmente charmoso nela e sua expressão misteriosa, discreta e sempre triste a fez objeto da atenção de algum menino, mesmo se, certamente, ela se livrasse de todos eles muito rapidamente.
— Você me conhece?
— Pessoas mestiças como nós nunca passam despercebidas.
Essa declaração pareceu atingi-la, já que ele a viu sorrir pela primeira vez.
— Mas não sou a pessoa mais legal da escola como você: o famoso namorado de Youra Lee-Kuro, campeão de basquete, ídolo da escola e garoto da capa da Lovely .
— Uau! Não tinha percebido que era tão famoso! — interrompeu Adam, sentindo-se desconfortável.
— Não dá para evitar, se você aparece na capa da revista para garotas mais famosa. Você tem futuro como um ídolo — respondeu Kira. Ela sempre lia Lovely, desde que sua colega de classe, M i saki, lhe emprestasse.
— Isso foi há três meses.
— Você quer dizer que não vai se tornar um ídolo ?
— Exatamente! Nem agora nem nunca — declarou Adam com um sorriso muito amplo, que tentava esconder sua dor e tristeza por ter sido obrigado a desistir do seu sonho. Ele sempre se encantou com o mundo da moda e a ideia de se tornar um modelo o estimulou desde o começo.
Sua entrevista para a Lovely deveria ter sido a melhor plataforma de lançamento… pelo menos até seu pai acusar a revista de ter enganado seu filho com bobagens e ninharias gays. Ele havia gritado que preferia morrer do que ver o próprio filho andando como uma “aberração”, vestido com roupas “esquisitas” no meio de estilistas “esquisitos”.
— Tem uma vaga na Academia Militar para você, meu filho — seu pai disse com orgulho, já que abominava a possibilidade de que Adam pudesse fazer qualquer outra coisa com sua vida, que talvez não fosse algo muito “heterossexual”.
Ele nunca soube se era culpa dessas palavras ou seu pavor de ser marcado como homossexual pelo pai, mas ele começou a sair com Youra no dia seguinte e assumiram o namoro três dias depois.
Ele não se sentia feliz, mas estava com muito medo de procurar uma solução diferente.
— É uma pena. Não sei por quê, mas sempre pensei que você se tornaria um modelo quando crescesse… Provavelmente porque sempre vejo você desfilando pelos corredores da escola — disse Kira, trazendo-o de volta ao mundo real.
— Obrigado por suas palavras amáveis, mas já decidi seguir os passos do meu pai e me tornar um militar como ele.
De repente, a garota começou a chorar de novo e caiu aos seus pés.
— Ei, você está bem? Eu disse algo errado? — Adam ficou imediatamente assustado e se inclinou na frente dela.
— Odeio militares. — Kira mal conseguia soluçar.
— Pensei que seu pai fosse um militar como o meu.
— Na verdade, ele é… e eu o odeio também. Tive que deixar Princeton por culpa dele.
Adam tentou falar de novo, mas ficou paralisado pelo desespero sombrio da garota.
Ele podia entendê-la tão bem: ela estava confinada em um mundo que não queria.
— Então, este é o motivo pelo qual você costuma vir aqui e chorar? — sussurrou Adam, tentando conter a emoção que a cena estava agitando dentro dele.
Ao contrário de todas as outras garotas da escola, Kira não estava chorando por uma nota ruim, por uma decepção amorosa ou por qualquer outra tolice feminina. Ele ficou muito impressionado com ela.
— Você gostaria de voltar para Princeton? Para seus amigos? — Ele adivinhou mais uma vez.
— Para Lucas. — Kira gemeu e fungou.
— Lucas? Ele é seu namorado?
— Não, ele é meu melhor amigo. Ele está em perigo e não estou mais com ele, para protegê-lo… Nem sei onde ele está no momento e o que está acontecendo com ele — soluçou ela, mostrando a Adam o envelope selado que estava segurando na mão.
Adam virou a carta de cabeça para baixo em suas mãos. Estava endereçada a um Lucas Scott de Kira Yoshida, mas havia sido devolvida a ela com as palavras “endereço desconhecido”, escritas pelo correio com um grande selo vermelho.
— Seu amigo pode ter mudado de casa. Seu Lucas nunca lhe disse nada?
Kira parou de chorar com um esforço sobre-humano e tentou se concentrar na explicação que deveria dar a ele. Ela nunca tinha confiado em ninguém no último ano, nem mesmo em sua colega de escola, Misaki, mas, naquele momento, estava com vontade de descarregar o fardo que estava carregando dentro de si em outra pessoa.
Na verdade, ela nunca tinha falado com Adam antes, mas seus olhos a fizeram entender que poderia confiar nele.
— Meu pai foi transferido para os Estados Unidos há cinco anos, então fomos morar em Princeton, perto de Davenport… Conheci Lucas lá. Ele tem a minha idade e estudava na minha mesma escola. Gosto muito dele e sempre tentei protegê-lo daquele açougueiro viciado em álcool, mas…
— Açougueiro viciado em álcool?
— O pai dele — explicou Kira e começou a chorar de novo. — Ele bate nele… Muitas vezes e eu não consegui impedi-lo. Minha mãe tentou também, mas sem sucesso… contudo, ajudávamos muito Lucas com nossa presença e as cenas violentas se tornaram menos frequentes, mas não estou mais com ele agora, eu… eu…
Uma nova explosão de choro.
— Ele está sozinho no momento e não há ninguém pronto para protegê-lo — adivinhou Adam, sentindo pena dele. — E a mãe dele?
— Ela morreu há alguns anos e deixou Lucas sozinho com o pai — respondeu Kira, com uma voz muito desdenhosa e ressentida em relação àquela mulher que deveria ter cuidado do próprio filho em vez de fugir para o além, na opinião dela. — Sou a única que se preocupa com Lucas neste mundo e eu o deixei.
Esse sentimento de culpa e sua dor por esse estado de coisas atingiu Adam como um soco na barriga, deixando-o absolutamente sem fôlego.
— O que ele vai fazer sem mim? Tenho certeza que o pai vai bater nele de novo e eu não estarei lá. Não estou mais lá com ele, você consegue me entender? — continuou Kira, dando vazão à sua profunda frustração. — Minha mãe vive dizendo que Lucas nunca respondeu minhas cartas por culpa do pai e que ele provavelmente nunca as entrega para ele… mas depois desta última, não sei o que devo pensar. Será que algo sério aconteceu com ele?
— Você não consegue ter notícias dele de alguma maneira?
— Graças ao seu emprego anterior, minha mãe conseguiu descobrir que Lucas está bem, mesmo que seu pai tenha perdido muito dinheiro no último ano por causa de algum investimento errado. Mas isso não é o suficiente para mim! Quero voltar para Princeton! Eu nunca deveria ter ido embora! É tudo culpa do meu pai.
— Seu pai foi transferido de volta para a embaixada dos Estados Unidos em Tóquio há um ano, não foi?
— Sim, eu rezei e implorei que ele me deixasse em Princeton. Eu estava pronta para ir para a faculdade, mas ele não permitiu que eu fizesse isso. A pior coisa é que eu realmente tinha certeza de que ficaria lá com Lucas. Eu tinha prometido a ele que nunca o deixaria, em vez disso… não sei se algum dia ele será capaz de me perdoar. Ele vai pensar que sou traiçoeira como a mãe dele.
— Isso não é culpa sua.
— É tudo culpa minha: toda vez que Lucas sente dor, é minha culpa. Meus pais estão sempre brigando por minha culpa… — Kira deixou escapar porque havia percebido as brigas noturnas intermináveis dos seus pais, quando eles acreditavam que ela estava dormindo no quarto. Deixar Princeton também foi difícil para sua mãe, porque ela teve que deixar seu emprego e sua filha estava abatida e irreconhecível, então este também tinha sido um golpe muito difícil para Elizabeth.
— Nunca vi nossa filha chorar tanto, nem quando era bebê! Kenzo, estou tentando fazê-la parar há meses! Eu errei em concordar com você e deixar Princeton. E para quê? Para me tornar a cuidadora da sua mãe? Oh, Kenzo, este não é o tipo de vida que eu desejava. — Elizabeth sempre reclamava.
— Tóquio é minha cidade natal e minha esposa deveria cuidar da minha mãe, que é uma viúva agora e está sozinha. Além disso, já te disse para procurar um emprego em meio período, mas só se conseguir cuidar da nossa filha. Ficar longe de você com tanta frequência foi um erro. Kira precisa nitidamente de um pouco de disciplina e regras morais. — Seu marido continuava dizendo.
— O que você está insinuando? Você acha que não assumo as minhas responsabilidades em relação a ela?
— Eu deveria lembrá-la que nossa filha não fala comigo há meses e está se comportando muito mal com todo mundo? Sem mencionar suas notas ruins na escola! Ela nem passou no exame de admissão na Escola Internacional e está frequentando uma escola japonesa muito comum no momento.
— Kira sempre foi a melhor da sua turma! O que você esperava dela? De repente, você a arrastou para longe da escola, dos seus amigos e acima de tudo, de Lucas! Você sabe o quanto ela se preocupa com ele!
— Você deveria chamá-lo de patife!
— Não é culpa dele se ele tem um pai como aquele.
— Não me importa! A vida de Kira é aqui agora e ela deve aceitá-la! — dizia seu marido todas as vezes antes de sair de casa e bater à porta.
Ao lembrar destas brigas, Kira foi dominada por uma nova enxurrada de lágrimas.
Sem proferir outra palavra, Adam fez com que ela se sentasse em uma cadeira empoeirada e permitiu que ela desse vazão aos seus sentimentos até que ela parasse de chorar.
— Lamento pelo que você está passando — disse Adam, invadindo seus pensamentos. — Não sei o que está acontecendo com seu amigo, mas posso dizer que você deveria confiar mais nele, na minha opinião.
— Eu confio nele!
— Então, pare de considerá-lo como a vítima que ele costumava ser quando vocês eram crianças. Ele está crescendo como você, então logo será capaz de se proteger do pai, você vai ver.
— Mas Lucas é tão pequeno e magro se comparado ao pai.
— Provavelmente ele costumava ser assim, mas tenho certeza que logo se transformará em um cara forte, capaz de cuidar de si mesmo.
Kira olhou para ele com os olhos arregalados. Ela nunca pensou que Lucas poderia ser capaz de se proteger daquele monstro. Na sua mente, Lucas ainda era uma criança pequena e magra de nove anos, coberta de hematomas e arranhões. Contudo, Adam estava certo: Lucas havia crescido e ficado mais forte, mesmo se não fosse o suficiente. No momento.
— Obrigada — murmurou a garota, virando nas mãos o lenço que estava encharcado de lágrimas e muco.
— Sem problemas. Não estava com vontade de ser sobrecarregado com matemática hoje — Adam riu, tentando minimizar o clima.
— Oh, meu Deus, escola! Eu tinha ciências hoje! — Kira lembrou de repente quando olhou para o relógio. Quase uma hora havia se passado desde que fugiu para seu abrigo secreto.
— Acho que é melhor você limpar seu rosto antes de voltar para a escola ou sua professora vai ficar preocupada.
Kira sorriu para ele agradecida.
Eles caminharam juntos até a porta.
— Você não vai contar a ninguém o que eu disse, não é?
— É claro que não! — confortou Adam. Vê-la chorar também foi uma espécie de catarse para ele, além de um alívio, mesmo se não tivesse derramado nenhuma lágrima… quase.
Ele gostou dessa garota. Ele foi capaz de sentir sua sensibilidade e doçura durante aquele curto período de tempo.
Ele não tinha visto ninguém chorar por um amigo até então.
Ela queria proteger Lucas e defendê-lo das injustiças da vida.
Ele gostaria de poder ter alguém como ela ao seu lado também!
— Posso fazer uma pergunta? — perguntou Kira após um tempo.
— Claro.
— Por que você normalmente se esconde na biblioteca também e às vezes chora? — perguntou ela com cautela.
— O quê? Eu… ? — gaguejou Adam inquieto.
— Sim, eu te vi. Mas se você não quiser me contar, eu entenderei.
Adam suspirou abatido e todos os pensamentos que o vinham assombrando desde que ele fugiu, afloraram de novo com violência em sua mente.
Como ele deveria responder?
— Acho que há algo diferente dentro de mim — disse ele em um sussurro, percebendo o significado das suas próprias palavras pela primeira vez.
***
Princeton, Kentucky, 11 de novembro de 2015
— Sinto muito, Sr. Lucas — disse Rosalinda, que se tornara a ex-governanta da família Scott, suspirando com tristeza.
— Eu também sinto muito — murmurou Lucas deprimido, sem tirar os olhos do seu dever de casa. Ele não suportava as lágrimas dessa mulher. Lágrimas falsas. De crocodilo. De mulher.
— Você chora no começo, depois trai e vai embora — disse o menino, desejando que pudesse gritar com ela, mas se conteve e agarrou a caneta com violência até quase quebrá-la.
— Você não precisa mais de mim aqui. Sua casa é pequena e seu pai não me quer. — Rosalinda tentou se justificar.
— Está tudo bem.
— Sinto muito.
Pelo quê? Por aproveitar a oportunidade e fugir de um patrão violento e bêbado que com frequência também bate em você? Pensou ele, desejando poder responder dessa forma.
— Aproveite a indenização do meu pai.
— Sr. Lucas, eu não queria ir embora. Fiquei aqui todos esses anos só por você… As coisas pioraram depois da morte da sua mãe, mas eu fiquei apesar de tudo, mesmo que nunca tenha sido corajosa o suficiente para me revoltar contra o Sr. Scott.
— Adeus, Rosy — interrompeu Lucas, já que não suportava mais as palavras dessa mulher. Ela deveria ir e aliviar sua consciência com outra pessoa! Ele tinha que estudar, pois estava cansado de ser provocado pela maneira como lia na frente de outras pessoas ou pelas suas notas ruins, mesmo se ele se esforçasse ao máximo para fazer melhor.
Desde que Kira foi embora, sua mente inteligente e sagaz como ela costumava chamá-la, parecia ter se aposentado.
Kira…
Só de pensar nela, ele podia sentir seu estômago revirando até que tivesse que se curvar pelos espasmos.
Ele nem notou que a governanta ainda estava parada na porta do seu quarto.
— Sr. Lucas.
— O que mais você quer de mim? Eu te disse para ir embora! — explodiu o garoto, de repente furioso.
— Cometi muitos erros com você, quando costumava apoiar seu pai… Eu estava com medo, mas… Não, não tenho nenhuma desculpa, mas vou contar algo que sempre mantive em segredo.
— Não me importa — interrompeu Lucas, ficando cada vez mais furioso.
— É sobre Kira, a garota que voltou para o Japão no ano passado — insinuou Rosalinda, sabendo que era um assunto delicado.
Kira. Mais uma vez.
Um novo espasmo atingiu seu estômago com violência.
— Não me importa — disse Lucas mais uma vez, torcendo as mãos para parar de tremer de raiva e desespero como tinha feito aquele ano todo. O pior ano da sua vida.
— Sei que você está mentindo. Aquela menina era tudo para você, Sr. Lucas. Eu vi o quanto você sofreu nos últimos meses. Você tem que me entender: eu gostaria de ter contado antes, que Kira não o esqueceu, como o Sr. Scott fez você acreditar. Eu me arrependo do que fiz, mas não quero ir embora sem contar verdade. Kira escreveu várias cartas para você nos últimos meses. Oitenta e seis, exatamente.
Ela finalmente conseguiu captar a atenção de Lucas: ele a encarava perplexo, com os olhos arregalados.
— Oitenta e seis cartas? Então, onde elas estão? — Ele conseguiu perguntar, enquanto seu cérebro estava tentando se concentrar em suas palavras.
— Seu pai as pegou e queimou. Todas elas — revelou ela, enquanto evitava dizer a ele que ela sempre as lia. — Sinto muito.
Lucas ficou olhando para o espaço, com a mente confusa, por muito tempo antes que conseguisse mover um único músculo.
Ele nem reagiu quando Rosalinda continuou dizendo que sentia muito, antes de sair daquela casa, para nunca mais voltar.
Quando Lucas voltou ao mundo real, ele podia sentir apenas uma raiva cega contra o homem que o trouxe ao mundo e depois tirou dele até o pobre consolo que ele poderia obter ao ler as cartas da sua melhor amiga.
Ele vinha sofrendo há muito tempo e odiava Kira por tê-lo deixado, após ter jurado várias vezes que nunca faria isso.
Ela havia dito que estava pronta para desistir de tudo por ele e que nunca o deixaria, mas em vez disso…
Nem mesmo a camiseta que ela lhe dera naquele maldito verão restou para ele, pois ele a rasgou em um ataque de loucura, após ter recebido alta do hospital por causa de um ombro deslocado.
Ele havia caído da escada por acidente. Ele lhes disse após seu pai ameaçá-lo.
Ele caminhou para a sala de estar em estado de transe, pois sabia que encontraria seu pai ali, bêbado como um gambá.
A casa deles era pequena, ao contrário da villa em que moravam no passado e que esse monstro cruel havia perdido tolamente em uma partida de pôquer um mês antes.
Ele chegou rapidamente ao piano-bar, onde encontrou uma garrafa vazia de Bourbon na bancada.
Seu pai estava se abaixando e procurando outra coisa para beber, mas teve um vislumbre da chegada do filho e se levantou.
— Onde está Rosalinda? Quero que ela vá comprar mais Bourbon — o homem murmurou enquanto cambaleava até a poltrona, mas seu filho bloqueou seu caminho.
— Você a demitiu, não se lembra? Ela foi embora há alguns instantes e me contou sobre as cartas de Kira — disse Lucas, tentando conter a raiva que estava começando a prostrá-lo.
— Vadia idiota! Por que ela tinha que contar?! Gostaria de tê-la demitido antes.
— Como você ousou queimar as cartas de Kira — explodiu Lucas, sem conseguir se conter mais.
Seu pai olhou para ele por um instante, intrigado com o repentino ataque verbal do filho, então ele se recuperou.
— Sou seu pai e posso fazer o que quiser! Você me pertence.
— Eu não pertenço a você! — gritou Lucas em resposta.
— Como você ousa falar assim com seu pai? — O homem ficou zangado, dirigindo o punho ao peito do menino, mas Lucas conseguiu evitá-lo com um salto de felino. Contudo, ele estava muito zangado para ficar satisfeito por se proteger. Ele precisava extravasar um pouco.
Ele sentiu o desejo de dar vazão à sua raiva ao bater em alguém pela primeira vez em sua vida, então, antes mesmo que pudesse perceber esse novo desejo, ele podia sentir todo seu corpo se esticando na direção do homem que havia transformando sua infância em um inferno e acertando sua mandíbula com violência, aproveitando-se da sua instabilidade de bêbado.
Ele foi trazido de volta à realidade por uma dor aguda em sua mão.
Darren Scott ficou surpreso e chocado com o ataque, que foi mais violento do que ele gostaria de admitir: ele caiu de joelhos e sentiu uma dor imensa no rosto.
Ele estava tentando se levantar, quando foi atingido de novo, por um chute poderoso que o deixou sem fôlego.
— Bastardo idiota! — gritou o homem para Lucas, ofegando e tentando se proteger.
— Você é o bastardo aqui! — O menino respondeu, então o agrediu mais uma vez.
— Vou buscar meu cinto, então veremos se você ousa falar comigo assim de novo — ameaçou ele, com uma voz trêmula de raiva.
— Apenas bata em mim! Bata em mim o quanto quiser, pai! Estas são as únicas coisas que você consegue fazer: ficar bêbado e bater em mim. Bem, você pode fazer isso, mas não vou mais ficar parado e esperar pelo seu golpe de cinto! — gritou seu filho para ele exasperado, enquanto continuava a socá-lo.
— Sua… mercadoria estragada… — balbuciou o homem, abalado com a agressão do filho.
— Você é a mercadoria estragada! — respondeu seu filho de repente. Ele estava cansado dessa agressão que não conseguia mais impedir e que parecia ficar cada vez mais forte a cada novo golpe.
Seu pai começou a rir com desdém.
— Lucas, lembre-se disso: uma fruta nunca caí longe da sua árvore.
— O que você quer dizer?
— Quero dizer que você é tão danificado e estragado quanto eu. Você é meu filho e eu sou seu pai! Meu sangue corre nas suas veias!
— Não vou ser como você!
— Você já é. É por isso que todos continuam deixando você, assim como sua mãe fez comigo e com você. Ninguém quer ficar com um fracasso como você. Até sua jovem amiga fugiu assim que conseguiu.
— Isso não é verdade! Kira me ama. Eles a obrigaram a ir embora.
— Você é um pobre idiota! Aquela garota nunca o amou de verdade ou teria ficado aqui! Sabe, Lucas, eu li as cartas que ela continuava escrevendo para você. Que garota lamurienta! Mas posso dizer isso: Kira não vai mais voltar para você! E ela não vai mais escrever para você porque ela desistiu de correr atrás de um pobre idiota como você — disse seu pai, com desdém.
Lucas preferia ser golpeado pelo cinto do pai naquele momento do que ouvir suas palavras horríveis, que o estavam corroendo por dentro.
Ele estava se sentindo sujo e pronto para autodestruição.
Ele chamou o nome de Kira uma última vez, mas já sabia que sua querida amiga não correria para ajudá-lo e curá-lo da dor que o atormentava. Ela nunca mais voltaria.
Ele saiu correndo da sala, sentindo-se despedaçado e nauseado pelo que era e pelo que poderia se tornar e deixou seu pai lá, tossindo e recuperando o fôlego com a ajuda de uma garrafa de Bourbon.
RELACIONAMENTOS
Tóquio, Japão, 9 de janeiro de 2017
— Você é tão bonita — sussurrou sua mãe para ela, enquanto terminava de pentear seu cabelo.
— Obrigada — exclamou Kira com um sorriso amplo nos lábios, o que fez o coração de Elizabeth pular de alegria. Ver essa expressão feliz no rosto da filha era o melhor remédio que ela tinha para curar a ansiedade e angústia que vinha sentindo nos últimos dois anos.
E tudo isso estava acontecendo graças a Adam Gramell. Com sua doçura e sensibilidade, esse menino foi capaz de encontrar o caminho para o coração de Kira, ajudando-a a esquecer Lucas Scott, aquele garoto de Princeton.
Elizabeth certamente não havia apreciado muito o fato de que ele era dois anos mais velho do que Kira, mas o sorriso da sua filha foi o suficiente para dissipar seus temores.
Além disso, Adam era o menino mais gentil e mais inofensivo do mundo e Kira não parecia se preocupar com todas as cartas de amor que ele recebia de suas colegas de classe.
— Eu confio nele, mãe! Conheço Adam muito bem, e tenho certeza de que ele nunca me enganaria! — Kira havia dito a ela duas semanas antes.
— Enganá-la? Oh, Kira, você já foi tão longe? Você me disse que vocês eram apenas amigos! Você ainda é tão jovem e… — Sua mãe ficou assustada.
— Fique calma, mãe! Então, eu tenho quinze quase dezesseis anos! Não sou mais uma criança e nós não fomos tão longe ainda, embora Adam tenha dezessete anos!
— Sério? Não foi? Você me diria, se fosse…
— Mãe, apenas confie em mim. Adam e eu somos apenas amigos, embora não possa negar que temos pensado em ser um casal.
— Por favor, Kira…
— Eu sei: devo ir com calma. Não devo me apressar. Como você sempre diz, faça amor e não sexo com um estranho. Blah, blah, blah… — Kira continuou dizendo como um robô pois havia memorizado o conselho da mãe. Elizabeth havia entrado em pânico cinco meses antes, quando Kira contou que sua colega de turma, Misaki, não era mais virgem.
— Isso é perfeito.
— Contudo, Adam sabe que ainda não estou pronta e está tudo bem para ele. Ele me disse que nossa amizade é a coisa mais importante.
— Espero que sim — suspirou sua mãe, rendendo-se.
Felizmente, a campainha tocou naquele momento, encerrando a conversa que sempre deixava Kira desconfortável, também por causa do seu sentimento de culpa por todas as mentiras que continuava contando sobre Adam e si mesma.
— Deve ser Adam! Você pode ir e abrir a porta? Ainda estou escolhendo que sapatos usar — pediu Kira, tentando arrumar as roupas que havia jogado na cama.
Ela viu sua mãe hesitar por um instante antes de ir embora.
— Estou muito feliz, sabe? — disse ela a Kira, depois saiu do quarto.
— Eu também, mãe. Mas, por favor, se apresse agora ou Adam vai acreditar que vou mantê-lo lá fora no frio. Você sabe que ele é friorento!
— Não acreditei que você pudesse começar a sorrir de novo, depois que deixamos Princeton e… Lucas — murmurou Elizabeth com cautela. Fazia meses que ela não falava sobre isso porque não queria fazer a filha chorar, mas sentia que algo estava mudando naquele momento.
Kira parou de repente quando ouviu o nome do seu amigo, então, sem tirar os olhos das roupas, conseguiu responder após um longo momento, sem se render à tristeza.
— Vou voltar para ele, mãe. Eu prometo.
Elizabeth começou a tremer por causa das palavras da filha e entendeu que estava errada: nada mudou.
***
Princeton, Kentucky, 15 de janeiro de 2017
Assim que a boca da garota roçou em seu lábio inferior, ele não conseguiu evitar gemer de dor.
— Você não poderia esperar mais um dia antes de permitir que Kurt cortasse seu lábio? — A garota loira disse com uma voz melodiosa, fazendo a língua deslizar pelo seu pescoço até o peito nu.
— Vamos, vista-se. Minha aula vai começar em vinte minutos. — Lucas ficou de repente nervoso, tentando se livrar dessa sanguessuga.
— Desde quando você se preocupa com a escola? — A garota riu divertida, colocando o sutiã com um gesto teatral, tentando atrair a atenção de Lucas para si, mas ele não respondeu e sem sequer lançar um olhar para ela, vestiu a calça e foi embora.
— Você vai me ligar amanhã? Vai ter uma festa… — Ela tentou mais uma vez.
— Não, estou ocupado — disse Lucas rapidamente com uma voz irritada, fazendo a garota ficar irritada.
— Você está me abandonando, seu canalha imundo?
— Pense como quiser. Estou indo.
— Isso é tudo? Acabamos de fazer amor e você está me deixando assim agora? — soluçou a jovem, à beira das lágrimas.
Lucas deu uma olhada rápida nela e sentiu vontade de quebrar alguma coisa ao ver suas lágrimas. Suas mãos ainda estavam doendo após a briga com Kurt, então ele esperava que pudesse acalmar seu temperamento feroz com a ajuda do corpo fabuloso de Jennifer, mas, como acontecera com ele quatro vezes antes, ele não sentia nada por ela, exceto um orgasmo avassalador.
Ele evitou lembrá-la de que o que haviam acabado de fazer era apenas sexo, já que ele não sabia nada sobre ela, apenas o tamanho do seu sutiã.
— Isso mesmo — respondeu ele e em seguida fechou a porta atrás de si e correu para a sala de aula, pronto para começar uma bagunça e irritar o professor Kleyton.
***
Tóquio, Japão, 23 de janeiro de 2017
— Você está pronta? — sussurrou Adam para ela, aproximando os lábios dos dela.
Kira engoliu em seco e assentiu levemente. Ela se sentia como se tivesse uma corda enrolada no pescoço e seu coração estava batendo rápido, enquanto continuava se perguntando se estava fazendo a coisa certa.
— Ouça, se você mudou de ideia sobre isso… — Adam ficou preocupado e se afastou dela.
— Claro que não! — disse Kira nervosa. Ela teve essa ideia porque queria ajudar seu amigo, então não poderia recuar agora. — Estou pronta.
Ela podia ver o rosto de Adam se aproximando do dela mais uma vez, até que sentiu seus lábios nos dela. Ela começou, perdida, abrindo os lábios um pouco e se aproximando dele, como Misaki havia lhe dito.
— O que você está fazendo? Isso é nojento! — exclamou Adam chocado, limpando a boca com a palma da mão.
— Obrigada — respondeu Kira com sarcasmo. — Estou tentando ajudá-lo e você me retribui desta maneira! Desculpe, mas nunca beijei um menino antes! Estava apenas seguindo o conselho de Misaki.
— Kira, por favor! O namorado de Misaki é Tsutomu. Ele é apenas um monte de testosterona e grosseria.
— Isso mesmo!
— Kira, você sabe o que estamos fazendo, não é?
— Claro que sei.
— Não seremos nunca namorados como eles.
— Eu sei. É por isso que pensei que, para tornar nossa história mais realista, deveríamos tentar nos beijar em público, pelo menos, assim não pareceríamos estranhos desse ponto de vista — lembrou Kira. Ela passou três semanas estudando todos os detalhes do plano absurdo deles, que finalmente ajudaria seu querido amigo a se livrar de todos os avanços das garotas que tentavam seduzi-lo (desde que Youra o deixou) e dos olhos perscrutadores e acusadores de seu pai, já que ele queria vê-lo como uma garota.
— Isso mesmo, mas, por favor, feche a boca! Não quero que sua língua fique presa na minha garganta — implorou Adam, sentindo-se um pouco enojado e em seguida tentou beijá-la mais uma vez.
Kira manteve os lábios fechados desta vez, mas eles eram macios e o beijo foi um sucesso, mesmo que a atmosfera mágica que ela havia imaginado tivesse desaparecido alguns momentos antes.
— Seus lábios são maravilhosos, Kira-chan. Mas infelizmente, você não é a pessoa certa para mim — suspirou Adam, comovido com os esforços da sua única amiga de verdade. — Lamento um pouco, porque graças à nossa história, nenhum outro menino será capaz de… prová-la.
De repente, as bochechas de Kira ficaram vermelhas, mas ela estava séria e pronta para continuar com o texto que planejara para aquele dia.
Ela sabia que se fingisse ter uma história de amor com o lindo e muito requisitado Adam Gramell, não teria outra chance de começar uma história de amor de verdade, mas não se importava, pois havia entendido que não teria tempo para isso, por causa dos estudos dele e do emprego de meio período que ela estava procurando. Ela não queria perder seu lugar como melhor aluna da sua turma, junto com a nota preta que estava guardando para sua viagem a Princeton.
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