Tess

Tess
Andres Mann






TESS

O juízo final

ANDRES MANN



Tektime


Copyright © 2018 Andrew Manzini

Todos os direitos reservados.

Todos os direitos reservados. Salvo conforme permitido pela Lei de Copyright de 1976 dos Estados Unidos da América, nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de nenhuma forma nem por quaisquer meios, nem armazenada num banco de dados ou sistema de recuperação, sem autorização prévia por escrito da editora. Esta é uma obra de ficção. Os nomes, personagens, lugares e eventos são criações da imaginação do autor ou usados de maneira fictícia. Qualquer semelhança com locais, acontecimentos ou pessoas reais, vivas ou mortas, será pura coincidência.

Novel Green Publishing

V 1

Tradução:

José Henrique Lamensdorf


À verdadeira Tess, a inspiração desta história.




SUMÁRIO


SUMÁRIO (#ulink_b611ba0a-6861-5c43-ae2a-5c81e697cf17)

PERSONAGENS PRINCIPAIS (#ulink_9f9601d1-6168-57a8-a685-9b25568492d0)

PREFÁCIO (#ulink_99735c55-4782-5bd9-9903-ca52e4e25674)

1. MANTENDO A FORMA (#ulink_503cd31c-8366-54ec-966e-19a99383be73)

2. PLANEJANDO A TRAMOIA (#ulink_04a77747-a3cb-5919-a3a7-9ff663b9b7a1)

3. UMA NOITE TRANQUILA (#ulink_dc0b50de-b102-589f-a1ea-5a94f4c4f81a)

4. FAZENDO MÚSICA (#ulink_c42d28cd-bfec-5d09-9ef4-f5d773b42d31)

5. O SACRIFÍCIO DOS INOCENTES (#ulink_6340d39d-9ec1-5367-8a45-b0c02e648919)

6. ARMAS PERDIDAS (#ulink_1cbb4b2a-37aa-5a82-a082-801a91e46036)

7. UM RIO DE IMIGRANTES (#ulink_d7e37b11-a9b8-562f-bb0f-e3f33071aa87)

8. UMA CHAMADA AO DEVER (#ulink_594263b9-14b5-5e9f-a921-365b322cdbf3)

9. SALVANDO O MUNDO (#ulink_0f470286-72de-58a9-a39d-217d615eda22)

10. cinq-à-sept (#litres_trial_promo)

11. INTERVALO BÚLGARO (#litres_trial_promo)

12. NA BOCA DO LOBO (#litres_trial_promo)

13. A MISSÃO DE YASMIN (#litres_trial_promo)

14. O MAR DO SUL DA CHINA (#litres_trial_promo)

15. UMA CHANCE PARA BRILHAR (#litres_trial_promo)

16. MÚSICA EM MOSCOU (#litres_trial_promo)

17. O ENCANTO DE MENTES IGUAIS (#litres_trial_promo)

18. UM JANTAR NO KREMLIN (#litres_trial_promo)

19. TROPAS NA FRONTEIRA (#litres_trial_promo)

20. O PODERIO É MENOR (#litres_trial_promo)

21. O ÊXODO MODERNO (#litres_trial_promo)

22. A VINGANÇA (#litres_trial_promo)

23. NA TOCA DO MONSTRO (#litres_trial_promo)

24. DESTRUIÇÃO INIMAGINÁVEL (#litres_trial_promo)

25. OFENSIVA RUSSA (#litres_trial_promo)

26. ALICIANDO VALQUÍRIAS (#litres_trial_promo)

27. PLANEJANDO A GUERRA (#litres_trial_promo)

28. MÁS NOTÍCIAS (#litres_trial_promo)

29. OS WARTHOGS (#litres_trial_promo)

30. A BOMBA DESAPARECIDA (#litres_trial_promo)

31. PERSUASÃO AMIGÁVEL (#litres_trial_promo)

32. PREPARANDO-SE PARA O PIOR (#litres_trial_promo)

33. UM DIA EM TEERÃ (#litres_trial_promo)

34. O JUÍZO FINAL (#litres_trial_promo)

35. CONSELHO DE AMIGO (#litres_trial_promo)

36. REMORSO (#litres_trial_promo)

37. AS DÚVIDAS DE AARA (#litres_trial_promo)

38. O CONFRONTO (#litres_trial_promo)

39. ANGÚSTIA (#litres_trial_promo)

40. CONSOLO COM CLAUDINE (#litres_trial_promo)

41. AS PERGUNTAS DE AARA (#litres_trial_promo)

42. MÚLTIPLOS TALENTOS (#litres_trial_promo)

43. DE VOLTA A MOSCOU (#litres_trial_promo)

44. DIÁLOGO NO KREMLIN (#litres_trial_promo)

45. POR BAIXO DA PELE (#litres_trial_promo)

46. CONTENÇÃO DE DANOS (#litres_trial_promo)

47. PESADELOS (#litres_trial_promo)

48. QUERO VOCÊ DE VOLTA (#litres_trial_promo)

49. ADIEU (#litres_trial_promo)

50. FÚRIA NOTURNA (#litres_trial_promo)

51. PROCURANDO AJUDA (#litres_trial_promo)

52. O RETORNO (#litres_trial_promo)

53. A NOVA AVENTURA DE CLAUDINE (#litres_trial_promo)

54. COMEMORAÇÕES (#litres_trial_promo)

55. LUGARES ABANDONADOS (#litres_trial_promo)

56. O FIM DE UMA ERA (#litres_trial_promo)

57. NOVAS REGRAS (#litres_trial_promo)

O AUTOR (#litres_trial_promo)

REFERÊNCIAS (#litres_trial_promo)




PERSONAGENS PRINCIPAIS


A Equipe da Strategic Resources Development (SRD)

As Valquírias

Morgan Theresa Turner, que parentes e amigos chamam de Tess, pilota de aviões militares, e vice-presidente da empresa de serviços militares SRD.

Carmen Cabrera, pilota de helicóptero, grande amiga de Tess, e diretora na SRD.

Claudine Bisson, francesa, pilota de avião de caça, e a chefe da SRD em Paris.

Galina Kutuzova, pilota russa e especialista em bancos de dados.

Yasmin Badawi, arqueóloga síria, ex-prisioneira do Estado Islâmico, e posteriormente integrante da SRD.

Ifeyinwa Idigbe Ukume, conhecida como Alice, uma detetive nigeriana.

Os homens

Jake Vickers, marido de Tess. Ex-agente da CIA e presidente da SRD.

General Morgan Turner, reformado. Pai de Tess e agora CEO da NTC, uma empresa fabricante de sistemas de armamento.

Nicola Orsini, marido de Carmen, piloto italiano, perito em sistemas de armamento europeus e também poliglota de sucesso.

Alexander Ivanovich Tukhachevsky, conhecido como Alex Tuck para simplificar, amante de Galina e especialista em armamentos russos.

George Kimmel, profissional da inteligência militar.

Ken Ross, atirador de elite e diretor na SRD.

Joe Slezak, gerente de informática.

John Powers, especialista em armas.

Outros personagens

Vaughn Wentworth, famoso maestro da música clássica e agente do MI5 britânico.

Laurent Belcour, ex-chefe da IDO – International Development Organization (Organização Internacional de Desenvolvimento).

Paul Saunders, diretor adjunto da CIA.

Eva Bar-Lev, agente do Mossad israelense.

Vladimir Putin, presidente da Rússia.

Kim Jung-un, líder da Coreia do Norte.

Major-General Kevin Brooks, CENTCOM (Comando Central dos Estados Unidos).

Coronel Howard Anders, CENTCOM.

Brigadeiro-General Somi Okafor, comandante nigeriano.

Park Tan-Gyong, famoso violoncelista norte-coreano.




PREFÁCIO


Nossa história continua com Tess, Jake e sua equipe batalhando para impedir que terroristas utilizem armas nucleares. Também procuram lidar com outros grandes desafios enfrentados pelo mundo atual: o esforço dos líderes russos para reconquistar a influência do seu país após a queda da União Soviética; a intransigência e o perigo da Coreia do Norte; a disfunção e a corrupção no continente africano; as terríveis guerras no Oriente Médio; a abominação do Estado Islâmico, ou EI; e a tragédia de 16 milhões de refugiados clamando por asilo na Europa.

Este livro é uma obra de ficção, embora mencione o nome de pessoas reais que frequentam o noticiário atual. Procurei manter a ação coerente com os fatos reais. Boa parte desta história é baseada em acontecimentos contemporâneos noticiados pela mídia internacional. Contudo qualquer semelhança dos personagens com pessoas reais será mera coincidência.

As opiniões e os comentários políticos expressados nesta obra são exclusivamente do autor.




1. MANTENDO A FORMA


A

ara estava preenchendo seu requerimento de matrícula para a Escola de Música Juilliard. Sentada ao lado da adolescente, Tess - sua mãe adotiva – ajudava-a na verificação dos requisitos.

- Vamos ver... O histórico escolar está aqui. Equipamento audiovisual... confere. Deverá tocar todas as músicas de cor, nenhum problema. Deverá passar por um exame escrito de habilidades básicas como instrumentista, e uma avaliação pessoal da habilidade musical, tudo bem. O candidato deverá tocar um prelúdio e fuga do Cravo bem temperado de Bach, ou uma obra que contenha uma fuga; nisso aqui você vai se sair bem. Deram uma lista de sonatas, para você escolher uma. Fique com Beethoven. Querem que toque uma composição importante de Chopin, Schumann, blá-blá-blá. Escolha Chopin. Nisso vai ter de trabalhar um pouco, porque querem dois estudos com desempenho virtuoso. Vamos ver quais você prefere tocar. Pedem mais algumas músicas, porém nenhuma delas será um desafio para você. Com um pouco de prática, você está pronta para isso. O Jake já providenciou uma câmera e uma equipe de som para gravar o vídeo.

Aara pareceu um pouco receosa.

- Talvez eu ainda não esteja pronta para isso, mamãe.

- Bobagem! – Tess tranquilizou-a, remexendo a papelada. - Você está terminando a escola com nota máxima, e já toca piano há cinco anos. Sua professora garantiu que você vai arrasar.

- Mas eu ainda não tenho certeza de que sou boa o bastante.

Tess pegou a mão da menina entre as suas.

- Querida, você tem um talento enorme. Ninguém toca Chopin melhor do que você. As pessoas chegam a chorar de emoção.

- Talvez eu devesse entrar para as Valquírias. O que elas fazem é legal.

- Aara, as Valquírias tocam música como hobby. Nosso trabalho diário é pilotar aviões e lidar com equipamento militar. O que fazemos não é fácil. É preciso um bocado de treinamento, e às vezes corremos perigo. Acredite, não vai gostar disso. De qualquer modo, ainda é muito novinha.

- Mas parece divertido. É melhor do que passar os próximos anos tocando piano.

- Aara, garanto que boa parte do que nós fazemos não é nada divertido. Você tem mais talento do que eu. Pode ter uma carreira magnífica como pianista.

- Eu tenho medo, Tess.

- É claro que tem medo, querida. Juilliard é uma das melhores escolas de música do mundo, mas pouca gente tem talento suficiente para entrar lá, sem falar em ter sucesso depois. De qualquer modo, vamos ajudar você.

- Se você diz isso... – resmungou Aara, com um tom de ceticismo.

- Hoje é a minha vez de comandar a sessão de exercícios do pessoal na academia. Quer vir junto?

- Legal!

- Ótimo! Vista suas roupas de ginástica e vamos embora.

♦♦♦

Morgan Theresa Turner, que os amigos chamavam de Tess, era filha de um militar. Ela se tornara pilota de helicóptero militar, chegando à patente de major. Seu marido, Jake Vickers, também era piloto e ex-agente da CIA. Juntos, eram donos de uma empresa de serviços militares chamada Strategic Resource Development (SRD) que prestava serviços de consultoria militar, avaliação de armamentos e treinamento em aeronáutica para países em desenvolvimento. Tess e Jake desfrutavam de uma reputação impecável, por trabalharem sempre no melhor interesse de seus clientes. O pessoal da SRD incluía pessoas de diversos países, cada um com um histórico profissional impressionante e uma notável experiência militar. Seus talentos não os isentavam de participar de sessões intensivas de exercícios físicos na academia de ginástica da empresa, situada na Rua 57, em baixo do seu escritório em Nova York.

Naquela manhã, vários integrantes do grupo estavam se aquecendo.

Carmen Cabrera, que pilotara helicópteros de combate junto com Tess durante a Guerra do Iraque, era e melhor amiga de Tess, e diretora na empresa. Era miudinha, porém feroz como só alguém que cresceu nos guetos de Los Angeles poderia se tornar. Nicola Orsini, o marido de Carmen era loiro, alto e bonitão, vindo do norte da Itália. Também era piloto, perito em sistemas de armamento europeus, e o melhor amigo de Jake. Além disso, era fluente em vários idiomas, uma habilidade muito útil para a empresa, que atuava em vários países pelo mundo afora. Naquela manhã, teve um pouco de dificuldade para convencer sua amada a sair da cama e ir para a ginástica. Finalmente Carmen conseguiu se arrastar até a cozinha. Um pouco nauseada, ela abriu mão do café da manhã, contentando-se com um copo de leite.

Claudine Bisson, a chefe da SRD em Paris, era uma pilota francesa de aviões de caça. Vinha regularmente a Nova York para participar de reuniões. Assim como Tess, ela era linda, selvagem e agitada, contudo o que a diferenciava era um senso de humor sarcástico que imediatamente encantava a todos. Numa busca perpétua pelo homem perfeito, ela ainda não o encontrara. Conquistava multidões de homens, mas todos os que chegava a conhecer acabavam se mostrando egocêntricos, preguiçosos e covardes.

Galina Kutuzova, russa, pilota de helicópteros e especialista em bancos de dados, vivia junto com Alexander Ivanovich Tukhachevsky, conhecido como Alex Tuck para simplificar, que também era russo, especialista em armas. Ambos haviam sido atletas olímpicos, e sua aparência não deixava dúvidas. Foram apelidados de Thor e Brunilda pelo pessoal, por serem dois espécimes divinos da raça humana. Altos, loiros, musculosos e com feições esportivas, eles realmente pareciam deuses nórdicos. Haviam dormido pouco na noite anterior, tendo ficado até a alta madrugada conversando com amigos vindos da Rússia a turismo, relembrando histórias da terra natal. O resultado previsível da festa foi uma tremenda ressaca de vodca. Resmungando, os dois se arrastaram até a academia.

Ifeyinwa Idigbe Ukume, que a Equipe chamava de Alice era uma detetive da Nigéria que já havia trabalhado com a equipe da SRD no combate à prostituição de nigerianas na Europa. Quando vinha a Nova York, participava das atividades do grupo.

George Kimmel era um profissional da inteligência militar, trabalhando diretamente com Jake. Vivia com Yasmin Badawi, uma arqueóloga síria que ele e Nicola haviam resgatado do Estado Islâmico, o grupo terrorista. Yasmin sofrera abuso e ficara traumatizada, porém conseguira se recuperar graças à ajuda dos amigos na SRD e, no último ano, se tornara uma valiosa integrante da empresa. Estava decidida a se vingar de seus captores, e muito motivada a aprender habilidades militares. Ela e George eram participantes entusiásticos das atividades atléticas da empresa. Para se aquecer antes dos exercícios, iam correndo desde o seu apartamento na Rua 14.

Ken Ross era um atirador de elite e diretor da empresa. Veterano do exército, tendo servido no Iraque e no Afeganistão, era um solitário imbuído de uma lealdade ilimitada a Jake e Tess. Mantinha-se em muito boa forma, e as sessões de ginástica, três vezes por semana, não eram nenhum desafio para ele.

Joe Slezak era o gerente de TI da SRD, que trabalhava junto com Galina. Magrelo, de bigode e cavanhaque, era um gênio com computadores. Tentava manter um relacionamento de longa data com sua noiva Trudi, uma cantora de ópera argentina que viajava pelo mundo inteiro. Quando ela não estava por perto, era normal Joe ficar de mau humor.

E finalmente John Powers, um especialista em armas. Sabia usar todas as máquinas mortíferas do arsenal, e ficava incumbido de treinar o pessoal.

As cinco mulheres principais, que foram apelidadas de “Valquírias” pelo resto da empresa, formavam o núcleo de operadoras, agentes e pilotas envolvidas em serviços de treinamento em aeronaves e armas para países do Terceiro Mundo que precisassem aprimorar a capacitação de suas forças armadas. De vez em quando a empresa entrava em combate de verdade, o mais recente tendo sido contra o Boko Haram, na Nigéria. Também lutaram no México, onde as Valquírias e os homens da SRD dizimaram um comboio de traficantes mexicanos, libertando centenas de mulheres destinadas à prostituição nos Estados Unidos.

Como hobby, as mulheres tocavam música de câmara como “As Valquírias”, um conjunto criado por Jake para bancar um projeto contra o tráfico de pessoas, que lhes consumiu um ano inteiro. As mulheres davam concertos várias vezes por ano, e a renda era destinada a diversas ONGs que lutavam contra a exploração de mulheres.

Os principais executivos da SRD se revezavam na condução de sessões puxadas de exercícios físicos para todo o pessoal. Quando todos se reuniram na academia e descobriram que seria a vez de Tess comandar os exercícios, logo começaram a se lamentar. Galina, que tomara quatro aspirinas para dominar sua ressaca, apoiou-se em Alex, acometido do mesmo mal, e disse que preferia ter de pular da ponte do Brooklin do que aguentar a crueldade impiedosa de Tess. Alex concordou que era uma boa alternativa, e que ele a acompanharia naquele salto.

Carmen, habitualmente uma participante empolgada, havia conseguido controlar seu estômago, e secretamente ansiava por escapar daquela tortura, mas tinha certeza de que sua ausência seria notada. Começou a fazer o aquecimento ao lado de Nicola, que não parecia preocupado com o desafio iminente.

Nenhuma das lamúrias do pessoal conseguiu abalar a determinação de Tess em fazer uma sessão de ginástica puxadíssima, seguida de levantamento de pesos e artes marciais. Os participantes haviam batizado a sequência de exercícios de Tess como a “Santa Inquisição”, e durante o exercício soltavam alguns “odeio você” e “acho que vou vomitar”. Intransigente quanto à boa forma, Tess ignorava as súplicas e persistia em exigir que o pessoal desse o máximo de si.

Depois de duas horas de tortura do corpo, a sessão terminava com uma corrida pela cidade. O percurso favorito de Tess cortava o Central Park paralelamente à 5ª Avenida. Os homens preferiam correr até o Battery Park.

As Valquírias eram todas deslumbrantes e em perfeita forma, muitas vezes atraindo os olhares de sujeitos safados que lhes dirigiam olhares, gestos e gracinhas, tentando interferir no exercício. À medida que o grupo se aproximou da Rua 97, na parte norte do Central Park, cinco homens desgrenhados sem nada melhor para fazer estavam em busca de novas vítimas. Aparentemente lhes faltava discernimento, porque resolveram ir atrás das mulheres bonitas. Depois de seguirem o grupo correndo por algum tempo, deram uma acelerada ao perceberem que Carmen estava ficando para trás, e tentaram puxá-la para fora da corrida. As outras mulheres, ocupadas em acompanhar o ritmo de Tess, não viram o que acontecia ali atrás. Um dos homens agarrou Carmen pelo braço e tentou atirá-la ao chão. Carmen saltou como um gato, deu uma cambalhota, e caiu em pé diante dele.

Um sujeito grandalhão e muito peludo, com um sorriso idiota no rosto, encarava a bela, porém pequena mulher.

- O que temos aqui? Parece um lanchinho bem gostoso.

Carmen lançou-lhe um olhar de ceticismo.

- E você acha que vai dar uma mordida?

O homem se aproximou.

- Posso querer um pouco mais. Que tal o sanduíche inteiro?

Quando ele estendeu o braço para pegá-la, Carmen subitamente deu um salto para cima, acertou ambos os pés no peito dele, e fez o troglodita insolente bater com as costas no chão. O animal atingido ficou deitado um pouco, tentando voltar a respirar novamente. Enquanto isso, seus capangas, sentindo-se insultados pela ousadia daquela baixinha que se recusava a ser sua vítima, partiram para atacá-la. Mas deram de cara com Tess, que voltara par ver o que estava acontecendo.

Tess percebeu que seria uma rara oportunidade para exibir suas técnicas pessoais de luta. Deu um salto no ar, e acertou simultaneamente um pontapé no queixo de cada um dos dois agressores mais próximos, fazendo-os tombarem como sacos de batatas. Não demorou para o resto das garotas entrar na dança e colocar em prática suas artes marciais nos rufiões restantes, que acabaram criando juízo e saíram mancando dali o mais rápido que puderam.

Tess foi falar com Carmen, preocupada.

- Tudo bem com você, amiga?

- Claro, só estava me divertindo um pouco. São apenas ratos da cidade.

- Assim você ofende os nobres roedores.

- Tem razão, Tess. Na verdade, eles são vermes.

O grupo retomou a corrida, rindo da saída humilhante dos aspirantes a bandidos. Perto do final, Carmen alcançou Tess, que ainda não demonstrava o mais leve sinal de fadiga.

- Tess, eu devo estar ficando velha. Estou sem fôlego. Vá um pouco mais devagar.

- Carmen, você nunca foi de amarelar. Faça uma força.

Tess saiu novamente em disparada.

- Vamos ver quem chega primeiro no escritório!

Carmen parou e se encolheu, pois seu estômago estava enviando mensagens. O enjoo voltara. As outras Valquírias passaram por ela, exortando-a a fazer força. Carmen retomou a corrida, mas logo teve de parar e sentou-se na entrada de uma casa, tentando recobrar o fôlego. Tess olhou para trás e viu. Correu para Carmen e sentou-se ao seu lado, preocupada.

- O que houve, garota? Nunca vi você desistir. Aqueles homens deixaram você mal?

Carmen respirava com dificuldade, tentando não sucumbir à náusea.

- Tess, acho que estou grávida. Isso é tão inconveniente.

Tess sorriu.

- Carmen, isso é uma ótima notícia! Nicola vai pirar de alegria.

- Sim, mas como é que eu fico? Isso era para acontecer só daqui a um ano.

- As coisas acontecem quando menos se espera. Um bebê é uma coisa maravilhosa. A família do Nicola vai endoidar.

- Sim, eles e a cidade inteira de Chiavari. Vão fazer questão de me arrastar de volta para a Itália, para poderem me trancar num quarto, onde a Mamma e as irmãs do Nicola vão se revezar para cuidar de mim 24 horas por dia, me entupir de comida, como se eu fosse um ganso de Estrasburgo. Não vou poder me mexer, e vou virar uma baleia.

- Sem essa, Carmen. Está exagerando. Conheci a família do Nicola, e são pessoas adoráveis.

- Eu adoro todos eles, Tess, mas não quero ir para lá. Além disso, eles têm uns hábitos bem estranhos. Ainda não acreditam em ar condicionado, lavadoras de louça, nem secadoras de roupa. Às vezes me deixam maluca.

Tess deu risada.

- Isso faz parte do encanto deles. Já contou para o Nicola?

- Não. Tenho medo de que ele me despache para a Itália na mesma hora em que souber.

- Poderia ser pior, mas tenho certeza de que podemos dar um jeito. Vamos nos adaptar para as suas limitações. Você não terá de ir para a Nigéria com a equipe. Daremos um jeito.

Tess estava mentindo. Carmen era o centro das operações, e a guru da logística da empresa.

- Eu vou para a Nigéria, Tess.

- Não se preocupe, Carmen. Daremos um jeito. Ter um filho é uma ocasião muito especial. Você deveria poder curtir a gravidez. Acredite, há poucas coisas mais lindas na vida.

- Eu sei, Tess, mas não quero ficar de fora. Temos muito trabalho a fazer, e não vou dar mancada com você nem com a equipe.

- Você nunca deu mancada conosco, Carmen, e agora não é hora de começar. Anime-se, curta essa fase incrível, e nós vamos dar um jeito nisso.

- Obrigada, Tess. Você é um amor. Só precisamos planejar para o bebê não atrapalhar.

- Não se preocupe. Dê a boa notícia ao Nicola, e vão comemorar num bom restaurante.

Carmen abraçou Tess. Foram andando até o escritório, fazendo planos para as aventuras que teriam pela frente.




2. PLANEJANDO A TRAMOIA


E

m Pyongyang, Coreia do Norte, Laurent Belcour relaxava dentro de uma enorme banheira. Duas mulheres asiáticas, uma de cada lado, murmuravam enquanto acariciavam seu tórax peludo de maneira sedutora. No outro lado da banheira, Kim Jong-un, o Líder Supremo da Coreia do Norte, recebia o mesmo tratamento de duas mulheres loiras muito altas. Kim estava em tratamento para gota. Glutão, havia engordado a ponto de pesar quase 150 kg, e sofria de vários males causados pelo seu estilo de vida desregrado. Ao redor deles havia muitas belas mulheres, todas jovens, que compunham a “trupe dos prazeres” de Kim. Elas apenas ficavam paradas ali, em prontidão para atender a qualquer desejo do ditador.

Quando chegou ao poder, o Líder Supremo desmanchou um grupo de mulheres escolhidas a dedo por seu pai e antecessor, Kim Jong-il. Ao final do período de três anos de luto oficial pela morte de seu pai, o novo ditador norte-coreano ficou livre para escolher uma nova geração de companheiras femininas. Enviou agentes em busca das mulheres mais atraentes do país, que as distribuíram pelas muitas mansões do ditador, onde se esperava que ficassem à disposição dele.

Embora a maioria das mulheres tivesse habilidades, como cantoras, dançarinas ou serviçais, a elite norte-coreana transformava as consideradas mais bonitas em concubinas. Segundo a imprensa estrangeira, muitas das mulheres que “se aposentaram” desse serviço aos vinte e poucos anos de idade, foram parar nos braços de oficiais militares que queriam alguém com quem se casar.

Até o ano anterior, Laurent Belcour era o chefe da International Development Organization (IDO). Teve de renunciar ao cargo em decorrência de um episódio desagradável nos tribunais da França, quando teve de se defender de acusações de usar prostitutas em orgias que ele organizava. Esta era a mais leve das suas contravenções que, na vida real, incluíam o tráfico de menores para prostituição. Ele e seus comparsas conseguiram escapar da condenação, porém o dano estava feito. Ele não só perdera aquele cargo de grande prestígio, mas sua reputação ficara arruinada. Contudo esse infortúnio não o impediu de prosseguir em suas aventuras sexuais, nem com o tráfico de pessoas.

O passado desairoso de Belcour não afetou seu valor como um arguto estrategista financeiro. Rapidamente montou um escritório de consultoria focado nos desafios econômicos dos países em desenvolvimento. Era habilidoso em criar estratégias que, na maioria dos casos, geravam bons resultados. A notícia se espalhou, e ele se encontrava bem atarefado, dando assessoria a muitos chefes de estado.

Seu projeto mais recente envolvia a Coreia do Norte, ajudar a achar soluções para as condições econômicas miseráveis que afligiam esse país. Acabara de concluir sua análise dos principais aspectos financeiros, e o que constatou não era nada promissor.

O Líder Supremo continuava apreciando os préstimos das duas esplêndidas beldades ucranianas.

- Está gostando das mulheres que eu lhe trouxe, Grande Líder? – perguntou Belcour.

- Muito mesmo. - respondeu o tirano gorducho. - É bom experimentar mulheres altas e lindas de vez em quando. Está satisfeito com as nossas mulheres locais?

- São agradáveis e obedientes, Grande Líder. Não deixam nada a desejar.

Os dois conversavam em francês, que Kim aprendera na Suíça, onde estudou quando jovem.

- Monsieur Belcour, tenho a impressão de que já analisou nossos dados financeiros e as estatísticas econômicas. Chegou a alguma conclusão?

- Cheguei, sim, Grande Líder, mas receio que a situação não seja promissora. Não sei se devo estragar esta tarde agradável com a chatice de um monte de números.

- Foi por isso que eu o convidei para me visitar, Belcour. Meus oficiais são medrosos, não têm coragem de conversar sobre coisas desagradáveis.

Uma verdade, visto que Kim tinha propensão a mandar executar sumariamente quem lhe dissesse qualquer coisa que não fosse do seu agrado.

- Bem, você disse que queria uma opinião sem censura da situação atual, e que eu lhe sugerisse possíveis soluções. Vou fazer um resumo de onde estamos. Há as sanções impostas pelos Estados Unidos e outros países do Ocidente, porque o seu programa nuclear e de mísseis impediram seu país de participar da comunidade financeira internacional. Para compensar, a China tem apoiado a Coreia do Norte, permitindo que o seu povo trabalhe nas fábricas deles, localizadas fora das suas fronteiras. Os chineses pagam o salário deles para o seu governo, e você paga aos trabalhadores o quanto quer. Você tinha um acordo semelhante com a Coreia do Sul para as fábricas dentro do seu país, mas os sul-coreanos se retiraram depois que começou a lançar mísseis para a estratosfera. Isso não ajudou. Você precisa muito dos dólares gerados pela cooperação com a Coreia do Sul.

- Eu não me preocuparia muito com as minhas discussões com meus camaradas do sul; eles são fracos e medrosos. Sabem que sou capaz de apagar Seul do mapa em um ou dois dias, porque a cidade fica muito perto da nossa fronteira. Dependo da China, e me divirto aborrecendo os chineses. Eles sabem muito bem que não têm outra opção a não ser apoiar o meu regime, porque a última coisa que podem querer é uma Coreia reunificada, apoiada e armada pelos Estados Unidos logo atrás da fronteira. De qualquer modo, você sabe que boa parte do nosso comércio é com a China, que fornece os artigos de luxo de que eu preciso para manter o meu alto escalão contente.

- Com o devido respeito, Grande Líder, a situação não é sustentável no longo prazo. Quanto mais ameaçar uma guerra com suas armas nucleares, mais os aliados irão apertar o nó. Em algum momento você será forçado a capitular, a menos que encontremos soluções criativas.

- Gosto da sua linha de raciocínio, Belcour. Soluções criativas é um ingrediente em falta nos meus círculos. Conte-me as suas ideias.

- Será um prazer lhe dar as minhas ideias, mas primeiro tenho de sair desta banheira, antes que seja cozido vivo.

O Líder Supremo fez um aceno com a mão, e várias mulheres lhes trouxeram grandes toalhas. Kim e Belcour passaram para uma mesa de canto, enfeitada com um belo arranjo de flores. Outras mulheres trouxeram duas taças e serviram de uma garrafa de Dom Perignon.

Belcour deu um gole e se preparou para mostrar o seu plano.

- Grande Líder, precisamos pensar de maneira pouco convencional, se quisermos avançar e superar os obstáculos à nossa frente. Os Estados Unidos e seus aliados vão continuar impondo sanções, e não irão afrouxar até você abandonar seu programa de armas nucleares. Eles conseguiram forçar o Irã a abandonar o programa deles, e agora acham que podem usar a mesma estratégia com seu país.

- Os iranianos não tinham as bombas, mas eu tenho. Meus militares estão trabalhando na miniaturização de armas nucleares neste exato momento. Em breve, terei condições de lançar mísseis capazes de atingir o oeste dos Estados Unidos. Isso conseguirá chamar a atenção deles.

- Grande Líder, já está atraindo mais atenção do que deveria. A Frota do Pacífico dos Estados Unidos está no mar do sul da China. Seu objetivo principal é enviar uma mensagem aos chineses depois de eles terem ocupado ilegalmente algumas ilhas desertas, mas também estão lá para deixá-lo cercado. Voaram impunemente dentro do seu espaço aéreo com caças invisíveis F-22, e estão trazendo bombardeiros B-52, capazes de transportar armas nucleares. Se lançar um míssil rumo a qualquer lugar próximo à zona de interesse deles, os americanos irão atacá-lo com tudo para se vingar. Se lançar suas armas nucleares para onde elas não deveriam ir, os americanos irão transformar o seu país num enorme pátio de estacionamento.

- Não antes de eu ter apagado Seul do mapa.

Belcour começava a perder a paciência com a obstinação daquele Calígula asiático. Sabia que precisava encontrar alguma solução para demovê-lo daquela irracionalidade.

- Grande Líder, não pode esperar que a China continue a apoiá-lo se soltar bombas atômicas nos seus vizinhos, nem precisa ser nos Estados Unidos. A China agora tem laços econômicos muito fortes com os Estados Unidos e a Europa. Não teriam nada a ganhar entrando em guerra com seus maiores clientes.

- Os chineses continuarão me apoiando, porque não têm outra opção.

- Novamente, eu não contaria mais com isso. De qualquer modo, se começar uma guerra, você não tem recursos para resistir por mais do que umas poucas semanas. Pode se vangloriar de suas armas nucleares mas, se chegar a usá-las, isso causará o fim do seu regime e do seu povo. Peço desculpas se estiver sendo demasiadamente direto e objetivo.

- Vamos supor que você tenha razão, Belcour. Qual é o seu plano?

Belcour sorveu mais um gole de champanhe e falou como se estivesse dando uma aula.

- Grande Líder, precisamos desviar a atenção dos poderes ocidentais de sua pessoa, para permitir a execução de certas ações destinadas a melhorar a situação estratégica do seu país. Esta é a minha sugestão: use um dos seus valiosos ativos para criar um tumulto capaz de forçar os aliados a posicionarem seu aparato bélico em outro lugar e prestarem menos atenção no que você pretende fazer.

- De que ativos está falando, Belcour?

- Das suas bombas nucleares, é claro. Tudo o que precisamos é “perder” uma delas, ganhar uns trocados vendendo-as aos terroristas do Oriente Médio, e deixar as coisas acontecerem.

Kim parou para pensar.

- Sem dúvida, os terroristas irão usar essas armas, e pouco me importa se o fizerem. O problema é que os americanos serão capazes de rastrear o material nuclear até sua origem. Então eles virão atrás do meu país.

- É verdade, Grande Líder, a menos que sejamos suficientemente espertos com a maneira de fazer isso.

- Sou todo ouvidos. – respondeu Kim.




3. UMA NOITE TRANQUILA


C

omo Aara e sua amiga Marietta haviam viajado numa excursão musical para o norte do estado de Nova York, Tess e Jake resolveram desfrutar de um jantar sossegado em casa, um apartamento situado num arranha-céu em Manhattan. Jake telefonou para alguns restaurantes, pedindo para entregarem alguns de seus pratos favoritos. Missão cumprida, acomodaram-se em sua rotina habitual: Tess assistia ao noticiário na TV enquanto acariciava Maggie, uma bonita cadela da raça Cavalier King Charles Spaniel. Jake foi para seu estúdio e sentou-se diante do computador. Assim que se sentou, Sebastian, seu buldogue inglês, também conhecido como Tubby, Miolo-Mole e outros nomes, todos eles sugestivos de uma mente inepta, achegou-se a ele e deitou sua cabeça pelancuda sobre seus sapatos.

Dez anos se passaram até Tess e Jake resolverem ter animais de estimação. Tess gostava de Cavs desde jovem e, quando saiu à procura de um cão, apaixonou-se por um filhote do tipo Blenheim, uma fêmea castanha e branca. Ela queria um companheiro para Maggie, porém Jake insistiu em direitos iguais. Ele sempre desejara ter um buldogue inglês e, quando viu um filhote castanho-avermelhado e branco, que parecia uma bola de bilhar com o dobro do peso, escolheu, e decidiu que aquele seria o seu cão. Na verdade, quem fez a escolha foi o filhote, dando uma lambida bem babada no rosto de Jake, tornando a aquisição inevitável. Assim o casal passeava com os cães que os vizinhos e amigos chamavam de “a Bela e a Fera”. Como Jake e Tess viajavam muito, contrataram uma cuidadora de cães chamada Marietta, estudante de intercâmbio que viera de Viena para estudar música e medicina veterinária. Ela morava com eles no seu espaçoso apartamento em Nova York, e logo se tornou amiga e confidente de Aara.

Jake verificou seus investimentos e leu diversos noticiários no computador, equipado com dois monitores de tela plana. Os investimentos não lhe tomaram muito tempo. Jake fora um brilhante corretor em Wall Street, e conseguia aumentar sua fortuna analisando as tendências e padrões do mercado financeiro com argúcia e conhecimento. Fazia transações quase que diariamente, e saía delas com bons rendimentos, agregando-os ao seu já considerável patrimônio.

Jake não confiava em nenhuma fonte noticiosa específica, e punha George Kimmel, o especialista em inteligência da empresa, a lhe compilar rotineiramente diversas notícias e outras informações relevantes. Jake contava com uma memória fantástica e lia com extrema rapidez, o que lhe permitia digerir rapidamente e reter quantidades formidáveis de informação. A leitura do material não lhe consumia mais de meia hora.

Jack balançou a cabeça em desânimo. A situação mundial, que já era ruim, estava piorando. Parecia haver uma corrida armamentista em disparada. Depois de ter tomado a península da Crimeia da Ucrânia, a Rússia passou a reforçar seu armamento e exibir novos tanques e aviões de combate nas exposições internacionais. A OTAN reagiu, fazendo exercícios militares com equipamentos adicionais fornecidos pelos Estados Unidos.

A Coreia do Norte, ainda furiosa com a recusa americana à negociação, agitava seu sabre e fazia testes com mísseis balísticos. A China construía freneticamente novos aviões e barcos de guerra, e se apoderava de várias ilhas desabitadas no mar do sul da China. Defendendo seus direitos de usucapião, começou a construir pistas de pouso e instalações aeronáuticas nesses pequenos pontos de terra no meio do oceano.

Não obstante a constituição japonesa pós-guerra proibir o país de criar forças militares de ataque, o Japão estava montando embarcações militares bem sofisticadas e equipando sua força aérea com aviões de combate projetados pelos americanos.

No Oriente Médio, a confusão desestabilizadora causada pela invasão americana e a Primavera Árabe haviam se metabolizado no Estado Islâmico, um califado horrendo. Para piorar a situação, milhares de desabrigados da Síria, Afeganistão e países africanos estavam indo procurar refúgio na Europa, cruzando o Mediterrâneo, ou por rotas terrestres pela Turquia e Grécia, atravessando os Bálcãs.

No Mediterrâneo, entre a Líbia e a Itália, traficantes de pessoas operando um navio de refugiados que estava fazendo água tentaram passar as pessoas para uma embarcação maior, superlotada. Durante a transferência, o navio maior adernou e afundou. Os refugiados ficaram à deriva por três dias até serem localizados e resgatados pela marinha italiana. Cerca de 500 pessoas pereceram.

Os europeus clamavam para que seus governos fizessem algo para sustar o influxo de refugiados para seus países. Todavia um aumento no rigor, por si só, não conseguiu impedir as pessoas que tentavam migrar para a Europa. Havia uma necessidade premente de combater os traficantes que, ao perceberem qualquer problema, despejavam os refugiados em alto mar e voltavam correndo para a Líbia.

Como estudioso da História, Jake estava apreensivo. Havia tantas coisas que poderiam sair erradas, que essa situação poderia se transformar numa calamidade mundial. A I Guerra Mundial começara com muito menos desafios. Ele desligou o computador e voltou para a sala de estar.

A hora de jantar se aproximava, então ele chegou por trás de Tess, que ainda assistia ao noticiário. Envolveu-a em seus braços e deu-lhe uma mordiscada na nuca.

- Se você acha que com isso irá conseguir alguma coisa, está certo. - comentou Tess.

- Espero que sim.

- Então seja um bom menino e sente-se ao meu lado.

Jake serviu dois uísques de puro malte e atendeu ao pedido.

- Quando você quer sentar para conversar, geralmente é sinal de problemas.

- Não seja tão pessimista, Jake. Acabei de ver a situação dos refugiados na Europa. Quase um milhão de pessoas do Oriente Médio entraram na Alemanha. A Itália está repleta, a França não quer nenhum deles, e a Europa Oriental fechou as fronteiras. Os britânicos estão se escondendo atrás do canal. Nunca vi tamanha confusão.

- É uma bagunça, concordo. Ninguém tem ideia de como conter o êxodo de tanta gente desses países falidos. Para piorar, uma multidão de sírios está fugindo das áreas controladas pelo Estado Islâmico. Como não têm para onde ir, escapam para a Turquia, e de lá tentam chegar à Europa.

- E tem mais. – Tess acrescentou - Centenas de africanos morreram afogados tentando cruzar o Mediterrâneo. Isso é horrível. Devíamos tentar fazer alguma coisa.

Um alarme disparou dentro da cabeça de Jake.

- Tess, sempre que você diz que deveríamos fazer alguma coisa, isso acaba virando um grande transtorno. Preciso lembrá-la daquele ano que passamos trabalhando no tráfico de pessoas? Ocupou a nossa equipe inteira, e quase quebrou a empresa.

- Não exagere. Você teve a brilhante ideia de reunir as garotas para fazer concertos beneficentes, e deu tudo certo. Ainda fazemos isso, e a maior parte do dinheiro vai para obras assistenciais.

- Beleza! Então vamos procurar mais situações fora do nosso controle.

- Por que não podemos tentar ajudar a resolver o problema dos refugiados? Tenho certeza de que o pessoal não vai se incomodar em participar.

- Não acho, Tess. Nosso pessoal ficou decepcionado ao ter tão pouco resultado para mostrar, depois de um ano inteiro se arriscando para combater traficantes de pessoas. Tenho certeza de que seria uma luta morro acima tentar convencê-los a embarcarem numa aventura fútil.

- Jake, por que você é sempre tão negativo quando eu proponho alguma coisa para fazer? Às vezes acho que você não quer me apoiar.

- Tess, eu sempre ajudei você, mesmo quando foi atrás de ideias malucas, mas agora precisamos ser seletivos quanto aos projetos que formos assumir. Essa crise de refugiados é uma ameaça à estabilidade da Europa. Com certeza, não temos condições de ajudar. Não é da nossa conta, e na última vez em que tentamos ser bons samaritanos, nos queimamos. Sei que você se importa com as coisas mas, desta vez, por favor, deixe as autoridades resolverem o problema sozinhas. Esqueça isso.

- Certo, Jake. Vamos adiar esta discussão. Mas ainda quero pensar um pouco mais sobre isso.

- É disso que eu tenho medo, querida. Quando você tem uma ideia maluca, não a deixa morrer.

Tess lançou-lhe um olhar enfezado.

O porteiro tocou o interfone, e Jake fez o entregador de comida entrar no apartamento. Receoso de que suas papilas gustativas fossem maltratadas, Jake, o gourmand, havia encomendado delivery dos melhores restaurantes de Nova York. Tess não ligava a mínima, preferindo um belo e suculento bife ou hambúrguer. Depois de tantos anos de convívio, o casal ainda não havia reconciliado suas preferências gastronômicas. Tess raramente se rendia aos caprichos culinários de Jake, e ele não conseguia entender como alguém poderia ser feliz comendo apenas um bife com batatas.

Jake ansiosamente abriu todas as embalagens e espalhou as iguarias sobre a mesa de jantar. Abriu o primeiro pacote e o colocou diante de Tess.

- Aqui está o seu steak burger com batatas fritas.

Então dobrou uma toalha sobre o antebraço e começou a sua protagonização de um maître d’hôtel, cheio de empáfia.

- Madame, para deleite do seu paladar, também oferecemos uma seleção esmerada de pratos deliciosos: polvo do Blue Duck Tavern, com milho, menta e farro; camarões na brasa com manteiga de castanha e molho tamari, coração de aipo, e radicchio de Treviso. Também pode apreciar costeletas de porco ao limão, e nhoque com molho picante e ervas aromáticas. E aqui temos a felicidade de poder experimentar maltagliati com kimchi e guanciale, uma carne italiana curada das bochechas do porco e, para a sobremesa, podemos fechar com torta de pêssego assada em panela de ferro com sorvete de leitelho. Tudo isso não é delicioso?

O discurso inteiro soou como grego para Tess. Ela começou o seu hambúrguer e lançou um olhar de dúvida a ele.

- Se você acha, Jake...

- Tess, seu entusiasmo é como uma ducha gelada para mim. Com o tempo, eu esperava conseguir ampliar o seu repertório gastronômico.

- Já tentamos isso, Jake; eu não ligo para comida chique.

- Às vezes fico pensando que você gostaria de comer bife todos os dias, mesmo sabendo que ele entope as suas artérias.

- Como verduras e salada na maioria das vezes.

Jake fez um gesto teatral, pondo as mãos na cabeça.

- E eu continuo tentando seduzir minha amada com esplêndidos repastos, todavia sem o mais tênue sinal de sucesso.

Tess sorriu.

- Você me seduziu há muito tempo, mas sou capaz de mudar de ideia se continuar tentando me alimentar com coisas estranhas.

- Isso me leva ao pináculo do desespero! – exclamou Jake, imitando um ator dramático. - Eu até poderia me consolar impedindo que todo este delicioso repasto fosse parar no lixo.

- Vá com tudo, meu bem. Receio que a comida seja a fonte da incompatibilidade entre nós. Eu lhe daria um fora se você não fosse tão gostoso.

- Acolho qualquer elogio que venha de você, mesmo que seja indireto.

Jake, embevecido, saboreava seus acepipes.

Depois de algum tempo, Tess levantou-se, empurrou a cadeira de Jake sobre os rodízios e sentou-se no seu colo, abraçando-o pelo pescoço. Quando ela fazia isso, só poderia significar uma coisa, para deleite de Jake.

Tess o beijou.

- Hum, seu gosto não é nada mau, levando em conta o que andou comendo. Agora, será que posso tirá-lo do banquete de coisas nojentas para vir brincar comigo?

- Nem preciso pensar.

Jake rapidamente desabotoou a blusa dela e tirou-lhe o sutiã.

- Gosto muito deles. Pôs a boca sobre seu mamilo direito.

Tess suspirou. Entre lambidas, Jake não resistiu e disse:

- Há um único pecado que Deus não perdoa, que é negar o prazer a uma mulher que tem desejo.

Tess reclinou-se para trás, apreciando intensamente a brincadeira de Jake em seu peito.

- Zorba, o grego?

- Um sábio filósofo. - disse Jake em meio às carícias com a língua. - Ele sabia descrever exatamente como é o paraíso.

- Vamos para a cama, Jake.

- Por que não ficamos aqui? Ouse sair da rotina, meu bem.

- Vamos para a cama.

Tess tomou Jake pela mão e tomou o rumo do quarto. No caminho, foram deixando cair suas roupas, iniciando o ato de amor.

Jake deitou-se de costas na cama. Tess se esgueirou entre as pernas dele, e começou a lamber seu obelisco intumescido. Ela adorava segurá-lo nas mãos, acariciá-lo lentamente e admirar a macheza incircuncisa de Jake. Ela sempre apreciara o belo instrumento de Jake, e lentamente o acolheu dentro da sua boca, suas carícias sedosas arrancando suspiros de prazer do parceiro. Ela então se afastou e lambeu o comprimento inteiro do membro, até ficar excitada também. Passou para cima dele e abraçou-o entre suas pernas. Descendo sobre ele, recebeu-o dentro de si, até que ele desapareceu dentro dela. Ficou parada um pouco, sentido frêmitos de prazer. Então ela se moveu para cima e para baixo, de olhos cerrados, sentido o prazer tomando conta de si. Repentinamente um orgasmo sacudiu seu corpo inteiro, e ela gemeu de prazer.

Jake permaneceu imóvel, contemplando a mulher a quem dera prazer. Ele adorava fitá-la, seu corpo ágil e atlético se mexendo em cima dele, sabendo que ele era o instrumento daquela felicidade.

Tess caiu dobre o peito dele e o beijou.

- Possua-me, Jake. Agora.

- Não precisa se afobar. Vamos brincar um pouco.

- Goze dentro de mim, eu quero!

Jake a ajudou a deitar-se de costas, passou para cima dela, e voltou a penetrá-la. Tess estava pronta para lhe dar o que ele queria, mas Jake ainda estava longe de chegar ao clímax, que nem era tanto o que ele queria. Seu desejo era quase voyeurístico. Ele adorava ser o instrumento do deleite de Tess. Gostava da tensão no corpo dela, de senti-la por dentro com a sua masculinidade, a ascensão gradual da sua paixão culminar em espasmos de prazer. Só então ele faria a sua parte, depois de poucos lances.

Depois, Tess manifestou sua queixa habitual.

- Por que não goza junto comigo, Jake? Por que precisa tanto esperar eu terminar?

Jake a beijou.

- Porque para mim é mais importante dar prazer a você primeiro, sentir o seu corpo tremer, saber que estou lhe dando esse prazer.

- Você não emite um único som quando goza. Às vezes chego a pensar que me amar é só mais uma tarefa para você.

- Queria que você parasse de dizer bobagens e me deixasse lhe dar prazer.

Pouco depois adormeceram, abraçados.

Jake acordou no meio da noite, e resolveu tomar um copo de leite. Sentado na escuridão da sala, ele se achou um homem de sorte por ter uma mulher como Tess, embora às vezes desejasse que ela o deixasse tomar a iniciativa em muitas coisas. Tess tinha uma personalidade controladora e, de muitas formas, dominava o relacionamento. Era sempre ela quem iniciava as atividades amorosas, e fazia questão de que fosse do jeito que ela queria. No início do relacionamento, Jake tentou iniciar o ato sexual, mas Tess logo o fazia desistir, se ela não estivesse com vontade.

Para uma mulher tão bonita e em boa forma, Tess era muito inibida. Certa vez Jake a erguera na bancada de granito da cozinha, e fizera amor com ela, em pé. Ele queria ver o corpo dela diante de si enquanto lhe dava prazer. Seu momento supremo era vê-la deitada de costas enquanto ele a levava ao clímax. Mas o seu próprio prazer não era importante; ele apreciava mais o processo do que uma satisfação rápida, porque sabia como tudo iria terminar. Todavia Tess não gostava de se expor. Cobriu os seios com as mãos, para sinalizar que estava se sentindo vulnerável. Ela nunca mais o deixou fazer amor daquele jeito.

Embora o casal tivesse se habituado a uma rotina, Jake não se importava muito com isso. Tess se sentia suficientemente sensual, e jamais deixara de lhe dar montes de prazer. Ele não tinha muito do que se queixar, ponderou. Não tinha o menor apreço por perversões sexuais, coisas bizarras. Queria apenas se deleitar com Tess, seu verdadeiro amor. Agradá-la era a coisa mais importante do mundo, embora às vezes desejasse vê-la disposta a dialogar sobre fazer as coisas de um modo diferente.

Afugentou esse pensamento da mente, voltou para a cama, e se encaixou perto dela, para sentir aquele maravilhoso perfume e tocar sua pele macia. Depois de ter feito amor, uma boa noite de sono deixava tudo melhor.




4. FAZENDO MÚSICA


A

s Valquírias se reuniam no apartamento de Tess em Nova York. Tess dedilhava o piano, experimentando alguns trechos de uma música que ela e as garotas iriam tocar no próximo mês. O perfeccionismo era uma das qualidades menos atraentes de Tess, visto que, na sua visão do mundo, coisas suficientemente bem feitas ainda estariam muito longe do minimamente aceitável. Ela ficava remoendo insistentemente os detalhes de cada nota de uma partitura e como deveria ser tocada. Ela orientara o grupo no desenvolvimento de suas habilidades a ponto de conseguirem tocar em pé de igualdade com músicos profissionais. Isso foi possível com a contratação de professores de música, trabalho duro, ensaios intermináveis, o progresso do grupo sendo impelido apenas pela determinação dela.

Carmen era a soprano do grupo, e estava estudando a partitura de Vocalise, uma breve porém sublime composição de Rachmaninoff. Claudine acabara de chegar de avião, vinda de Paris, e estava afinando seu violino junto com Yasmin, que tocava viola. Alice chegara da Nigéria, trazendo seu violoncelo. Galina Kutuzova, que tocava o segundo violino, estava atrasada. Finalmente, ela tocou a campainha, e Aara, a filha de Tess foi à porta recebê-la.

Galina era pau para toda obra, não haveria descrição melhor. Uma competente pilota vinda da Rússia, ela se envolvera com as atividades militares da equipe, porém sua função principal era a administração do banco de dados no departamento de informática da empresa. Ela chegou e se aproximou de suas colegas com uma pilha de tablets nas mãos, percebendo que elas pareciam um tanto ressabiadas com o seu atraso. Ao longo dos anos, todas haviam aderido ao fetiche de Tess por pontualidade.

Galina colocou a pilha numa mesa e voltou para a entrada, onde foi buscar seu violino na caixa. Colocou-o sobre sua cadeira, e postou-se diante das colegas. Trajando seu habitual agasalho esportivo, ela era alta, loira e confiante, parecendo o modelo ideal de uma atleta russa.

- Desculpem o atraso, mas precisei ir buscar essas coisinhas, preparadas para nós.

Claudine externou sua impaciência.

- Se ainda não percebeu, Galina, viemos aqui ensaiar, não jogar em computadores.

Galina ficou impassível com o comentário de Claudine.

- Quero lhes perguntar uma coisa. O que é que vocês menos gostam nas nossas apresentações?

Yasmin colocou a viola de lado.

- Pensei que todas nós gostássemos de tocar juntas.

- É verdade. - comentou Galina. – Mas vocês sempre reclamam do peso e do volume das partituras na nossa bagagem, quando tocamos numa série de cidades.

- Nisso, eu digo amém. – disparou Tess.

- Mas eu achei uma solução. – disse Galina. – Podem guardar as partituras, e ponham essas maravilhas nas suas estantes.

Assim que todas o fizeram, Galina disse para apertarem um botão que havia na borda de cada aparelho.

Tess, Carmen e Aara se aproximaram para ver o que era. Em cada uma das telas apareceu uma partitura, com as diversas partes do Quinteto para Piano e Quarteto de Cordas de Ernest Chausson, que o grupo iria tocar dali a algumas semanas.

- Que beleza! – comentou Carmen. - Cada uma de vocês tem a sua própria parte. Parece até a partitura de verdade, é do mesmo tamanho.

Claudine ficou interessada.

- E como se vira as páginas?

Galina tirou uns aparelhinhos de uma caixa.

- É fácil, meninas. Pedais sem fio. É só dar um toque com o pé, e a página vira.

Aara, a adolescente plugada logo percebeu o impacto do que via à sua frente.

- Isso é ótimo. Não vão ter mais de carregar aquelas partituras todas. Já estão armazenadas nos tablets.

- Exatamente. - comentou Galina. - Agora vocês podem acessar todas as partituras que quiserem no tablet. Estão livres da papelada.

Yasmin viu um problema.

- Mas eu gosto de fazer anotações nas minhas partituras.

Galina distribuiu pequenos bastões, parecidos com lápis.

- Essas canetas eletrônicas vão substituir os seus lápis. Podem até guardar várias versões anotadas da música com cores diferentes.

- Galina, isto aqui é excelente. - disse Tess. – Vamos usar as partituras em papel hoje, mas estou vendo que estes tablets vão nos ajudar muito na próxima vez.

Galina, que não conseguia conter o seu orgulho, resolveu ir além.

- Só para vocês saberem, agora podem baixar qualquer partitura que quiserem, pois incluí uma assinatura que oferece várias coleções acadêmicas com as partituras originais anotadas pelos compositores e mais edições de apresentações de outros instrumentistas. Isso poderá resolver a maioria das dúvidas de interpretação.

As mulheres aplaudiram Galina, que fez uma breve mesura.

Naquela noite, as Valquírias tiveram a oportunidade de tocar um concerto junto com uma orquestra de estudantes que, apesar do nome, eram excelentes. Tess empenhara-se muito orientando as mulheres para tocarem uma composição incomum de um compositor americano, Benjamin Lees, seu Concerto para Quarteto de Cordas e Orquestra. Não havia nada para Tess tocar no piano, porém no programa ela constava como a líder do grupo. Ele dedicara muito tempo ajudando as colegas a aprenderem a tocar aquela peça tão complicada, e estava ansiosa para poder se sentar na plateia e apreciar o concerto.

As quatro entraram no palco, todas vestidas com impressionantes vestidos de noite, emprestados por diversos costureiros. As Valquírias não eram só conhecidas por sua música, mas também pelo figurino. Os puristas desdenhavam essa prática, mas as plateias adoravam prever a moda das belas instrumentistas.

A orquestra começou a tocar. Depois de um moto perpétuo, o quarteto entrou em solo, com um breve tema desafiante. O violoncelo de Alice fez um breve solo, suave porém agitado. Passagens orquestrais em tutti repetiram o tema das cordas, desta vez com o rufar de tímpanos.

Tess escutava com atenção, contente ao ver que suas meninas haviam internalizado o espírito da música. O final da obra começava a se descortinar com uma fanfarra de metais seguida de breves notas do quarteto solista, e a música retomava o moto perpétuo inicial. A música levava a plateia numa onda de sons virtuosos, culminando com um acorde final fortíssimo.

Sentado num camarote, um homem muito bonito e elegante, de uns quarenta anos, e com uma barba cuidadosamente aparada, assistia a tudo com grande interesse. Era a terceira vez que ele comparecia a um concerto das Valquírias.

A plateia pediu bis, então as mulheres tocaram o Adágio para Cordas de Samuel Barber. Sua execução soberba e sensível daquela música sombria, porém sublime era a comprovação do grande progresso que elas haviam conseguido fazer. Também era a confirmação do esforço que Tess fizera para transformar as instrumentistas num grupo profissional. As Valquírias haviam evoluído muito desde o dia em que haviam começardo, dois anos atrás.

Agora eram brilhantes, compenetradas, tendo crescido muito em virtuosismo e popularidade, muitas vezes se apresentando com casa lotada. Poucos acreditariam que essas lindas mulheres, no seu trabalho cotidiano, eram guerreiras dedicadas a criar um mundo melhor.




5. O SACRIFÍCIO DOS INOCENTES


O

exército americano estava ajudando governos de países do norte e do oeste da África no combate a grupos extremistas. O apoio incluía inteligência militar, vigilância, reconhecimento e treinamento das forças de infantaria nigerianas.

Reconhecendo que a Nigéria não teria como comprar modernos caças a jato, cada um custando por volta de 70 milhões de dólares, os americanos sugeriram que comprassem doze Super Tucanos projetados no Brasil e fabricados nos EUA. Esses monomotores turboélice eram comparativamente baratos, fáceis de pilotar, ágeis e perfeitos para operações de ataque aéreo a bases terrestres do grupo extremista islâmico Boko Haram que, nos últimos sete anos, dizimara milhares de pessoas no nordeste da Nigéria e em países vizinhos, como Camarões, Chade e Níger.

Em passado recente, Tess e a equipe da SRD haviam feito a entrega de helicópteros de ataque ao exército nigeriano, e até participaram de uma operação militar onde ajudaram a resgatar 200 meninas sequestradas pelo Boko Haram.

Como subcontratados do exército americano, Tess, Jake, Nicola, Carmen, Yasmin, e Galina chegaram à Nigéria pela segunda vez, para fazer a entrega dos Super Tucanos, treinar os pilotos locais e lhes prestar apoio tático.

Ifeyinwa Idigbe Ukume, também conhecida como Alice, foi receber a equipe no aeroporto em Abuja, na Nigéria. Alice fazia parte de uma divisão da polícia nigeriana especializada no tráfico de pessoas, e já havia trabalhado com a equipe da SRD no combate à prostituição de nigerianas na Europa, que foi quando fez amizade com as Valquírias. Sempre que podia, adorava participar dos concertos, tocando violoncelo.

Enquanto dirigia a van, Alice contou as mudanças desde a última incursão da equipe naquele país.

- Nosso novo presidente está fazendo uma reforma nas forças armadas. Anteriormente, oficiais corruptos desviavam e embolsavam verbas destinadas à luta contra o Boko Haram. O ex-chefe do estado maior é um dos acusados. É claro que ele se declarou inocente de ter roubado dinheiro destinado à força aérea nigeriana. Na verdade, usou o dinheiro para comprar um palacete e um terreno comercial, onde construiu um shopping center.

- Acho que isso explica porque o exército nigeriano está tendo tanta dificuldade para combater os rebeldes. - comentou Jake.

Tess estava bem ciente dos problemas que o país enfrentava, mas não quis se meter em assuntos da política local.

No dia seguinte, Alice levou a equipe para conhecer o recém-promovido Brigadeiro General Somi Okafor, o comandante no teatro de operações. Ele fora colega de classe de Jake em Harvard, e ainda eram bons amigos. O general conhecia bem a capacidade da equipe, pois já havia lutado contra o Boko Haram junto com eles. Depois da troca de gentilezas, iniciou a reunião.

- Senhoras e senhores, sejam bem-vindos à Nigéria. Nas próximas duas semanas, vocês irão ensinar nossos pilotos a usar os Tucanos em voos de vigilância e ataque aéreo a bases terrestres. Cada avião estará equipado com uma metralhadora montada em cada asa, e levará quase uma tonelada e meia de armamentos. No ano passado, os exércitos africanos da região conseguiram expulsar os militantes de boa parte do seu autoproclamado califado no nordeste da Nigéria. Embora o esforço que lideramos tenha conseguido retomar um número expressivo de vilarejos que estavam sob o controle do Boko Haram, não tivemos tanto sucesso em manter a segurança, de modo que o inimigo andou atacando novamente os mesmos vilarejos que haviam sido reconquistados pelas forças do governo. O Boko Haram se reorganizou e intensificou os ataques na bacia do Lago Chade, ameaçando a segurança regional, apesar da força multinacional de 9 mil homens para contê-los.

Jake atualizou o grupo.

- Os militares americanos esperam que nós terminemos de fazer o treinamento de dois batalhões da infantaria nigeriana até o fim da semana. Os Estados Unidos também vão providenciar reconhecimento, vigilância e inteligência adicionais para ajudar na luta regional contra o Boko Haram.

- Não vai ser nada fácil. - concluiu o general. - E agora temos mais um problema. O Boko Haram está enviando mulheres-bomba e crianças-bomba para explodir mercados e outros alvos civis.

Ao sair, Jake murmurou:

- Desta vez, a parada vai ser dura.

A equipe passou as duas semanas seguintes treinando os pilotos nigerianos nos Super Tucanos. As mulheres se concentraram na pilotagem dos aviões; Jake e Nicola treinaram as equipes de terra em manutenção. A equipe explicou aos nigerianos que a sobrevivência dos tripulantes era assegurada pela blindagem do avião e recursos de vanguarda, como um Sistema de Alerta de Aproximação de Míssil e um Receptor de Alerta de Radar, além de dispensadores de autodefesa (chaff e flares). Além disso, os aviões contavam com recursos de comunicação e navegação como o PR de Informação de Posição e o ALE para Estabelecimento Automático de Link, que permitem a transmissão automática da posição da aeronave e dos dados de voo para as bases em terra. A aeronave também incorpora um Sistema Inercial de Navegação (INS/GPS) com Sistema de Posicionamento Global, e um Radar Altímetro.

No lado tático, a inteligência dos satélites americanos alertou o exército nigeriano de que o Boko Haram estava reunindo combatentes para um ataque ao centro administrativo do governo, na parte oeste do país.

O General Okafor reagiu, iniciando um contra-ataque com 500 soldados de Camarões e da Nigéria, com orientação de uma força tarefa multinacional no Chade. A Força Aérea nigeriana começou a enviar tropas para a área de combate, usando aviões de transporte militar Hércules, cedidos pelos Estados Unidos.

Tess, Carmen, Claudine distribuíram-se pelos Tucanos, instalando-se na cabine e decolando, sendo seguidas pelos aviões restantes, pilotados por nigerianos. Chegaram à área de operações antes das tropas de terra, e não demorou até localizarem a multidão de combatentes do Boko Haram, reunida para atacar a cidade. Tess, no comando do contingente aéreo, sobrevoou as unidades do inimigo para avaliar sua força. Ignorou os tiros disparados a esmo contra seu avião, e passou sua avaliação para o general pelo rádio. Ele ordenou um ataque aéreo para garantir o terreno para pousar os aviões de transporte. Tess deu as ordens aos pilotos.

- Claudine, Carmen, e Galina, vamos armar um ataque frontal na linha de frente do inimigo. Os outros aviões vão dar a volta e atacar o inimigo por trás. Queremos espremê-los entre nós. Vamos!

Os pilotos nigerianos deixaram a formação e fizeram um semicírculo em torno dos inimigos, ate se posicionarem atrás das forças hostis. Tess e a equipe haviam lhes ensinado que os novos aviões eram suficientemente lentos, então eles teriam tempo para alinhar suas armas e fazer boa pontaria.

Não precisou dizer muito a Carmen, Claudine, e Galina, que faziam tudo exatamente como ela. Lembrando-se de um incidente anterior na Nigéria, no qual Claudine quase perdera a vida, Tess pediu a ela que seguisse as regras.

- Claudine, tenho certeza de que não preciso lembrá-la da última vez em que estivemos neste canto do mundo, quando você perdeu o seu caça MiG e quase morreu, então comporte-se e siga o plano.

- Tess, às vezes você me enche o saco. Sabe muito bem que aquela porcaria de MiG chinês se desmanchou sozinho, então largue do meu pé.

- Vou largar, depois que voltarmos todas vivas.

- Você me enche o saco, Tess. Só estou aqui para sair da monotonia.

- Claudine, por favor, siga o plano. Ela estava convencida de que um dia a sorte de Claudine iria acabar.

Os aviões chegaram às suas posições e começaram a metralhar as tropas inimigas por todos os lados. As manobras se pareciam com um balé aéreo, os aviões sobrevoando os combatentes do Boko Haram com agilidade, enquanto despejavam saraivadas mortais. Logo o inimigo teve muitas baixas, e precisou parar sua marcha rumo à cidade-alvo. As rajadas de tiros haviam eliminado combatentes inimigos e levantado nuvens de poeira, assim encobrindo a aterrissagem dos grandes aviões de transporte e a descida das tropas do governo pelas rampas da fuselagem. Dentro de poucas horas, tudo havia terminado. A maioria dos combatentes inimigos estava morta ou ferida. Os sobreviventes se renderam.

Tess mandou os quatro aviões da sua equipe aterrissarem no entorno do campo de batalha, e as outras aeronaves retornarem à base. Um por um, os Tucanos pousaram e taxiaram sobre o gramado plano da savana africana.

Os soldados nigerianos haviam encurralado o inimigo derrotado em vários grupos. Logo se percebeu que muitos desses combatentes eram mulheres vestidas com trajes islâmicos. O General Okafor ordenou às tropas que separassem os homens das mulheres. Algumas das mulheres estavam ensanguentadas ou feridas, e se moviam como se estivessem drogadas. Os soldados nigerianos queriam revistar as mulheres em busca de armas escondidas, mas estavam relutantes em função do que poderia haver por baixo daqueles hijabs. Tess percebeu a hesitação dos soldados, e caminhou na direção das prisioneiras, com Alice a seu lado para servir como intérprete. Tentou não parecer ameaçadora, estendendo sua mão direita aberta, com o braço esticado.

- Não vamos machucar vocês. Ergam suas mãos acima da cabeça. Depois de revistarmos vocês para ver se têm armas, o pessoal vai cuidar de vocês. Vão ficar em segurança.

Alice traduziu a mensagem, e cinco das mulheres obedeceram e ergueram os braços. Todavia uma não se moveu. Parecia drogada, apática, num transe. Foi quando Tess percebeu que ela segurava na mão um pequeno aparelho com um botão sob o polegar.

- Ai, meu Deus, é uma mulher-bomba suicida!

Todos se afastaram da mulher. Tess e Alice ficaram paradas, percebendo o olhar apavorado da mulher, evitando qualquer movimento brusco que pudesse assustá-la. Carmen e Claudine sacaram suas pistolas e apontaram para a cabeça da mulher.

- Fiquem longe! - Tess advertiu as colegas. - Ponham suas armas de volta no coldre.

O General Okafor chegou ao local e ordenou que suas tropas apontassem os rifles para a jovem mulher. Tess percebeu o que acontecia, e fez um gesto para o general conter seus homens, que preparavam suas armas para atirar na mulher-bomba. Deu um passo cauteloso na direção da mulher, e percebeu que era apenas uma moça bem jovem, tremendo incontrolavelmente.

- Major Turner, esta batalha não é sua! – o general implorou. - Jogue-se no chão e meus homens irão executá-la.

- Não posso, general. Se a moça apertar o botão, Alice e eu não teremos chance de escapar.

Tess não estava exagerando. Já tivera experiência suficiente em combate para saber que uma explosão dessas mataria qualquer um que estivesse dentro do seu alcance. Ficar deitada no chão não iria adiantar.

Carmen começou a entrar em pânico. Vendo sua melhor amiga presa numa situação de vida ou morte, teve vontade de ir até lá para ficar a seu lado. Tess não conseguia acreditar.

- Carmen, que doideira está fazendo? Volte!

- É tarde demais para isso. Não vou deixar você e Alice nesta situação. Continue falando com a moça.

Tess sabia que Carmen era obstinada, e tão vulnerável quanto ela mesma. Deu mais um passo na direção da moça.

- Venha cá, moça. Solte essa coisa que tem na mão. Você é jovem demais para morrer. Aqueles homens não vão mais poder lhe fazer mal. Vamos levar você de volta para casa, para junto de sua família.

Alice traduziu.

A moça começou a tremer. Os soldados nigerianos ainda estavam com as armas apontadas para ela.

- General, mande seus homens baixarem as armas. Estão deixando a moça nervosa. Eu estou cuidando disso.

O general fez sinal para seus soldados baixarem as armas.

- Viu só? Não tem motivo para ter medo.

Com cuidado, Tess deu mais um passo à frente. Estava quase a ponto de tocar a moça.

Carmen sentiu náusea, e lutou para controlar seu estômago, impensadamente tendo posto em risco a si mesma e o bebê que carregava dentro de si. Colocou as mãos sobre a barriga e tentou conter as lágrimas. Tess deu-lhe um olhar rápido e percebeu o que acontecia.

Então abriu um largo sorriso e deu o último passo que faltava para chegar à garota, que parecia estar saindo de um transe. Tess não tinha certeza de se isso seria um bom sinal, e foi rápida em tirar o detonador da mão dela. A moça desmaiou em seus braços.

As tropas vieram correndo para arrancá-la do abraço de Tess.

- Deixem-na em paz! – gritou ela, mas não adiantou.

Os soldados agarraram a moça e a passaram para os especialistas em demolição, que removeram o cinturão de explosivos amarrado em seu corpo e a levaram embora.

Tess deu meia-volta e viu Carmen vomitando no chão. Ela e Claudine a colocaram num jipe.

- Vá com ela, Claudine. Nós nos veremos logo em seguida.

Então foi atrás do grupo de soldados que levava a moça suicida, e viu Alice dando conselhos a ela, confortando aquele farrapo humano.

- Ela me contou a história toda, Tess. O Boko Haram a sequestrou uns meses atrás, e ela passou uns tempos no inferno. Então eles a drogaram e amarraram um cinturão suicida nela. Contou que esta é a nova tática do Boko Haram. Pretendem soltar mais mulheres assim, porque acham que é mais difícil elas serem notadas. Era uma monstruosidade, até mesmo para os padrões deles.

O General Okafor se aproximou.

- É verdade Andamos recebendo vários relatórios de mulheres-bomba em diversos vilarejos. Essas meninas são vitimadas duas vezes. São capturadas, sofrem toda sorte de abuso, e então são forçadas a se matar, levando mais pessoas inocentes consigo.

Antes de retornar à base, Alice levou Tess a um campo em Yola, no nordeste da Nigéria, onde muitas das meninas sequestradas e resgatadas ficavam abrigadas. Infelizmente, nem tudo terminava bem, visto que muitas delas ainda tinham de enfrentar o estigma da “noiva libertada”.

Conversaram com uma jovem, chamada Zara, e seu tio. Ela tinha 17 anos quando o Boko Haram a sequestrou, junto com muitas outras. Como milhares de outras moças, livres ou ainda em cativeiro, ficara profundamente traumatizada. Alice pediu que ela contasse a sua experiência horrível um ano depois de ter sido libertada, e o sofrimento que ela continuava tendo de enfrentar.

- O Boko Haram nos deixava escolher: casar-se com um de seus combatentes ou ser escrava. Eu escolhi me casar. – contou Zara.

No final, a diferença era pequena, descontando a criança que ela daria à luz em breve. A vida no cativeiro era terrível e perigosa, porque os aviões da força aérea vinham regularmente bombardear a grande floresta de Sambisa, onde os militantes armavam seus acampamentos. Depois de alguns meses, foi salva por soldados nigerianos e devolvida à sua família.

- As mulheres lá em casa logo perceberam que ela estava grávida de três meses. – disse seu tio Mohamed, que continuou a história. - Somos uma família mista, alguns cristãos e outros muçulmanos. Antes de ser raptada, Zara era cristã, mas o Boko Haram a casou com um deles e a tornou muçulmana. A família ficou dividida entre o que fazer, e pensaram seriamente num aborto. No final, decidiram manter a gravidez, e Zara deu à luz um menino. Foi então que começaram os problemas, porque Zara foi banida da comunidade.

- As pessoas na minha vila me chamam de esposa do Boko Haram. Não querem que eu chegue perto. Não gostam de mim. – disse Zara enquanto uma lágrima rolava pelo seu rosto.

Ela precisava ficar dentro da pequena área murada em torno da sua casa, com medo de sair e ter de enfrentar os insultos cruéis das crianças do bairro, as mensagens de ódio que seus pais haviam lhes ensinavado.

- O pessoal da vila não gosta do meu filho. Quando ele ficou doente, ninguém quis me ajudar a cuidar dele. – ela contou.

- No último fim de semana fez muito calor. Zara foi dormir com o filho na área murada, uma cobra entrou lá e matou o menino. Ele tinha apenas nove meses de idade.

- Alguns dos familiares ficaram contentes por ele ter morrido, dizendo que foi a vontade de Deus. – prosseguiu Zara. - Ficaram contentes que o sangue do Boko Haram foi retirado da família, que Deus atendera suas preces.

O tio prosseguiu.

- Às vezes ela pensa em ir à escola para se tornar médica e ajudar as pessoas. Mas quando a insultam, ela fica brava e com vontade de voltar para a floresta. Sempre fala do marido dela no Boko Haram. Contou que ele era gentil, e queria que ela voltasse para ele. Esse tipo de conversa não era nada mais do que um sinal de desespero, porque a vida de Zara se tornara tão ruim, que às vezes ela tinha vontade de embarcar numa missão suicida.

- E ela vai fazer isso no dia em que lhe derem essa oportunidade. –concluiu.

Alice discordou.

- Há tanta confusão no rosto e nas respostas dela; não é uma assassina, é apenas uma criança.

Zara olhou para Alice com lágrimas nos olhos, e fez um comentário final.

- Muitas vezes tenho um desejo enorme de sumir na floresta, mas espero que com o tempo eu consiga esquecer o que o Boko Haram e o pessoal da minha vila fizeram comigo. Mas ainda é cedo para isso.

Triste, com raiva e confusa, ela se sentia abandonada pela família e estigmatizada pela sua comunidade.

Ao sair, Alice expressou sua preocupação.

- A comunidade é responsável por continuar abusando de meninas que não foram quem gerou essa situação. Se continuarem estigmatizando pessoas traumatizadas, podem estar criando algo que será muito, muito mais problemático no futuro do que o Boko Haram é hoje. Sem terem tido culpa nenhuma, essas vítimas não são bem recebidas de volta pela sociedade, e ninguém quer ajudá-las. Estou tentando fazer o governo ajudar as vítimas na sua reintegração, demonstrando preocupação e compreensão.

Tess saiu, abanando a cabeça. Entrou no carro de Alice e voltaram para a base. Na última vinda à Nigéria, depois da operação a equipe se recolheu no bar do hotel, e desta vez não foi diferente, à exceção de Tess pedir um uísque duplo com gelo. Tomou o segundo, até começar a acalmar seus nervos costumeiramente inabaláveis. Carmen havia parado de beber por causa do bebê, mas nesse dia resolveu abrir uma exceção. Até Alice tomou um copo de vinho. O trio havia superado o fato de terem passado tão perto da morte.

- Não sei o que houve com vocês, garotas. - começou Claudine, assim que as coisas se acalmaram. - Não sou avessa a se arriscar, mas desta vez vocês passaram dos limites.

- Não posso discordar de você, Claudine, - respondeu Tess – mas eu não poderia aceitar a ideia de uma menina da idade da Aara se explodindo. Então ela encarou Carmen, que estava pálida.

- Carmen, se você fizer isso de novo, vou lhe dar uma surra.

Ainda tentando controlar o enjoo, Carmen fingiu um sorriso.

- Não me venha com lorotas, Tess. Você sabe que acreditamos nos quatro mosqueteiros, tipo “um por todos, todos por um”.

- Daqui para a frente, você está de castigo. Aposto que o Nicola vai concordar comigo. Tenho certeza de que ele quer ver o filho dele nascer.

- O nome dele é Luca. – disse Carmen casualmente.

- É um menino? Por que esperou tanto para me contar?

- Sei guardar segredos. Nem o pai dele ainda sabe.

Antes que Tess pudesse dizer qualquer coisa, Alice disse que tinha uma notícia. Iria se casar com o General Okafor.

- Isso é ótimo, Alice. Você sempre dizia que não queria se casar. O que a fez mudar de ideia?

- Somi é um homem moderno, bem educado. Eu o respeito e tivemos a mesma ideia sobre como levaríamos a nossa vida de casados.

Claudine ficou perplexa.

- E que método é preciso para isso?

- Vou manter a minha independência, continuar tocando música junto com as Valquírias. O Somi e eu vamos ficar em pé de igualdade, e eu não vou aceitar ordens sobre o que devo fazer.

- Fico surpresa com o general ter aceito isso. – comentou Tess. - Pelo andar da carruagem, ele está prestes a se tornar um homem muito importante no governo, e vai precisar de uma esposa bela e submissa para conduzir pelo braço.

- Não vou ser submissa, mas vou apoiá-lo se ele me apoiar da mesma forma. Não acho que vamos ter qualquer problema, nós nos amamos.

Galina ergueu a mão.

- Este casamento eu não perco!

- Nem eu! – concordaram Tess, Carmen e Claudine.

Todas se abraçaram e começaram a discutir os detalhes do casamento.

Jake e Nicola entraram no bar, com cara de cansaço de quem passara o tempo mexendo com motores. Seus rostos tinham borrões de fuligem, e os macacões pareciam ter levado um banho de óleo.

- Lá vêm os mecânicos! – disse Carmen. - Não resistiram à tentação de meter a mão na graxa?

- Estávamos ensinando ao pessoal daqui o modo correto de consertar os aviões. Tivemos de dar uma incrementada num dos motores. É praticamente certeza que o pessoal local consegue assumir isso daqui por diante. Mais à frente, vou voltar para a Nigéria, ver como estão se saindo.

Tess ergueu o copo.

- Um brinde aos homens lambuzados de óleo. Agora já podemos voltar para casa.

- Nós precisamos de uma cerveja bem gelada. – disse Jake.

Enquanto a equipe conversava sobre suas aventuras, Jake pegou Tess pela mão e a levou a um canto mais discreto do bar.

- Tess, contaram-me o que aconteceu. Não acredito que você arriscou a sua vida e a das suas amigas para desarmar uma mulher-bomba suicida. O que lhe passou pela cabeça?

- A menina estava drogada e apavorada, então eu me arrisquei, e consegui convencê-la a não detonar os explosivos que estavam amarrados ao seu corpo.

- Tess, deve ter percebido que a chance de isso dar certo era mínima, e mesmo assim entrou com tudo. Em que universo disseram que você é indestrutível? Não percebeu que estava pondo em risco as vidas de Carmen e Alice? E iria querer que Aara e eu enterrássemos o que restasse de você? Você foi valente, porém irresponsável. Às vezes eu gostaria que pensasse um pouco, antes de cometer loucuras.

- Jake, você está fazendo tempestade num copo d’água. Eu precisava fazer alguma coisa, e no fim deu tudo certo, então me dê uma folga.

Jake se afastou, ainda furioso... e abalado.

Claudine observara a discussão entre Jake e Tess do outro extremo do bar. Ela entendia o que Jake vira em Tess: ela era linda, destemida e carinhosa. Mas também era impetuosa, e às vezes isso aborrecia o metódico Jake. Esta era a oportunidade dela. Claudine tinha planos concretos para roubar o marido de Tess.




6. ARMAS PERDIDAS


O

repositório de armas nucleares da Coreia do Norte ficava num bunker profundo, de segurança máxima. Um comboio levando um pelotão de soldados parou no portão, e o coronel no comando desceu do primeiro caminhão para mostrar os papéis aos guardas. Após um rápido exame, deixaram-no entrar.

Lá dentro, o coronel foi levado à sala do comandante da unidade. Depois das saudações de praxe e elogios ao Líder Supremo, o coronel informou ao comandante que viera buscar duas armas, para levá-las a um local secreto onde passariam por testes especializados.

O comandante da unidade já havia recebido a autorização para essa transferência algumas horas antes de o coronel chegar, e estava pronto para a entrega. Um caminhão do comboio entrou na unidade, e soldados carregaram as armas na sua plataforma. Ao sair, os soldados do coronel repentinamente sacaram suas armas e mataram, não só o comandante da unidade, mas todos os seus soldados. Os atiradores partiram rapidamente com sua carga, duas bombas nucleares de cinco quilotons cada.

Na cabine do primeiro caminhão, um jovem oficial não estava muito satisfeito.

- Teria sido melhor não ter de matar todos aqueles camaradas na unidade. – disse o Major Pang, subalterno do coronel.

- Você sabe tão bem quanto eu que esta operação precisa parecer um sequestro de armas feito por alguma entidade inimiga. Nossos camaradas pereceram defendendo sua unidade, e é assim que irá parecer. Tenho certeza de que serão tratados como heróis por terem morrido defendendo a sua base. Agora, prepare-se para carregar o navio.

O comboio dirigiu-se celeremente até o porto de Haeju, no sul, e parou num cais onde uma banheira enferrujada havia atracado. Marinheiros do contingente local ajudaram a passar as armas nucleares do caminhão para a embarcação. Assim que o barco ficou pronto para partir, o coronel deu a ordem para seus soldados executarem os marinheiros.

A embarcação partiu imediatamente com rumo oeste, sem ser importunada pelas autoridades portuárias. Elas também haviam sido dizimadas.

O pequeno e velho navio fora registrado em Serra Leoa, usando o que é conhecido como bandeira de conveniência, uma tática comum usada por empresas marítimas para se esquivarem de regulamentos ou taxas. Neste caso, o objetivo era encobrir o fato de que aquele barco enferrujado efetivamente partira da Coreia do Norte.

O navio seguiu rumo ao seu destino no Oriente Médio. Foi contornando a costa da China, virando para o sul nas ilhas Paracel, seguindo a costa do Vietnã, atravessando a Malásia, passando pela Índia, cruzando o estreito de Ormuz, e chegando a uma praia deserta perto de Basra, no sul do Iraque, onde desembarcou sua carga oficial de diversas mercadorias. Pouco depois, transladaram furtivamente as armas até a costa, onde as trocaram com membros do grupo terrorista chamado Estado Islâmico por uma mala repleta de dólares americanos. Os norte-coreanos deixaram lá dois técnicos com a missão de ensinar aos terroristas como usar essas bombas. O restante da tripulação partiu de regresso para o seu país, para entregar a mala de dinheiro ao governo de Kim. Embora tivessem ganas de desertar, precisavam voltar à Coreia do Norte, pois suas famílias estavam sendo mantidas em cativeiro até que eles retornassem depois de uma missão bem sucedida.

Tão logo entregaram o dinheiro, as autoridades os elogiaram pelo seu patriotismo, e os executaram a tiros. Suas famílias inteiras já haviam sido assassinadas, antes mesmo de eles porem os pés em terra firme.

Alguns dias depois, o nome daquele barco apareceu numa lista do Conselho de Segurança da ONU impondo sanções a 31 embarcações norte-coreanas. Infelizmente, já era tarde demais. A carga mortal havia sido entregue.

Enquanto isso, um alerta norte-coreano revelou que as armas nucleares haviam sido roubadas por extremistas islâmicos que, ao fazê-lo, mataram todos os soldados coreanos que defendiam o local onde estavam guardadas. O comunicado ficou restrito às poucas agências governamentais que era preciso informar, e não foi ostensivamente revelado a embaixadas estrangeiras, com a explicação de permitir que o governo da Coreia do Norte pudesse conduzir suas investigações. A notícia vazou deliberadamente um pouco depois, lançando uma série de alertas a todos os países potencialmente ameaçados pelo ocorrido. Até então, tudo ocorrera conforme planejado. O governo da Coreia do Norte era visto como vítima de um ato odioso, o roubo de armas nucleares cometido por terroristas. Não é possível dizer se alguém no Ocidente acreditou nessa história quando ela finalmente foi publicada.




7. UM RIO DE IMIGRANTES


D

epois do projeto na Nigéria, Tess não havia desistido de sua ideia de ajudar a resolver a crise dos refugiados na Europa. Jake continuava se negando a considerar a possibilidade de envolvimento numa empreitada dessas, porém Tess acabou por convencê-lo a, pelo menos, passar pela Alemanha para ver a situação em primeira mão. Foram até algumas cidades menores onde havia muita atividade de imigrantes. Chegaram à catedral de Colônia bem na hora de ver imigrantes muçulmanos fazendo tumulto durante as comemorações de Ano Novo. Muitas mulheres alemãs haviam sido assediadas, intimidadas e até estupradas. Tiveram as mesmas ocorrências em Hamburgo. A polícia local não estava equipada para lidar com um evento inédito como esse, e Colônia logo se tornou o símbolo dos problemas que uma imigração maciça de homens muçulmanos causaria à segurança das mulheres alemãs.

Depois de Munique, Tess e Jake passaram alguns dias em Erfurt, na Alemanha. Deixada praticamente incólume pela II Guerra Mundial, a pequena cidade parecia um vilarejo de conto de fadas congelado no tempo, com ruas de pedra no centro, casas antigas pintadas em tons pastel, e igrejas com algumas das torres mais bem conservadas na Alemanha.

Depois de terem se hospedado num pequeno hotel, Tess e Jake percorreram as ruas daquela cidade aprazível, e perceberam uma multidão se formando no ginásio da escola. De curiosidade, resolveram entrar. A prefeitura havia comunicado que, na noite anterior, um grupo de imigrantes sírios havia sido abrigado na vizinhança. Os moradores não pareciam nada contentes. Na verdade, parecia que o povo estava ficando revoltado.

Uma senhora idosa ergueu a mão:

- O que vamos fazer com toda essa gente? Precisamos construir uma mesquita? Eles vão nos acordar com suas orações toda manhã?

Outra mulher perguntou:

- O que será das nossas crianças? Como vamos protegê-las?

Um homem jovem gritou:

- É preciso acabar já com isso! – e recebeu uma calorosa salva de palmas.

Outro homem se ergueu, visivelmente irritado.

- Os muçulmanos não comem carne de porco, certo?

Era uma pergunta válida, considerando-se que as salsichas e linguiças de porco eram uma especialidade local. Ironicamente, eles teriam de lidar com quatro mil imigrantes, a maioria deles vinda de países muçulmanos, que o governo federal pedira à cidade para abrigar e cuidar.

A SRD, a empresa de Jake e Tess, ainda era credenciada pela ONU, em função do seu trabalho anterior envolvendo o tráfico de pessoas. Essas credenciais serviam para lhes abrir portas e ter acesso a autoridades no mundo inteiro, então foram conversar com o prefeito local.

Ele parecia cansado e estressado.

- Erfurt está mudando, – disse ele. - Acabamos de inaugurar um lar para imigrantes ao lado da minha casa. Minha filha caçula tem uma colega afegã na classe dela. A menina anda numa cadeira de rodas, porque foi atingida por estilhaços de granada na terra dela.

Jake ficou perplexo.

- Como o governo federal conseguiu persuadi-lo a acolher tantos imigrantes na sua cidade?

O prefeito lhe passou uma folha de papel com timbres oficiais.

- O governo não nos deu outra opção. Simplesmente nos impôs uma quota de gente que teríamos de acolher. A Alemanha já recebeu mais de um milhão de pessoas buscando asilo, muitas delas com ideias bem diferentes sobre como a sociedade deveria funcionar. Não sei como podemos absorver tantos muçulmanos que nem mesmo falam alemão, quase não têm recursos, e não sabem fazer nada de útil.

O prefeito parecia ter estado à espera de ouvidos compassivos, porque continuava a descrever suas apreensões.

- Para acomodar os refugiados, não só saímos correndo atrás de alojamentos para eles, mas também intérpretes, professores, assistentes sociais, policiais, salas de aula, e isso sem falar em empregos e dinheiro. Muitos dos cidadãos generosamente acolheram os primeiros imigrantes, mas outros estão preocupados, ainda não estão convencidos de que os benefícios dessa imigração valem o custo, o transtorno, e a transformação da nossa identidade alemã.

Tess quis saber mais.

- Parece que o seu povo está se esforçando muito para isso dar certo.

- Por enquanto, esta cidade está se adaptando. – disse o prefeito. - Avisados com meio dia de antecedência, conseguimos transformar o que era um centro de convenções num abrigo temporário para 674 pessoas. Ocupamos as camas para hóspedes em 19 lares com imigrantes, e já achamos outras possibilidades. Ontem à noite usamos um bordel desativado para abrigar pessoas vindas da Síria. O lugar acabou se mostrando bem adequado para essa finalidade: quartos pequenos com banheiros privativos. Cobrimos as paredes cor de rosa com tinta branca.

O prefeito levou Jake e Tess até a central da equipe de crises da cidade. Toda manhã reuniam-se ali os bombeiros, assistentes sociais, diretores de escolas, gestores de serviços de saúde, e membros do comitê de finanças para descobrir como lidar com a escassez de alojamentos para outros imigrantes que já estavam a caminho. A cidade elaborou um plano experimental de usar mais de 13 dos ginásios de escolas da cidade para abrigar os refugiados.

- Tivemos de cancelar todas as aulas de educação física e proibir os clubes esportivos locais de usarem essas instalações até segunda ordem – explicou o prefeito, meneando a cabeça.

- Agora temos receio de que os pais se rebelem. – prosseguiu ele. - Um mês atrás, pedimos às pessoas que aceitassem os imigrantes como vizinhos, mas agora estamos invadindo a vida delas. Estamos tirando aulas de nossos filhos, e seus times de futebol também. Não há outra opção.

O gerente de uma empresa que vendia contêineres habitáveis aguardava fora do escritório do ginásio, e contou que as entregas estavam com até 25 semanas de atraso.

O estoque de camas dobráveis na Alemanha estava acabando. A cidade encomendara cinco mil camas e colchões da Ikea da Polônia. Um funcionário passou uma hora ao telefone tentando comprar chuveiros portáteis.

- Estão em falta. – disse ele.

Depois, Tess e Jake foram conversar com Sabine Bauer, diretora de uma escola, que estava aconselhando suas colegas da cidade inteira em busca de orientações sobre como lidar com as crianças imigrantes.

- Eu aviso que vão precisar de toda uma infraestrutura para isso. – disse ela.

Sua escola tinha uma “unidade de integração”, composta por uma assistente social, uma psicóloga e uma professora que falavam árabe. Algumas das professoras estavam fazendo cursos para ensinar o alemão para estrangeiros. Também tiveram de comprar novas grelhas para servir as crianças muçulmanas com linguiças de frango e peru, em lugar das locais, que eram feitas com carne de porco.

- Há muita gente insatisfeita com a atenção e os recursos que estamos destinando aos estrangeiros, tanto dentro como fora da escola. – disse Sabine. - Na Alemanha, um refugiado aceito como tal recebe um apartamento, assistência médica, um curso de alemão e 399 euros por mês. Muitos dos nossos, aqui da cidade, estão desempregados, e numa situação mais difícil que essa. Não conseguimos integrar os desempregados na nossa sociedade, e então nos mandaram achar um modo de integrar os refugiados.

De volta a Munique, Tess e Jake assistiram aos noticiários na TV, e conversaram com amigos alemães sobre a situação. Não havia dúvida de que os alemães estavam ficando decepcionados com a decisão da Chanceler Merkel, de deixar mais de um milhão de refugiados muçulmanos virem para a Alemanha. As autoridades locais estavam no limite de sua capacidade. Bilhões de euros haviam sido gastos, e o problema parecia não ter fim. A imprensa relatava casos de estupro cometidos por imigrantes na Suécia. A Dinamarca havia declarado que não receberia nenhum imigrante ou refugiado. A Hungria fez igual. A França expulsou os refugiados que tentaram entrar pelo norte da Itália. Havia pressão política no Reino Unido para não aceitarem refugiados. Até o ex-chanceler da Alemanha disse que abrir as portas para uma quantidade ilimitada de refugiados foi um erro, complementando com sua opinião de que Angela Merkel “tinha coração, mas não contava com nenhum plano”.

Três eleições estaduais importantes se avizinhavam, e parecia inevitável que o partido populista Alternativa para a Alemanha, o AfD de extrema direita, conseguisse fazer avanços consideráveis. Merkel levaria a culpa, e seu apoio havia desabado. Se seu Partido Democrata Cristão lhe virasse as costas, ela poderia até perder a chancelaria. A Europa sem a liderança de Merkel iria afundar.

Durante o café no apartamento de seus amigos alemães, Tess perguntou:

- Por que Merkel, sempre tão prudente, resolveu fazer isso?

- Porque nós, alemães, estamos tentando nos redimir do que os nazistas fizeram na II Guerra Mundial. – explicou Elfriede. - E também porque ela tem bom coração.

- Mas o que ela está fazendo não tem muito sentido. Estamos falando de acolher mais de um milhão de pessoas com religião e cultura radicalmente diferentes.

- Acho que Merkel fez a coisa certa, porém não estabeleceu limites. - completou Elfriede. - A questão agora é como ela irá lidar com as consequências. A Alemanha não tem condições de acolher mais refugiados.

Jake estava lendo o jornal local. Em duas semanas ele havia aprendido o suficiente de alemão para conversar e ler a linguagem complicada quase razoavelmente.

- O que você acha da situação, Jake?

Elfriede sabia que Jake era um prodígio intelectual, com um enorme talento para discernir a essência de um problema a partir de um monte de informações conflitantes.

- Esta é uma situação que vai muito além da Alemanha. Boa parte do problema começou na Síria e na insurreição que houve por lá. Inclui a Turquia, porque ela está na linha de frente da crise dos refugiados. Então há a Rússia, que apoia a Síria. Os Estados Unidos entram na equação também, e o problema imediato afeta a Europa inteira. A União Europeia precisa estabelecer uma fronteira externa que funcione, se quiser se manter sem fronteiras por dentro. Caso contrário, vão reaparecer as fronteiras nacionais, e a UE irá se esfacelar. Precisamos terminar essa guerra da Síria, que é a fonte primária do êxodo de refugiados. A Europa está pagando para a Turquia aumentar o rigor nas suas fronteiras e interromper o fluxo de refugiados, mas os turcos estão fazendo um jogo de extorsão. Também precisamos que países europeus como a Polônia e a Hungria, que recebem injeções maciças de capital da UE, larguem essa posição ingrata de xenofobia nacionalista, mas isso não irá acontecer em breve.

Jake prosseguiu com sua dissertação.

- Na Rússia, precisamos que Vladimir Putin coopere, mas a estratégia dele é solapar uma Europa unida. Um fluxo de refugiados “armados” conseguiria fazer exatamente isso.

- E quanto aos Estados Unidos? - perguntou Elfriede. - Certamente devem fazer parte da solução.

- Os Estados Unidos estão ocupados em tentar manter no poder um governo disfuncional no Iraque, e em combater o EI pelo ar. Não querem se meter diretamente na crise síria, e com bons motivos. Já desistiram de derrubar Assad. Se ele cair, é quase certo que as seitas muçulmanas virulentas irão tomar o seu lugar. A Síria irá implodir.

A próxima escala era Berlim. A dimensão do desafio que a Alemanha enfrentava era evidente no aeroporto desativado de Tempelhof, em Berlim. Os amplos hangares de 15 metros de altura estavam sendo convertidos em abrigos para milhares de refugiados, que dormiam onde anteriormente se guardavam aviões. Havia cerca de 2.600 refugiados ali, e eles esperavam receber mais sete mil. A expectativa era acomodar mais umas 60 mil pessoas na capital.

Tess conversou com um casal de jovens refugiados vindos de Alepo. Ouviu reclamações sobre a comida, ter de aprender alemão, e como as semanas se esticavam para meses, enquanto eles ficavam naquela central de emergência. No início, não queriam sair de Alepo, mas isso dependeria de a guerra terminar. Passaram um, dois, três anos nessa esperança, até que perceberam que tinham quatro guerras a enfrentar: a Síria de Assad contra os rebeldes; o EI contra o governo e os rebeldes sírios; os sauditas contra o Irã; e os curdos contra o EI. Então perderam as esperanças. Os refugiados do Oriente Médio não saíram de lá como opção. Eles saíram por falta de qualquer outra opção.

A UE propusera que as nações europeias aceitassem e distribuíssem entre elas mais 160.000 imigrantes, lembrando aos europeus que seus ancestrais também haviam fugido da adversidade, da miséria e da fome. Havia certa pressão para os países aceitarem quotas obrigatórias, mas era pouco provável que todos se sujeitassem. Se a resistência de alguns países como a Hungria e a Polônia continuasse, poderia ser o fim do projeto europeu inteiro.

Apareceu um boletim especial no meio do noticiário da TV. A Inglaterra havia aprovado o Brexit. Essencialmente, o país estava se desligando da União Europeia. Alguns dos votos tiveram a ver com patriotismo, porém o maior receio era que a UE tentaria forçar a Inglaterra a acolher um grande número de refugiados muçulmanos.

O plano da chanceler alemã de manter as portas do país abertas às pessoas que fugissem do Iraque ou da Síria logo se mostrou bem impopular. Os alemães comuns passaram a recear as consequências de manter as portas abertas a refugiados. Isso levou a insinuações de que Merkel se importava mais com os estrangeiros do que com a segurança de seus próprios cidadãos.

Um partido político de extrema direita, Alternativa para a Alemanha ou AfD, disparou nas pesquisas nacionais e venceu várias eleições regionais importantes. Uma pesquisa nacional revelou que a soma do apoio popular aos dois maiores partidos políticos do país havia caído abaixo de 50%. Um receio intenso em relação aos imigrantes enfraqueceu a política de centro, levando as pessoas para a direita, uma evolução problemática que remontava ao surgimento do nazismo.

Para piorar as coisas, a Alemanha sofreu uma série de atentados terroristas sanguinários e caóticos. Enquanto viajava num trem regional perto da cidade de Würzburg, um adolescente afegão que pleiteava asilo atacou os passageiros com uma foice, ferindo cinco deles. Outro adolescente, de ascendência iraniana, matou a tiros nove pessoas e feriu mais 35 num shopping center em Munique. Um refugiado sírio, usando um facão, atacou pedestres na cidade de Reutlingen, matando uma polonesa grávida e ferindo mais duas pessoas. Um sírio que não conseguiu asilo se explodiu num bar em Ansbach, ferindo 15 pessoas. Todos esses incidentes reforçavam os argumentos dos partidos de extrema direita.




8. UMA CHAMADA AO DEVER


D

epois do tour pela Alemanha, Tess e Jake voltaram para Nova York. Desta vez Tess relutou, porém teve de concordar que a situação dos refugiados na Europa era algo tão avassalador, que os recursos limitados que ela teria à sua disposição não conseguiriam fazer a menor diferença. A crise teria de ser resolvida pelos governos europeus. Todavia Jake não tinha dúvidas de que Tess acabaria dando um jeito de voltar a esse tema.

Era um dia bonito, então decidiram jantar num restaurante ao ar livre no centro da cidade. Colocaram as coleiras nos cachorros e saíram para caminhar. Os pedestres sorriam ao ver aquele par estranho formado por Maggie e Sebastian, mas não resistiam ao desejo de pedir licença para acariciar Maggie. Às vezes as carícias ficavam sujeitas ao humor do buldogue. Tubby havia se autonomeado protetor de Maggie, e levava essa função muito a sério. Era normal ele rosnar quando um transeunte que ele julgasse digno de suspeita acariciasse Maggie no topo da cabeça. Um leve puxão na coleira era o bastante para fazer Tubby se comportar, mas ele já teria manifestado o seu parecer.

Pouco depois de terem se assentado no restaurante à beira da calçada, o celular de Tess tocou, e ela atendeu.

- Oi, papai. O que houve?

Depois de uma breve conversa, ela passou o telefone a Jake.

- Meu pai quer falar com você.

Jake estava mastigando uma massa muito apetitosa ao pesto com edamame e amêndoas, mas pegou o telefone.

- Boa noite, general. A que devo o prazer?

- Olá, Jake. Sei que estou perturbando o seu jantar por minha conta e risco, mas preciso lhe fazer uma pergunta urgente. O nome Paul Saunders lhe diz alguma coisa?

- Claro! Paul era o meu chefe na CIA.

- Bem, ele gostaria que você e Tess tivessem uma reunião conosco amanhã. Disse que tem um assunto importante para conversar.

Jake ficou imediatamente desconfiado.

- Morgan, na última vez em que vi o Paul, eu tinha levado um tiro no pulmão de terroristas iraquianos. Não há o que me faça voltar para o Iraque.

- O Saunders não está propondo nada disso. Agora ele é Diretor Assistente da CIA, e precisa conversar com você sobre alguma coisa importante.

- E por que ele mesmo não me procurou?

- Teve receio de que você não o atendesse por causa de uns desentendimentos que vocês tiveram no passado. Agora está insistindo em falar com você. Como um favor para mim, gostaria que viesse falar conosco amanhã de manhã. Não deve levar mais do que uma hora. É coisa simples.

- Nada pode ser simples com o Paul envolvido, mas tudo bem, estaremos aí amanhã de manhã, desde que ninguém espere que nos envolvamos com o que o Paul estiver tentando fazer.

- É tudo o que eu lhe peço, Jake. Fico muito grato por você se dispor a ouvir o que Saunders tem a dizer. Posso contar com vocês no meu escritório amanhã de manhã, às dez horas?

- Estaremos lá. Tenha uma boa noite.

Jake pôs o celular na mesa, recostou-se na cadeira, e olhou para Tess.

- Não estou gostando disso, Tess. Acho que a CIA me quer de volta, e não estou nem um pouco interessado.

- Não posso culpá-lo, Jake, considerando que você escapou por pouco na sua última aventura no Iraque. Eu fui vê-lo, baleado e sangrando, no hospital militar, lembra?

- Acho que não temos outra opção além de ouvir o que Saunders tem para dizer. Vamos aproveitar a noite, e amanhã veremos.

Alheios ao lugar onde estavam, Tubby e Maggie desfrutavam seus hambúrgueres mal passados. Na verdade, Maggie comia como uma dama, saboreando sua comida em pequenas mordiscadas. Sebastian deglutira seu hambúrguer segundos depois de o garçom ter trazido a comida, e observava a refeição de sua comensal com uma despudorada volúpia. A pequena Maggie prudentemente protegia seu repasto de uma pilhagem, lançando um olhar de “não ouse!” para o buldogue guloso. Como sempre, Jake evitou uma altercação mandando servirem a Tubby uma tigela do seu favorito sorvete de creme.

Na manhã seguinte, Jake e Tess tomaram um táxi para o centro da cidade, até o escritório central da NTC, uma grande fornecedora de equipamentos militares para o Pentágono. Foram levados rapidamente à sala do CEO, o General Morgan Turner, reformado. Como sempre, o general recebeu Tess e Jake efusivamente, e os convidou para se sentarem à mesa de reuniões.

- Então, como vão os negócios? - perguntou o general.

- Estamos indo bem, papai. – Tess respondeu. - Tiramos uma folga depois do ano decepcionante que passamos tentando fazer alguma coisa contra o tráfico de pessoas, mas agora estamos novamente focados no nosso negócio principal. Acabamos de voltar da Nigéria, onde fizemos a entrega de alguns aviões Tucano a serem usados contra o Boko Haram.

- Seria bom se a Nigéria pudesse bancar alguns caças Raptor F-22. Não quero me gabar, mas tenho muito orgulho desse avião. Ele é furtivo e sofisticado, sem falar em como é lucrativo.

Jake sorriu.

- Talvez ele impressionasse mais, se não custasse $ 68.362 por hora de voo.

O sogro estava preparado.

- Você não perde uma chance de estragar prazeres, não é?

- Só estou citando fatos.

- De qualquer modo, isso é complicado. Como sabe, todos esses números ficam sujeitos a convenções de contabilidade, à interpretação dos contadores, e simplesmente ao número de horas de voo por ano. Estes são custos médios, e não custos marginais.

O cérebro matematicamente infalível de Jake entrou em ação.

- É preciso admitir, Morgan, que o nosso equipamento é vergonhosamente caro para qualquer um comprar e operar. O novo caça F-35 custa apenas $ 85 milhões de dólares por unidade. O Eagle F-15C custa $ 41.921 dólares por hora de voo, o Fighting Falcon F-16C custa $ 22.514 por hora. O venerável Thunderbolt II A-10C, o Warthog, custa uma mixaria para voar, míseros $ 19.000 dólares por hora. Acho que o drone Reaper MQ-9A é uma pechincha, por apenas $ 4.762 por hora.

- Como sempre, você tem razão, Jake. O custo é um fator, mas os drones Reaper estão numa categoria completamente diferente. Essas coisinhas vão acabar afetando a lucratividade das principais indústrias de material bélico. Os militares já descobriram como eles são práticos e baratos. Neste ano, os drones representaram mais de 60% de todas as armas aéreas mandadas para o Afeganistão. Em 2015, os drones foram usados em 56% dos ataques contra o Talibã. Em 2011, esse número era 5%, então o destino está traçado. Os militares estão aumentando o uso de drones, não só pelo custo, mas porque eles evitam por a vida do piloto em risco.

O general sabia muito bem que nunca iria ganhar uma discussão com Jake, e ficou aliviado quando sua secretária trouxe Paul Saunders para dentro da sala.

Saunders aproximou-se de Jake e abriu um sorriso.

- Nossa! Jake, você está ótimo. Pelo que vejo, para você o tempo não passa.

Os homens trocaram um aperto de mãos.

- Continuo aprontando sem levar a culpa. – Brincou Jake. - Parabéns pelo seu novo cargo na CIA.

- Obrigado, Jake. Eu estava ansioso para curtir minhas novas mordomias, mas parece que o Tio Sam teve uma ideia diferente. E esta deve ser a famosa Tess. É um prazer finalmente vir a conhecê-la. Saunders estendeu-lhe a mão.

Todos se acomodaram ao redor da mesa. Saunders foi direto ao assunto.

- Jake, fontes confiáveis da inteligência indicam que é iminente um grande ataque envolvendo uma arma nuclear alegadamente perdida, ou um ataque com armas químicas, igualmente devastador. Acreditamos que esse material esteja no Iraque ou na Síria. Se alguma dessas bombas for usada, não importa qual seja o alvo, é óbvio que a repercussão será significativa. Achamos provável que esse ataque ocorra no Oriente Médio, havendo contudo a possibilidade de ser na Europa. Os Estados Unidos e a OTAN já colocaram à disposição todos os recursos que forem necessários para enfrentar essa ameaça, porém temos muito trabalho pela frente.

- E o que isso poderia ter a ver comigo? - perguntou Jake com um olhar de ceticismo.

- O presidente nos deu instruções para usar os recursos que forem necessários para chegar ao cerne da questão e impedir o uso dessas armas. Já colocamos os melhores agentes e analistas de inteligência para trabalhar neste caso, incluindo vários especialistas de informática e cientistas bem conhecidos. Todavia eu acho que isso não é o bastante, e é por este motivo que estou pedindo para você vir participar.

- Paul, você sabe que sou alérgico à política e ao pensamento grupal. Não foi só uma vez que eu externei a minha opinião de que a última guerra no Golfo foi uma operação horrível e mal dirigida que destruiu o Iraque, desestabilizou o Oriente Médio e, de muitas maneiras, criou as condições necessárias para a ascensão do Estado Islâmico. Também reclamei da corrupção no novo governo iraquiano. Percebi que estava pregando no deserto, então pedi demissão. Agora os problemas se agravaram, e vocês querem que eu me envolva novamente numa outra confusão, que não fui eu quem criou.

- Entendo o que diz, Jake, e reconheço que você estava com a razão o tempo todo. Tem todo o direito de ver isso com ceticismo, porém agora precisa levar mais um aspecto em consideração. Desta vez não estamos lidando com política. Estamos diante de uma possível catástrofe, que não só irá afetar os Estados Unidos, mas a Europa também. Ouça o que eu tenho a dizer, e depois decida.

- Certo, vá em frente.

- Você é uma das poucas pessoas com memória infalível, que consegue montar um quebra-cabeças apenas olhando para as peças. Na minha longa carreira, raramente vi pessoas com a sua habilidade analítica e, além disso, você costuma estar com a razão. Outra coisa é a sua capacidade de aprender idiomas e outras coisas com uma rapidez incrível. Vamos precisar dessas qualidades para descobrir quem roubou esse material, e onde pretendem usá-lo.

- Obrigado pelos elogios, Paul, mas tenho certeza de que deve haver outras pessoas com as mesmas qualidades que você acabou de enumerar.

- De fato há, sim, Jake. O nome dele é Vaughn Wentworth, um tipo de agente do MI6 britânico, que é a única pessoa que, na minha opinião, tem os mesmos talentos que você.

- Uau, Vaughn Wentworth. Nome difícil de pronunciar. – observou Jake.

- Espere um pouco... – Tess interrompeu. - É o mesmo Vaughn Wentworth, o famoso maestro de música clássica? Muitas orquestras gostariam de contratá-lo como diretor musical, mas ele prefere ser autônomo.

Saunders tratou dos detalhes.

- Sim. Wentworth é uma figura interessante. Seus ancestrais eram cossacos, que ficaram famosos por suas proezas militares, e pela sua inabalável lealdade aos czares da Rússia. Quando os soviéticos tomaram conta da Rússia no final da I Guerra Mundial, fizeram o possível para exterminá-los ou despachá-los para a Sibéria. A família de Vaughn conseguiu fugir da Rússia, e ele nasceu em Londres. Seu nome originalmente era Vasyli Kirsanov. Então seus pais se naturalizaram britânicos e adotaram um nome inglês mais adequado. O interessante é que Wentworth nunca esqueceu suas raízes russas, fala o idioma fluentemente, e conseguiu se inserir na elite do poder russo dando conselhos políticos úteis que chegaram aos ouvidos do Presidente Vladimir Putin, que se vê como um czar ressurgente.

- Por que está me contando tudo isso? – Jake ainda estava cético.

- Gostaríamos que você e Wentworth trabalhassem juntos neste problema, que unissem seus impressionantes recursos intelectuais para poupar o mundo de uma experiência terrível, com graves consequências.

Tess não gostou do rumo que aquilo estaca tomando.

- Paul, tenho certeza de que você já sabe que o Jake é refratário a bajulação. Eu não acredito que o mundo ocidental não seja capaz de resolver este problema sem ele. Se a situação é tão perigosa quanto você diz, os vastos recursos das grandes potências devem ser suficientes para dominá-la.

- Na verdade, Tess, não é só isso. Você também faz parte da solução. Gostaríamos de usar a SRD, sua empresa, como disfarce para examinar outra parte do enigma.

- E como seria isso?

- Gostaria que você pegasse alguns dos melhores elementos da sua equipe, passasse duas semanas com o exército dos Estados Unidos na Bulgária para se qualificarem como pilotos dos aviões A-10, apelidados de Warthogs, ou javalis, e então levassem alguns deles até a Ucrânia, como parte do nosso programa de assistência para trazer aquele país para o século XXI.

- Não vejo o que isso tem a ver com o outro problema que você descreveu. – disse Tess, um pouco encafifada com o que acabara de ouvir.

Paul tirou um documento impresso e o olhou rapidamente.

- Pelo que soube, você teve um papel importante em ajudar a justiça da França a julgar Laurent Belcour, acusado de lenocínio e promoção da prostituição. Esse incidente sórdido o forçou a renunciar da liderança da IDO, a International Development Organization.

- É verdade, mas você se esqueceu de mencionar que os tribunais franceses não conseguiram condenar Belcour e seus capangas. Aqueles pervertidos escaparam, livres e soltos.

- Isso não tem importância. O importante é que Belcour a conhece, e ainda está tentando entrar em contato com você.

- Não vou lhe perguntar como é que você sabe, mas é verdade. Ele fica me mandando e-mails, flores, e me convidando para almoçar. Sem dúvida, ele quer tripudiar por eu não ter conseguido colocá-lo na cadeia. De qualquer modo, não entendo o motivo para o Big Brother ficar perdendo tempo e gastando recursos com isso, e nem vejo uma ligação ente isso e as bombas nucleares.

- Ah, mas essa ligação existe. Depois de sair da IDO, Belcour passou a prestar serviços de consultoria financeira para países que, no momento, não são os mais benquistos pela comunidade internacional. Alguns deles são o Sudão, Sérvia, Cazaquistão, Tajiquistão, Myanmar, Zimbábue, Vietnã e, mais recentemente, a Coreia do Norte. Aparentemente, ele os ajuda a melhorar suas estratégias e gestão financeira.

- Afinal de contas, ele precisa ganhar a vida. – observou Jake. - Não vejo nada de sinistro nisso.

- Fora o fato de Belcour exigir que sua remuneração inclua damas de todos os naipes, até mesmo as fora do baralho, suas atividades não seriam motivo de preocupação, se ele não tivesse passado os últimos dois meses na Coreia do Norte como convidado especial do charmoso ditador Kim Jong-un. Como sabe, a Coreia do Norte está financeiramente arruinada, e sob diversos embargos que paralisaram o país. A especialidade de Belcour é arranjar financiamentos com diversas organizações financeiras, mas não achamos que ele possa fazer muito nesse sentido pela Coreia do Norte, que é um país proscrito. A conclusão é que o envolvimento dele vai além da consultoria financeira, podendo entrar em áreas um tanto nebulosas.

- Deve haver mais alguma coisa. – disse Tess.

- De fato há, sim. O governo dos Estados Unidos contratou Belcour como consultor principal para ajudar a Ucrânia a melhorar sua situação financeira.

Tess não conseguia acreditar.

- Vocês contrataram um conhecido traficante de pessoas para participar de um prestigiado programa internacional?

- Infelizmente, dadas as circunstâncias, não tivemos muita escolha. A CIA facilitou a seleção dele como integrante da equipe de apoio à Ucrânia. Precisamos descobrir o que ele sabe sobre as armas desaparecidas, e onde elas poderão ser usadas. Tess, no cômputo final, você é a única pessoa que conseguimos ver como capaz de iniciar o diálogo com Belcour sem que ele suspeite. Precisamos descobrir o que ele sabe. Temos certeza de que ele está envolvido nisso de algum modo. Você é a única pessoa que pode se aproximar dele. Afinal de contas, é ele que está tentando fazer contato com você.

Tess ficara visivelmente aborrecida.

- Paul,você não tem noção do quanto eu abomino esse homem. Se eu chegar a ficar a dez quilômetros dele, já será perto demais.

- Entendo os seus motivos, Tess, mas preciso lembrá-la de que estamos lidando com uma questão de segurança nacional, a nossa e a de nossos aliados. Não podemos permitir uma explosão nuclear em nenhum lugar, e o Belcour pode ser a chave para resolvermos este caso. A esta altura você é a única pessoa que pode se aproximar dele, e estou formalmente lhe pedindo para participar. Providenciei para você participar de uma reunião de instruções na central do SOCOM, em Tampa, que está montando uma equipe de elite para trabalhar nisso. Se concordar em participar, vamos reintegrar vocês dois à ativa do exército.

- Paul, posso pensar melhor nisso?

- Vocês dois têm até amanhã de manhã para decidir. Não podemos perder tempo. As armas certamente estão nas mãos de terroristas, e nossa capacidade de prevenir uma catástrofe vai diminuindo a cada hora que passa.




9. SALVANDO O MUNDO


J

ake e Tess desembarcaram no aeroporto de Tampa, na Flórida. No caminho até os balcões das locadoras de automóveis no outro lado do terminal, puderam curtir o sol da Flórida por exatos dois minutos. Pegaram o carro, um Corvette novo, e rumaram para a Base Aérea de MacDill para participar de uma reunião no SOCOM, o Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos.

Assim que foram liberados no portão da base, um tenente veio ao seu encontro na porta de um prédio e os conduziu até uma sala de reuniões muito bem equipada. Havia várias pessoas sentadas à volta da longa mesa de reunião, e Jake e Tess foram convidados a se juntar a eles. Um oficial do exército com estrelas nos ombros deu início aos trabalhos.

- Bom dia. Sou o Major-General Kevin Brooks. Vocês foram solicitados a participar de uma operação da máxima importância. Todos estão aqui em função dos seus talentos exclusivos.

O General Brooks passou à apresentação dos integrantes da equipe.

- Agora eu gostaria de apresentar rapidamente as pessoas aqui presentes, que foram selecionadas para atingir certos objetivos importantes. Fazendo a volta, o Coronel Howard Anders será o seu contato principal. Ele irá se comunicar com vocês conforme necessário, e também irá providenciar quaisquer recursos de que vocês possam precisar. Vaughn Wentworth nos vem do mundo da música, mas também é um respeitado ativista da paz e alto agente do MI6 britânico. Ao longo dos anos, desenvolveu uma valiosa rede de informantes na Rússia, Irã, Coreia do Norte e no Oriente Médio. Ele também é amigo próximo do presidente da Rússia. Eva Bar-Lev é do Mossad, de Israel. Seu foco é monitorar as ameaças do Irã e da Síria, e coordenar o contato entre os Estados Unidos e Israel. O Coronel Jake Vickers e a Major Tess Turner são da SRD, uma respeitada empresa de serviços militares, não só para o governo dos Estados Unidos, mas também para várias nações em desenvolvimento. O grupo nesta sala foi criado como uma unidade autorizada a conduzir as operações da maneira que achar mais adequada. Sua tarefa será vasculhar as ligações entre Coreia do Norte, Rússia, China, Irã e as organizações terroristas no Oriente Médio. Obtivemos informações confiáveis de que um evento de consequências significativas está sendo planejado. Sua missão é descobrir qual é a ameaça escondida nas sombras, e coordenar um modo de compartilhar as informações a serem usadas para lidar com o problema das armas nucleares desaparecidas.

Jake ergueu a mão.

- Senhor, os recursos de inteligência da minha empresa foram organizados para apoiar nossas atividades normais. Não imagino o motivo de precisarem de nossos serviços num teatro de operações tão grande.

- Na verdade, vocês estiveram envolvidos em algo relevante à tarefa que temos pela frente. – respondeu o General Brooks. – Entendo que tiveram tratativas com um sujeito chamado Laurent Belcour, ex-chefe da IDO, a International Development Organization.

Vaughn Wentworth, alto, bonito e em boa forma, elegantemente vestido com um terno risca de giz, ostentando uma barba bem aparada no rosto e um belo par de abotoaduras Wedgewood, começou a falar com um sotaque britânico bem cultivado, como se fosse repassar conhecimentos preciosos às massas ignaras. Ele se recostou na cadeira e entrelaçou os dedos.

- A CIA e o MI6 seguiram Belcour durante algum tempo. Nossos contatos relataram que ele está fazendo coisas que podem ser preocupantes para as forças ocidentais. Muito depende de com quem ele anda. Depois das visitas dele, cada um dos países com os quais ele trabalhou aumentou significativamente as despesas com suas forças armadas. A Coreia do Norte, especificamente, fez testes nucleares e lançou mísseis balísticos no oceano. O Líder Supremo Kim agora diz que seu país conseguiu miniaturizar bombas atômicas a ponto de caberem nas ogivas de seus mísseis.

- Isso já é do conhecimento público. – observou Jake. - Kim também reclamou dos exercícios militares dos Estados Unidos e da Coreia do Sul, que ele considera como um prelúdio para a invasão. Ele fica ameaçando guerra, regularmente.

O General Brooks entrou na conversa.

- Tudo isso é verdade, e até certo ponto um padrão de comportamento já conhecido. O problema é que há provas inquietantes de que estão armando alguma outra coisa. Nossos satélites observaram algo peculiar. Parece que alguém pegou armas nucleares ou material nuclear de uma das instalações militares da Coreia do Norte. O que é realmente estranho é que as caixas foram carregadas em caminhões e, antes de partir, os receptores mataram a tiros as pessoas que os ajudaram a colocá-las em cima dos veículos.

- Parece sabotagem interna. – observou Tess.

O general prosseguiu.

- Não sabemos quem está por trás dessa operação, mas há outra coisa preocupante. Os caminhões foram até um pequeno porto na costa oeste da Coreia do Norte, e embarcaram as caixas num pequeno navio cargueiro, que partiu imediatamente, rumando para oeste. Poderia ser uma entrega para clientes desafetos no Oriente Médio.

O grupo inteiro ficou calado, pesando as implicações do que haviam acabado de ouvir.

Eva Bar-Lev foi a primeira a romper o silêncio.

- Pensei que a maioria dos navios norte-coreanos era impedida de navegar para outros países, devido às sanções internacionais.

- Provavelmente mudaram de bandeira assim que saíram. - acrescentou o general. - Além disso, perdemos o rastro do navio, então não sabemos aonde ele foi parar.

O Coronel Anders deu seu palpite.

- Nem é preciso dizer que se essas armas foram parar nas mãos do EI ou do Irã, estamos diante de uma situação catastrófica. Também podemos supor que o alvo seja qualquer uma das principais cidades ou instalações militares de vários países naquela região. Um ataque a Israel não deixa de ser uma possibilidade. E também há a preocupação de que possam levar essas armas para a Europa. Vocês precisam trabalhar juntos para descobrir o que está acontecendo, e coordenar os esforços de descobrir o que está acontecendo no Oriente Médio, começando pelo Irã e pela Síria.

- Esta situação é uma ameaça à existência do Estado de Israel. – Eva Bar-Lev comentou. – Meu país é pequeno. Uma explosão nuclear seria o bastante para apagá-lo da face da terra.

- Não há dúvida quanto a isso, embora a Europa também seja vulnerável. – acrescentou o general. – Precisamos ir rápido com isso; as potências do Ocidente irão participar e nos providenciar o que for preciso. Agora vamos falar do papel individual de cada um nesta sala, começando com o Sr. Wentworth. Você irá trabalhar com Jake Vickers, para determinar onde estão, ou para onde pretendem levar essas armas. O Sr. Wentworth também pode acessar recursos de inteligência na Rússia e no Irã. Embora não suspeitemos dos russos, precisamos ter certeza de que eles não estão envolvidos nisso. Eva Bar-Lev, do Mossad, irá trabalhar com suas fontes no Irã, caso esteja envolvido. Parte dessa avaliação se baseia nas ideias da teocracia que governa o país, os aiatolás. Seu instrumento é a Guarda Revolucionária do Irã, um bando de fanáticos extremamente hostis ao Ocidente.

- Não sei em quê a SRD poderia contribuir para esta iniciativa. – observou Jake. - Não somos uma organização governamental, e nem temos acesso aos recursos necessários para trabalhar no projeto.

- Na verdade você tem algo muito relevante para esta operação, coronel. Tanto você como a Major Turner cruzaram com Laurent Belcour em muitas ocasiões, e pelo que sabemos ele vem tentando se encontrar com Tess desde aquele julgamento desagradável na França. Achamos que seria produtivo tentar abordá-lo para descobrir até que ponto ele está envolvido nisso. Ele pode ser o elemento crucial deste caso.

- De jeito nenhum! – protestou Tess. O homem é um porco, e vem me assediando com telefonemas e mensagens, mesmo sabendo que eu tentei colocá-lo na prisão. Ele não se arrepende, não toma jeito, e é um proxeneta internacional que merece um chute no mapa-múndi.

- Sim, mas precisamos de alguém que consiga conversar com ele. Vocês têm até amanhã de manhã para se decidirem.

O general saiu da sala, seguido por dois oficiais.

♦♦♦

Naquela noite, Tess e Jake foram jantar no Charlie's Steakhouse em Tampa, e Tess se sentiu aliviada por Jake não ter a oportunidade de pedir coisas da cozinha exótica; teria de se contentar com um excelente bife com batatas assadas.

Tess ainda estava aborrecida com a possibilidade de ter de se encontrar com Belcour.

- Jake, como é que eu posso falar com o Belcour depois de tudo o que passamos? O homem é maníaco. Mesmo depois de eu ter tentado colocá-lo na cadeia, ele age como se nada tivesse acontecido. Ele ainda me incomoda quando vem para Nova York, me manda e-mails, vai assistir aos meus concertos, e até telefona. Eu nunca atendo aos telefonemas dele, e nem respondo às suas mensagens. E agora querem que eu vá procurá-lo?

- Eu entendo qual é o plano do general. Você é a única pessoa que pode ir ao encontro dele sem levantar suspeitas, já que é ele que está tentando fazer contato com você.

- Ele só quer me encontrar para me jogar na cara que fracassei na tentativa de pô-lo na cadeia. Agora ele se sente invencível. Tenho certeza de que ele ainda tem ressentimentos de ter sido forçado a pedir demissão da IDO. Ele ainda é perigoso. Pode estar planejando sua vingança contra nós. Seria um bom motivo para manter distância.

- Talvez, mas você tem um problema. O Belcour não para de assediá-la, não só com mensagens e convites para almoçar, mas também indo assistir aos seus concertos quando está por perto. Ele parece estar envolvido com alguma coisa que poderia ser uma calamidade para muitos países. Se conseguirmos pegá-lo em flagrante, desta vez ele irá para o xilindró por um bom tempo.

- Quer dizer que se eu não me envolver, o mundo vai acabar me culpando por não ter ajudado a impedir uma bomba nuclear de explodir?

- É mais ou menos isso.

Tess engoliu seu Scotch com gelo de uma vez.

- Acho que vou precisar de outro desses.

♦♦♦

Na manhã seguinte, Tess e Jake foram falar novamente com o General Brooks em seu escritório. Não havia mais ninguém lá.




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Tess Andres Mann

Andres Mann

Тип: электронная книга

Жанр: Современная зарубежная литература

Язык: на португальском языке

Издательство: TEKTIME S.R.L.S. UNIPERSONALE

Дата публикации: 16.04.2024

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О книге: Tess, электронная книга автора Andres Mann на португальском языке, в жанре современная зарубежная литература

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